8x Fotografia | Lorenzo Mammi e Lilia Moritz Schwarcz
Organizado por Lorenzo Mammì e Lília Moritz Schwarcz, o livro 8x Fotografia consiste numa coletânea de 8 ensaios realizados por sociólogos, antropólogos, fotógrafos, poetas e jornalistas, que selecionaram, cada um, uma fotografia diferente, (com exceção da Sylvia Caiuby que selecionou duas), para descrever e analisar aspectos teóricos, artísticos, sentimentais que a fotografia pode revelar.
Por sua variada função e por abranger várias áreas do conhecimento, esse livro tem como principal objetivo mostrar como a fotografia tem um amplo campo de estudos e como ela é suscetível a diversas interpretações, pois a visão de um fotógrafo profissional difere da de um crítico de arte, sociólogo ou historiador.
Pensando nisso, essa coletânea aborda interpretações e temas variados, desde fotografia de cartazes e placas de estabelecimentos comerciais, até fotos de álbum de família, de um ciclista passando pela rua, de um ritual fúnebre de uma tribo indígena, entre outros temas. Esses ensaios contêm discussões acerca dos usos e funções da fotografia: ela serve como memória, como documento histórico, analisando a temporalidade típica dos fatos passados. Enfim, esses ensaios fazem abordagens políticas, antropológicas, sociológicas, artísticas acerca da fotografia.
O Instante Radiante de Alberto Tassinari trata da fotografia Hyères, 1932, do Henri Cartier‐Bresson, um dos maiores fotógrafos do século XX. Essa imagem tem um ciclista pedalando pelo meio da rua, tendo ao fundo uma escada em forma de espiral. Ele diz que a foto foi tirada ao acaso, o que é freqüente nas obras de Bresson, mostrando uma conjunção de repouso e movimento: a curva da rua, o movimento do ciclista e a própria roda da bicicleta em formato circular, os degraus da escada em forma de espiral, dá uma idéia de circularidade, dinamismo, e, ao mesmo tempo, esse ciclista aparece congelado, a escada estática.
Ao tratar do instante decisivo, marca registrada de Bresson, Tassinari mostra como, em sua busca pelo acaso, o fotógrafo francês incorporou a técnica da colagem, associando momentos descontínuos, mas com grandes similitudes entre si. .
O acaso e as fotografias em preto‐e‐branco das imagens de Cartier‐Bresson se aproximavam do trabalho do fotógrafo francês Pierre Verger, que também captava, com sua Rolleiflex, as ações reais e era muito detalhista (nota‐se em suas fotografias as rugas no rosto das pessoas, o suor no corpo do trabalhador).
Antonio Cícero analisa a fotografia do americano David Hockney, Pearblossom Hwy, abril de 1986. Essa fotografia, na verdade, é uma fotocolagem, um conjunto de fotografias articuladas (um conjunto de instantes articulados). Hockney faz uma montagem de várias fotos em uma única fotografia. O efeito que essas montagens traz, são inúmeras microperspectivas, o que, segundo Antonio Cícero, quebra o tédio da predominância absoluta da perspectiva de um único ponto. A fotografia de Hockney se aproxima do cubismo quanto à disposição das fotocolagens.
O silêncio do mundo, de Rodrigo Naves, analisa a imagem Nova York, 1943, de Kertész. Essa foto, em preto‐e‐branco, retrata um homem lendo um livro no terraço de um prédio. A figura humana tem uma harmonia com o ambiente da foto, inclusive a própria sombra do homem.
Nesse ensaio, também é posto as influências entre a fotografia e o impressionismo. Segundo o autor: “a meu ver, foi a emancipação do olhar criada pelo impressionismo que tornou possível uma quase universalização da atitude estética diante do mundo, e isso constitui um dos traços fundamentais da expansão da fotografia, com todos os equívocos e problemas que pôde acarretar” (p. 57).
Meu pai, meus irmãos e o tempo, de Eugenio Bucci, traz uma fotografia de álbum de família tirada com uma kapsa pelo seu irmão Ângelo Bucci, Morro Agudo, 1979. Essa imagem foi tirada à beira de um rio e mostra o próprio Eugenio Bucci, o pai, o primo e o irmão numa pescaria. Através dessa foto, Bucci analisa a temporalidade da imagem.
A fotografia daquele barco, assim como qualquer fotografia, não congela o instante, nem recorta um fragmento de tempo; ela simplesmente guarda um pedaço da matéria que continua viva no presente como memória; as imagens, na verdade, vivificam o passado e expandem o presente. Assim como nos sonhos não há cronologia, começando no passado, atravessando o presente e se projetando no futuro, na fotografia, e especificamente os álbuns de família, não há linearidade, o que há é quem é cada um naquela família.
Marcelo Coelho, em Isto é um cachimbo, selecionou Cartaz de frutas, Beaufort, 1936, do Walker Evans. Cartaz de frutas é uma foto singularmente confusa e poluída. Traz uma arquitetura pobre de ripas de madeira, revelando o outro lado dos Estados Unidos. Num mesmo estabelecimento, tem vários cartazes: escola de arte, peixe, frutas‐verduras, estenógrafo público e uma placa sobre o general Lafayete.
O ensaio, Imagem e Memória, de Sylvia Caiuby Novaes, descreve duas fotografias tiradas por ela, em fevereiro de 1985, na aldeia Bororo do Tadarimana, situada a uns trinta quilômetros de Rondonópolis, em Mato Grosso. As duas fotografias mostram duas índias com o corpo sangrando (ritual da escarnificação). Em uma das fotografias, há uma índia chorando de saia, com a mão no nariz, tendo uma outra índia atrás. Na outra, há uma índia olhando os ossos do morto, num ambiente com palhas de coqueiro onde passa um pouco de luz solar. Nessas imagens, há funções importantes da fotografia: a relação corpo/memória; imagem/memória e imagem/emoções.
Em relação à fotografia, Sylvia Caiuby diz que “o que vejo não é tudo o que sei e que estas fotos expressam. Fato que, aliás, é bem típico das fotografias ‐ quanto mais sabemos sobre o contexto em que foram captadas, mais elas podem expressar” (p. 113).
A epifania dos pobres da terra, de José Souza Martins, discorre sobre o caráter artístico e político de uma fotografia de trabalhadores sem‐terra feita por Sebastião Salgado. Para Martins, Salgado não registra a invasão, mas “o imaginário da invasão”, produzindo uma imagem de intenção épica. É interessante que a máquina capta o momento que eles estão entrando pela porteira (percebe‐se o arame farpado, símbolo das cercas, ou seja, da propriedade privada). Existe um homem na foto, provavelmente o líder desse movimento, pois ele é o primeiro a entrar, com uma foice levantada para cima (símbolo do MST). Há também uma multidão com bandeiras do movimento acompanhando esse primeiro homem.
Essa fotografia foi induzida pelo próprio fotógrafo e isso traz a discussão se a fotografia realmente retrata o real ou é apenas representação do real. Segundo Martins, o ato político que significa a invasão sucumbe ao ato fotográfico e o protagonista da foto acaba sendo o próprio fotógrafo. Assim, Martins diz que certas fotografias, incluindo a de Sebastião Salgado, consiste num desafio para a história, pois algumas imagens como essa são manipuladas pelo próprio fotógrafo e diz ainda que existe uma diferença entre fotografia documental e fotografia‐ documento. Na fotografia documental, há uma certa ficção até porque propõe algo triunfal, épico; já na fotografia‐documento percebe‐se que o real não é triunfal: envolve medo, morte, capta a ação das pessoas e as mesmas, muitas vezes, nem sabem que estão sendo fotografadas e, principalmente, essa fotografia é prova de algo.
Sintetizando, o José Martins escreve que, muitas vezes, o imaginário de algum fenômeno social (por exemplo, o MST), já está cristalizado na cabeça das pessoas, induzindo a uma determinada representação simbólica daquele fenômeno.
Por fim, Cristiano Mascaro presta uma homenagem ao fotógrafo suíço Robert Frank, através de uma fotografia não do Frank, pois o mesmo não autorizou a reprodução de Bar, New York City, 1955‐6, (inclusive o ensaio tem mesmo título da foto), mas de uma foto de autoria do próprio Mascaro: Torrinha, São Paulo, 1999.
A foto foi tirada em um parque e tem uma menina bem simples, olhando as outras pessoas brincarem no tobogã. Essa menina aparece com o rosto iluminado pelo néon e o foco da foto é ela olhando para a câmera. Ele disse que assim como as fotos de Frank, ele buscou mostrar a realidade, o cotidiano das pessoas.
Robert Frank costumava viajar pelo mundo tirando fotos especialmente de temas ligados ao social, no sentido de a partir das fotografias, fazer um estudo social, uma avaliação dos contrastes dessa sociedade de ricos e pobres. Para Mascaro, a imagem de Frank, “sombria, imprecisa e hesitante” é uma espécie de auto‐retrato, imagem simples e potente, capaz de “desconstruir e reconstruir o mundo” (p. 177).
Enfim, o livro 8x Fotografia teve o intuito de passar as várias perspectivas dos usos da fotografia: perspectiva artística, como memória, como documento histórico e jornalístico e a múltipla interdisciplinaridade da mesma: nesse livro, ela foi analisada por sociólogos, filósofos, antropólogos, fotógrafo, críticos de arte. Percebe‐se através disso, que a fotografia é suscetível a várias interpretações e que o seu estudo não só reflete contextos, mas cria representações, teorias e realidades..
Resenhista
Thale Anne Fontes Pereira – Graduanda em História Universidade Federal de Sergipe. Membro do Grupo de Pesquisa História Popular do Nordeste (UFS/CNPq)..
Referências desta Resenha
MAMMI, Lorenzo; SCHWARCZ, Lilia Moritz (Orgs.). 8x Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Resenha de: PEREIRA, Thale Anne Fontes. Ponta de Lança- Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. São Cristóvão, v.2, n. 4, p.105-108, abr./out. 2009. Acessar publicação original [DR].