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Espaço sagrado: estudo em geografia da religião – GIL FILHO (BGG)

GIL FILHO, Sylvio Fausto. Espaço sagrado: estudo em geografia da religião. Curitiba: IBPEX, 2008. 163p. Resenha de: BONJARDIM, Solimar Guindo Messias. Boletim Goiano de Geografia. v. 31 n. 1 (2011): jan./jun. 2011.

Sylvio Fausto Gil Filho, autor do livro apresentado, é geógrafo e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná. Escreve e atua na área de Geografia Humana, especificamente em Geografia da Religião, Epistemologia da Geografia e Geografia Cultural. É pesquisador do Núcleo de Estudos em Espaço e Representações (NEER), e do Núcleo Paranaense de Pesquisa em Religião (NUPE). Além deste livro, escreveu e participou da organização de outros e até o momento tem mais de nove capítulos de livros escritos e diversos artigos em revistas especializadas.

Com relação ao livro resenhado Espaço sagrado: estudo em geografia da religião, ele foi pensado por Gil Filho com o objetivo de auxiliar alunos de pós-graduação no estudo do fenômeno religioso, tomando como categoria primordial o espaço sagrado. O texto discute a categoria “espaço sagrado” como chave para a interpretação da religião em suas diversas expressões no mundo. Ele enfatiza que o estudo da religião, em sua obra, está relacionado à análise das representações religiosas, com foco na religião como forma simbólica. A discussão é resultado de pesquisas realizadas pelo autor no período de 1998 a 2007. Alguns capítulos constituem-se em adaptações de artigos publicados e, de modo geral, o conjunto da obra apresenta como tema central a religião e sua inserção na Geografia.

Gil Filho ressalta que o principal conceito para o estudo da religião é o sagrado, pois, sem este, o estudo perde a essência, fica limitado ao físico, ao visível, ou seja, seu entendimento acaba distorcido. A partir do sagrado, o autor desenvolve outras categorias que auxiliam o processo de estudo da Geografia da religião, como poder, representação, discurso religioso, identidade e territorialidade.

Para alcançar o que se propôs, a obra foi dividida em seis capítulos, além da apresentação, introdução e considerações finais. O autor integra ao livro, no final de cada capítulo, uma síntese do que foi discutido com atividades de autoavaliação e de aprendizagem que incluem questões para reflexão e, ainda, atividades aplicadas – relacionadas à aplicação prática do que foi discutido no capítulo. No final do livro, acrescentou ainda um glossário dos conceitos, além de referências e bibliografia comentada.

A obra conta também com as respostas das atividades objetivas e direcionamento para as questões subjetivas.

O autor inicia com as “Bases Conceituais”, momento no qual esclarece sobre os conceitos-base do livro: sagrado, poder e representações simbólicas e a interrelação entre eles. Para estudar o sagrado, é de suma importância observar as representações simbólicas que, muitas vezes, existem pelo exercício do poder. O sagrado de uma religião é visto e revisto por meio de formas simbólicas. Este pode até vir da psique, mas vem principalmente de sua constituição histórica, da essência do mundo, de representações que remetem o homem ao sagrado, à religião. A partir do sagrado de cada religião, constituem-se a Geografia e a importância das representações e do poder exercido pela religião. Estes conceitos constroem uma integração entre a teoria das representações sociais e a teoria do fenômeno religioso para aprofundar a reflexão. O poder entra como chave para se entender a espacialização do sagrado; por meio do poder a instituição religiosa mantém e faz funcionar o seu espaço sagrado.

O autor encerra o capítulo fazendo uma observação muito interessante sobre o sagrado, ao afirmar que ele só é visto dentro da religião, do território religioso, porém, para ser entendido, precisa das representações.

Vale dizer que o sagrado não está somente na percepção das formas e do seu conteúdo, mas também nos atos que a ele remetem.

No segundo capítulo “Limites do Campo Religioso”, Gil Filho discute a concepção de vários autores para refletir sobre o processo de secularização e o sistema simbólico do sagrado como limites do campo religioso. Estudos recentes mostram que o processo de secularização acontece de maneira diferente no mundo todo. Na verdade, a secularização está proporcionando um crescimento do número de fiéis em algumas partes, principalmente por oferecer proteção contra impulsos anárquicos.

É como se as pessoas recorressem à religião para viver no mundo moderno. Segundo o autor, isso acontece porque a religião foi edificada na própria natureza das coisas (“as sociedades foram forjadas na religião”). Mesmo tendo sido desarraigada de antigos pontos de sustentação, ela tem pilares de sobrevivência, mostrando, inclusive, crescimento, além de ser propícia a explicar aquilo que de comum e constante existe no mundo, ao invés do que há de extraordinário.

Para conservar o campo religioso, a religião utiliza um sistema simbólico que cultiva fluxos de poder, com a intervenção de sacerdotes em geral. E a partir do momento em que o sistema simbólico é incorporado, cria-se o habitus religioso, que será a representação religiosa incorporada ao modo de vida da sociedade e do indivíduo – as práticas religiosas sendo incorporadas à identidade.

No terceiro capítulo “O Espaço Sagrado e suas Espacialidades”, o autor discute como encarar o sagrado em um momento de pluralismo religioso, no qual os metadiscursos deixam de ser utilizados como legitimadores.

A pós-modernidade forma um discurso religioso dinâmico, multifacetado, pela acessibilidade à informação existente. A religião perde seu papel de objeto de análise e começa a ser vista como forma de conhecimento, por isso, está mais voltada para o simbólico, os ritos e as singularidades. Isto é, como o homem e suas atividades estão voltados para o universo simbólico, o que faz parte desse processo é da ordem simbólica, como linguagem, mito e religião.

Nesse caminho, o espaço sagrado agora precisa ser entendido e desconstruído no espaço-tempo, principalmente porque o tempo é heterogêneo, voltado apenas para a sequência de acontecimentos. O tempo é caracterizado de acordo com o sentido dos aspectos culturais, históricos e de acordo com as singularidades de cada período. Assim, o espaço sagrado torna o estudo operacional. Por meio da apropriação dos espaços sagrados, têm-se as espacialidades religiosas que o autor classifica em três: concreta de expressões religiosas (que se refere ao concreto, ex: tempo religioso), espacialidade das representações simbólicas (que se refere ao plano da linguagem, ex: discurso religioso) e espacialidade do pensamento religioso (referente ao propositivo, ex: sentimento religioso).

Essas dimensões abarcam todos os pontos do estudo da Geografia da Religião.

No quarto capítulo “Formação da Identidade Religiosa e do Discurso Religioso”, Gil Filho analisa como a identidade do indivíduo é afetada pelo discurso religioso. A ação institucional da religião ganha sentido quando se verifica que o discurso embute no indivíduo transformações identitárias. Por isso, o discurso religioso é parte integrante (essencial) do sagrado. Para manter o espaço sagrado, ou mesmo o expandir, as religiões utilizam representações, dentre elas o poder do discurso religioso, que é dinâmico, tem temporalidade específica e sempre será formulado de acordo com a vida cotidiana da sociedade receptora.

Por conseguinte, mesmo com o ajustamento do discurso, o teor baseado na verdade ou apontado para a verdade não é transformado.

Percebe-se que, em alguns casos, o discurso ou está voltado para perpetuar o elo com o passado ou é repensando numa lógica para o futuro. Nesta reformulação, existe o risco de verdades que levam a novos habitus. Então, a religião para manter seu sagrado, o espaço sagrado, utiliza discursos com tendência à monossemia, mas sempre sob a vertente daquele que fala do e pelo sagrado. O rito do discurso religioso, portanto, constrói a identidade dos crentes.

No penúltimo capítulo, Gil Filho apresenta as categorias: “Espaço de Representação e Territorialidade do Sagrado”, que também dão nome ao capítulo. O espaço de representação é apresentado com base nos estudos de Mosse (1991), que discute a representação na política como relações de poder. Ao trazer o sagrado para esta discussão, o autor enfatiza que a representação tem o papel de tornar familiar o não familiar, criando identidade com o espaço, neste caso religioso e sagrado.

Para que um espaço seja sagrado, ele necessita de características que se identifiquem com a religião. Essas características constituem-se nas representações. A existência dos espaços de representação acontece com o controle e legitimação/apropriação desses por parte da instituição dominante. O domínio se dá por diversos fatores, entre os quais encontram-se os discursos, simbolismos e ritos, que exercem poder nesses espaços, formando territórios sagrados. Os territórios quando controlados e legitimados trazem a noção de territorialidade. Esta define as fronteiras de alcance do poder (os limites do território), isto é, o limite de onde o espaço passa de sagrado a profano. Vale ressaltar que a territorialidade do sagrado seria a percepção dos limites de controle e da gestão do espaço sagrado por parte da instituição religiosa.

O autor relaciona conceitos ligados tanto ao espaço de representação quanto à territorialidade do sagrado. Tais conceitos embasam a discussão para o entendimento da instituição religiosa como a materialização concreta da religião e a religiosidade como sua essência. Vale ressaltar que, neste capítulo, o estudo da religião na Geografia fica explícito por meio de um de seus elementos centrais: a territorialidade do sagrado.

No sexto e último capítulo da obra, intitulado “Estruturas das Territorialidades Religiosas: Cristianismo Católico, Islã Shi’i e Fé Bahá’í”, o autor discute a aplicação do conteúdo apresentado ao estudar, em três religiões, os lugares sagrados de cada uma, suas características e estruturas da territorialidade. De início, esclarece que o espaço urbano contemporâneo caracteriza-se por uma maior concentração de espaçosrepresentação, que formam os territórios e territorialidades das religiões.

Os espaços-representação são pontos de difusão do poder, sendo ligados aos lugares sagrados, que são os epicentros do sagrado. Dos lugares sagrados para cada uma das religiões citadas o autor desenvolve as estruturas e representações das territorialidades sagradas: […] estruturas da territorialidade católica a partir da instituição Igreja. […] peculiaridades das estruturas da territorialidade do islã shi’i, enfocando a instituição do Imanato e a estrutura de poder dos ulemás. […] a peregrinação bahá’í e as marcas na paisagem religiosa construídas a partir dessa religião. (p. VIII) Nas “Considerações finais”, encontram-se a reafirmação dos principais conceitos e a necessidade, na visão do autor, de uma epistemologia específica para a Geografia da Religião.

O livro é rico em informações, profundo e claro nas discussões dos conceitos tratados. Percebe-se uma preocupação do autor em se fazer entender e, principalmente, em promover esclarecimentos sobre estudos da religião na Geografia. As questões elaboradas nas atividades práticas elucidam os estudos sobre a religião. Além disso, a obra nos mostra, por meio de suas indagações, os cuidados necessários ao pesquisador quando em contato com certos labirintos nas pesquisas.

Solimar Guindo Messias Bonjardim – Doutoranda do Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe.

Boletim Goiano de Geografia. v. 31 n. 1 (2011): jan./jun. 2011.

 

Itamar Freitas

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