21 lições para o século 21 | Yuval Noah Harari

Yuval Noah Harari é um historiador pop. Pop no sentido de estar nas grandes mídias, fazer TED1 , professor acadêmico, militante em causas no movimento LBTQIA+ ele é autor dos best sellers (mais vendidos) ‘Sapiens, uma breve história da humanidade’ (2011), ‘Homo Deus’ (2015) e do objeto desta resenha 21 lições para o século 21 publicada em 2018 e agora em 2020, um livro sobre pandemia, entre outros livros. Professor acadêmico de história da Universidade Hebraica de Jerusalém, com Doutorado em Oxford e milhões de livros vendidos no Brasil, pela editora Companhia das Letras.

Em ‘Homo Sapiens’ ele estabelece uma análise onde a relação história e biologia e mostra o desenvolvimento de como nos tornamos a espécie dominante. Ele narra e interpreta a história do homem a partir de três grandes revoluções: a cognitiva; enquanto uma mudança no processamento mental do Homo Sapiens, abandonando a determinação biológica criando ficções, culminando no seu deslocamento geográfico. Ela acontece em vários aspectos, que estão ligados a ficcionalização e através dela se cria jeitos de cooperação e cria-se realidades imaginadas, como se estabelecem relações de hierarquia, organizações civilizacionais e institucional. A segunda é da agricultura: para o Harari tem-se um aumento de disputas por poder, espaço, território e acúmulos de comidas. A última é a cientifica: quanto mais nós conhecemos e descobrimos, mais sabemos que somos insignificantes diante do universo.

Em ‘Homo Deus’, o autor começa definindo que nos últimos anos o que nos determinou foram a peste, a fome e a guerra. Mas a revolução cientifica mudou esses paradigmas e agora nós começamos uma nova narrativa da nossa espécie, que é a tese do livro, e as pautas que nos norteiam são a imortalidade por vias da biotecnologia, a felicidade ininterrupta e a busca por nos tornarmos divinos. Tendo em vista o cenário atual, são possibilidades a médio e longo prazo a partir de uma análise de questões do presente e pensando sobre possíveis consequências das nossas escolhas. Ele considera que depois do socialismo, nazifacista e da ascensão das ideias liberais, é necessário olharmos para o humanismo. Se Deus entrou em eclipse, ele não é o grande signo ordenador, pois o capitalismo não precisa de Deus para existir, mas o homem assume vários atributos que antes eram características de uma divindade exterior. Ao destruir Deus por meio da ciência, quem assume prerrogativas divinas é o homem e isso se torna um paradoxo. Ele faz um retrospecto onde, no pós-segunda guerra mundial, o liberalismo vence e as democracias liberais, que produziram a revolução cientificas, que produzem a tecnologia, estão sendo derrotadas pela própria tecnologia que elas criaram. Porque o liberalismo se baseia no livre arbítrio, no individuo, na esfera privada, e essa tecnologia cada vez mais, prova que o indivíduo não existe ou estaria em crise. Nós podemos ser gerados em laboratório, a felicidade é gerida por uma empresa que oferece um produto. E isso acaba por colocar em xeque os principais valores do liberalismo, a liberdade e o indivíduo. Onde nós achamos o indivíduo? O que é inalienável do ser? São algumas das questões para refletirmos.

Não gosto de atribuir ao autor uma ordem, ou uma trilogia que talvez ele não tenha proposto fazer, mas é importante ter o mínimo de conhecimento sobre as temáticas, os problemas levantados desses livros antes de entrarmos no que é o objeto desta resenha. Em ‘Homo Sapiens’ ele olha para o passado, em ‘Homo Deus’ para o que o futuro pode ser a partir do presente e em ’21 lições para o século 21’ ele efetivamente para o tempo presente e como podemos lidar com o contexto atual para tomarmos melhor decisões enquanto sociedade e individuo no futuro. Não é um exercício de futurologia. Não é papel do historiador fazer previsões, mas pode-se interpretar a contemporaneidade e apreender os horizontes de expectativas da sociedade. Sendo assim, a leitura do livro traz algumas questões trabalhadas anteriormente nos outros livros, problemas atuais, referências da cultura popular, como filmes e séries e como diz o próprio autor “Num mundo inundado de informações irrelevantes, clareza é poder.” (HARARI, 2018, p. 11)

Estamos no início do século, acompanhando o desenvolvimento da 4ª Revolução Industrial, que tem como principal objeto os dados, as informações e a internet. Aliado a isso, vive-se num contexto de fluidez, como coloca Baumman, onde as relações tendem a se desmanchar. As 21 lições do livro estão divididas em cinco partes, cada uma se refere a um pilar da sociedade contemporânea e dentro de cada um desses tópicos estão espalhadas as 21 reflexões específicas, aqui nem todas as lições serão abordadas. Porém, é interessante perceber como ele já elenca desafios e valores que se encontram em suspenso e estão em discussão nos debates públicos, neste início de século. De maneira sistemática, são eles: ‘Parte 1: O Desafio tecnológico’; ‘Parte 2: O Desafio Político’; ‘Parte 3: Desespero e Desesperança’; ‘Parte 4: Verdade’ e ‘Parte 5: Resiliência’. Respeitando a lógica do livro resenhado, será destacado dentro de cada parte, as principais problemáticas, reflexões, lições como denominadas pelo próprio autor.

PARTE 1: O DESAFIO TECNOLÓGICO

Nesta primeira parte, a primeira lição apontada por Harari é ‘Desilusão: o fim da história foi adiado’ e começa apontando para o problema que é a narrativa do neoliberalismo econômico e como ele afeta politicamente e socialmente, já que ela ‘celebra o valor e o poder da liberdade’ (p.21). As maravilhas tecnológicas, faz com que “a pessoa comum sente-se cada vez mais irrelevante” (p.27) sendo que todo trabalho repetitivo pode, é e será automatizado, o autor aponta que:

Talvez no século XXI as revoltas populares sejam dirigidas não contra uma elite econômica que explora pessoas, mas contra uma elite econômica que já não precisa delas. Talvez seja uma batalha perdida. É muito mais difícil lutar contra a irrelevância do que contra a exploração. (HARARI, 2018, p. 28)

Ainda nesta parte, ele problematiza a situação dos Estados Unidos, que tinha Donald Trump como um candidato que queria ‘Fazer a América boa de novo’ através da geração de empregos. Contudo, a discussão para o uso de tecnologias não entrou em discussões políticas, embora elas influenciem, atualmente, devido ao algoritmo.

Neste sentido ‘Trabalho-quando você crescer, talvez não tenha um emprego’, lição número 2 dessa sessão. A relação que transpassa as lições desta parte é a relação com a tecnologia, mas principalmente com a automação, e mais especificamente, o recorte no qual irei me ater, no âmbito do trabalho. No nosso século, trabalhos repetitivos tendem a ser automatizados por máquinas com inteligências artificiais, que se alimentam dos dados coletados que propiciam o ‘Machine Learning’ (Aprendizagem da Máquina) e o melhor desempenho das máquinas. Isso acarreta uma ruptura muito intensa com a noção de trabalho, principalmente para quem está em países cujo as maiores vagas de empregos que podem deixar de existir ao longo do tempo. O termo ‘PJtização’, variação de ‘Pessoa Jurídica’, da linguagem coloquial que se refere ao fato de se perder um emprego formal, com carteira assinada, direitos assegurados, férias, décimo terceiro salário, isso está se perdendo e dando lugar para a ideia de se ser um ‘Pessoa Jurídica’, autônoma, como diz o jargão ‘você é uma empresa’.

Vemos o crescimento dos E-commerce, lojas online, Super Aplicativos que interligam os seus dados bancários, com jogos, lojas online e tudo que você puder pensar, como ‘Alibaba’, não são o futuro, são o presente na China, Japão e Estados Unidos, e para quem pode pagar. Ainda nesta parte, ‘Liberdade- Big Data está vigiando você’ e ‘Igualdade-os donos dos dados são os donos do futuro’ são temos fundamentais para compreendermos a importância dos dados, como eles são usados muitas vezes a favor do mercado e o que é feito com essas informações.

Olharmos para aplicativos de redes sociais, onde nós, de livre e espontânea vontade cedemos para as empresas como Facebook, Instagram, Twitter por exemplo, usam os dados que disponibilizamos, desde 2001, após o ataque as Torres Gêmeas, onde você cede suas informações para governos com políticas contra terrorismo, que estão nos ‘Termos e Condições de Uso’ desses aplicativos. Assim como quase todos os dispositivos desenvolvidos por seres humanos, a dualidade e a contradição estão presentes quando pensamos a sua utilidade. Os benefícios de reconectar pessoas que por algum motivo estão longes fisicamente, rever e acompanhar até com riquezas de detalhes, como por exemplo a roupa do dia, o prato de comida que pediram em algum restaurante, causa uma sensação de aproximação, entretanto, ele não é gratuito, a famosa frase ‘Quando algo é de graça o produto é você’ serve para esse contexto, já que tudo isso serve como informação sobre quem posta, publica.

O que existe nesse ciberespaço, se mistura com as experiências na vida “real”, na vida fora da internet, esta é a parte onde estão as problemáticas fundamentais para pensar o tempo presente e o século XXI. Se o algoritmo só reforça o que você “curte”, ele só te oferece o que você potencialmente “gosta”, é criada uma lógica que reforça apenas a versão que o ‘usuário’ daquela rede social quer ver. Ele não acessa outras realidades, pois elas não aparecem para ele. E quando isso sai do ‘online’ para o ‘offline’ as consequências podem tomar dimensões não esperadas. É a partir dessas discussões, que vemos valores da nossa sociedade ser enfraquecida e essas noções, que estão cada vez mais presentes no cotidiano da população, vão se expandir e gerar outros e novos problemas.

O futuro dos dados é um dos principais problemas pois ele se configura como um capital para se proteger. Para isso, o autor aponta que precisamos de regras e regulamentações globais para o desenvolvimento da inteligência artificial. Primeiro, porque se tem informações e quando isso é controlado, podemos utilizá-los em sistemas políticos que não necessariamente são democráticos ou que respeitem a diversidade e escolhas individuais.

Utilização de novas tecnologias confere um poder, que não necessariamente nós entendemos. Biotecnologia ou a bioengenharia e inteligência artificial usam esses conhecimentos, transformando em habilidades, que dão um poder imenso, quase um poder divino. E não entendemos necessariamente como isso pode ser usado politicamente. Monopólio das informações, como é o caso do Facebook, pois todos querem estar, onde todos estão. Então, melhor as estatísticas, portanto, melhor a sua previsão.

PARTE 2: O DESAFIO POLÍTICO

A fusão da tecnologia da informação com a biotecnologia ameaça os valores modernos centrais de liberdade e igualdade. Toda solução para o desafio tecnológico deve envolver cooperação global. Porém o nacionalismo, a religião e a cultura dividem o gênero humano em campos hostis e fazem com que seja muito difícil cooperar em nível global. (HARARI, 2018, p. 113)

Ao começar com provocações bem argutas, onde no mundo online, o Facebook é capaz de unir pessoas no mundo inteiro, no mundo offline, não é bem assim. Nas lições divididas ‘Comunidade- os humanos têm corpos’ levantam essas questões e em ‘Civilização – Só existe uma civilização no mundo’, vemos uma preocupação do autor em evidenciar que, embora exista apenas uma civilização, a humana, as diferenças religiosas, culturais causam Guerras como as da Palestina, atentados e as ‘comunidades’ online, são importantes para segmentar populações e dados para a inteligência artificial e, além disso, quase formam guetos no offline. Na contramão, ao mesmo tempo que vemos crescer esse mundo globalizado e interconectado onde crises em um país desencadeiam crises econômicas em outros, catástrofes ambientais reverberam em escala mundial, vemos emergir ao mesmo tempo nacionalismos em diversas áreas do globo. Em ‘Nacionalismo-problemas globais exigem respostas globais’ ele pontua como isso se relaciona as problemáticas da busca por uma definição de identidade, que para ele, não tem nada de errado, mas quando ele aponta para uma sensibilidade que se forma coletivamente a partir disso:

o problema começa quando o patriotismo benigno se transforma em ultranacionalismo chauvista. Em vez de acreditar que minha nação é única – o que é verdadeiro para todas as nações -, eu poderia começar a sentir minha nação é suprema, que devo a ela toda minha lealdade e que não tenho obrigações relevantes com mais ninguém. Esse é um terreno fértil para conflitos violentos. (HARARI. 2018, p. 146)

Os desdobramentos são desafios como o nuclear, o ecológico, tecnológico e de preservação do planeta. E com isso, as últimas lições desta parte ‘Religião- Deus agora serve à nação’ e ‘Imigração- Algumas culturas talvez sejam melhores que outras’ vão continuar ligadas a questão da perspectiva dialética entre o globalismo e nacionalismo, o autor se questiona o quão relevante são as religiões e como eles poderiam nos ajudar a resolver problemas técnicos, políticos e identitários. Ao mesmo tempo que temos um consenso para como vamos curar do sarampo, exemplo citado no livro, com vacinas, tratamentos, não há tanto consenso quando vamos para questões políticas, como por exemplo, como resolver o aquecimento global e qual seria a melhor forma, assim como também não consegue chegar em consenso para problemas geopolíticos e até governamentais. O autor reafirma que as discussões sobre identidades e rituais religiosos continuarão a influenciar o uso de novas tecnologias e terão o poder de incendiar o mundo. Assim como religiões, ritos e rituais, por mais que criem laços de cooperação, faz com os mesmos sejam parte do problema identitário, e se tratando de imigração, isso fica mais evidente. A medida de que cada vez mais, nós cruzamos fronteiras, seja por melhores empregos, segurança, um futuro melhor, qualquer motivo, fica cada mais fácil encontrar com o diferente.

Neste sentido, a crescente onde de refugiados e imigrantes provoca reações mistas principalmente nos países do continente europeu, surgindo discussões sobre identidade e o futuro desses países. Para tal, o historiador mobiliza enquanto documento, o termo de condição de imigração da União Europeia e seleciona 3 termos básicos, onde o país permite a entrada de imigrantes, onde em troca, o imigrante adota normas e valores do país, mesmo que isso significa abrir de mão de alguns valores tradicionais e com o tempo, se for assimilado ele se torna “membro igual” (Harari, 2018. P. 179) e o autor aprofunda um por um desses termos, discutindo conjuntamente que permeiam esses debates, como racismo, culturismo, que seria um preconceito a cultura do outro) e xenofobia. Nacionalismo não é sobre odiar estrangeiros.

PARTE 3: DESESPERO E ESPERANÇA

As lições estão divididas nesta terceira parte ‘Terrorismo- Não entre em pânico’, ‘Guerra- Nunca subestime a estupidez humana’, ‘Humildade- Você não é o centro do mundo’, ‘Deus-Não tomarás o nome de Deus em vão’ e ‘Secularismo’- Tenha consciência de sua sombra’, Harari traz uma perspectiva, aparentemente otimista, onde ainda exista esperança e uma alternativa não belicosa, através de uma análise de consequências de guerras, como a do Irã-Iraque. Além disso, ele reflete sobre a questão da violência que se manifesta. Ao mesmo tempo em que ele discute e traz perguntas sobre como serão as guerras desse século? Para ele, elas estarão em outro patamar, como os dados, informações, esse tipo matéria, produto, não é possível ser conquistado através da guerra que nós conhecemos.

Exército Popular de Libertação saquearia os ricos do Vale do Silício? É verdade que corporações como a Apple, o Facebook e o Google valem centenas de bilhões de doares, mas não é possível se apropriar dessas fortunas pela força. Não existem minas de silício no Vale do Silício. (HARARI. 2018, p. 223)

Evidentemente que ele não descarta a possibilidade de guerras violentas, como é uma recorrência na história da humanidade por isso, não podemos subestimar a “estupidez humana”. Ao passo que temos indivíduos e culturas que acreditam ser o ‘centro do mundo’, onde sua cultura é fundamental, é basilar, um pilar da história. Como o autor aponta, essa afirmação vinda sobre a relevância da sua cultura, dita por gregos, hindus, muçulmanos, são alegações falsas já que:

Nenhuma das religiões ou nações atuais existia quando os humanos colonizaram o mundo, domesticaram plantas e animais, construíram as primeiras cidades ou inventaram a escrita, o dinheiro. Moralidade, arte, espiritualidade e criatividade são aptidões humanas universais incorporadas no nosso dna. Sua origem está na África da Idade da Pedra. É, portanto, egotismo crasso atribuí-los a um lugar e um tempo mais recentes […] (HARARI, 2018, p. 229)

A partir daqui ele estabelece algumas relações com seu livro ‘Sapiens’, mas não é necessária qualquer leitura prévia de outros livros do mesmo autor, ’21 lições’ é um livro que pode ser lido de forma independente. As análises são muito interessantes por levam em consideração o conflito entre valores pregados por religiões e suas práticas incluindo algumas facetas de fanatismos religiosos. Isso posto ele questiona como é viver nesse mundo onde não podemos provar que Deus existe, nem que ele não existe? Como é estabelecido questões sobre ciência e religião e as atitudes que são tomadas em nome de um Deus? É possível pensar em um mundo ético e moral sem uma noção de Deus? Para o autor uma possibilidade é o secularismo. Apesar de estar relacionada a uma negação da religião, que faz parecer ‘oco, niilista e amoral’ o compromisso secular é com a verdade, que se baseia em observação e evidencia, não apenas na fé. Se esforçando para não confundir verdade com crenças, sem santificar nenhum grupo ou livro além de focar na compaixão e no sofrimento. No decorrer desta parte o autor mostra alguns exemplos na história e evidencia que apesar de ser uma possibilidade, ele também trouxe problemas que ele discute através de acontecimentos e fatos históricos.

PARTE 4: VERDADE

As lições dessa parte, são uma continuidade da anterior com ‘Ignorância- Você sabe menos do que pensa que sabe’ como quem relembrasse a questão da humildade, do famoso ‘só sei que nada sei’ e que diante do novo cenário, é muito difícil compreender toda complexidade das questões apresentadas,

como exagero midiático em torno da ameaça do terrorismo até a subapreciada ameaça de disrupção tecnológica. Se você ficou com a sensação de perturbadora de que é demais, e que você não é capaz de processar tudo isso, você está absolutamente certo. Ninguém é. (HARARI. 2018. P. 271)

Aqui, o autor mobiliza conceitos importantes como a democracia que acredita na escolha do eleitor, o livre mercado capitalista onde o cliente tem razão e na educação liberal que ensina os estudantes a pensarem por si mesmos e como tudo isso vai coexistir com pensadores pós-coloniais e pesquisadores dos movimentos identitários, como feminismo, LGBTQIA+ e movimento negro. Para ele, ao se estabelecer as dinâmicas de poder, que ele se questiona se somos capazes de diferenciar o ‘certo e o errado, entre a justiça e a injustiça?’ (Harari, 2018. P. 277). Em ‘Justiça- Nosso senso de justiça pode estar desatualizado’ que com ‘Pós-verdade – algumas fake news duram para sempre’ são dilemas que se encontram, já que é difícil ter clareza encontramos valores em suspenso e uma relativização deles, ele aponta mais perguntas e problematizações. Ele sistematiza como julgar dilemas morais como minimizar a questão, ou focar na narrativa humana tocante, ou criar teorias da conspiração, métodos que tentam negar a verdadeira complexidade do mundo. Outra possibilidade apontada, é criar um dogma, depositar nossa fé em um líder, uma teoria, instituição e ele se questiona se entramos oficialmente na era da pós verdade. Fica aí a reflexão. Isso aliado a uma produção e disseminação de fake News, que não é novidade no curso da história, cria um ambiente para manipulações e ao falar sobre a importância de ter informação de qualidade ele estabelece uma relação um tanto incomoda, onde em primeiro lugar, pague pela informação, pois informações gratuitas tendem a serem manipuladoras, não de maneira explicita, mas de forma gradual, problemático, e o último aspecto é utiliza referencias, textos e materiais científicos sobre o tema.

Ainda para o autor, em ‘Ficção científica – o futuro não é o que você vê nos filmes’, que chama muita atenção para quem gosta de estudos culturais, história da cultura, este gênero específico é estimulante, que brinca com os desejos das sociedades e as projeções são feitas, as quais nos deparamos com filmes, livros e objetos artísticos de ficção cientifica. O historiador apoia o fato de cientistas produzirem mais nesse campo e faz críticas instigantes. Primeiro ponto, ele critica algumas produções de ficção científica em relação e a realidade e os modos de usá-la, e esse caráter premonitório do sci-fi deveria ser usado para abordar problemas reais e mais próximos. “Muitos filmes de inteligência artificiais são tão distantes da realidade científica que se pode só suspeitar serem só alegorias de preocupações completamente diferentes”. (Harari, 2018. P. 305). Pois os robôs não irão se revoltar e esse é o problema. Eles não têm essa consciência moral, do que é justo ou não, certo ou errado, robôs não questionam, eles fazem o que são programados para fazer.

Ele mobiliza um repertório de filmes e séries desse gênero produzidas na contemporaneidade como Matrix (1999), Westworld (2016), Black Mirror (2011), Ela (2013) e o Show de Truman (1998) que trazem questões e as visões sobre o uso da tecnologia, a sua produção e como as relações humanas estão mudando por causa de dispositivos, aplicativos, sites, redes sociais, inteligências artificiais. Yuval dedica uma parte desse capítulo para pensar a mudança da Disney, tanto no campo das narrativas quanto nas suas produções, no âmbito estético ao estrear o filme Divertidamente (2015) que é caracterizado como ‘uma animação sobre a condição humana muito realista e perturbadora’ (Harari, 2018, P. 309) e que o assustador é só a nova narrativa, mas o sucesso do filme. Ainda nesta parte, ao mobilizar obras de arte, inclusive literárias, ele traz para o debate, Aldoux Huxley, com ‘O admirável mundo novo’ (1931) e George Orwell em ‘1984’ (1949) e como as ficções científicas, enquanto gênero artístico, ganha um espaço na sociedade e passa a povoar o imaginário dos leitores.

Pensando um pouco além do proposto pelo texto, é possível percebemos que dentro deste gênero narrativo, as histórias contadas eram em um futuro distante, distópico ou utópico, nas narrativas de ficção científicas produzidas a partir dos anos 1990 até hoje, como Black Mirror, não é claro em qual tempo essa ficção acontece, é no presente? No futuro distante? Futuro próximo? Essa falta de clareza nessa obra só ressalta a ideia do livro onde as mudanças são muito rápidas e as vezes não conseguimos acompanhá-las.

PARTE 5: RESILIÊNCIA

As últimas lições iniciam com uma pergunta: ‘Como viver numa era de perplexidade, quando as narrativas antigas desmoronaram e não surgiu nenhuma nova para substituí-las?” (Harari, 2018. P. 315) e carregam um forte posicionamento do autor, onde ele aponta caminhos para passarmos, nos preservamos e sobrevivermos ao século XXI em três lições que causam discussão e movimentam os ânimos de muitos pesquisadores, são elas: ‘Educação- A mudança é a única constante’, ‘Sentido – A vida não é uma história’ e ‘Meditação – apenas observe’. pensar o que é resiliência e porque devemos ser resilientes neste século.

Falar sobre educação é sempre uma questão crucial, fundamental e repleta de desafios, é importante ressaltar que ele está ciente de tudo isso, ele é professor. Contudo, dentro da proposta deste livro ele faz um recorte específico, partindo da premissa das mudanças que ainda não podemos prever, mas sabemos que elas virão, e das incertezas já que não sabemos qual será o aspecto do mundo em 2050, o que deve mudar e o que deveríamos ensinar para alguém que o ajude a viver e progredir no mundo? Quais habilidades ele precisará para conseguir um trabalho, se relacionar, compreender o mundo ao seu redor?

A primeira crítica é que muitas escolas estão pautadas em abarrotar os estudantes com informação, algo que faria sentido, anos atrás, quando a informação era escassa ou censurada. No momento presente, temos um excesso de informação, muitas inclusive, falsas, que estão a um clique de distância. Isso aliada uma ‘educação liberal ocidental’ com professores que incentivem alunos a ‘pensarem por si mesmos’ (Harari. 2018. P. 322) que olha muito para o particular, individual. Para o autor, é importante começarmos a questionar isso e “pensar globalmente”. A partir de algumas vertentes pedagógicas, ensinar ‘os quatro Cs’ – pensamento crítico, comunicação, colaboração e criatividade? Como?

Nos colocar sempre no lugar da dúvida é uma constante neste livro. Não encontramos respostas prontas e acabadas, mas sempre possíveis caminhos e reflexões sobre o tempo presente. Se a mudança é a única constante, o ‘Life Long Learning’, (Vida com Estudo Contínuo, tradução livre), é um caminho. Estudar e aprender é fundamental para se inserir qualquer espaço. Não necessariamente uma educação formal, mas no sentido investigativo, de pesquisa e de buscar aprender o que não se sabe, estudar vai ser hábito até o último dia da sua vida.

Se os trabalhos, as relações são serão como nós as conhecemos hoje, será necessário se reinventar, para tal, precisa-se também ter uma mente flexível e estar preparado para mudar. Contudo, mudanças são estressantes “e após uma certa idade a maioria das pessoas não gosta de mudar” (Harari. 2018. P. 325). Neste sentido, se perguntar ‘quem sou eu?’ é uma das perguntas fundamentais e que vai se tornando cada vez mais difícil de responder. Isso, aliada a grande quantidade de conteúdo que estamos produzindo sobre nós mesmos, os algoritmos facilmente nos indicam o que gostamos, o que queremos, o que comprar, aonde ir, o que fazer, como já fazem.

É claro, que você poderia ser feliz cedendo toda a autoridade para os algoritmos e confiando neles para que decidam por você e pelo resto do mundo. Se é assim, apenas relaxe e aproveite a viagem. Você não precisa fazer nada a respeito. Os algoritmos cuidarão de tudo. Se, no entendo, você quiser manter algum controle sobre sua existência pessoal e o futuro da sua vida, terá que correr mais rápido que os algoritmos, mais que rápido que a Amazon e o governo, e conseguir conhecer a si mesmo melhor do que eles conhecem. (HARARI, 2018,p. 330)

As redes sociais, como a maioria das tecnologias, podem ser usadas de maneira eficaz ou não. Ao nos conectar com nossos iguais, os algoritmos monitoram minhas atividades que é capaz de compreender como eu reajo a certas imagens, ele tem informações sobre as minhas reações, onde está o foco da minha atenção. É uma espécie de ‘Big Brother’ que se apresentam com serviços de monitoramento, de vigilância e controle.

Sob esse prisma, ter uma mente flexível, saber quem se é, estar preparado para mudança e não atribuir um sentido para a sua vida que você não escolheu, mas sim o algoritmo, a meditação é algo que o autor pratica e recomenda como método para conseguir visualizar a realidade, compreender os sentidos das narrativas e perceber como a identidade está sendo formada. Uma observação direta da mente, para estar consciente desses processos.

[…] uma pequena manivela. Se ela estiver quebrada, podemos chamar um técnico para consertá-la. Mas quando a mente perde o foco não conseguimos consertar isso tão fácil. Em geral é preciso muito treinamento para sossegar e concentrar a mente de modo que possa começar a observar a si mesma metódica e objetivamente. (HARARI. 2018, p. 388)

“21 lições para o século 21” é um livro que levanta inúmeras questões importantes para pensarmos o futuro, a partir das evidências do tempo presente. Yuval mobiliza documentos e fatos históricos importantes para compreendermos seu raciocínio, suas ansiedades e suas angústias. Ao mesmo tempo que pensamos daqui 30, 40 anos, o pensamento crítico do autor sobre a contemporaneidade nos mostra as escolhas que estão sendo feitas e como isso nos afeta. Terminar o livro com mais dúvidas do que respostas, embora que tenhamos algumas possibilidades, alguns caminhos possíveis, Harari nos faz pensar e refletir sobre nós, nossas escolhas e o momento histórico que vivemos e isso vale qualquer leitura.

Referências

HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São Paulo. Editora Companhia das Letras, 2018.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. São Paulo. Editora Companhia das Letras, 2015.

HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo. Editora Companhia das Letras, 2016.

REFERÊNCIAIS AUDIOVISUAIS

Dilema das redes sociais., Netflix, 2020

RODA VIVA < https://www.youtube.com/watch?v=pBQM085IxOM > acesso em 08 de outubro de 2020

CANAL DO HISTORIADOR < https://www.youtube.com/user/YuvalNoahHarari> acesso em 08 de Outubro de 2020

Nota

1 TED são palestras gravadas de Tecnologia, Entretenimento e Design, em formatos de palestras de até 18 minutos de duração sobre um tema específico. Os palestrantes oferecem a palestra sobre sua especialidade de forma gratuita, sem fins lucrativos, para compartilhar ideias.


Resenhista

Luciana Angelice Biffi – Doutoranda na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) no programa Educação, Arte e História da Cultura. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação de História da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). https://orcid.org/0000-0001-8573-0691 E-mail: luciana.a.biffi@gmail.com


Referências desta Resenha

HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São Paulo. Companhia das Letras, 2018. Resenha de: BIFFI, Luciana Angelice. Uma análise do tempo presente: ‘21 lições para o século 21’ de Yuval Noah Harari. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, v.18, n.2, p.811-822, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

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