Como parte complementar ao dossiê “50 anos do golpe: arte, cultura e poder”, publicado no primeiro semestre de 2015, chega a público este segundo tomo intitulado “50 anos do golpe: memória, política e movimentos sociais”. A publicação do dossiê em duas partes justifica-se por dois motivos essenciais: a) dividir as contribuições em dois grandes temas de pesquisa sobre a ditadura militar no Brasil; b) contemplar o maior número possível de artigos enviados à Antíteses para este dossiê, que recebeu uma quantidade substancial de colaborações.
Cumpre também constatar, com esse dossiê, que os estudos sobre ditadura militar no Brasil vêm ganhando gradativa repercussão nacional e internacional. Na última década os trabalhos de pesquisa sobre regimes autoritários têm se tornado atuais não apenas pela necessária, ainda que tardia, abertura de arquivos da repressão, mas também pelo modo como ecos do autoritarismo de outrora hoje, mais uma vez, recolonizam o imaginário social, provendo discursos pelo retorno do controle, da repressão, da militarização do sociedade que consagraria, por sua vez, a vitória por revanche de um certo tipo de nacionalismo caduco.
Vê-se hoje setores da sociedade brasileira, sobretudo aqueles comprometidos com a formação de uma opinião pública sobre os rumos da “vida nacional”, engajados às avessas com panelas estridentes em sacadas de edifícios, tornando esse espaço um camarote particular a partir do qual se constrói um falsa noção de democracia: é necessário, pois, participar daquilo que alguns meios de comunicação chamam de “festa democrática”, mesmo que essa festa barre a entrada daqueles que não estão a caráter ou que não foram simplesmente convidados.
Daí que iniciativas da Antíteses, tais como essa, promovem o debate e permitem uma contemporização dos estudos aqui publicados que, a rigor, não estão necessariamente situados há 50 anos. Pois, se a recorrência dos estudos dessa matiz ainda é verificada no ambiente acadêmico, é porque atual nunca deixou de ser o tema do autoritarismo. Mais que isso: é necessário entender como ele próprio se metamorfoseou em instituições, em movimentos, em indivíduos que hoje perfilam os antigos delírios autoritários de tempos sombrios.
Assim, o artigo que abre este segundo volume, “Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro”, de Marcos Napolitano, propõe uma periodização inédita para analisar o processo de construção da memória do regime militar brasileiro. Partindo do princípio que a memória social e a experiência histórica de uma dada sociedade estão conectadas, o autor analisa a construção de uma “memória mutável” sobre o regime desde os anos 1970 até a primeira década do século XXI.
Florencia Lederman, com o artigo “La nación representada en los héroes. Las estrategias de legitimidad de las dictaduras de Brasil (1964-1985) y Argentina (1976-1983): visiones del tiempo y ejercicio del poder”, analisa como as ditaduras deste dois países se apropriaram dos heróis nacionais. Por serem estes protagonistas de “momentos fundantes” da nação, foram amplamente retomados pelos regimes em questão.
Em “O governo Geisel (1974-1979): o ápice da disputa pelo poder entre duros e moderados e sua expressão memorialista entre os militares”, Maria Gabriela da Silva Martins da Cunha Marinho e Sonale Diane Pastro de Oliveira analisam a disputa memorialista entre “duros” e “moderados” acerca da abertura política no Brasil (1974-1985).
Adrianna Setemy no artigo intitulado “Liberdade sob vigilância: um diálogo entre narrativas históricas sobre o exílio latino-americano no Cone Sul”, pretende, a partir da análise das singularidades, confluências e contradições que caracterizam os diferentes registros escritos sobre o exílio de brasileiros nos países do Cone Sul latinoamericano, promover um debate sobre a pluralidade de formas de narrar a saída indesejada do país de origem, a natureza desses diferentes registros históricos e a construção simbólica do exílio enquanto experiência traumática transcorrida fora das fronteiras nacionais.
Também discutindo a relação entre as ditaduras do Cone Sul, Hernán Ramírez, com artigo intitulado “Reflexiones acerca de las dictaduras del Cono Sur como proyectos refundacionales”, pretende evidenciar as ditaduras como eventos estruturais e não apenas simples conjunturas políticas, que repercutiram de forma profunda nas sociedade latino-americanas, não de modo homogêneo, e que ainda hoje se fazem sentir seus desdobramentos, ao ter remodelado aspectos sociais estruturais em diferentes nações da América Latina.
No texto seguinte, Agenor Sarraf Pacheco e Jaime Cuéller Velarde, analisam em “Silêncios da historiografia brasileira: o golpe civil-militar em experiências de pesquisa no Pará” as narrativas sobre a ditadura militar brasileira no Pará, levando em consideração que apesar das difíceis trajetórias que a nação e seus habitantes trilharam em distintas parte de seu território, a experiência dos longos tempos de regime de exceção na Amazônia ficou quase nas dobras das produções historiográficas nacionais.
Carla Brandalise e Marluza Marques Harres em “Brizola e os comunistas: os Comandos Nacionalistas na conjuntura do golpe civil-militar de 1964”, pretende circunscrever as divergências de concepção e ação entre Leonel de Moura Brizola e seus aliados na contraposição aos vinculados a Luiz Carlos Prestes no Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Em seu artigo intitulado “Formas de militancia en el Partido Comunista argentino durante la última dictadura militar (1976-1983)”, Natalia Casola analisa como a linha definida pelo PC durante a última década da ditadura militar na Argentina, o apelo a construir a “convergência cívico-militar”, se materializou nas diferentes frentes de militância e nas chamadas organizações de massas.
Discutir alguns usos de termos derivados do campo semântico da loucura quando o assunto é a ditadura civil-militar de 1964, analisar o funcionamento dos mecanismo de suspeição e propor uma análise do aparato repressivo ditatorial, do ponto de vista da paranoia, são alguns dos objetivos traçados por Daniel Faria, no artigo “Sob o signo da suspeita: as loucuras do poder ditatorial”.
Partindo para um conjunto de estudos com objetos mais específicos e pormenorizados, o artigo “Carlos Santos e os usos da ideologia da democracia racial na ditadura civil-militar brasileira”, de Arilson dos Santos Gomes visa conferir visibilidade ao protagonismo político negro no parlamento do Estado do Rio Grande do Sul no período da ditadura civil-militar (1964-1974), analisando a atuação do deputado estadual Carlos da Silva Santos.
Rivail Carvalho Rolim procura dar enfoque a algumas formas de resistência à ditadura militar no Brasil exercidas a partir da organização e mobilização de movimento populares, em seu artigo “Repressão e violência de Estado contra os segmentos populares durante os governos militares”.
No artigo “Todo artista tem de ir aonde o povo está”: o movimento político das Diretas Já no Brasil (1983-1984)”, Vicente Saul Moreira dos Santos tece comentários sobre a relação entre História do Tempo Presente e História Política, com objetivo de inserir o movimento político das Diretas Já, transcorrido no Brasil entre 1983 e 1984. Partindo do pressuposto de ter sido um evento da conjuntura do final da ditadura militar, da luta por democracia e cidadania no país.
No mesmo sentido de compreender e detalhar a organização dos movimentos sociais no curso do regime militar, o artigo “O golpe de 1964 e a repressão ao movimento de ‘trabalhadores favelados’ de Belo Horizonte”, de autoria de Samuel Silva Rodrigues de Oliveira, discute o “Inquérito DVS-096” que atingiu a Federação dos Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte (FTFBH). Segundo o autor, mais do que destruir a estrutura associativa que articulava o movimento social, a repressão desconstruiu a gramática pública que permitia aos “trabalhadores favelados” reivindicarem o “direito de morar”.
Tal como o artigo anterior, o seguinte aborda a organização de movimentos sociais na ditadura. Intitulado “Repressão política contra trabalhadores rurais: reflexões a partir de um estudo de caso em Magé (RJ)”, o artigo de Marco Antonio dos Santos Teixeira, discute a ação de um grupo de trabalhadores rurais em Magé, na Baixada Fluminense, que lutou pelo direito de permanecer na terra que ocupava e se transformou num exemplo de resistência em todo estado do Rio de Janeiro.
Em “A reforma agrária em projeto: o uso do espaço legal para garantir o acesso à terra no Pará (1960-1962)”, Edilza Joana Fontes, coloca em discussão a proposta de reforma agrária no Pará, ocorrido no pré-64, tendo como análise os decretos dos governos do Estado do que procuram definir uma faixa de terras em torno das estradas estaduais, para fins de assentamentos de pequenos produtores rurais. Um artigo que retoma um tema importante no seio das resistências do campesinato, mesmo antes do golpe de 1964.
Por fim, o artigo que fecha esse dossiê, de autoria de Reginaldo Benedito Dias, intitulado “Maringá no nascimento da ditadura civil-militar de 1964: análise do processo movido contra o vereador Bonifácio Martins e seus desdobramentos”, objetiva analisar o processo movido pelo Estado brasileiro, após a implantação da ditadura civil-militar de 1964, contra o Bonifácio Martins, que exercia mandato de vereador no município de Maringá (PR). Perseguido por causa de seu envolvimento com lutas sociais e sindicais e por presumido vínculo com o Partido Comunista Brasileiro, Bonifácio Martins, por motivos de segurança, evadiu-se de Maringá, ficando impossibilitado de concluir seu mandato. O texto de redimensiona os efeitos da ditadura militar sobre os aspectos biográfico e políticos de um figura importante da resistência e oferece uma interpretação mais densa do fenômeno da repressão.
Assim, com esse segundo tomo do dossiê “50 anos do golpe” foi elencado um conjunto representativo de colaborações que, assim como no primeiro, demonstram – como dissemos – a atualidade do tema de pesquisa e sua pertinência crítica nestes dias em que fantasmas do autoritarismo ganham força, mesmo que 50 anos depois.
A todos, uma boa leitura!
Miliandre Garcia
Rodrigo Czajka
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