FRANCO, José Luiz de Andrade et al. (orgs.). História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2012, 392 p. Resenha de: SILVEIRA, Tissiano da. História [Unesp] v.32 no.2 Franca July/Dec. 2013.
O livro aqui resenhado traz alguns dos autores mais conceituados no assunto, referência quase obrigatória para quem se aventura pela História Ambiental. Além disto, traça um panorama da produção mais recente nesta área, assim como mantém uma preocupação em delimitar um campo de estudo pelo qual se busca demonstrar que há especificidades ao pensar e produzir a partir deste lugar. Portanto, esta dupla abrangência – a escrita e a constituição de um campo da História Ambiental – é ponto de partida para apresentar a obra e penetrar nesta construção em curso. A tarefa é empreendida aqui por um grupo heterogêneo composto por historiadores, geógrafos, biólogos, cientistas sociais, cartógrafos, ecólogos e até profissionais da ciência da computação que se aproximam quando voltam seus interesses para as interações entre os homens e o meio ambiente.
O Prefácio, de Stefania Barca, vice-presidente da Sociedade Europeia de História Ambiental, reafirma alguns marcos importantes para a área. A necessidade de se afastar de uma visão que separa, de forma irreconciliável, homem e natureza é pedra de toque dos trabalhos neste campo, o que poderá se confirmar na grande maioria dos artigos apresentados na publicação. Além desta, três premissas são apresentadas por Barca como basilares destes estudos, postas quase em tom de aviso aos navegantes: a natureza não é algo fixo e imutável; as diferentes sociedades interagem de forma diferente com o meio; e, por último, as ciências produziram visões da natureza a partir das sociedades – e do tempo – em que elas estavam inseridas; assim, construção do saber não está desvinculada da evolução cultural. Tais premissas nos ajudam a não cair em armadilhas do anacronismo, a evitarmos pensar em ambientalismo avant la lettre, ou o inverso, criando-se assim heróis e vilões. Até mesmo porque este não é o papel da história, afinal.
Outra questão cara aos estudos da História Ambiental é a interdisciplinaridade, pois na obra se percebe que há uma busca permanente, talvez mesmo um esforço contínuo, em demonstrar esta perspectiva configurada na seleção de alguns artigos que levam os leitores a caminhar por terrenos mais comuns aos paleontólogos – devido ao grande alargamento da temporalidade, utilizada nestes estudos – e a aportes com grande carga de tecnicidade, como geotecnologia. Tratados no livro a partir da possibilidade do uso de tais técnicas, os artigos procuram mesmo uma forma de ajustamento entre campos que há muito se afastaram pela busca de sua autonomia e que tão somente no final do século XX voltam a se aproximar, mas desta feita com as especificidades já consolidadas.
Os 16 artigos estão divididos em quatro blocos. O primeiro chama-se “A História Ambiental como Fronteira Interdisciplinar: Aspectos teóricos e metodológicos”, no qual escrevem José Augusto Pádua; Christian Brannstrom; Nilson Correia da Silva, Osmar Abílio de Carvalho Junior, Renato Fontes Guimarães e Sandro Dutra e Silva. O segundo, “A Expansão e Ocupação das Fronteiras Territoriais”, tem textos de Fernando Antonio dos Santos Fernandes e Bernardo B. A. Araújo; Gilberto de Menezes Schittini; José Luiz de Andrade Franco e José Augusto Drummond; Sandro Dutra e Silva; Marcelo Lapuente Mahl; Ely Bergo de Carvalho; Gilmar Arruda; Regina Horta Duarte e Natasha Stefania Ostos. “A Exploração dos Recursos Naturais na Fronteira” é o terceiro bloco, que conta com Eunice Sueli Nodari; Kelerson Semerene Costa; Giovana Galvão Tavares, Sílvia Fernanda de Mendonça Figueirôa e Genilda D’Arc Bernardes; José Paulo Pietrafesa, Selma Simões de Castro e Silas Pereira Trindade; e, por último, “História Ambiental e Conservação da Natureza”, com um texto de José Luiz de Andrade Franco e José Augusto Drummond e outro de Donald Worster.
Não é à toa que a ideia de “fronteira” se encontra nos títulos dos três primeiros blocos que dividem a publicação. A temática ambiental nos confronta com os lugares que são diversos, lugares que se relacionam de diversas formas com o ambiente, mas que não se separam por barreiras fixas e intransponíveis. Ao contrário, a fluidez entre estes espaços é objeto da preocupação de vários estudos e permite as mais variadas interações das populações com diferentes biomas. Estes são espaços em que se aplicam e se desenvolvem políticas, algumas vezes (acredito ser na maioria) de forma desastrosa.
A ideia contida nos textos de Turner ou Webb1 sobre as fronteiras do oeste americano serve para ilustrar o que foi dito anteriormente. Estes autores temiam que o espaço da fronteira se tornasse uma reserva para o desenvolvimentismo, o alargamento da ação humana, que marchava a todo vapor sobre ela. No que estavam certos, pois a fronteira neste sentido se torna o cerne da conservação de ambientes pouco antropizados.
No primeiro bloco do livro, temos a questão da fronteira assumida como um lugar de encontro de saberes, de teorias e metodologias que não costumam ocupar o mesmo texto, pelo menos não com o mesmo peso como aporte teórico-metodológico. Para tal, abre-se a série de artigos com um texto, já publicado e de grande circulação, de José Augusto Pádua. Tenho como hipótese que abrir uma publicação com o texto do Pádua e encerrar com Donald Worster não só garante um lugar bem demarcado nos cenários das atividades científicas, mas também assegura um caráter de circularidade da obra; melhor dizendo, abre-se um espaço em que um autor brasileiro e o outro, norte-americano, estariam em diálogo direto, a partir do qual se estabelecem os marcos da discussão, demarca-se um território e se solidifica um campo de estudo. Podemos nos perguntar se isto poderia ser algo que fixa os historiadores ambientais em um terreno seguro, impedindo um avanço teórico e metodológico do campo. Quanto a isto, o livro parece mais emaranhar que responder à questão – deixo claro que esta não é uma questão do livro, em nenhum momento isto está posto -, pois a preocupação em manter as premissas estabelecidas por produções que se tornaram referência2 parece patente.
“As Bases Teóricas da História Ambiental”, publicado pela primeira vez por Pádua em 2010, é um texto muito recomendado àqueles que se iniciam nos estudos deste campo. Não que ele não seja denso, não tenha profundidade, mas – como anuncia no título – propõe expor as bases para o estudo na História Ambiental, mostrando os caminhos e entraves para seu desenvolvimento. E nisto, é eficiente. Talvez uma pergunta atrevida possa ser feita: ainda é necessário reafirmar estas bases nas produções mais recentes, talvez em detrimento das pesquisas realizadas?
Ainda neste primeiro bloco há uma interessante revisão da “hipótese da madeira”, lançada por Warren Dean3 em seu consagrado livro sobre a ocupação humana na mata atlântica. Com correções de cálculos e elementos desprezados por este autor, o trabalho passa por uma crítica bem acurada, com ajustes que me parecem realinhar dados que careceriam de um olhar técnico mais especializado quando utilizados como fontes. Parece-me aí que a interdisciplinaridade encontra um entrave, pois utilizar dados brutos pode levar a resultados bastante divergentes, já que em cada área das ciências estão circunscritas inúmeras técnicas, as quais não são inteiramente dominadas por outras. Assim, acredito que o artigo de Brannstrom é, no mínimo, um alerta para repensarmos alguns limites para a interdisciplinaridade.
No bloco seguinte temos no primeiro texto uma perspectiva de tempo que também pode ser bastante interessante para pensarmos estas imbricações de áreas e disciplinas, cujo título é “As primeiras fronteiras: impactos ecológicos da expansão humana pelo mundo”. Os autores, ambos da área biológica, iniciam suas reflexões naquilo que dizem ser a queda da “primeira grande fronteira”, a colonização da Austrália há 50 mil anos. Eles apontam para a ação humana como responsável pelo menos por dois terços da extinção da megafauna do planeta, assim, demarcando os primórdios do que seria a força da “pisada humana” na Terra.
Este bloco e o seguinte, “A Exploração dos Recursos Naturais na Fronteira”, demonstram a preocupação da História Ambiental com os discursos e representações sobre a natureza, desde a criação do misticismo em torno do engenheiro Bernardo Sayão, “abatido por uma árvore” durante a construção da Rodovia Belém-Brasília, aos relatos de exploração de ovos de tartaruga nos rios amazônicos. A preocupação em historicizar os discursos e as políticas de avanço sobre as fronteiras é considerada especialmente nestes dois blocos do livro; a separação destas duas partes mais dedicadas aos resultados de pesquisas é tão tênue quanto as fronteiras naturais, mas, por uma questão de organização, se justifica.
São justamente estes artigos que tornam mais interessante a publicação, pois demonstram como a teoria e metodologia da História Ambiental estão sendo aplicadas aos mais diversos objetos de pesquisa. A construção simbólica a respeito da natureza é realmente um campo vasto para estes estudos e nos ajuda a entender desde discursos governamentais a aspectos culturais das sociedades, os quais, à primeira vista, podem parecer naturalizados, mas os fios de Ariadne conduzem ao entendimento destas construções, desvelados pela inquietação daqueles que observam cuidadosamente o passado. E não nos esqueçamos de que o passado explicado hoje tem sempre o olhar viciado do/no presente.
É especialmente esclarecedor o artigo que trata da construção da imagem, positivada, do eucalipto em Minas Gerais na segunda metade do século XX; sob a égide do desenvolvimento da região, a substituição da cobertura vegetal por uma espécie exótica era saudada ante as qualidades da segunda, tendo como pano de fundo um discurso nacionalista em que as árvores se destacavam. Esta contradição aparente tem uma temporalidade específica, um contexto próprio, cujas tramas políticas e econômicas estão muito bem trabalhadas no texto “Entre ipês e eucaliptos…”, demonstrando as inúmeras possibilidades da pesquisa em História Ambiental.
Também são tratadas de forma geral, nestes blocos, as políticas ambientais, constituições de Unidades de Conservação, por exemplo, tendo como contraponto artigos que tratam de políticas desenvolvimentistas como “A crescente produção sucroalcooleira no cerrado…”. Como dito antes, este miolo – se o pudermos assim chamar – é interessante por abordar vários biomas e objetos, em que, realmente, se descortina um panorama das pesquisas em História Ambiental feitas no Brasil.
Por estarmos em outro momento da produção historiográfica, quando a biografia torna-se uma possibilidade de escrita da História, sem a carga negativa que lhe acompanhava, é digno de nota o texto sobre Zoroastro Artiaga. Longe de exaltar seus propósitos, o artigo demonstra que a partir de uma iniciativa pessoal podemos ter acesso a inúmeras questões, por exemplo: como os interesses econômicos rivalizavam ou se associavam a interesses científicos e quais implicações surgiam destas urdiduras.
No quarto bloco do livro temos apenas dois textos, um deles escrito pelos organizadores do volume, Drummond e Franco, e o outro, o texto final, de Donald Worster, publicado anteriormente, em 1995. Os dois textos cumprem bem a função de fechamento, pois ambos vão elaborar uma reflexão sobre o perfil daquele que se ocupa de estudos ambientais; o primeiro, que pensa naqueles que demonstravam preocupações com o ambiente até quando se configura a atuação do ambientalista, e depois o texto de Worster, que trata mais especificamente do “historiador ambiental”.
O texto “História das preocupações com o mundo natural no Brasil…” é interessante não somente por nos mostrar como foi construído, a partir de indivíduos ou grupos, o pensamento ambiental no Brasil e a influência dele em políticas públicas, mas por mostrar as fissuras neste contexto ambientalista no qual, em larga medida, insere-se o historiador ambiental. E o é também ao situar aqueles chamados preservacionistas/conservacionistas e, pari passu, os socioambientalistas, oriundos – segundo os autores – de correntes de pensamento socialista ou de “esquerda” que utilizam a questão ambiental para dar mais visibilidade às questões sociais. Para os autores, a crítica aos preservacionistas/conservacionistas ocorre, em grande parte, por desconhecimento do que era inovador e crucial em suas proposições.
Isto é importante para entendermos as políticas e problemáticas relativas às unidades de conservação, pois há uma separação bem distinta que reflete estes dois posicionamentos: as áreas de uso sustentável e as de proteção integral. Acredito que muitos trabalhos que ainda estão sendo escritos se encontram com esta questão, principalmente se discutem a presença de pessoas em áreas de proteção ou mesmo se pesquisam áreas para as quais se pensa a criação de reservas.
O último texto, apesar da data de sua primeira publicação, é para mim a reflexão mais fresca sobre a história ambiental. Aqui, Worster nos coloca diante de uma questão basilar, ou que pelo menos deveria ser, às pesquisas neste campo: para que fazemos nossas pesquisas? Longe de imaginar um caráter utilitarista para nossos esforços, penso que temos que pesar o resultado que tal trabalho pode ter para a sociedade, acho mesmo que é imperativo que ofereça uma contribuição social.
Voltando os olhos para os movimentos, que ocorrem em distintas velocidades, de sociedades e da natureza, o autor alerta para algo inegável, ele fala mesmo que a sociedade tem percebido cada vez mais a dependência que os seres têm uns dos outros. Assim, pensar em fazer História Ambiental é perceber que esta dependência se aplica às mais variadas formas de interação, inclusive com a tecnologia.
Por fim, a coletânea se mostra muito proveitosa para aqueles que se dedicam ou farão suas pesquisas no campo da História Ambiental. Como diz Woster em seu artigo: “A história” deu lugar “às histórias”. Portanto, faz-se necessário circular os resultados e também inquietações daqueles que se dedicam a estes estudos. Neste sentido, esta publicação cumpre seu papel, apesar de alguma incerteza quanto às questões metodológicas – refiro-me à interdisciplinaridade, como utilizá-la como recurso ou perspectiva, o que me pareceu nesta obra uma questão que ainda carece de ganhar corpo.
Notas
1 Cf. CRONON, W. Un lugar para relatos: naturaleza, historia y narrativa. In: PALACIO, G; ULLOA, A. Repensando la naturaleza: Encuentros y desencuentros disciplinarios en torno a lo ambiental. Bogotá, Colombia: Universidad Nacional de Colombia-Sede Leticia; Instituto Amazónico de Investigaciones Imani; Instituto Colombiano de Antropología e Historia; Colciencias, 2002, p. 29-65.
2 Podemos pensar em alguns autores brasileiros que contribuíram para isto, tais como José Augusto Drummond, José Augusto Pádua e Regina Horta Duarte, e autores americanos como Donald Worster e William Cronon.
3 DEAN, Warren. A ferro e fogo: a historia e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
Tissiano da Silveira – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Contato: tissiano.silveira@gmail.com.
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