Perspectivas sobre o Brasil Império | Escrita da História | 2017

Dando sequência a edição anterior, dedicada às elites e instituições no Brasil Império, a Revista Escrita da História tem a satisfação de publicar o presente número, que reúne trabalhos com múltiplas perspectivas sobre o oitocentos no Brasil. Trafegando por temas diversos como os embates conceituais do período, as relações entre província e centro, a construção do Estado, a administração e a justiça, e a escravidão, o dossiê perpassa por todo o século XIX, levantando inúmeras questões e problemas, bem como oferecendo muitos caminhos de investigação.

O texto que abre o dossiê, de Jônatas Roque Mendes Gomes, mestre em História Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), trata das discussões sobre o conceito de “cidadão” na Assembléa Geral Constituinte e Legislativa de 1823. Com o objetivo de entender os usos deste conceito-chave no centro do poder político do Império, o autor retoma as discussões acerca do conceito desde os finais do século XVIII, demonstrando as suas diversas “camadas de significados”, que se entrecruzavam nas formulações dos constituintes de 1823. Através da análise das mobilizações conceituais, o autor vislumbra como os atores políticos e sociais do período pretendiam dar forma para a construção e organização do Estado e da Nação brasileira então em formação.

Já Arnaldo Soares Serra Júnior, mestre em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), debruça-se nas coleções de leis do Império e, principalmente, nos relatórios e discursos dos Presidentes da Província do Maranhão apresentados na Assembleia do Maranhão, para entender a relação, na estrutura administrativa do Império, entre os Juízes de Paz e os Presidentes de Província. Abordando a discussão mais ampla sobre as demandas políticas provinciais e sua relação com os interesses do governo central no processo de adoção de um modelo administrativo para o Estado, o autor procura demonstrar como as críticas levantadas pelos Presidentes da Província do Maranhão sobre a atuação dos Juízes de Paz inseriram-se no contexto nacional de centralização política.

Por sua vez, Adriana Duarte Borges Aquino, mestranda em História pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), dedica-se ao campo da história agrária e política em Minas Gerais, especificamente sobre a Vila de Montes Claros de Formigas, analisando os impactos do regulamento da Lei de Terras de 1850. Contrariando a ideia de que essa lei foi ineficaz, “letra morta”, a autora apresenta que na Vila selecionada para o estudo ocorreram 1054 registros, tendo a Vila enviado à administração provincial mineira as informações necessárias, e havendo, também, uma procura pelos processos de legitimação de terras. A autora chama a atenção para a necessidade de considerar a aplicação da Lei de Terras através de estudos particulares, atentando para os interesses e condições de cada Província no Brasil.

O texto que encerra o dossiê, de Lucian Souza Silva, doutorando em História na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), procura analisar as experiências e resistências de homens e mulheres subjugados pelo cativeiro na Província da Parahyba do Norte entre os anos de 1870 até 1888. Destacando, por um lado, as formas de resistências jurídicas e, por outro, os obstáculos e dificuldades impostos pelo que o autor chama de uma “cultura política escravista”, seu artigo apresenta alguns casos que revelam os meandros deste embate, da mesma maneira que demonstram o desejo de liberdade dos escravizados. Cada um desses atores históricos, a partir de seus contextos particulares, possuíam visões e projetos específicos de libertação, procurando consolidá-los das mais diversas maneiras.

A edição ainda conta com quatro artigos e uma resenha que compõe a seção livre. No primeiro artigo, os professores Alexander Martins Vianna (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ) e Maurício dos Santos Ferreira (PROFHISTÓRIA-UFRRJ) apresentam suas contribuições sobre letramento histórico crítico-genético. Trata-se de uma ética historiográfica reflexiva e formadora de habilidades cognitivo-afetivas, que sugere ou constitui sentidos para a vida baseados em determinadas relações entre passado, presente e futuro. Propõe também a operação perspectivista do estranhamento cultural como forma de “desautomatizar” os sentidos hegemônicos orientadores da vida, contribuindo para questões relacionadas à teoria da história, história da historiografia e ensino de história.

Já o segundo artigo, de autoria de Larissa Rodrigues, licenciada e bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), investiga os sentidos que Sigmund Freud atribuiu à religiosidade e ao ateísmo. A autora parte da hipótese de que para Freud o ateísmo não está reduzido a um ufanismo da razão e nem a um mero ceticismo crítico, mas aponta para uma condição humana, ao mesmo tempo limitada e criativa. Além disso, busca compreender a relação de Freud com a cultura germânica de sua época e a tradição judaica a que pertencia; depois se dedica às interpretações de Paul Ricoeur e Michel de Certeau sobre o ateísmo em Freud e, por último, propõe uma reflexão acerca dos diálogos possíveis entre historiografia e psicanálise.

O terceiro artigo da seção é de César Leonardo Van Kan Saad, mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e trata do vocabulário analítico e da teoria do discurso de Ernesto Laclau. O autor debruça-se sobre algumas noções da obra de Laclau, tais como articulação, heterogeneidade e antagonismo. Partindo da ausência de qualquer essencialismo no conceito de “espaço social”, tal como da ausência do universal, o autor propõe uma leitura da noção de “espaço social” que compreenda as diferenças, do ponto de vista dos antagonismos.

No quarto artigo desta seção, Bruno Cesar Cursini, mestrando em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), dedica-se a análise de três textos autobiográficos de Gilberto Freyre: Dona Sinhá e o Filho Padre; Tempo morto e outros tempos e De menino a homem. Seu objetivo é relacioná-los com a trajetória de Gilberto Freyre, apontando para a importância dos “escritos de si” como fontes de pesquisa para o estudo da história dos intelectuais. Apresenta, dessa forma, as eventuais vantagens e limites de diferentes abordagens metodológicas dedicadas aos estudos dos escritos autobiográficos e sua contribuição para a historiografia.

Encerrando esta edição, Vanessa de Jesus Queiroz, mestranda em História Social pela Universidade de Brasília (UnB), apresenta uma resenha sobre a mais recente obra de Marcelo Balaban, Estilo moderno: humor, literatura e publicidade em Bastos Tigre, na qual o autor discute o conceito de modernidade no contexto das experiências históricas das primeiras décadas do século XX.

Desejamos a todos uma excelente leitura!


Organizador

Renato de Ulhoa Canto Reis


Referências desta apresentação

REIS, Renato de Ulhoa Canto. Apresentação. Escrita da História, v.4, n.7, p.8-10, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR]

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