A Elite do Atraso: da Escravidão à Lava Jato | Jessé Souza
Jessé José Freire de Souza, formado em Direito pela Universidade de Brasília (1981), concluiu o mestrado em Sociologia pela mesma instituição em 1986. Em 1991, doutorou-se em Sociologia pela Karl Ruprecht Universität Heidelberg(Alemanha), país onde obteve livre docência nesta mesma disciplina Universität Flensburg em 2006. Também fez pós-doutorado em Filosofia e Psicanálise na New School for Social Research, Nova Iorque, (1994/1995). A partir de 2009, Souza fomentou pesquisa sociológica em todo o país para corroborar a tese de que havia surgido uma “nova classe média” no Brasil. O levantamento feito por ele indicou a configuração de nova nomenclatura, a saber, “ralé”, “batalhadores”, “classe média e “elite”, sendo os dois últimos atores de exploração aos dois iniciais, ou seja, detentores de privilégios históricos. Nesse contexto, Jessé Souza escreveu a obra “A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato”, em 2017 com o intuito de resgatar os precedentes históricos da sociedade brasileira afim de entender a situação atual do país. O autor lançou o livro pra averiguar a trajetória política, econômica e social do Brasil a partir da análise de suas classes sociais. O trabalho de Souza se compromete a tecer críticas ao modelo atual de classes no Brasil, destruindo o paradigma entre “Patrimonialismo” e “Culturalismo racista” que estão enraizadas na sociedade brasileira.
Inicialmente, Jessé Souza faz crítica à maneira como é encarada a propagação do patrimonialismo pela própria classe intelectual brasileira. Segundo o autor, “o trabalho de distorção sistemática da realidade realizado pela mídia foi extremamente facilitado pelo trabalho prévio dos intelectuais” (SOUZA, 2017, p.14). Souza se embasa, portanto, em dois outros autores onde, para criticar esse paradigma, necessita utilizar obras relacionadas ao tema em discussão dos mesmos. Os principais alvos do autor são Rodrigo Faoro, com a obra “Os donos do poder” e, principalmente, Sérgio Buarque de Holanda e seu livro “As raízes do Brasil”, relatando a forte propagação da ideia de culturalismo e patrimonialismo que trazem a leitura destas obras e que, tendem a se fortalecer a partir da influência que esses autores trazem por si. Entretanto, é válido o argumento de que Souza não dá mérito aos intelectuais como criadores desses conceitos, mas sim os culpa por legitimarem essas ideias em âmbito nacional.
Dentre os alvos utilizados por Jessé Souza, o patrimonialismo é o que mais se destaca, visto que, para o autor, relaciona-se ao eixo de explicação do Brasil e de suas relações sociais. O autor reforça que a propagação desse paradigma não se realiza apenas por parte dos intelectuais, mas abrange a grande mídia tradicional e até os setores acadêmicos como por exemplo, segundo Souza, a Universidade de São Paulo (USP). Esse conjunto de atores tornam-se, portanto, responsáveis pela intensificação da restrição intelectual, permitindo o furto da capacidade de decisão de uma nação.
Jessé Souza, como já comentado, traz à tona os malefícios que a propagação dos paradigmas do patrimonialismo e culturalismo racista trazem a sociedade brasileira como um todo. Isso fica nítido na obra “As raízes do Brasil”, quando Sérgio Buarque reforça o viralatismo no Brasil, ou seja, a ideia de que o brasileiro por ser conhecido por sua afetividade e informalidade, tenderia a práticas corruptas. A teoria do vira-lata se dá pelo fato de sermos taxados como desonestos, menos produtivos e menos democratas que países como Portugal, e assim, considerados primos pobres. Essa ideia se impõe apenas ao caso brasileiro pelo autor excluindo os demais casos, mundo a fora, trazendo a ideia de que o Brasil é inferior às outras nações como Estados Unidos e Europa. Segundo ao autor, a ideia de conduta errônea é uma herança do período colonial e escravocrata. Tal postura, reforçada pelo patrimonialismo, tende a demonizar a figura do Estado por uma elite com o intuito apenas de escoar o capital para si, daí o termo “Elite do atraso” referindo-se, justamente, a essa elite que faz qualquer coisa por um saque, enganando o povo através da mídia.
A elite brasileira, detentora de grandes reservas de capital, com intensa participação no mercado financeiro acaba por rapinar (termo utilizado pelo autor) a riqueza social em benefício próprio. Esse grupo age de forma articulado e corporativista, mas tem sua atuação apagada pela propagação do patrimonialismo e culturalismo que atua de complô com a grande mídia tradicional afim de ludibriar as demais classes ao demonizar o Estado, ou seja, atribuir a ele a única culpa por todas as mazelas sociais do país. Essa tendência faz com que a elite do atraso seja camuflada, legitimando apenas seus interesses próprios. Todo esse esquema é utilizado para ocultar a elite real, que se encontra apartada do Estado. Essa elite do atraso estaria, segundo Jessé Souza, nos mercados financeiros.
A dominação da elite brasileira sobre o povo é explicada pelo patrimonialismo, ou seja, pela ideia de que a corrupção está no Estado e não no mercado e isso é uma falácia, pois essa mesma elite quer dominar essas duas instituições. Para Jessé, o problema do Brasil é justamente o patrimonialismo, que faz com que o populismo seja criminalizado por vir de classes mais baixas. Esse paradigma patrimonialista e cultural racista faz com que essa elite se legitime, botando o Estado como detentor de toda corrupção e culpa dos problemas sociais no Brasil, principalmente em governos cujo foco seja reduzir a disparidade social. O autor acrescenta também a falta de discussão a respeito das camadas sociais mais beneficiadas, em termos financeiros, pelo patrimonialismo. Nessa elite é incorporada a tática de tirar a autonomia do Estado e entregar o poder nas mãos de setores privados, por meio de privatizações e manipulação intelectual das grandes mídias.
A grande questão do Brasil é que a desigualdade se agravou desde o golpe de Michel Temer, uma vez que, desde o governo Lula, em 2003, que políticas públicas de desconcentração de renda foram adotadas e, assim, as classes mais pobres conseguiram ter acesso à renda. Estas passaram a ter maior poder de compra e acesso às universidades. Isso, claro, despertaria a indignação das elites brasileiras. Essa ascensão das classes mais pobres não pode ser confundida com o surgimento de uma “nova classe média”, visto que, para Jessé, um aumento de renda não configura uma mudança de classe. Para Jessé, a esquerda brasileira nunca teve uma reflexão autônoma sobre o Estado, por isso compraram a tese do patrimonialismo. Isso se intensificou quando o governo Dilma “namorou” certa operação dita anticorrupção durante seu mandato, ou seja, deu território pro próprio inimigo. Essa passividade do Estado fez com que a população acabasse defendendo a farsa monumental que é a Lava-Jato.
Jessé Souza, afim de reconhecer essa herança de hierarquias, se baseia em obras relacionadas ao passado escravista brasileiro e encontra grande aparato nas obras de Gilberto Freyre como “Sobrados e Mocambos” e “Casa Grande & Senzala”. A partir desse contexto, o autor encontra outro problema estrutural brasileiro que está justamente na classe média e que, segundo Souza, é heterogênea e conservadora. O autor faz uma analogia entre esta classe e a figura do capitão do mato do período escravocrata. Jessé diz que estes servem à elite (que seriam o proprietário das terras, analogicamente falando), adotando táticas de opressão á classes mais pobres e que somam 80% da população do Brasil, representados pelo autor como os escravos”.
A tese central do livro é que o ódio aferido aos pobres pelas elites e classe média, principalmente no Brasil, está pautado na herança escravocrata. Essa ira às classes mais pobres, é resultado direto do aumento de distribuição de renda gerada, entre 2003 e 2014, pela adoção de políticas públicas pelo Estado. Tal medida acabou atingindo os blocos de poder, ou seja, deteve impactos nas elites detentoras de capital e na classe média apropriada, até então, de conhecimento.
A fúria das classes dominantes do Brasil deu espaço pro surgimento de “heróis da pátria”. São juízes, procuradores e até policiais que incitam ódio às minorias e tudo que não faz parte do tradicionalismo e patrimonialismo. Segundo Souza, esse cenário só foi capaz por conta da incapacidade da esquerda em não conseguir criar uma narrativa para suas políticas públicas, justamente por conta dos ataques midiáticos que sofrem. Para o autor, essa medida midiática é pior para uma nação que qualquer tipo de saque, pois a capacidade de reflexão de todo um povo é destruída e esta é a maior arma que uma população pode ter para o estabelecimento de capacidade intelectual popular. Souza ainda reforça que o maior bloqueio à democracia brasileira é a imprensa.
Contudo, essa destruição intelectual cria um espaço para a raiva e o ressentimento dessas classes mais pobres, influenciadas pela manipulação da elite. Essa falta de representatividade induzida, faz com que a massa comece a introduzir e dar espaço a figuras extremistas, motivadas por esse ódio e insatisfação, acarretando em candidaturas deploráveis, o que explica a eleição de Jair Messias Bolsonaro, em 2018.
Resenhista
Eduardo Mohana Silva Ferreira – Graduado em Ciências Econômicas e mestrando em Desenvolvimento Socioeconômico pela Universidade Federal do Maranhão. Bolsista do Fundo de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão. E-mail: eduardomohana@hotmail.com
Referências desta Resenha
SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: da Escravidão à Lava Jato. São Paulo: LeYa Editorial, 2017. Resenha de: FERREIRA, Eduardo Mohana Silva. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 16, n. 45, p. 223-225, janeiro, 2021. Acessar publicação original [DR]