A crise da razão / Especiaria / 2013
Editorial
Educação, políticas públicas e mudanças sociais
Este número de Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas traz como temática de seu dossiê a crise da razão. Os artigos presentes neste número são, em grande parte, resultado dos trabalhos apresentados durante a X Semana de Filosofia da UESC, ocorrida entre 16 e 19 de novembro de 2010.
A crise da razão confunde-se com a situação da própria Filosofia Contemporânea e é um desdobramento das pretensões do projeto da modernidade. Na modernidade, a Filosofia, como outros campos do saber humano, despede-se do conteúdo normativo do princípio de autoridade legado pela tradição, buscando a fonte de sua legitimidade em si mesma. Assim, compete aos filósofos modernos encontrar um eixo axial que possa, ao mesmo tempo, fornecer o fundamento e os critérios para crítica do pensamento moderno.
Hegel fará da razão esse fundamento, elevando-a ao caráter de absoluto. Por seu turno, a solução apontada por Hegel será também a deflagradora da crítica interna da própria Filosofia iniciada em várias frentes que vão reivindicar a irredutibilidade do particular, individual e contingente, frente à pretensão de subsumi-los na totalidade. Feuerbach, Kierkegaard e Marx protestam, portanto, contra as falsas mediações, efetuadas meramente no pensamento, entre natureza subjetiva e objetiva, entre espírito subjetivo e objetivo, entre espírito objetivo e saber absoluto.
Em outra frente, Nietzsche radicaliza a crítica à razão e sua pretensão de abarcar a totalidade do real. A filosofia de Nietzsche marca, portanto, um ponto de virada em que se renuncia a uma nova revisão do conceito de razão e despede a dialética do esclarecimento. Ao invés disso, Nietzsche elege o mito como o outro da razão e pretende que, através da arte, se possa realizar tanto a superação da metafísica quanto transplantar a ciência para o terreno da arte. A partir de então, a crítica nietzscheana da modernidade prosseguiu por duas vias: a dos que desejam desvelar a perversão da vontade de poder e a origem da razão centrada no sujeito com métodos antropológicos, psicológicos e históricos, que encontra sucessores em Bataille, Lacan e Foucault; e a dos que reivindicam um saber especial e perseguem a origem da filosofia do sujeito até os começos pré-socráticos, tendo como seus sucessores Heidegger e Derrida.
Há ainda aqueles que tentam resgatar o projeto da razão iluminista da modernidade e preservar seu conteúdo emancipador contra os reducionismos da razão instrumental legitimada pela ciência, tais como Habermas e Karl-Otto Apel que formulam um conceito de razão fundado na intersubjetividade própria das ações humanas mediadas pela linguagem.
Nesse contexto, os artigos deste número procuram dar ao leitor a oportunidade de familiarizar-se com os vários aspectos da crise da razão na contemporaneidade. O artigo de Gilvan Fogel procura justamente situar o tema da crise da razão na contemporaneidade e de como sua crise é um desdobramento da própria filosofia do sujeito da modernidade.
Apresentamos, em seguida, dois artigos sobre Nietzsche. O de Olímpio Pimenta realiza uma introdução ao pensamento de Nietzsche, estabelecendo uma correlação entre os diferentes períodos de desenvolvimento da filosofia nietzschiana e suas obras. Roberto Sávio Rosa, por sua vez, nos brinda com uma análise genealógica do conceito de culpa na obra de Nietzsche e suas consequências para a cultura ocidental.
O filósofo Martin Heidegger também ocupa um lugar central no debate sobre a crise da razão e a ele reservamos mais dois artigos. Carlos Roberto Guimarães mostra como Heidegger abalou profundamente as bases da metafísica cartesiana ao voltar sua atenção à contingência do ser-aí. Caroline Vasconcelos Ribeiro reflete, a partir das experiências que teve o sobre o pensamento de Heidegger nos cursos que ministrou em Zollicon, sobre as relações entre Ciência e Filosofia e as investigações heideggerianas acerca dos fundamentos ontológicos da Ciência.
Leonardo Maia Bastos Machado expõe como Bergson pretende retomar a metafísica, bastante debilitada pela crítica moderna, de uma forma totalmente original através da ligação direta entre a experiência e o movimento, as tendências e as articulações do real. Trata-se de conceber a metafísica como uma experiência integral, seja como intuição ou como a própria duração.
Carla Milani Damião reflete sobre a crítica de Max Horkeimer ao triunfo da razão instrumental em sua obra O eclipse da razão, em que o filósofo frankfurtiano centra sua crítica no pragmatismo norte-americano como sintoma da crise da razão.
Saly da Silva Wellausen retoma o tema da razão iluminista na perspectiva de Michel Foucault, que transforma o Programa das Luzes em seu próprio programa a partir da questão do governo de si. Com isso, Foucault pretende realizar uma ontologia crítica do presente tendo como base o fundamento ético esquecido da democracia ateniense do franco falar (parresia).
Josué Cândido da Silva aborda a questão da crise da razão na perspectiva habermasiana de uma reconstrução do projeto da modernidade frente à crítica pós-moderna. Neste artigo, o autor apresenta os pressupostos da crítica pós-moderna e como Habermas pretende constituir um conceito destranscendentalizado de razão fundamentado nas regras intersubjetivamente partilhadas da própria linguagem.
Temos ainda a tradução do artigo de Franz J. Hinkelammert, um dos maiores expoentes do pensamento crítico latino-americano, em que discute a necessidade de uma reconstrução do pensamento crítico a partir da Antropologia presente na obra de Karl Marx. Hinkelammert articula dialeticamente os conceitos de limite, infinitude, construções utópicas e marcos categoriais míticos, apresentando uma reflexão filosófica que abarca os problemas centrais do pensamento contemporâneo e aponta para uma nova Antropologia centrada na ética convivencial.
Josué Cândido da Silva – Editor.
Roberto Sávio Rosa – organizador.
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