25 anos – Percursos do debate historiográfico / História & Perspectivas / 2014

A Revista História & Perspectivas no ano de 2013 completou 25 anos, o que fez com que esse conselho fizesse a proposta de organizar um Dossiê, que trouxesse os percursos do debate historiográfico, nela publicados ao longo de sua trajetória.

A proposta, por um lado busca reconhecer a contribuição dos diversos historiadores vinculados ao Curso de Graduação e ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia, como também dos vários historiadores e pesquisadores de outras áreas do conhecimento que estiveram presentes, nesse tempo, por meio dos artigos publicados neste periódico. Com esse reconhecimento procura-se reiterar a proposta original de criação da Revista, que já em 1988, tinha como objetivo incentivar e divulgar, entre a comunidade acadêmica, a produção do conhecimento histórico, tornando-se uma Revista aberta às diversas perspectivas teóricas do debate historiográfico presentes no interior da academia como também fora dela.

Construir um periódico com o perfil voltado para a diversidade das tendências historiográficas, promovendo e, porque não dizer, provocando o diálogo entre perspectivas diferenciadas reveladas nos artigos de autores de diversas instituições do Brasil e de outros países tem sido a proposta que continua orientando nossa política editorial.

Nesta edição comemorativa, no intuito de demonstrar alguns dos percursos historiográficos que compuseram e compõem o perfil da Revista História & Perspectivas, reeditamos alguns artigos, que, a nosso ver, representam a amplitude de questões que circularam no espaço da Revista.

Os artigos dos historiadores Marcos Antonio Silva (1994) e de Caio Boschi (1999) trazem uma questão que consideramos central e que permanece enquanto desafio do presente: o reconhecimento público do trabalho do historiador. Marcos Silva em seu artigo O historiador e suas revistas especializadas, ressalta a importância das publicações especializadas em História, como meio de tornar público o trabalho e o diálogo dos historiadores, além de, “contribuir para a ampliação e democratização da produção do conhecimento nesta área” – premissa apontada como “uma estratégia de resistência do historiador às regras impostas pelo mercado editorial brasileiro”. Já, Caio Boschi, traz em seu artigo O historiador e os arquivos históricos: um depoimento pessoal um relato de experiência sobre o trabalho de microfilmagem da documentação sobre o Brasil em arquivos do exterior, trazendo uma questão articulada às reflexões em torno da História e Informática, sobretudo “o sentido da informatização da documentação para o trabalho do Historiador”.

O artigo Hegemonia: uma nova civiltà ou domínio ideológico de Edmundo Fernandes Dias (1991) é reeditado neste Dossiê comemorativo, por duas razões: a primeira como ato de agradecimento ao autor pelo seu empenho à época investido na publicação do número da Revista História & Perspectivas que teve como tema central a obra de Antônio Gramsci. A segunda razão é por contribuir com a reflexão da obra e a vida de Gramsci apontando que “a capacidade de construir uma hegemonia decorre da possibilidade que uma classe fundamental (subalterna ou dominante) tenha de elaborar sua visão de mundo. Diferenciarse e contrapor-se como uma visão de mundo às demais classes. Mais ainda: elaborar uma visão que seja capaz de estruturar o campo de lutas a partir do qual poderá determinar as frentes de intervenção e articular as alianças”. Nesse sentido o autor trouxe para o debate a proposição de articular a reflexão teórica e metodológica à perspectiva política que segundo suas palavras, significava trabalhar a perspectiva da hegemonia como elaboração de “uma nova civiltà”, apontando assim o sentido vital que, para ele, era a da “reforma intelectual e moral”.

O artigo Amores ilícitos na Paris de Emile Zola de Margareth Rago (1988) expressa a incursão na Revista das novas abordagens com temas como da prostituição em Paris durante a segunda metade do século XIX, visto pelo foco do olhar do romance. Assim, a autora buscou “refletir sobre a condição da mulher neste século de predomínio da moral vitoriana, destacando a emergência da figura da “femme fatale” na literatura e nas artes do período e perguntar sobre as mutações nos hábitos de consumo do amor venal e nas formas de desejo”.

Seguindo a trilha da renovação dos temas na produção historiográfica, o artigo O Gênero da cidade de Michelle Perrot trouxe, em 2001, o que foi compreendido pelos organizadores deste número “como o alargamento do leque temático disponível ao trabalho de pesquisa do historiador. Neste artigo a autora revisita questões urbanas, mostrando como a cidade europeia do século XIX constituiu-se como um lugar ambivalente em termos de hospitalidade para as mulheres, tanto no que se refere ao espaço público como ao privado”.

E para encerrar o Dossiê, dos 25 anos da Revista História & Perspectivas, reeditamos duas entrevistas. A primeira demarca no percurso historiográfico a incursão dos debates dos temas candentes, provenientes das problemáticas sociais e da reflexão em torno dos conflitos agrários e da organização sindical dos trabalhadores no Brasil. Nessa entrevista realizada em 1989 e publicada em 1990, José Graziano da Silva, trouxe a reflexão, necessária à época, da distinção entre o que era uma questão agrícola e o que era uma questão agrária: “questão agrícola diz respeito estritamente aos níveis de produção, à produtividade, aos preços dos produtos, quer dizer ao quanto se produz e a questão agrária diz respeito às relações de produção no campo (…) quando se fala na questão agrária, nas relações que o homem estabelece, seja como proprietário, seja como trabalhador. Nesse sentido a questão agrária envolve todas as questões relacionadas ao homem, trabalhador ou não. Então tem a ver com a propriedade da terra, com a migração, com os níveis de emprego”.

Por outro ângulo, a entrevista de Alessandro Portelli sobre o tema História Oral e Memórias, realizada em 2002, expressou o movimento de reflexão em torno das questões metodológicas no diálogo com as fontes orais, sobretudo as perspectivas vinculadas a produção de entrevistas que, além de envolver um leque amplo de diálogo com outras áreas do conhecimento, implicam sempre nos cuidados éticos na produção do discurso historiográfico. Essa entrevista também marcou um debate realizado com ele quando da sua visita ao Brasil em abril de 2002, com os professores do Instituto de História, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História, Cidade e Trabalho da UFU e do Núcleo de Estudos Culturais: Histórias, Memórias e Perspectivas do Presente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com apoio do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica / CAPES.

Cabe salientar que os artigos deste dossiê foram republicados tais como em suas versões originais, para resguardar as intenções e os sentidos de época.

Na seção de artigos avulsos, segue-se a seleção da diversidade dos temas firmados em diversas propostas e metodologias. A relação entre teoria e prática na formação de professores de História de Márcia Elisa Tetê Ramos e Marlene Rosa Cainelli reflete a pesquisa realizada pelas autoras com os estagiários e alunos egressos do curso de História da Universidade Estadual de Londrina. A reflexão sobre impressões, noções, desafios e expectativas em relação à forma como a pesquisa e o ensino são articulados no curso de graduação contribui sobremaneira para compreender os meandros das práticas que formam o profissional de história. Seguindo a trilha dessas preocupações, no âmbito das práticas educacionais, estão os artigos intitulados: Professores da região colonial italiana ensinando Português em tempos de nacionalização Estado Novista: memórias de formação e práticas escolares na década de 1930 de Carmem Maria Faggion e Terciane Ângela Luchese, como também o artigo de Mariângela Bairros e Denise Bussoletti intitulado Formação docente: entre o habitus e o desejo.

O artigo de Rejane Meireles Amaral Rodrigues, sobre ‘Tudo isso é animador’: a cidade de Montes Claros pela imprensa no início do século XX analisa as publicações dos jornais Montes Claros e Gazeta do Norte, cujas notícias tinham a pretensão de fazer de Montes Claros uma cidade moderna. Em sua reflexão a autora pondera sobre as ações que, de acordo com esses jornais, seriam necessárias para legitimar o projeto de cidade, a saber: a instalação dos correios e das comunicações, a construção da estrada de ferro e estrada de rodagem e, principalmente, a denúncia de “hábitos tidos como atrasados”.

O artigo de Thiago Lemos Silva, Neno Vasco por Neno Vasco: a escrita cronística como escrita de si na biografia de um anarquista, reflete sobre as crônicas publicadas no livro Da Porta da Europa e na imprensa anarquista e operária do Brasil e de Portugal. Em sua análise o autor prioriza questões teóricas e conceituais sobre a forma como o cronista escreve sua trajetória individual e coletiva. Já os autores Janaína Rigo Santin e Felipe Cittolin Abal analisam o que denominam como O Liberalismo Cabloco na Constituição de 1824. Num outro enfoque sobre a mesma temporalidade está o artigo de Martha Victor Vieira que traz a reflexão sobre As elites dirigentes goianas e a construção do Estado Nacional brasileiro, analisando os conflitos e negociações realizadas pelos representantes desses grupos dominantes no período de 1831 a 1840.

O artigo de Cleber Vinicius do Amaral Felipe, intitulado Da Dissimulação Prudente ao Simulacro Austucioso: A Epopeia Católica e a Incidência de Artificios de Teor (anti)ético analisa “o lugar da simulação e da dissimulação nas obras Os Lusíadas (1572), de Camões, e Prosopopeia (1601), de Bento Teixeira”.

No artigo intitulado Disciplina e Coesão na Caserna: O Discurso Militar da Revista a Defesa Nacional pós-1930, Fernanda de Santos Nascimento reflete sobre a intensa publicação de artigos e notas relacionados à questão da disciplina e da hierarquia na instituição militar brasileira pós-1930, nas páginas da revista A Defesa Nacional, acentuando a importância desse periódico no processo de modernização da instituição mediante os acontecimentos vinculados à Revolução de 1930, bem como a incorporação dos tenentes anistiados, destacando a atuação do general Góes Monteiro e dos editores na manutenção da ordem dentro da instituição.

Encerrando a seção dos artigos avulsos estão A Dupla face da Tradição Petroleira e a Reestruturação Produtiva nos anos 90 de Rose Mery dos Santos Costa Leite, cujo objetivo é analisar “a constituição da dupla face da tradição petroleira a partir da estreita ligação entre a vida política nacional e a realidade da maior empresa petrolífera do país e de seus trabalhadores”. E ainda, o artigo de Rodolfo Fiorucci sobre Imprensa, Política, Critica, focando as divergências em torno das políticas do neoliberalismo nas últimas décadas do século XX.

Por último, nesta edição dos 25 anos da Revista História & Perspectivas, temos a homenagem ao querido e reconhecido historiador inglês Eric Hobsbawn que faleceu em 2012, através da resenha Cultura e a Arte como expressões da Fratura Histórica dos Tempos de Lucas André Berno Kölln.

Esperamos que este volume, ao somar-se aos demais desta longa e profícua caminhada, contribua para a reflexão sobre caminhos e perspectivas de abordagens inerentes às nossas práticas sociais, com o intuito de democratizar o ensino, a pesquisa em história, e, tal como já dito, de “vislumbrar horizontes possíveis de mudanças na vida social”.

Célia Rocha Calvo

Sergio Paulo Morais

Conselho Editorial


CALVO, Célia Rocha; MORAIS, Sergio Paulo. 25 anos – Percursos do debate historiográfico. História & Perspectivas, Uberlândia, v.27, n.50, 2014. Acessar publicação original [DR].

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