1 INTRODUÇÃO
Este texto apresenta a síntese da obra intitulada “A cartografia no ensino de Geografia”, resultado da tese de doutoramento da Professora Mafalda Nesi Francischett. A tese foi defendida em 2004, no Programa de Doutorado em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente. A temática pesquisada foi o ensino de Cartografia por meio de maquetes no curso de Geografia. Desenvolveu a pesquisa por meio da pesquisa-ação, que permitiu à pesquisadora envolver-se com o trabalho, analisar, avaliar e refletir enquanto os caminhos da pesquisa se delineavam. O é de obra grande importância pelo método de pesquisa – pesquisa-ação – que evidencia o comprometimento da autora com o processo formativo de professores para a educação básica e também porque aborda a importância da Cartografia como ciência que, aliada à Geografia, tem grande potencial para o ensino da espacialidade.
O objetivo central da pesquisa foi evidenciar como, por meio da maquete, se pode ensinar os conceitos fundamentais da Cartografia, de tal modo que o processo de aprendizagem se torne significativo e se reverta em apropriações conceituais para os estudantes.
A autora defendeu que utilizando a produção da maquete durante as aulas, os conhecimentos foram apropriados de forma mais eficaz e significativa pelos estudantes; se utilizou de avaliações com os participantes que apontaram esse resultado. A problemática que levou a essa pesquisa, bem como, que corroborou na escolha da metodologia da pesquisa foi o fato de a Cartografia ser entendida apenas como uma técnica para o Geógrafo, não sendo apropriada em toda sua potencialidade de ciência para aprendizagem e representação do espaço.
Além de investigar as possibilidades formativas encerradas no ensino por meio da maquete, também foi objetivo da pesquisadora evidenciar a necessidade de trabalho coletivo e conjunto – interdisciplinar – no ensino de graduação, afirmando que dessa forma pretende buscar o “conhecimento, objetivando atingir a interdisciplinaridade, respeitando a especificidade das disciplinas e permitindo a cada professor revelar suas potencialidades e competências” (FRANCISCHETT, 2004, p. 18).
A autora sustenta sua análise no materialismo histórico dialético e na teoria vigostskiana, pois “a abordagem sócio histórica de Vygotsky surge pois, como um suporte metodológico em que se vê o homem influenciado pelo meio, mas voltando-se para ele a fim de transformá-lo através da mediação da linguagem” (FRANCISCHETT, 2004, p. 19).
Desta forma, a problematização da tese se segue no sentido de apontar que a mediação desenvolvida no ato do ensino deve se guiar pela linguagem, pela representação.
2 A ESTRUTURA DA TESE
A autora organizou sua tese em quatro capítulos: 1. A linguagem cartográfica; 2. Representação cartográfica; 3. Cartografia construindo e mostrando caminhos; 4. A Cartografia mediando a construção do conhecimento no cotidiano através da maquete geográfica. Esta estrutura foi mantida na obra em questão. Ao longo dos capítulos, a autora foi apontando as bases conceituais da sua pesquisa, a linguagem enquanto artefato humano mediador das relações entre os homens na produção da vida; as necessidades humanas de representação do pensado e no vivido, como resultado do acúmulo de experiências no mundo; diferentes formas de representação, sendo uma delas, o mapa e a cartografia, ciência decorrente da necessidade dessa representação do mundo. Como uma ciência ao lado da geográfica, pela cartografia “é possível que se faça, através da localização e de espacialização, uma referência de leitura das paisagens e de seus movimentos” (FRANCISCHETT, 2004, p. 17).
Torna-se explícito que o intuito da autora é evidenciar a necessidade da leitura de mundo por parte dos jovens acadêmicos, bacharéis ou professores, para orientar sua ação nesse mundo. Essa leitura não ocorre de forma “natural”, desinteressada e ao acaso, mas resulta de inúmeros e insistentes processos educativos travados ao longo da história de vida de cada sujeito, pelas mediações desenvolvidas nos processos educativos. Defende que a maquete é uma importante ferramenta, enquanto mediadora, para provocar a aprendizagem e cooperar na leitura de mundo dos acadêmicos.
A metodologia de investigação proposta, a pesquisa-ação, combinou o desenvolvimento da maquete ao estudo autônomo e problematizado dos estudantes. Não se tratou da defesa da construção de “qualquer maquete”, mas de uma construção guiada pela problematização, pelo questionamento da realidade vivida, em relação com os conhecimentos já validados – sobre escalas, mapas, plantas topográficas – para representar o real.
Dessa forma a Cartografia, mais do que uma ferramenta, uma técnica, é uma ciência que possibilita a compreensão do real e formulação de novas teorias explicativas. A autora aponta que a semiótica é a teoria que orienta a compreensão da linguagem cartográfica, uma vez que se sustenta em uma relação triádica entre signo, objeto e interpretante, configurando-se em uma explicação sobre os signos e como eles interferem no desenvolvimento cognitivo. Para Francischett (2004, p. 32) “a linguagem cartográfica é fundamentada na semiótica, que tem por objetivo a investigação de todas as linguagens, em especial a dos signos”. Nesse contexto, compreender a linguagem cartográfica faz-se necessário para que se possa utilizar dessa representação como um instrumento simbólico humano. Somente conhecendo essa linguagem, a cartografia se tornará uma mediação que contribui com o processo de compreensão do mundo e uma das formas privilegiadas para esse aprendizado é por meio da construção de maquetes. A autora defende que “a maquete é uma representação cartográfica que proporciona ao observador informações em que a mensagem é entendida com facilidade. […] A maquete resulta da relação entre forma (significante) e conteúdo (significado), indissociáveis” (FRANCISCHETT, 2004, p. 33).
A Geografia e a Cartografia não foram ensinadas sempre da mesma forma e sempre com o mesmo intuito. Como ciências decorrentes da abstração humana, tem interesses e não se constituem em campos neutros ou absolutos. A autora faz um resgate das diferentes fases pelas quais passaram as áreas, até se constituírem como ciências autônomas, mas conservando o interesse em compreender e representar a espacialidade.
A CONSTRUÇÃO DAS MAQUETES: PESQUISA-AÇÃO
Com o intuito de demostrar a importância da Cartografia para a compreensão e representação do espaço e a construção de maquetes como importante recurso para esse aprendizado, a pesquisadora lançou mão da pesquisa-ação. O projeto foi desenvolvido com estudantes que cursavam a disciplina de Cartografia II, no curso de Geografia, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, no ano de 1998. Estes foram desafiados pela professora pesquisadora a construírem maquetes ao longo dessa disciplina. Inicialmente a pesquisadora apresentou o cronograma para a elaboração dessa tarefa e consultou sobre o interesse em participarem da pesquisa.
Os 68 estudantes dividiram-se em 12 grupos distintos, estudaram sobre leitura de carta topográfica, escala e produziram moldes em isopor representando a altimetria do relevo, por meio da sobreposição de cotas. Os estudantes deveriam definir uma temática que seria representada na maquete. Para isso elaboraram um projeto de pesquisa, apontando um problema, justificativa e objetivos. Esses foram elementos centrais para a compreensão de que a maquete não é somente a representação do real, mas é instrumento para pensar o real, problematizar essa realidade, para que dessa forma se possa refletir sobre ela. As temáticas foram variadas.
O aprofundamento na compreensão da temática escolhida foi possível pela colaboração de outros professores do curso que auxiliaram no projeto interdisciplinar da construção das maquetes como orientadores, dentro das limitadas possibilidades anunciadas por cada um. A autora relata que o processo de construção foi permeado por muita conversa entre a pesquisadora e os estudantes, assim como com outros professores. Tornou-se perceptível o envolvimento dos estudantes e colaboração na aprendizagem de todos. Após definirem o tema, estudarem sobre ele, definirem as escalas, foi hora de construir as maquetes.
Diferentes materiais foram utilizados, sendo que o curso não se avultou, de forma que comprovou-se a possibilidade da utilização dessa metodologia em diferentes espaços. As maquetes foram expostas ao público na EXPROCATO (Exposição de Projetos de Cartografia). Nesse momento, os acadêmicos participantes da pesquisa explicaram as maquetes desenvolvidas ao público visitante. Após esse processo foi possível avaliar a completude do processo, a aprendizagem dos acadêmicos e o potencial de ensino das maquetes construídas.
A autora relata que as avaliações ao longo do processo de pesquisa foram variadas, desde acadêmicos que demostravam mais apresso por aulas tradicionais, a professores que não viam sentido no trabalho que estava sendo realizado. Entretanto, a maior parte dos envolvidos relatou grande satisfação na participação devido à aprendizagem que ocorreu ao longo dos seis meses de trabalho.
4 CONCLUSÕES
A autora concluiu que por meio da pesquisa desenvolvida tornou-se bastante evidente a aprendizagem dos estudantes em relação aos conceitos da Cartografia e a reflexão sobre a realidade na qual os estudantes estavam inseridos. Como uma ferramenta metodológica, as maquetes fornecem importante subsídio para a apropriação da complicada linguagem cartográfica, superando a impressão de que essa ciência apenas representa o real, avançando para um entendimento de que a Cartografia confere instrumentos necessários para ler o mundo, compreender, pensar e refletir sobre a relação dos homens entre si e com a natureza na produção de sua vida.
Resenhista
Vanice Schossler Sbardelotto – Doutoranda em Geografia no Programa de Pós-Graduação em Geografia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Professora do Curso de Pedagogia, na mesma universidade. E-mail: vanice.sbardelotto@unioeste.br
Referências desta Resenha
FRANCISCHETT, Mafalda Nesi. A cartografia no ensino de geografia: a aprendizagem mediada. Cascavel: EDUNIOESTE, 2004. Resenha de: SBARDELOTTO, Vanice Schossler. Revista de Ensino de Geografia. Uberlândia, v. 8, n. 14, p. 229-233, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR]
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