O livro didático de geografia e os desafios da docência para a aprendizagem | Maria Ivaine Tonini

1   INTRODUÇÃO

A obra é organizada predominantemente por professores vinculados ou que já possuíram vínculo com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como Ivaini Maria Tonini, Lígia Beatriz Goulart, Roselane Zordan Costella e Rosa Elisabete Militz Wypyczynski Martins, além de Manoel Martins de Santana Filho, professor na Faculdade de Formação de Professores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Como o próprio título indica, o conteúdo do livro não pretende apresentar receitas prontas para o trabalho com livros didáticos, mas nos leva a refletir sobre o papel desse recurso didático na prática docente em Geografia, de forma a contribuir no processo de ensino-aprendizagem. A obra é dividida em três blocos, cujos artigos são descritos a seguir.

2 OLHARES SOBRE OS LIVROS DIDÁTICOS

Os artigos presentes nesse bloco buscam analisar o livro didático para além de sua dimensão conteudista, compreendendo os atores presentes nos processos de elaboração e regulamentação desse material. Dessa forma ganham destaque elementos institucionais como o Plano Nacional do Livro Didático – PNLD, que através de normas e editais propõe critérios que interferem na aquisição desse material por parte dos governos, o que resulta em disputa envolvendo cifras milionárias por parte dos grupos editoriais.

O PNLD, entendido no artigo de Oliveira e Giordani como a opinião do “Estado” representada pelos profissionais responsáveis pela avaliação dos livros didáticos, é visto pela maioria dos autores como uma forma de garantir, ainda que de forma discreta, a inserção de temas considerados de grande relevância para o desenvolvimento da “formação cidadã”, mas que ainda são pouco estudados no meio escolar, como é o caso das culturas afrodescendentes e indígenas, temáticas envolvendo diferentes gêneros sexuais, meio ambiente, entre outras que permeiam a vida em sociedade, como pode ser visto também no artigo de Azambuja.

Entre os questionamentos feitos ao PNLD está a pouca participação de professores que atuam na educação básica junto aos processos de elaboração dos editais e avaliações dos livros didáticos, como destacado por Gonçalves e Melatti. Já Oliveira e Giordani enfatizam outro problema, tratando-se da forma como minorias culturais são abordadas. Segundo os autores, na maioria das vezes a abordagem se dá por representações que partem de uma organização discursiva mecânica e vinculada ao currículo prescrito, ou seja, com acentuado caráter descritivo e informacional, restringindo sua forma de apropriação por parte dos professores a alunos.

Sobre a formação cidadã, presente em todos os artigos desse bloco e com grande peso na obra como um todo, destaca-se o seu caráter social, a intenção de relacionar os saberes geográficos com o espaço de atuação dos estudantes. Para atender a essa demanda Azambuja afirma que os livros didáticos devem deixar seu caráter predominantemente informativo, tal como centralizar seus esforços na formação dos estudantes, suas necessidades e expectativas.

3 POSSÍVEIS LEITURAS DOS LIVROS DIDÁTICOS

Com o intuito de apresentar possibilidades de utilização do livro didático na educação básica, o bloco II aborda, sobre diferentes enfoques, recursos que muitas vezes acabam não sendo apropriados pelos professores como deveriam, entre os quais está a linguagem cartográfica. No artigo de Sabota e Silva podemos ver como este recurso pode contribuir para o desenvolvimento da formação cidadã, através da relação entre representação espacial e as demandas sociais existentes nos espaços onde os estudantes vivem. O que pode contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico frente à precariedade de muitas localidades onde vivem parcela considerável dos alunos das escolas públicas brasileiras.

Seguindo a mesma perspectiva do artigo anterior, Firmino e Martins tratam de um importante aspecto presente nos livros didáticos que são as representações imagéticas e sua relação com a manutenção de clichês, comumente encontrados nos estudo de temas variados como, por exemplo, a representação de forma pejorativa e estereotipada de elementos do continente africano, povos da América Latina, culturas de determinadas regiões asiáticas, entre outras representações culturais. Ao realizar essa discussão os autores partem da análise do livro e suas imagens como artefato cultural, desenvolvido sobre a disputa de diferentes atores. Esta perspectiva remete aos ideais propostos pelo renomado pesquisador na área da História do Currículo das Disciplinas Escolares, Ivor Goodson, ao contribuir para que o livro não seja concebido apenas como um recurso didático, mas como forma de transmissão de uma série de valores e informações que tornam parte da tradição cultural de uma sociedade, enquanto outros, que não representam as expectativas de grupos dominantes, perdem espaço ou são até mesmo negados.

Tomando como base autores como Circe Maria Bittencourt e Kazumi Munakata, o artigo de Gabrelon e Silva propõe analisar o livro didático no âmbito da produção do conhecimento escolar brasileiro e as disputas que permeiam sua elaboração. Desse modo, partindo da concepção de Alain Chopin, onde o livro didático não deve ser considerado apenas na sua forma textual, uma vez que sua produção compreende diversas características de sua época como o mercado editorial, ideologias e preferências dos autores e/ou editoras, diretrizes educacionais, entre outros, os autores dialogam acerca das possibilidades de utilização desse material para tratar de temas como o território brasileiro e sua diversidade cultural.

4 LIVROS DIDÁTICOS E FAZERES NA DOCÊNCIA

O último bloco concentra o maior número de artigos. Neles são apresentadas diferentes possibilidades envolvendo o livro didático e a prática docente, mantendo os ideais de formação cidadã e destacando questionamentos colocados anteriormente, como é o caso das críticas feitas aos processos de seleção dos livros pelo PNLD e dos conflitos que envolvem a produção desse material.

O artigo produzido por Costella, bem como o de Vallerius e Santos, consideram o que chamam de “conceitos estruturantes do pensamento geográfico” como fator de ligação entre o ensino de Geografia e os livros didáticos, propondo um processo de educação geográfica onde o objetivo não está nos conteúdos, mas nas ideias produzidas a partir deles. Para isso seriem desenvolvidas às capacidades de síntese, posicionamento, conceitualização, reflexão e poder de estabelecer relações. Como forma de elucidar essa proposta Costela toma como referência a concepção de conceito científico de Vygotsky, além dos ideais de pensamento espacial presente em obras de autores(as) como Antonio Carlos Castrogiovanni e Maria Helena Callai, para então apropriar-se das representações de Paisagem, Região, Lugar, Território, Espaço geográfico e Cidade, como uma ferramenta que auxilie no processo de ensino-aprendizagem.

O artigo de Tonini e Goulart busca valorizar a utilização do livro didático na prática docente. As autoras atribuem à(o)s professoras(es) a função de direcionar esse recurso às necessidades e expectativas de seus alunos, mesclando, quando necessário, seus conteúdos com outros provenientes de fontes diversas, suprindo assim suas possíveis carências. Já os artigos apresentados por Santos e Couto destacam o caráter ideológico presente nos livros didáticos de Geografia, fruto das disputas políticas que permeiam sua produção e comercialização. Sendo que este último autor apresenta possibilidades metodológicas de práticas de ensino de Geografia, passando pelas ideias de Vygotsky, Piaget, Arroyo e Saviani, e posicionando a favor da abordagem Histórico-crítica onde o livro didático deve ser tratado com cautela, pois estaria carregado de ideologias burguesas.

Vale ressaltar a pertinência das críticas atribuídas aos livros didáticos de Geografia presentes em alguns artigos, como o de Copatti, que coloca em cheque a configuração atual desses materiais propondo a sua utilização para uma prática educacional autônoma. Santos trata das dificuldades do livro didático em contemplar toda a diversidade presente no território brasileiro, assim como atender as variadas expectativas presentes em professores e alunos. Por sua vez, Tonini e Goulart criticam o modo como o livro didático é muitas vezes tratado no meio acadêmico, ou seja, desqualificado e frequentemente associado a práticas pedagógicas pouco inovadoras e enfadonhas, o que pode ser visto no pouco espaço nas licenciaturas em Geografia destinado ao debato acerca deste importante material.

5 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONJUNTO DA OBRA

O conjunto dos artigos nos faz refletir sobre o livro didático de Geografia enquanto um objeto pedagógico cujo peso de sua tradição pode interferir, de diferentes formas e intensidades, nas práticas docentes, como é bem evidenciado no artigo de Filho. A experiência dos pesquisadores enquanto atores no processo de educação geográfica, seja na educação básica ou na formação de professores, fornece grandes subsídios para questionar velhos hábitos dos professores(as) nas formas de apropriação desse material, além de interpretar os interesses que envolvem a política de produção e seleção das obras. Entretanto, as alternativas propostas para a utilização do livro didático não possuem intuito de se tornar “solução” para os questionamentos desse campo do conhecimento, mas mostram as potencialidades desse recurso que, mesmo estando longe de ser inquestionável em um país tão amplo e diverso como o nosso, deve ser tratado como um aliado dos professores(as), desde que os mesmos compreendam suas limitações e consigam utilizá-lo como uma ferramenta na construção de uma formação cidadã. Outro fato que valoriza a obra, de modo geral, é a compreensão do livro didático como fruto de um amálgama de disputas que envolvem diferentes atores como o poder público, as instituições de ensino, a sociedade representada principalmente pelos alunos e seus familiares, os autores e o mercado editorial, sendo que este último, já há várias décadas, constitui uma indústria importante do ponto de vista cultural e econômico.

Resenhista


Renato Frade da Costa – Mestrando do programa de pós-graduação em Inclusão Social da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Professor de Geografia da Rede Municipal de Belo Horizonte. E-mail: r.frade@yahoo.com.br


Referências desta Resenha

TONINI, Maria Ivaine et al. (Org.) O livro didático de geografia e os desafios da docência para a aprendizagem. Porto Alegre: Sulina, 2017. Resenha de: COSTA, Renato Frade da. Ensino de Geografia. Uberlândia, v. 9, n. 16, p. 240-244, jan./jun. 2018.

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