Ainda são escassas na academia brasileira as obras cujo foco é aÁfrica, e o mesmo vale para análisedas relações entre Brasil e o outro lado do Atlântico Sul. No entanto, há modificações interessantes neste cenário. O transcurso 2010-2012 proveu uma safra de qualidade sobre àquela região,com publicações de nomes já tradicionais na área, como Pio Penna Filho (2010), José Flávio Sombra Saraiva (2012) e Paulo Vizentini (2010a; 2010b; 2010c).A tarefa a qual se propõe Pio Penna Filho, Professor de História das Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB),em seu A África Contemporânea: do colonialismo aos dias atuais, consiste em preencher a lacuna que permanece no campo dos estudos da África Contemporânea e das relações Brasil-África no período.Com o trabalho, o autor busca explorar os elementos presentes em uma África pós-Colonial1 , avançando sobre a agenda de pesquisa, que tradicionalmente se debruça sobre a África pré-Colonial e/ou Colonial.
Esquematicamente, o livro está estruturado em duas partes. A primeira tem como objetivo analisar, em perspectiva histórica, a evolução do continente africano nos dois últimos séculos, de modo a reconstruir as bases nas quais se alicerçou o sistema colonial europeu ao final do século XIX para depois percorrer o século XX, marcado pela descolonização às portas do pós-Guerra Fria, adentrando a primeira década do novo milênio com suas alterações subjacentes no sistema internacional que possibilitaram uma inserção africana propriamente dita.
A força do trabalho, neste ponto, consiste em abordar os desafios africanos a partir do momento de uma África Independente (cap. III), estabelecendo uma articulação com o passado colonial (cap. I) e as lutas pela liberdade (cap. II). Com isso, o primeiro capítulo possui três pontos de apoio bem definidos: i) a implantação do colonialismo como sistema de organização socioeconômica na África pelos europeus; ii) o papel da religião islâmica na composição étnico-cultural e; iii) a resistência africana à dominação (destacam-se os movimentos de libertação em Angola e na África Central).
Nota-se, então, a relação dialógica entre os elementos próprios à África e os traços da política mundial da segunda metade do século XX, impregnada pela atmosfera belicosa da Guerra Fria – que, ao marginalizar a região, permitiu a quebra dos grilhões coloniais.
O fim do colonialismo marca o mergulho do trabalho em uma África que se redescobre ao fim do regime bipolar; e é transitando sobre elementos da economia, segurança e política, que o autor compõe o panorama do continente africano. Nessa linha, a ênfase do terceiro capítulo em recolher elementos da economia política internacional, auxilia o leitor a compreender o posicionamento do continente africano frente à crise econômica mundial de 2008-2009. É então que Pio Penna joga luz à questão central do momento de inflexão da África, isto é, se o giro africano se dá rumo a uma nova partilha das riquezas ou se ocorre apenas um adensamento maquiado da espoliação já conhecida. Discute a (in)segurança coletiva na região, ao enfatizar o papel dos mercenários nos conflitos, o financiamento e tráfico de armas aos grupos rebeldes, o papel das missões de paz, bem como as tentativas de solução coordenada destes problemas sob os auspícios dos organismos regionais – aos quais está intimamente relacionada a problemática da estabilidade do continente –completando o ciclo referente à “África Contemporânea” da obra.
O segundo eixo, complementar, investiga a conexão histórica entre os dois continentes, delimitado às relações Brasil-África entre as décadas de 1960 e 1970.Deste modo, ao investigar em paralelo a lutado continente africano por sua liberdade e a atuação brasileira na África, Pio Penna Filhoenfeixao passado imperial português, os laços coloniais africanos e a dubiedade brasileira frente aos iguais em condições e aos fraternos sentimentos que ligam à antiga metrópole.
Com efeito, o último capítulo mostra o claudicante movimento da política externa brasileira frente à África ainda durante o Império e sua evolução trôpega até o limite do apoio ao esgotado governo ditatorial de Salazar – que faz cair por terra o jugo colonial.
Como observa o autor, “dentro de um contexto em permanente estado de mudança, de crise, mas também de revigoramento e renascimento, estudar e entender a realidade africana atual contribuirá para compreender melhor a própria realidade brasileira […]” (PENNA FILHO, 2010:13).Não só, em linhas finais, o livro promove o renascimento da política externa brasileira em direção à África, a partir do tratamento do continente como uma janela de oportunidade às parcerias, seja na direção de esforços cooperativos nos campos de agricultura e saúde2 , no reforço das relações econômicas, ou ainda na coordenação política Sul-Sul encetada nos últimos anos.
Sem dúvida, esta contribuição de Pio Penna Filho consolida sua produção enquanto pesquisador sobre a África, colocando-o no rol dos grandes africanistas contemporâneos no Brasil.
Notas
1 Compreendendo o período que vai da independência dos antigos territórios coloniais aos dias de hoje (PENNA FILHO, 2010:10).
2 Os exemplos da Embrapa e dos programas de tratamento à AIDS patrocinados pelo governo brasileiro são notáveis (mais detalhes em PENNA FILHO, 2010:191-3)
Referências
PENNA FILHO, Pio. A África Contemporânea: do colonialismo aos dias atuais. Brasília, DF: Hinterlândia, 2010.
PENNA FILHO, Pio. O Brasil e a África do Sul – O Arco Atlântico da Política Externa Brasileira (1918-2000). Brasília, DF: FUNAG/MRE, 2008.
PENNA FILHO, Pio. Uma Introdução à História da África. Cuiabá: EdUFMT, 2009.
SARAIVA, José Flávio Sombra. África parceira do Brasil atlântico: Relações internacionais do Brasil e da África no início do século XXI. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.
VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes. A África Moderna (1960-2010): um continente em mudança. Porto Alegre: Leitura XXI, 2010a.
VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes. A África na política internacional: o sistema interafricano e sua inserção mundial. Curitiba: Juruá, 2010b.
VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes; PEREIRA, Analúcia Danilevicz (Orgs.) . África do Sul: História, Estado e Sociedade. Brasília, DF: FUNAG/MRE, 2010c.
Resenhista
Fabrício Henricco Chagas Bastos – Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo – Nupri/USP. E-mail: fabriciohbastos@usp.br
Referências desta Resenha
PENNA FILHO, Pio. A África Contemporânea: do colonialismo aos dias atuais. Brasília, DF: Hinterlândia, 2010. Resenha de: BASTOS, Fabrício Henricco Chagas. Meridiano 47, v.13, n.131, p.52-53, maio/jun. 2012. Acessar publicação original [DR]
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