Sobre o autoritarismo brasileiro | Lilia Moritz Schwarcz

O imaginário sobre o passado brasileiro está permeado de interpretações que, sendo oriundas de um antigo projeto excludente de nação, ignoram uma série de aspectos e problemáticas que marcaram diferentes temporalidades da história do país, da colônia à república. Ideias como o “mito das três raças”, a democracia racial e o entendimento de que a escravidão brasileira teria sido mais “branda” não raro surgem quando se discute a história do Brasil. Esta visão relaciona-se diretamente com a historiografia brasileira do século XIX, quando o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) tinha como objetivo criar uma imagem de um Brasil cujo passado era harmônico, e o futuro, glorioso.

É desse ponto que parte a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, na introdução de seu livro Sobre o autoritarismo brasileiro. A obra é resultado da junção de conteúdos de outro livro da autora, Brasil: uma biografia (2014), com algumas colunas escritas por Schwarcz ao jornal Nexo. Feito a pedido da editora Companhia das Letras, Sobre o autoritarismo brasileiro tem a intenção de fornecer ao leitor um panorama geral de algumas questões que atravessam a história do Brasil e ainda se fazem presentes na atualidade. Tendo em vista as recentes disputas de ideias, a turbulência política e econômica e a crise social que o país tem vivenciado na última década, Schwarcz busca não atribuir acriticamente as raízes dos problemas atuais ao passado, mas sim propor um olhar à nossa história para lembrar que, diferentemente do que comumente se acredita, a intolerância e a violência sempre marcaram a figura do brasileiro.

Cada capítulo do livro aborda uma temática específica, evidenciando as variadas facetas do autoritarismo no Brasil. O primeiro, “Escravidão e racismo”, busca reforçar que o sistema escravista, muito mais do que uma estrutura econômica e social, “moldou condutas, definiu desigualdades sociais, fez de raça e cor marcadores de diferença fundamentais, ordenou etiquetas de mando e obediência, e criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e por uma hierarquia muito estrita” (SCHWARCZ, 2019: 27-28). Questionando a ideia de que o escravismo no país teria sido mais brando ou “menos pior”, a autora destaca os altos índices de pessoas negras traficadas dos portos africanos para o Brasil, bem como os sofrimentos pelos quais os escravizados passavam diariamente. Por outro lado, um sistema severo significou uma série de resistências: as fugas, formações de quilombos, insurreições e revoltas com diversos meios e motivações não devem ser deixadas de lado.

A abolição foi adiada até onde pôde, e foi empreendida de forma gradual e conservadora, culminando na Lei Áurea de 1888. Contudo, isso não significou uma preocupação em ressarcir ou integrar a população recém-liberta à sociedade. Ainda, a adoção de teorias científicas deterministas representaram uma tentativa de substituir uma desigualdade por outra: antes estabelecida entre escravos e senhores, agora a desigualdade era legitimada pela biologia. Em seguida, a autora realiza uma análise da questão racial na contemporaneidade. Embora hoje não sigamos mais a ideia de raças biológicas nem a falácia de que cor determina conduta moral, nossa sociedade é estruturada pela “raça social”, que opera na cultura e nas mentalidades. No Brasil, a desigualdade social tem cor, e a população negra sofre uma dupla morte: o apagamento de sua memória e o genocídio que marca os indicadores sociais.

O segundo e terceiro capítulos são dedicados, respectivamente, ao mandonismo e ao patrimonialismo. Ambos os aspectos são centrais para entender a hierarquia social do Brasil colonial, fundamentada na concentração de grandes latifúndios monocultores nas mãos de poucos homens, que consistiam na “nobreza da terra”. Era esta aristocracia que detinha os privilégios sociais, políticos e econômicos, num sistema patriarcal onde o homem era o chefe de família e a mulher possuía um papel secundário. Esta forma de organização social acabou por contribuir para a criação da imagem do senhor de terras como a pessoa que distribuía benefícios aos mais próximos e poderia, eventualmente, cobrar por seus favores, aumentando sua influência política.

Tal estrutura perdurou no período republicano. O coronelismo é sua expressão mais relevante na República Velha, e marcou as relações entre os senhores de terras, governadores e a presidência da República. Esta personalização do poder acabou, ainda, por perpetuar o sistema desigual e excludente no meio rural da atualidade: as famílias tradicionais de ruralistas são as maiores beneficiadas pelo Estado, detém a maior parte das terras e ainda possuem considerável relevância nos cenários políticos regional e nacional. Tais clãs perderam algum espaço desde as eleições de 2018, contudo, a estrutura autoritária que os beneficia é a mesma, apesar das reformas políticas empreendidas desde a redemocratização. Ademais, a figura do pater familias, “autoritário e severo diante daqueles que se rebelam; justo e ‘próximo’ para quem o segue e compartilha das suas ideias” (SCHWARCZ, 2019, p. 65) ainda exerce grande apelo no imaginário popular.

Por sua vez, o patrimonialismo é conceituado pela autora como um extrapolamento da divisão entre as esferas pública e privada, quando o Estado é usado como ferramenta para fins particulares. Consequentemente, uma série de práticas, ideias e comportamentos de clientelismo, de conchavo, e de arranjos pessoais que atropelam os limites da regra pública, torna-se cotidiana nas movimentações e negociações políticas. A ideia do Estado como uma extensão do ambiente doméstico permite, então, que o poder político seja exercido pelos detentores do poder (homens, brancos, aristocratas) para fins pessoais. E, apesar das ações levadas a cabo para combater tais práticas existirem desde a Constituição de 1934 (e principalmente com a Constituição de 1988), as práticas patrimonialistas persistem. De acordo com Schwarcz, um dos maiores exemplos disso é a chamada “bancada dos parentes” no Congresso: em 2018, dos 567 parlamentares, 138 eram oriundos de clãs políticos, um aumento de 22% em relação a 2014 (SCHWARCZ, 2019, p. 83). O próprio presidente Jair Bolsonaro bem representa esta questão, já que três de seus filhos possuem cargos políticos. Estreita relação tem o patrimonialismo com a corrupção, tema do quarto capítulo. A autora reforça que, embora possa-se dizer que a corrupção existe no Brasil desde o período colonial, erramos ao simplificar este raciocínio afirmando que as práticas corruptas da contemporaneidade são as mesmas do passado. De fato, o termo “corrupção” tem sido ressignificado múltiplas vezes, assumindo diferentes concepções conforme a alteração dos contextos políticos.

Uma questão relacionada a isso é a recorrência ao combate à corrupção no discurso político para legitimar quebras da normalidade constitucional, como foi o caso do golpe de 1964 e da ditadura militar, que, apesar de assumir a bandeira da anticorrupção, utilizou de práticas ilegais em seus projetos e negociações. De todo modo, a autora conta que, com a redemocratização, o melhor funcionamento das instituições políticas permitiu que os escândalos ganhassem mais espaço nos jornais e no debate público, como foi o caso de Fernando Collor. Essa melhora na percepção da corrupção também se vê no caso do Mensalão. Apesar de afetar diretamente o Partido dos Trabalhadores (PT), então partido que ocupava a presidência, o Mensalão foi o primeiro caso em que as políticas de fortalecimento da Polícia Federal e do Ministério Público Federal levadas a cabo nos últimos anos surtiram um efeito visível. A autora finaliza o capítulo fazendo uma reflexão sobre a corrupção hoje, em que a Operação Lava Jato tem investigado um complexo esquema que envolvia partidos e empresas. Schwarcz pontua que, apesar da relevância do tema no debate público, o combate à corrupção não pode tornar-se uma cruzada moralista focada em indivíduos, com um discurso raso e populista de “luta contra a roubalheira” (SCHWARCZ, 2019: 121). O que é necessário é investir em planos duradouros que combatam práticas cotidianas enraizadas no comportamento da sociedade e que não joguem fora os ganhos que tivemos desde a Constituição de 1988.

Na sequência, Schwarcz se volta às especificidades do cenário das extensas desigualdades sociais brasileiras. Partindo de um panorama estatístico dos níveis de concentração de riqueza no país, a autora estabelece uma série de ramificações, que envolvem desde um não acesso a serviços básicos até a impossibilidade de se consumir bens culturais e de ser uma pessoa plenamente inserida nas participações e nos diálogos políticos previstos pelo ideal de “república democrática”. Entre os elementos da ordem social brasileira que permitem a reprodução constante de tal assimetria, figuraria, em posição proeminente, a precariedade dos serviços educacionais públicos, não estendidos à totalidade da população infanto-juvenil em condições equânimes. Embora a obrigatoriedade de oferta de ensino público tenha sido instituída já em 1824, era irrisório o número de estabelecimentos constituídos. Assim, até meados do século XIX, o letramento consistiu em uma quase exclusividade das elites brancas, responsáveis por instituir proibições à formação educacional de pessoas negras escravizadas.

Na segunda metade dos anos 1800, o ensino seguia uma prática marginalizada, ainda que convenientemente exaltado como critério de seleção da parte do povo apta para votar. Conforme explica Schwarcz, o século XX trouxe transformações conservadoras a essa problemática — se o regime de Vargas pode ser reconhecido pela ampliação e concretização de um sistema de ensino efetivamente nacional, deve ser igualmente encarado como perpetuador de uma lacuna de possibilidades de formação individual entre alunos de famílias abastadas e descendentes da classe trabalhadora. A instituição de dois programas curriculares para o ensino secundário, um voltado à transmissão de saberes técnicos e outro à preparação teórica para ingresso em universidades, favoreceu a continuidade do exclusivismo do ensino superior aos estudantes que não precisavam iniciar suas trajetórias de trabalho ainda na adolescência. Na atualidade, a baixa democratização do direito à educação apareceria expressa em altos índices de evasão escolar e represamento, ocasionando, por consequência, a continuidade do ensino universitário e dos postos de maior remuneração enquanto privilégios de elite.

Relacionada às desigualdades sociais do país, a temática das múltiplas violências é pautada em seguida, com o estabelecimento de panoramas referentes à criminalidade urbana e aos conflitos agrários empreendidos contra comunidades historicamente resistentes à ordem colonial ou nacional. Envolvido naquela estão os altos índices de assassinato (30 homicídios/100 mil hab.), de armas de fogo em circulação e de receio da população em sofrer agressões por agentes policiais (SCHWARCZ, 2019: 156, 161-162). Schwarcz salienta que, apesar da vigência do Estatuto do Desarmamento desde 2003, observa-se, a partir do ano de 2014, aumentos expressivos no número de licenças para porte de armas por civis, bem como uma intensificação de lobbies políticos favoráveis à flexibilização de restrições colocadas pelo Estatuto (SCHWARCZ, 2019: 157-159). Assim, embora as armas de fogo sejam as principais ferramentas por trás da execução de mortes violentas (79,8% delas, aproximadamente), atendem a discursos de populismo autoritário que, diante dos reclamos populares contra a insegurança nas cidades, sugerem o fortalecimento de órgãos repressivos e letais — caso das polícias militares — e a simultânea individualização das políticas de segurança (SCHWARCZ, 2019: 161-164). Em decorrência do desvio de armas obtidas legalmente, seriam as milícias — grupos paramilitares compostos por agentes de segurança do Estado e políticos locais — as formações em mais próspera expansão na conjuntura de tráfico pela guerra às drogas.

Já a segunda esfera estaria dirigida a populações indígenas e quilombolas, usurpadas de seu direito à terra previsto pela Constituição de 1988, na medida em que órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) corroboram a morosidade dos processos de reconhecimento de suas terras enquanto áreas de válida demarcação. Aos indígenas, atribui-se um longo histórico de representações e de políticas delimitadas pelos ensejos dos grupos governistas brancos. Massivamente alvejados na colonização, foram, no século XIX, tornados matéria de inspiração à produção de obras artísticas financiadas por D. Pedro II, as quais objetivavam a materialização de uma identidade nacional apaziguadora, que via no grupo uma oportunidade de valorizar as raízes brasileiras diversas sempre mantendo a máxima de exaltação das contribuições europeias. No século XX, a adição de dispositivos legais prevendo garantias de preservação de seus territórios não mostrou efeitos práticos, legando os povos à vulnerabilidade frente a interesses capitalistas de ocupação territorial e de exploração de recursos. Os quilombolas, em contraponto, não chegaram a receber propostas de proteção pelo Estado antes de 1988, enfrentando dificuldades para a legalização da posse de suas terras.

A seguir, a historiadora aprofunda suas abordagens fazendo uso de uma perspectiva analítica delimitada, a interseccionalidade, traduzida, por sua vez, no uso dos chamados “marcadores sociais da diferença” como lentes de interpretação de estatísticas e de formas específicas de violência sucedidas no país. Aqui, nota-se a adesão da autora a um horizonte plural e complexificado de investigação das realidades nacionais, que vai ao encontro das perspectivas teóricas propostas por feministas negras estadunidenses desde o final dos anos 1980. Nas obras da jurista Kimberle Crenshaw, observa-se a defesa de uma ramificação das identidades de sujeitos sociopolíticos rumo a uma superação de modelos fixos e superficiais regidos apenas por reivindicações de gênero, de sexualidade e de raça em separado. A teórica argumenta que a densidade de problemáticas coletivas e de formas de existência exige que se leve em conta todos os eixos anteriores em conjunto (CRENSHAW, 1990: 1241-1245). Schwarcz converge com tal intuito, adicionando aos panoramas numéricos de raça e gênero fornecidos fatores regionais, etários e geracionais.

Entre as questões de raça e gênero pautadas, são destacadas algumas ocorrências: em primeiro lugar, a desigual propensão à morte por parte de pessoas negras. Se jovens pretos e pardos são desproporcionalmente atingidos pela violência policial e pelo encarceramento e massa, também seus familiares sofrem dificuldades pessoais — os homens mais velhos tendem a morrer cedo, sem acessar tratamentos de saúde e diagnósticos médicos. As mulheres adultas passam pelo mesmo, estando sujeitas (em percentual superior ao das mulheres brancas) à ameaça constante dos feminicídios. Esses constituem, junto às taxas de estupro, o segundo norte descritivo da autora no capítulo em questão. Para enfocar as violências de gênero, Schwarcz recupera algumas das explicações já delineadas acerca das origens patriarcais da sociedade colonial brasileira. Dialogando com os ideais de Judith Butler, acrescenta ao pano de fundo da tradição patriarcal escravista a heteronormatividade, padrão cultural de conduta que seria responsável pela imposição de hierarquias de poder hierárquicas às relações entre indivíduos dos gêneros feminino e masculino.

Denunciam-se, então, os altos números de feminicídios (50 mil entre 2001 e 2011, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA]) e de violações sexuais (cerca de meio milhão por ano) cometidos, sendo estas últimas uma forma de violência direcionada fortemente a crianças, violadas majoritariamente por pessoas próximas, no interior de suas casas (SCHWARCZ, 2019: 198). Motivados pela misoginia arraigada ao sistema de valores heteropatriarcais, ambos os crimes aparecem em registros de violência contra mulheres lésbicas, travestis e transexuais, agredidas em situações de não aceitação de manifestações de gênero e de sexualidade dissidentes. Passando a um olhar mais global das violações contra pessoas LGBTQIA+, Schwarcz atenta para as expressivas taxas de assassinato de integrantes dessa comunidade (aproximadamente 500 ao ano), com ataques mais direcionados a sujeitos trans e travestis, e para a precariedade das condições de coleta de dados voltados a essa população, destituída do foco de políticas públicas desde janeiro de 2019 (SCHWARCZ, 2019: 207-215). Segundo atestam pesquisadores da causa trans no Brasil (BONFIM, SALLES, BAHIA, 2019: 155-164), a ausência de estatísticas consistentes acerca das violências experienciadas particularmente por LGBT+s classifica-se como uma das faces da necropolítica de Estado contra tais corpos, uma vez que inviabiliza a execução de medidas protetivas e a oferta de serviços específicos, aspectos também pautados por Lilia.

Adentrando os dois últimos capítulos da obra, a autora desenvolve um balanço acerca da crise democrática sentida a partir do golpe parlamentar de 2016. Em sua avaliação, recorre às conjunturas de nações que, tal como o Brasil, transmitiam internacionalmente a imagem de “democráticos”, mas que, em decorrência da intensificação de polarizações, adentraram uma zona cinzenta classificada sob o epíteto de “democraduras”. Sem romper completamente a ordem institucional, países como Hungria, Polônia, Estados Unidos e Brasil experienciaram a consolidação de governos sustentados pela intensificação de ódios binários e por sentimentos de aversão a identidades de grupos que, até então, vinham adquirindo direitos básicos e relativo espaço político. A partir da reivindicação de que os setores populares tradicionais (famílias brancas, pessoas de classe média, homens trabalhadores) seriam aqueles autenticamente éticos e, ao mesmo tempo, os sujeitos deixados de lado por Estados que falharam em prover empregos, segurança e infraestrutura, teria se desenrolado um recrudescimento das práticas de intolerância.

A fim de sustentar a narrativa de validação exclusiva dos setores tradicionais (e reacionários), saberes científicos, discussões acadêmicas e jornalísticas passaram a sofrer frequentes ataques visando a seu descrédito. Junto a isso, pessoas negras, LGBTQIA+, mulheres, indígenas e adeptos de religiões de matriz africana foram convertidos em alvos de campanhas que colocam como norma os pilares da doutrina cristã, dando prosseguimento, na verdade, a um histórico de aniquilação de diversidades instaurado ainda no período colonial, seja pelas violências da escravização de africanos, seja pela conversão e genocídio dos povos originários de terras brasileiras. Em face da adesão de significativos percentuais demográficos às propostas de retorno a um suposto passado idílico aos setores abastados e não minoritários, Schwartz conclui: não nos devemos contentar com garantias democráticas oficiais, mas sim apostar na construção de uma cultura de defesa de princípios de diversidade e de participação cidadã, possível de se estruturar por meio da inserção de tais valores em projetos dos ciclos básicos do sistema público de educação.

Para além do amplo espectro de discussões e de explicações históricas apresentado pela obra e sintetizado nas linhas anteriores, merecem destaque ainda alguns outros fatores que concernem ao contexto de produção e de circulação do livro. Publicado em maio de 2019, Sobre o autoritarismo… logra denunciar retrocessos e impactos desencadeados tanto pelo processo eleitoral de 2018, quanto pelos primeiros meses da gestão de Jair Bolsonaro. Mesmo sem mencionar explicitamente sua figura — em uma escolha intencional da autora, que buscou se evadir de uma escrita centrada no Presidente de modo a não recair em uma narrativa personalista (MOTA, 2019) — Schwarcz alerta para os brutais aumentos das taxas de registro de crimes de intolerância em setembro e outubro de 2018, bem como para as consequências da reorganização da agenda de promoção de direitos de minorias sob o esdrúxulo, patriarcal e heteronormativo Ministério “da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”. Influenciada por sua formação, tece diálogos com trabalhos de nomes importantes da Antropologia, a exemplo de Manuela Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro, sem deixar de lado os referenciais historiográficos por vezes ausentes em livros que se pretendem contadores do passado brasileiro hoje. Utilizando-se de uma linguagem clara, distancia-se do ideal de livro acadêmico rebuscado em sua redação. Com isso, fornece uma opção de leitura comercialmente acessível, concisa, historicamente embasada e dotada de viés crítico ao público leigo interessado em compreender mais sobre as desventuras sociopolíticas que afligem o Brasil. Essas, conforme evidenciado por Lilia Schwarcz em diversos momento, devem ser percebidas pelos leitores como uma sombra constante, vinculada à longa duração histórica e às particularidades dos arranjos conservadores das elites de cada período.

Referências

BOMFIM, Rainer; SALLES, Victória; BAHIA, Alexandre. Necropolítica Trans: o gênero, cor e raça das LGBTI que morrem no Brasil são definidos pelo racismo de Estado. Argumenta Journal Law, Jacarezinho, Brasil, n. 31, p. 153-170, jul./dez. 2019.

CRENSHAW, Kimberlé. Mapping the margins: Intersectionality, identity politics, and violence against women of color. Stanford Law Review, n. 6, v. 43, p. 1241-1299, jul. 1990.

LILIA Schwarcz: “A todo momento, revelamos nossa raiz autoritária”. Fronteiras do Pensamento, Salvador, 29 jun. 2019. Acesso em: 18 out. 2020.

MOTA, Camila Veras. Brasileiro abandonou “máscara” de cordial e assumiu sua intolerância, diz Lilia Schwarcz. BBC, São Paulo, 01 jun. 2019. Acesso em: 18 out. 2020.

ROVANI, Andressa. Sempre fomos autoritários: Lilia Schwarcz diz que crise fez aflorar ressentimentos e que PT-PSDB falhou em não atender conservadores. UOL, São Paulo, 05 jun. 2019. Acesso em: 18 out. 2020.

Bruno Stori – Estudante do 5º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do grupo PET História UFPR e faz Iniciação Científica sob a orientação da Profª Drª Andréa Carla Doré.

Rafaela Zimkovicz – Estudante do 3º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do grupo PET História UFPR e faz Iniciação Científica sob a orientação da Profª Drª Priscila Piazentini Vieira.


SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. Resenha de: STORI, Bruno; ZIMKOVICZ, Rafaela. Cadernos de Clio. Curitiba, v.10, n.1, p.154-167, 2019. Acessar publicação original [DR]

O Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista | Silvia Federici

Enquanto os homens enfrentavam a linha de frente nos campos de batalha durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres assumiram os postos de trabalhadoras e provedoras do sustento familiar. A autoconfiança adquirida através deste processo, junto a um ressentimento ocasionado pelas desagregações familiares decorrentes da alta mortalidade do conflito, incentivou a busca por trabalhos alternativos ao do lar, provocando um distanciamento do trabalho doméstico. Este novo aspecto social refletiu nos trabalhos feministas na década de 1970, cuja ausência do debate sobre a organização da casa se fez notável. [5]

As ideias expressas acima estão contidas na introdução da obra O Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista (2018), de Silvia Federici, filósofa, escritora e ativista por um feminismo anticapitalista. Nascida na Itália e radicada nos Estados Unidos, escreve principalmente sobre o trabalho reprodutivo no capitalismo sob uma perspectiva de reconhecimento dele como pilar de sustentação do sistema, junto a outras formas de trabalho não remunerado, como a servidão e a escravidão. Seu livro mais famoso é Calibã e a Bruxa (2017). Como uma das fundadoras do movimento Wages for Housework, em O Ponto Zero da Revolução…, a autora pretende realizar um resgate dos debates a respeito do trabalho doméstico e de sua importância no entendimento e no combate ao sistema capitalista e colonialista, questionando a natureza da imposição do trabalho doméstico às mulheres bem como suas implicações de subordinação e exploração às vidas sociais delas.

Na primeira parte do livro, o argumento central de Federici em relação à exploração das mulheres e do trabalho doméstico se dá em razão da ação de um Estado que acumula capital por meio da associação dessa atividade à natureza feminina. Através do pressuposto de que o trabalho doméstico é intrínseco à natureza da mulher, a lógica capitalista a coloca como uma base na organização do trabalho dentro da instituição familiar. Segundo Mariarosa Dalla Costa e Selma James, autoras que exerceram grande influência na constituição e no embasamento das ideias de Federici, a nuclearização da família constitui uma fábrica social, na qual a mulher como mão-de-obra não remunerada é fundamental para a produção da força de trabalho, através de funções produtivas e reprodutivas, que nesse ponto encontram-se indissociáveis. As autoras também argumentam sobre a necessidade de seguir um caminho cada vez mais subversivo à lógica do sistema, defendendo a autonomia dos próprios corpos, que foi confiscada pelo capital. Utilizando a biologia feminina a seu favor, além de ele transformar a relação das mulheres com seus maridos e crianças, converte suas criações em trabalho produtivo com finalidade de acumulação por parte do sistema.

Desse modo, nota-se que tanto Federici quanto Dalla Costa e James defendem a remuneração feita pelo Estado como uma medida essencial para que seja possível negar a naturalização do trabalho doméstico como feminino, minando então a lógica capitalista, dando autonomia às mulheres para recusá-lo e abrindo caminhos para uma superação do sistema.

Esta luta pelo salário pago pelo Estado, no entanto, foi tida como menor pelo feminismo, que se voltou para o direito de trabalhar fora, por exemplo. As liberais viam isso como a chance de obter uma carreira e as socialistas, de se incorporarem à luta de classes. A autora destaca, porém, que a luta deveria ser pela independência econômica, não pelo trabalho em si. As mulheres já trabalhavam em casa, necessitando, assim, de mais tempo, não de mais trabalho. Além disso, essa postura pode ter contribuído para um afastamento das donas de casa de movimentos feministas. [6]

Desse  modo, o problema do trabalho doméstico – compartilhado por todas as mulheres – não foi resolvido: poucas conseguiram realmente dividir as tarefas com os maridos, passando a exercer jornada dupla e ficando mais cansadas.

A “solução” para tal problema apareceu com o neoliberalismo e a Nova Divisão Internacional do Trabalho (NDIT), marcada pela globalização, em que o principal envio do “Terceiro Mundo” para o “Primeiro” é o trabalho via migração. Assim, enquanto mulheres europeias trabalham fora, contratam imigrantes para fazer o trabalho doméstico. Essa resolução problemática, além de criar uma relação criada-madame, acentua a tendência da má remuneração para esse trabalho e tira a responsabilidade do homem de fazê-lo. Ademais, é um processo doloroso para as empregadas, que abandonam suas famílias para cuidarem de outras. Teresa Lisboa [7] trata do tema com mais detalhes, destacando problemas como o abuso sexual por parte de patrões e a dificuldade de ter acesso a serviços públicos em virtude da imigração ilegal. Federici destaca que a política da NDIT visa a transferir a reprodução da mão de obra do Norte para as mulheres do Sul Global. Isso acontece nos processos de barrigas de aluguel, por exemplo, que permitem que mulheres do Norte tenham filhos sem interromper suas carreiras nem arriscar a saúde, além de beneficiar financeiramente os governos. A autora conclui que a NDIT não é emancipatória, pois explora as mulheres ainda mais e reabilita a imagem de reprodutora e objeto sexual, de modo que as políticas feministas precisam ser anticapitalistas e subverter essa nova divisão.

Na sequência, Federici aprofunda suas análises acerca do processo de estruturação do neoliberalismo [8] e de seu papel como desarticulador de direitos e serviços essenciais às mulheres: essa corrente se estabeleceu na década de 1970 como fruto das crises econômicas ocorridas no período, bem como da percepção de ameaça representada por movimentos sociais antissistêmicos (negro, anticolonial e feminista), que se opunham ao enriquecimento estatal através da remuneração nula ou irrisória às atividades (re)produtivas que exerciam. A resposta dos Estados se deu, contudo, em direção à acentuação da responsabilização dos indivíduos por suas necessidades de subsistência, bem como, no Sul Global, à intensificação de políticas arbitrárias de austeridade. Ou seja, serviços essenciais de saúde, educação e previdência deixaram de receber investimentos públicos, acarretando escalada da sobrecarga de serviços de cuidado já atrelados aos corpos femininos. Em relação a tais problemáticas, a autora suscita discussões teórico-conceituais e enfatiza o teor revolucionário da expressão “trabalho reprodutivo”, questionando os paradigmas marxistas tradicionais. Esses são criticados por Federici na medida que não só deixavam de considerar as tarefas de cuidado como parte do processo de produção das forças de trabalho, supostamente restrito ao consumo de mercadorias, como também centralizavam na figura do proletário europeu urbano o protagonismo da produção material e, consequentemente, das lutas anticapitalistas.

Complementando suas críticas às realidades neoliberais instituídas a partir dos anos 1970, a autora chama atenção para a posição assumida nesse período pela ONU. Em adição aos desmantelamentos de sistemas sociais e às espoliações de recursos naturais realizados, a instituição passou a exercer postura de controle indireto da radicalidade feminista por meio da cooptação de suas pautas e lideranças. A criação de espaços institucionais para debates de gênero, com o desenvolvimento de programas impulsionadores da agenda do Banco Mundial e a secundarização das lideranças de países não hegemônicos frente às “feministas profissionais” dos EUA, propiciou alinhamento de parte do movimento com causas neoliberais e decorrente afastamento da organicidade popular registrada inicialmente nas reivindicações feministas. Tal fenômeno é destrinchado por Veronica Schild, que argumenta que a fenda de serviços básicos deixada pelos Estados foi preenchida, no contexto latino-americano, por ONGs patrocinadas pela ONU. Essas, ao invés de dialogarem com organizações locais já existentes, priorizaram gestões de feministas acadêmicas e políticas, vinculadas a instituições estrangeiras, invalidando, com isso, possibilidades de ativismos regionais e autenticamente revolucionários.

Na terceira parte da obra, Federici apresenta uma das questões mais importantes às pautas de gênero e ao mundo do trabalho: o acesso à terra, eixo relevante para se pensar a construção de uma sociedade mais solidária e comunitária. A autora inicia sua abordagem sobre essa temática analisando historicamente as investidas dos setores capitalistas no sentido de retirar da população, especialmente feminina, o acesso à terra e, consequentemente, a sua subsistência. A partir desse momento, as comunidades locais empobreceram e tornaram-se dependentes de recursos pertencentes ao grande capital, os quais não são acessíveis a todos em uma sociedade desigual como a que é encontrada em diferentes níveis no planeta. Dessa forma, a partir de um posicionamento que identifica historicamente as mulheres como as agentes de vanguarda na luta pela manutenção das terras comunais e contra o capital, Federici infere que uma das mais eficazes formas de construção de uma sociedade mais equilibrada e que incentive a solidariedade e não a competitividade é a luta por terras comunais e práticas de subsistência.

Ademais, é importante mencionar que essa é uma pauta defendida tanto por diversos intelectuais e lideranças sociais [9] quanto por comunidades que, mesmo que alheias às discussões acadêmicas, entendem a importância da manutenção desses sistemas e da luta por mais áreas agricultáveis. O antropólogo Arturo Escobar, em sua obra La invención del Tercer Mundo: construcción y desconstrucción del desarrollo, analisa essa mesma problemática destacando a forma como as organizações internacionais e países desenvolvidos mantêm suas políticas neocoloniais por meio da expulsão de populações originárias de suas terras e do estabelecimento de relações de dependência dos mercados interno e externo, o que as aliena dos meios produtivos para sua subsistência. Dessa forma, ambos os autores, além de externarem suas críticas a essas práticas violentas, também ressaltam exemplos bem sucedidos de resistência e luta, apontando caminhos a seguir para garantir um melhor futuro, enfatizando, assim, os caminhos comunitários e solidários, não individualizados.

Tomando como base os principais pontos levantados neste texto, ponderamos que O Ponto Zero da Revolução… se revela uma obra extremamente relevante para os dias atuais, especialmente no Brasil, em que vemos um movimento amplo e articulado de desmonte das políticas públicas, direitos trabalhistas e implemento das faces mais radicais e violentas do neoliberalismo. Dessa forma, o livro nos fornece importantes discussões e exemplos concretos de populações que, enfrentando questões tão críticas quanto, rebelaram-se e lutaram por um futuro menos desigual e pela construção de uma sociedade que desnaturalizasse a competição, o lucro e a violência. Consideramos fundamental notar o papel renovador e transgressor que a obra exerce dentro de seu contexto de publicação ao se levar em conta, para além do cenário nacional, os horizontes de produção teórica feminista. Nas últimas décadas, por conta da difusão de discursos eminentemente reificadores do neoliberalismo do Norte — seja através de meios virtuais, seja pelo fortalecimento de uma cultura de “feminismo de advocacy” —, ainda que esse movimento social tenha alcançado maior aceitação entre diferentes parcelas populacionais, vem atravessando processo de banalização de suas pautas. Nesse sentido, as recuperações históricas levantadas por Federici, junto a suas elaborações acerca das problemáticas dos sistemas “piramidais” instaurados sob slogan de suposta “cooperação internacional” pela globalização e à sua marcante tese de necessidade de questionamento das estruturas de reprodução social normalizadas sob o capitalismo, permitem que os públicos leitores do Sul Global, como conjunto de indivíduos que partilha das heranças racistas, coloniais e patriarcais instituídas externamente, continuem e ampliem a articulação de mobilizações feministas capazes de subverter estacas político econômicas exploratórias. A busca por concretização das emancipações de grupos historicamente subjugados, com destaque para a efetiva liberação das mulheres, é nitidamente instigada por Federici, em um movimento que contribui para o fortalecimento das resistências feministas latino-americanas antissistêmicas. No passado e ainda hoje, essas têm estado voltadas à conquista de direitos reprodutivos, à redução da violência de gênero e à retomada dos “comuns” por amplas parcelas populares.

Notas

5. É importante ressaltar que, como será possível observar ao longo da obra, esta condição específica de abandono do lar rumo à independência financeira, à inserção e à relativa equiparação ao homem branco no mercado de trabalho refere-se à realidade de mulheres brancas de classe média. A vida das mulheres não-brancas, como destaca bell hooks, estrutura-se de uma forma totalmente diferenciada. Estas já ocupam o mercado de trabalho de maneira subalterna como empregadas, babás, secretárias, prostitutas. Ao criticar A mística feminina, hooks afirma: “Problemas e dilemas específicos de donas de casa brancas da classe privilegiada eram preocupações reais, merecedores de atenção e transformação, mas não eram preocupações políticas urgentes da maioria das mulheres, mais preocupadas com a sobrevivência econômica, a discriminação étnica e racial etc. Quando Friedan escreveu A mística feminina, mais de um terço de todas as mulheres estava na força de trabalho. Embora muitas desejassem ser donas de casa, apenas as que tinham tempo livre e dinheiro realmente podiam moldar suas identidades segundo o modelo da mística feminina” (Cf. hooks, bell. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 16, p. 193-210, 2015).

6. Esse afastamento das donas de casa em relação ao feminismo, por sua vez, é um fenômeno predominantemente estadunidense e europeu. Nos anos 1970, muitos países latino-americanos, por exemplo, estavam sob brutais ditaduras militares. Verónica Schild, doutora em Ciência Política com pesquisas sobre mobilizações feministas e impactos do neoliberalismo no Chile, destaca que, nesses lugares, o feminismo adquiriu outros contornos: organizadas em diferentes grupos de mulheres, mobilizaram-se contra os regimes autoritários desde militantes de esquerda a ativistas católicas. Além de haver um engajamento com o feminismo “tradicional” devido à conjuntura política, há outra diferença fundamental: “Em contraste com a ‘dona de casa’ típica do pós-guerra nos países da OCDE, a maioria das latino-americanas trabalhava – na terra ou como empregadas domésticas –, enquanto as mulheres da elite eram liberadas do trabalho doméstico por suas criadas.” (2017: 101).

7. Teresa Kleba Lisboa é doutora em Sociologia e pesquisadora das áreas de violência de gênero, de participação das mulheres no mundo social do trabalho e de equidade de gênero nas políticas públicas.

8. No que se refere ao envolvimento teórico da autora com a temática do neoliberalismo, mostra-se interessante contextualizar suas produções em relação a demais obras que perpassam o tema: os capítulos de O Ponto Zero da Revolução que abordam aspectos do sistema neoliberal foram escritos entre os anos 1990 e 2000. Nesse período, e principalmente nos anos subsequentes a ele, registrou-se extensa produção acadêmica dedicada a analisar processos constitutivos do neoliberalismo e as consequências dele para o funcionamento de diferentes sociedades. Inserem-se aí obras de pensadoras estadunidenses como Nancy Fraser e Wendy Brown. Ambas apresentam pontos de confluência com as ideias de Federici, caracterizando esse sistema como extenso, não restrito a uma esfera econômica, mas sim permeador das diversas bases do cotidiano social, acarretando desmantelamento de serviços essenciais à coletividade, precarização do mundo do trabalho e a instituição de um modelo mental coletivo de “empresariamento de si mesmo” (ou “razão neoliberal”, nos termos da segunda autora). Fraser (2019) defende a superação da crise generalizada vivenciada hoje por meio de uma transformação sistêmica completa a ser encabeçada por mobilizações populares, nas quais estaria incluso um “feminismo para os 99%”, anticorporativo. Já Brown (2015), em contraponto às constatações de Federici acerca da necessidade de transformação absoluta do modo de vida capitalista e de sistemas políticos que não asseguram protagonismo às coletividades e acesso a recursos “comuns”, apresenta considerações mais reformistas, afirmando que as democracias liberais, apesar de burguesas, deveriam ser conservadas por servirem como propulsoras iniciais de anseios mais amplos por liberdade e direitos. Para saber mais, verificar: FRASER, Nancy. The old is dying and the new cannot be born: From progressive neoliberalism to Trump and beyond. New York: Verso Books, 2019; e BROWN, Wendy. Undoing the demos: Neoliberalism’s stealth revolution. New York: Mit Press, 2015.

9. É possível estabelecer relações entre essas reflexões da autora e as práticas de feminismo comunitário encontradas em países latino-americanos: o pensamento do feminismo comunitário é bastante amplo e tem diversas ramificações, como o empregado pelas mulheres trabalhadoras na Bolívia. Na comunidade Mujeres Creando, o feminismo comunitário começa epistemologicamente empregando a descolonização do próprio feminismo, partindo do pressuposto que esse carrega consigo diversas formas de opressão, principalmente originários do sistema capitalista de produção. Para além desse esforço, as próprias categorias de gênero e patriarcado são repensadas. Tal discussão relaciona-se ao conceito de comuns de Frederici, na medida em que, para se atingir as expectativas postas sob a construção de uma sociedade comunitária, devem-se rever os conceitos estruturantes que a sustentam. Para saber mais, verificar: PAREDES, Julieta. El feminismo comunitario: la creación de un pensamiento propio. Corpus, vol. 7, n. 1, 2017.

Referências

DALLA COSTA, Mariarosa; JAMES, Selma. The Power of Women and the Subversion of the Community. Bristol: Falling Wall Press, 1975.

ESCOBAR, Arturo. La invención del Tercer Mundo: construcción y desconstrucción del desarrollo. Caracas: Fundación Editorial el perro y la rana, 2007.

LISBOA, Teresa Kleba. Fluxos migratórios de mulheres para o trabalho reprodutivo: a globalização da assistência. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 15, n. 3, p. 805-821, set./dez. 2007.

SCHILD, Verónica. Feminismo e neoliberalismo na América Latina. Nueva sociedad, Buenos Aires, Edição Especial, p. 98-113, jun. 2017

Eduardo Gern Scoz – Estudante do 7º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do grupo PET História UFPR e faz Pesquisa Individual sob a orientação da Profª Drª Ana Paula Vosne Martins.

Letícia Barreto Assad Bruel – Estudante do 5º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do grupo PET História UFPR e faz Iniciação Científica sob a orientação da Profª Drª Priscila Piazentini Vieira.

Rafaela Zimkovicz – Estudante do 3º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do grupo PET História UFPR.

Vitória Gabriela da Silva Kohler –  Estudante do 3º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do grupo PET História UFPR.


FEDERICI, Silvia. O Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo: Elefante, 2018. Resenha de: SCOZ, Eduardo Gern; BRUEL, Letícia Barreto Assad; ZIMKOVICZ, Rafaela; KOHLER, Vitória Gabriela da Silva. Cadernos de Clio. Curitiba, v.9, n.1, p.133-143, 2018. Acessar publicação original [DR]