1989: história da primeira eleição presidencial pós-ditadura | Cássio Augusto Guilherme
O livro intitulado “1989 história da primeira eleição presidencial pós-ditadura”, de Cássio Augusto Guilherme narra os acontecimentos políticos ocorridos no ano de 1989. Inicialmente a obra busca mostrar alguns episódios que a Europa enfrentava, especificamente, a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, o que representava uma nova reconfiguração geopolítica entre os países do Leste europeu e uma reorganização deles, gradualmente em nações capitalistas “livre agora, do perigo comunista” os Estados Unidos passam a ter as Américas central e do Sul como área de influência mais direta impondo o seu modelo neoliberal de política econômica. Isso é o que veremos no livro ora resenhado que apresenta pelas páginas do jornal O Estado de S. Paulo (OESP) a defesa desse tipo político e econômico para o Brasil.
A obra estuda como foi possível um presidente civil, José Sarney, permitir que a abertura política brasileira tenha sido tutelada pelos militares; intelectuais, trabalhadores, artistas, mas também à classe política. Revela que o ex-presidente José Sarney “ganha” a presidência da República dos militares para aos poucos implementar algo como uma democracia, mas sempre vigiada e coercitiva com os tanques às portas dos quartéis e os generais ameaçando a nova ordem. Sarney cumpre seu papel histórico de passar a faixa presidencial a Fernando Collor de Mello, o candidato do jornal OESP.
O que nos chama a atenção no livro de Guilherme é sua fonte documental, a saber, o Jornal paulista O Estado de S. Paulo, ou como é chamado Estadão, (OESP) empresa capitalista de propriedade de uma família tradicional de São Paulo, os Mesquita, oriundas de classe alta, burguesa, assim como o é o seu público, o jornal não esconde que escreve para essa parcela da população com a intenção de dirigi-la, conforme revela Guilherme, na página vinte e sete, citando uma autopromoção revelando a seletividade dos leitores. Diante dessa seletividade e perfil do Jornal e dos seus leitores notadamente de posição política de direita, OESP defende abertamente os candidatos neoliberais, em detrimento dos candidatos da esquerda, especificamente o PT, partido que aparece sempre nas páginas desse periódico com adjetivos negativos, pejorativos e depreciativos, a ideia geral é reforçar o antipetismo no seu leitor-público conservador. Diante disso não é de se admirar que nas eleições presidenciais de 1989 o Estadão escolha como seu candidato Fernando Collor e como inimigo ferrenho o candidato do PT Lula.
No livro fica evidente que a manipulação midiática é escancarada com distorções de dados, fatos e opiniões sempre a favor de Collor e a demonização do PT e do seu candidato Lula, até mesmo os candidatos do PT, como vereadores, prefeitos e deputados são alvos da ira antipopular dos Mesquita que se põem a serviço da burguesia capitaneada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
O autor consegue captar nas entrelinhas das manchetes, notícias e opinião do editorial o seu viés ideológico à direita e da classe patronal. Outrossim, analisa os textos com a lupa de um historiador experiente e metódico, mas também com o caleidoscópio da história vista de baixo, metodologia que insere as lutas de classe na historiografia política. Trata-se de um livro político na essência do termo política, contudo um tipo renovado de história política, aquela realizada por historiadores como René Remond, Eric Hobsbawm, Marc Ferro dentro da tradição da história nova.
O livro está subdividido em dez capítulos e em três partes que se interligam e se inter-relacionam ao longo das suas 417 páginas. Com uma boa e concisa introdução em que o autor inicialmente apresenta o livro e as suas fontes documentais. As três partes são compostas das peculiaridades das eleições do ano de 1989 assim intituladas: Parte um “A eleição no contexto”; Parte dois “A eleição em detalhes”; e finalmente a Parte três “A eleição gerou o governo Collor”. Cada parte aparece subdividida em capítulos em que o autor buscar indicar a ideia central de cada temática que será estudada. Cabe ressaltar que o livro trás algumas tabelas com os percentuais de votos de cada candidato a presidente daquelas eleições dados muito valiosos para se ter uma ideia mais detalhada do panorama de cada um deles no expoente político. Tais tabelas estão muito bem elaboradas e analisadas.
Por fim, trata-se de uma pesquisa documental, muito bem fundamentada e exaustiva que cumpre a função que se propõe de fazer a história da primeira eleição presidencial após os vinte e um anos de ditadura militar, para tanto os registros deixados nas páginas do jornal OESP são cuidadosamente analisados enquanto um manancial de informação que revela ao leitor muito mais do que notícias, fatos e acontecimentos; o periódico nos revela, segundo Guilherme, um posicionamento político muito definido à direita e a serviço da classe patronal, revela um projeto de nação conservadora e neoliberal. Tornar-se visível na presente obra que essa mídia representa e empresta a sua voz contra o antipetismo, mas principalmente contra Lula.
Concluímos que após a leitura de “1989: história da primeira eleição presidencial pós-ditadura” o leitor não lerá mais um jornal de forma ingênua acreditando que algum periódico seja imparcial. No caso acima estudado ficou evidente não só o posicionamento do jornal O Estado de S. Paulo à direita a serviço do capitalismo liberal como a sua forte propaganda contra o que seria à época o nascimento de um partido de esquerda, popular e a favor das classes trabalhadoras.
Resenhista
Eduardo Martins – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil E-mail: e.martins@ufms.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5345-1188
Referências desta Resenha
GUILHERME, Cássio Augusto. 1989: história da primeira eleição presidencial pós-ditadura. Jundiaí: Paco editorial, 2019. Resenha de: MARTINS, Eduardo. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.22, n.39, p.209-211, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]