MANSO, M. de D.B. A Companhia de Jesus na Índia (1542-1622): actividades religiosas, poderes e contactos culturais. Macau: Universidade de Macau e Universidade de Évora, 2009. 274 p. Resenha de: AMANTINO, Marcia. A Companhia de Jesus na Índia (1542-1622): atividades religiosas, poderes e contactos culturais. História Unisinos 15(3):466-467, Setembro/Dezembro 2011.
O livro A Companhia de Jesus na Índia (1542-1622): actividades religiosas, poderes e contactos culturais, da professora Maria de Deus Beites Manso, é uma importante contribuição aos estudos que buscam entender os diferentes papéis desempenhados pelos jesuítas em áreas variadas do vasto império colonial português. A proposta da autora é analisar o que representou a chegada dos padres da Companhia de Jesus no Oriente em 1542 a partir dos trabalhos apostólicos de Francisco Xavier e identificar como agiram para conviver com grupos sociais tão heterogêneos como os encontrados na região. Sua análise restringe-se até as primeiras décadas do século XVII, momento da criação da Propaganda Fide e do envio de missionários não mais por Lisboa, mas sim pelas Missões estrangeiras de Paris.
A obra apresenta ao longo de sete capítulos os avanços e recuos nas relações entre os religiosos da Companhia de Jesus, as autoridades coloniais, as outras ordens religiosas e as diferentes etnias que formavam a complexa sociedade que ocupava a região conhecida hoje como Índia. Resultado de antigas e sucessivas invasões e migrações, a sociedade local apresentava-se pluriétnica com inúmeras religiões e suas variantes, mas com claro predomínio do hinduísmo e do islamismo. Além destas características religiosas e, em função delas, assistia-se também a variadas organizações políticas e econômicas. Os jesuítas e mesmo o poder político português tiveram que se adaptar, negociar e, em muitos casos, guerrear para conseguir impor suas determinações. E mesmo assim, nem sempre conseguiram. De qualquer forma, a associação entre os interesses portugueses e missionários era clara e se confundia. Um dependia do outro para permanecer nas regiões abordadas. Poder religioso e poder temporal se mesclavam, criando situações onde o papel dos jesuítas, à frente das populações que visavam catequizar, às vezes não ficava muito claro.
Na realidade, segundo a autora, a presença portuguesa e, consequentemente, jesuítica na região ficou restrita basicamente a Goa e a Malabar. O jesuíta Francisco Xavier chegou a Goa em 1542. Três anos depois, fundava o Colégio Jesuítico de São Paulo e, a partir daí, assistiu-se a uma disseminação destes religiosos pelo território. O primeiro colégio em Malabar foi fundado em 1560. As duas regiões apresentavam condições bastante diversas para o trabalho dos jesuítas. Na primeira, ainda que com dificuldades variadas, conseguiram criar uma cidade cristã com diversos colégios e residências que tinham como objetivo também preparar novos religiosos que fossem capazes de continuar a missão catequética. Em Malabar, a situação era outra. Tratava-se de uma área de intensos contatos e convívios com populações variadas, dominada por membros ligados ao islamismo e ao hinduísmo que dificultaram ao máximo e chegaram mesmo, em alguns momentos, a impedir o trabalho catequético dos inacianos.
É importante destacar que a autora aponta para o fato de que os inacianos não foram a primeira ordem a chegar a esta região do Oriente. Antes deles, os franciscanos já estavam presentes, mas, devido ao tipo de preparação que possuíam, poucos avanços haviam conseguido com as populações locais. Os jesuítas chegaram com o apoio total do rei D. João III certos de que conseguiriam avançar a colonização e o cristianismo nestas paragens. Entretanto, também sofreram muitas derrotas e não conseguiram, com exceção de Goa, implantar efetivamente uma sociedade cristã modelar na região. De acordo com Maria de Deus Manso, muitos se convertiam apenas para garantir a sobrevivência ou ainda ter uma chance de sair do intricado e impeditivo sistema de castas.
Complicando ainda mais esta complexidade étnica e cultural, havia também os cristãos de São Tomé. Estes seguiam o cristianismo com alguns dogmas modificados. A tarefa dos religiosos de Santo Inácio era convencê-los a abandonar estas variantes consideradas heréticas e adotar a verdadeira religião. Pouco ou nenhum avanço conseguiram, e, através do Sínodo de Diampaer, ocorrido em 1599, os cristãos de São Tomé foram considerados heréticos.
De qualquer forma, a vida dos jesuítas na Província da Índia não foi nada fácil. A autora argumenta que estes religiosos tiveram que lidar com quatro realidades sociais e políticas claras que pautavam as missões no Oriente: havia aquelas voltadas apenas para atender às necessidades espirituais de populações ocidentais e cristãs; havia missões que buscavam catequizar populações locais nos territórios controlados pelos portugueses; as que pretendiam evangelizar povos sob o contato direto dos islâmicos; e, por último, as missões que se destinavam a evangelizar as populações precisando para isto se adaptar aos valores locais devido à força destes grupos.
Os jesuítas utilizaram inúmeras formas de atrair as populações locais para a cristandade. Negociaram, cederam, adaptaram seus dogmas e também guerrearam quando preciso. Usaram o poder econômico que possuíam para promover festas suntuosas que se aproximavam do que as populações conheciam como “festividades religiosas”. Com estas festas, procuravam demonstrar serem poderosos, generosos e capazes de auxiliar a população mais pobre. Como resultado, conseguiram converter uns poucos membros das elites e alguns mais das categorias sociais mais baixas. Além destes, as mulheres pobres também foram um grupo onde os padres conseguiram avançar um pouco mais em função de sua situação social inferior no sistema de castas.
A partir do início do século XVII, momento também caracterizado por uma grave crise econômica, começaram ou se intensificaram radicalmente as reclamações contra os jesuítas e o poder econômico da ordem. Se, por um lado, este crescimento econômico alcançado pelos religiosos contribuiu para aumentar o prestígio e, consequentemente, atrair seguidores, por outro, deixou-os vulneráveis às reclamações de seus contrários, inclusive, de outros religiosos. Desde que chegaram ao Oriente, houve “uma sistemática apropriação e transferência das rendas e terrenos dos ‘pagodes’ para os colégios e residências dos jesuítas com evidentes implicações nas estruturas das sociedades locais”. Com a chegada de novas ordens religiosas não ligadas à Coroa portuguesa, aumentaram as disputas religiosas locais, e os jesuítas foram, em alguns casos, acusados de serem os responsáveis pelo pouco avanço na conversão e também pela queda dos arrecadamentos enviados a Portugal.
A autora finaliza sua obra lembrando que o sistema de conversão usado pelos jesuítas ao longo do período estudado não pode ser visto de maneira uniforme. Foram vários métodos utilizados e variadas abordagens utilizadas por cada um dos religiosos à frente da conversão. Acima de tudo, condicionando ainda mais os rumos da catequese, havia o indivíduo ou o grupo social o qual estavam tentando converter. De qualquer maneira, o que se pode perceber é que, em nenhum momento, estas culturas, quer fossem hindus, islâmicas, cristãs de São Tomé ou de qualquer outra religião, foram identificadas pelos jesuítas como equiparáveis à sua e merecedoras de qualquer consideração. Caberia a eles eliminá-las, criando uma sociedade cristã modelar.
Marcia Amantino – Universidade Salgado de Oliveira Rua Marechal Deodoro, 211, Centro. 24030-060, Niterói, RJ, Brasil.
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