O ano de 2017 apresenta importantes efemérides para a compreensão do século XX no que se refere ao protagonismo dos trabalhadores, acentuando a necessidade da História como ciência fundamental para a análise do desenvolvimento objetivo dos fatos.
Neste sentido, a miríade de congressos, colóquios e cursos promovidos intensamente no âmbito da academia e de livros e revistas que se propuseram a elucidar os meandros dos acontecimentos de 1917, contribuiu não para uma simples e rasa comemoração centenária, mas para uma árdua discussão historiográfica. É nesta engrenagem que se insere a Revista Escrita da História com o dossiê Revoluções e movimento operário no século XX, destacando em seu número oito o centenário da Revolução Russa de 1917, da Revolução Mexicana (considerando a enorme polêmica em torno de sua data, 1910, 1917 ou ainda o seu período tardio, durante a década de 1930) e da Greve Geral de 1917 no Brasil.
Descortinamos o dossiê com o artigo de Rebecca de Oliveira Freitas, mestranda em História na Universidade Federal Fluminense (UFF), Pensando a transição ao socialismo: uma leitura da nova política econômica a partir de Preobrazhensky. Abrangendo os estudos sobre planificação econômica, o artigo versa sobre as críticas e contribuições econômicas do militante da Oposição de Esquerda, Eugene Preobrazhensky, sobre a chamada Nova Política Econômica (NEP), buscando cimentar as diretrizes da economia soviética.
O segundo artigo abarca a Greve Geral de 1917 na capital do Rio Grande do Sul. O texto, escrito por César Augusto Bulboz Queirós, historiador e professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), é intitulado Luta econômica e emancipação social: as grandes greves em Porto Alegre na Primeira república (1917-1919). O autor analisa o contexto que fez operários da capital do Rio Grande do Sul (GS) se aglutinar em nome de reivindicações, em coro com trabalhadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, assim como também, as relações entre a direção sindical do movimento grevista e os militantes que ocuparam as ruas de Porto Alegre.
O terceiro artigo segue os trilhos do movimento operário brasileiro. Intitulado Sapateiros militantes em São Paulo na década de 1920: lutas, debates, caminhos, foi produzido por, Demetrio Quirós Bello Junior, mestrando em História na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Fazendo uso da prosopografia e ampla documentação primária, o autor cruzou prontuários do Departamento de Ordem e Política Social (DEOPS) com fontes da imprensa operária da década de 1920, para analisar a biografia de militantes da União dos Artífices em Calçados e Classes Anexas (UACCA). Entre os elementos considerados, estão os princípios que nortearam suas filiações, suas relações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), com a Revolução de 1924 e a articulação do movimento de solidariedade com anarquistas presos nos Estados Unidos da América.
Seguimos com o quarto artigo do dossiê, escrito pelo mestrando em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Danilo Mendes de Oliveira e intitulado Três Trajetórias e uma stalinização: as memórias de Octávio Brandão, Leôncio Basbaum e Heitor Ferreira Lima no PCB (1922-1935). O autor mostra como as trajetórias destes três dirigentes comunistas se encontraram na expectativa de organizar a classe operária, porém, suas ações eram limitadas, considerando o atrelamento da direção deste partido operário à política do stalinismo e os limites para intervirem concretamente na luta de classes das décadas de 1920 e 1930.
O quinto artigo do dossiê, foi escrito por Ricardo Neves Streich, doutorando em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), sob o título A Revolução Mexicana e as esquerdas latino-americanas nos anos 1920. O autor mostra que o fervilhar revolucionário na América Latina não se limitava à cadência soviética. Analisa ainda como as principais pautas da Revolução Mexicana foram consideradas pelos marxistas José Carlos Mariátegui e Tristan Marof e os não marxistas Victor Raúl Haya de la Torre e Oscar Tenório. Segundo o autor, para os marxistas, a Revolução Mexicana possibilitou a práxis no que tange ao marxismo, ao indigenismo e à reforma agrária, debate ainda presente em países andinos. Os não marxistas pensavam sobre Estado e o nacionalismo. Particularmente para Haya de la Torre, o marxismo não respondia aos anseios e problemas colocados pela realidade latino-americana e de acordo com Tenório, a revolução não seria marcada pela ruptura com o capitalismo.
O sexto artigo do dossiê é de autoria do historiador mexicano Francisco Lima Baca, com formação em Estudios Latinoamericanos pela Universidad Nacional Autónoma de Mexico (UNAM) e atualmente Pós-doutorando na Universidade de Campinas (UNICAMP). Intítulado La representación y el devenir del caudillo revolucinario como personaje en la obra de La sombra del caudillo de Martín Luis Guzmán y La muerte de Artemio Cruz de Carlos Fuentes, o texto chama atenção para a construção da figura do “caudillo”, apresentada na obra literária mencionada no título, como classe política presente na revolução liderada por Pancho Vila e Emiliano Zapata e numa das principais obras do muralista Diego Rivera, Sueño de uma tarde dominical en la Alameda Central.
Completa o número oito, seis artigos destinados à Seção Livre, aberta pelo artigo de Fabio Luis Barbosa dos Santos, Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Santos discorre analiticamente acerca do debate sobre o socialismo no século XXI. Se ampara em Celso Furtado para analisar o contexto político, econômico – principalmente no que se refere ao petróleo – e cultural venezuelano, no qual ascenderam os presidentes Hugo Cháves e Nicolás Maduro, apresentando os avanços e limites da chamada “Revolução Bolivariana”.
O segundo artigo desta seção é de autoria de Hugo de Carvalho Quinta, Mestre pela Universidade Federal de Integração Latino-americana (UNILA). Quinta analisa as atividades libertárias no interior do movimento operário argentino, inclusive as comemorações do 1º de maio de 1889, durante a curta estadia no país do artista e anarquista italiano Pietro Gori, os dilemas criados por ele na imprensa anarquista argentina e sua influência na construção da Federación Obrera Argentina (FOA), entre a última década do século XIX e as primeiras décadas do século XX.
O terceiro artigo da seção é de Lucas Thiago Rodarte Alvarenga, Mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), intitulado Nos bastidores de um jornal anarquista: comentários sobre o processo de produção e circulação do Jornal A Terra Livre entre os anos de 1905 e 1910. O autor entrou nos bastidores do efêmero jornal supracitado no título do artigo, dirigido pelos anarquistas Neno Vasco e Edgard Leuenroth. Analisa o contexto de crescente organização operária desde o final século XIX no qual o periódico nasceu, as dificuldades financeiras para manutenção, sua influência no movimento sindical e os possíveis motivos de sua decadência.
O quarto artigo escrito por Fabrício Pinto Monteiro, Doutorado em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e professor na Escola Municipal Afrânio Rodrigues da Cunha é intitulado O terrorismo anarquista no Brasil da Primeira República: construções de sentidos de militantes e a repressão governamental. Monteiro se debruça sobre a análise da faceta violenta do anarquismo, os atentados promovidos no Brasil, as considerações do anarquista Astrojildo Pereira e o debate sobre o tema no seio libertário.
Seguimos com o quinto artigo da Seção Livre, escrito a quatro mãos: Renata Garcia Campos Duarte, doutoranda em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Daniela Oliveira Ramos dos Passos, doutora em sociologia pela mesma instituição, assinam o artigo intitulado O jornal O Operário da Confederação Católica do Trabalho e as propostas para a educação dos trabalhadores de Belo Horizonte. As autoras analisam o debate sobre a educação pública como reivindicação dos trabalhadores da capital mineira, durante a década de 1920, justificada pelas condições de analfabetismo.
Encerra a seção e o oitavo número o artigo escrito pelo Mestre em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), João Guilherme Lisbôa Rangel, intitulado Hagiografia e escrita da história na Idade Média: o capítulo de São Pelágio na Legenda Áurea de Jacopo de Varazze (C.1270.1298). O autor analisa a historiografia sobre o tema e rompe com a vaga percepção de que as hagiografias se limitam aos relatos da vida de santos, mostrando que estas podem ser também objeto de estudo da História.
A todos e todas, uma boa leitura!
Organizador
Adir de Almeida Mota
Referências desta apresentação
MOTA, Adir de Almeida. Apresentação. Escrita da História, v.4, n.8, p.10-13, jul./dez. 2017. Acessar publicação original [DR]
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