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Impressões da Idade Média | Ricardo da Costa
Ricardo da Costa é um medievalista de um espírito inquieto.[1] Tendo sido profissional da área da Música por vinte anos, cursou História no Rio de Janeiro, na Universidade Estácio de Sá [2], Mestrado e Doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF) e depois realizou concurso para História Antiga e Medieval no Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), onde ingressou em 2000. Lá esteve nos departamentos de História, de Filosofia e atualmente é lotado no Departamento de Teoria da Arte e Música. Criou nos anos 90, quando a maioria de nós nem conhecia bem a Internet, uma homepage de estudos medievais que até hoje é uma referência nessas investigações e que contém documentos medievais traduzidos e textos publicados do autor em revistas especializadas no Brasil e no exterior [3]. Além disso, criou, com outros pesquisadores, em 2001, a revista Mirabilia, igualmente uma referência nas pesquisas sobre o Medievo e hoje pertencente ao Institut d’Estudis Medievals da Universitat Autònoma de Barcelona [4]. Costa fez três pósdoutorados internacionais [5] e também participa do corpo docente de doutorado internacional na área de Cultura Medieval [6].
Seu livro, Impressões na Idade Média, condensa artigos já foram publicados e contempla alguns textos inéditos. Ao ler a obra, lembrei das concepções de um importante historiador, discípulo do medievalista Jacques Le Goff (1924-2014), Jean Claude-Schmitt (1946-). De acordo com ele, no medievo o imaginário trata das relações dos homens entre si, com Deus e com o invisível. Em suas várias obras Schmitt explica que na Idade Média havia imagens visuais e mentais e que as imagens visuais muitas vezes ajudavam o espectador a se transportar para o mundo da imagem e se aproximar de Deus[7].
Podemos perceber este traço interessantíssimo no livro Impressões da Idade Média, de Ricardo da Costa. O autor possui o mérito de conseguir fazer com que seu leitor saia do “aqui e agora” e se transporte para o momento que os capítulos relatam. É, por exemplo, o caso do primeiro artigo do livro, que trata do luto na Antiguidade. Costa explica que as mulheres muitas vezes se machucavam e ele nos remete para a imagem 4 da obra (Mulheres aos prantos, eremitério de Santo André de Mahamud, Burgos, Espanha, séc. XIII). Ao ler a descrição do autor e observar a imagem, parece que nossa própria face sofre um calor e “sente” a ardência do ferimento do arranhão causado pelas viúvas sofredoras a si próprias.
O autor aproxima História e ficção e faz o leitor (cada um de nós), “viver” em outros momentos históricos, como se transportados numa verdadeira máquina do tempo, para outro momento histórico e para outros lugares. O leitor consegue viajar entusiasmado junto com o nosso autor para as paragens aonde ele nos conduz, de forma eficiente.
Ricardo da Costa escreve de forma agradável, o que nos recorda também a escrita de um importante medievalista brasileiro, que influenciou muitas gerações dos anos 80 até a atualidade: Hilário Franco Jr [8]. Este último, além de redigir de forma séria e ao mesmo tempo saborosa, também se volta para outros campos de interesse, como a História do Futebol. Costa é como ele, pois consegue abordar vários assuntos e temporalidades, sempre com o olhar central voltado para o seu objeto maior de interesse, a Idade Média.
Embora dialogue com a História, a Literatura, a Filosofia, a Arte e a Música – o livro é dividido nessas quatro áreas – Ricardo da Costa é, definitivamente, um historiador. Sua formação em História aparece na maneira de indagação dos documentos, bem como em seu olhar com relação ao momento histórico quando foi composto cada documento que analisa. O aspecto interdisciplinar do livro e da trajetória do autor seguem de perto os pressupostos da chamada Escola dos Annales, criada por Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956) em 1929, e que propunha, desde a fundação da revista Annales, a necessidade de a História dialogar com outras Ciências Sociais [9], como Costa faz com muita propriedade.
Outro elemento relacionado a esse fazer historiográfico dos primeiros annalistes foi a ampliação do uso da documentação do historiador, que considera como documentos outras fontes, como as literárias e artísticas, e a preocupação com os “modos de sentir e pensar”, depois entendidos por Le Goff, da terceira geração deste grupo, como as mentalidades [10]. Na reformulação do conceito realizada por este autor, a mentalidade é substituída pelo “imaginário” que, segundo o medievalista francês, vai além do conceito de representação, com ligações com o ideológico e o simbólico [11]. Ricardo da Costa segue essa direção, adotada por Le Goff e Duby e também trilhada por Hilário Franco Jr., entre outros medievalistas, no Brasil.
Outro traço importante do livro, relacionado à herança dos Annales é a chamada longa duração [12]. Costa consegue perceber muitos elos entre a Antiguidade e o Medievo, ao contrário da noção de ruptura entre esses dois momentos históricos, além da noção de continuidade entre Idade Média e Moderna, concordando assim com pensamento de Le Goff, que nega uma ruptura no chamado “Renascimento” e defende que a Idade Média se estende até a Revolução Francesa [13].
Também importantíssimo para a Escola dos Annales e para Ricardo da Costa é a chamada História-problema, que responde a questionamentos com base nos documentos e na análise do pesquisador; e, muito relevante em todo livro é a preocupação em responder a questões do presente. Marc Bloch em sua obra magistral, a Apologia da História, já dizia que os seres humanos olham o passado buscando compreender o presente, sendo necessário desconfiar dos documentos, fazer questionamentos a eles, além do fato de que há documentos falsos e que mesmo estes precisam ser analisados, além do fato de que o historiador precisa “ouvir” os silêncios e lacunas das fontes. Ricardo da Costa, através da sensibilidade e do uso da Arte, procura se aproximar do passado para compreender a sociedade atual.
Outro mérito do autor é o fato de conseguir dialogar com diferentes momentos históricos. Com certeza um medievalista que consegue analisar e escrever sobre diferentes períodos da História e utilizando a Filosofia, a Arte e a Literatura em suas investigações, tem a possibilidade de oferecer uma visão mais ampla do momento central que analisa, a Idade Média já que ele mesmo possui um campo de visão mais vasto. Os artigos com os quais mais me identifiquei foram os que trataram da História e da Literatura, pela minha predileção natural às relações entre História e Literatura. Mas todo o conteúdo deste livro é interessante.
O livro é harmônico em sua organização. Quatro partes, com três capítulos cada, totalizando doze. Pensando no número três, lembramos que se refere à Trindade, a união das três pessoas divinas, de acordo com o Cristianismo. Coincidência ou uma alusão do autor à religiosidade cristã?
Na primeira parte do livro, intitulada História, Costa analisa o papel do luto, abordando os períodos Antigo e Medieval. A seguir discute a visão de Maomé tecida pelo filósofo catalão Ramon Llull (1232-1316) e a relação dos cristãos no medievo com este filósofo. Já no capítulo 3, relaciona História e Música, trabalhando ao mesmo tempo com As Bodas de Fígaro, de Mozart, a música medieval e a música clássica contemporânea. Sobre este capítulo, o autor afirma a importância da sensibilidade para “recriar o passado com as palavras do presente que se arrojam no futuro” (p. 60).
A segunda parte do livro, Literatura, inicia com uma análise da formação da língua portuguesa e sua relação com o castelhano e o catalão, discutindo as cantigas galego-portuguesas e outros documentos, além de mencionar autores como de diversos momentos históricos como o Conde D. Pedro (século XIII), o Padre Antônio Vieira (século XVII) e o poeta parnasiano Olavo Bilac (séculos XIX-XX). Costa salienta sobre como trabalhar esses diferentes momentos históricos, seguindo o pensamento do medievalista Georges Duby (1919-1996): “a primeira obrigação do historiador, sua principal atividade é a imaginação” (p. 70) (grifo nosso).
No capítulo seguinte, aborda as relações entre História e Literatura na novela de cavalaria Curial e Guelfa, produzida em catalão no século XV. De acordo com o autor, sua proposta foi analisar “os sentimentos dos personagens, suas expressões proverbiais e as citações mitológicas recorrentes ao longo da narrativa” (p. 119), pois o manuscrito incorpora elementos da cultura greco-romana. Além disso, segundo o autor o texto mostra sentimentos das relações feudo-vassálicas, como a amizade e a fraternidade entre os homens desenvolvida no contexto do ideal da cavalaria medieval (p. 121).
No capítulo que fecha a parte Literatura, Costa aborda o gênero epistolar, através das cartas de Bernardo de Claraval (1091-1153). Estas, de acordo com o autor, eram voltadas ao amor ao próximo e contribuíram para o desenvolvimento da história do “Eu”, da individualidade, iniciada na Idade Média Central. Essas cartas eram ditadas, voltadas para vários assuntos e públicos e, segundo Costa, S. Bernardo em seu tempo, mais de uma vez “lamentou […] a pouca recepção de suas palavras.” (p. 143). De acordo com Impressões da Idade Média, a conversão da consciência e o apelo a esta era realizada por Bernardo através do eu amoroso: “Sem o amor, o Eu nada é, nada consegue, pois suas palavras não frutificam, suas lágrimas são inutilmente vertidas.” (p. 145).
Na parte três, intitulada Filosofia, Costa inicia com as raízes clássicas da transcendência medieval, analisando a Filosofia Medieval como profundamente arraigada na da Idade Antiga, havendo uma continuidade entre ambas. Desta forma, aborda de que maneira filósofos gregos (Platão e Aristóteles) e romanos (Sêneca) refletiram sobre Deus. Segundo Costa, para Aristóteles (384-322 a. C.): “Deus existe como bem, e por isso é o Princípio do qual dependem o céu e a natureza” (p. 173-174), concepção depois retomada por Dante Alighieri (1265-1321) em sua obra prima, a Divina Comédia.
Seguindo as reflexões sobre a figura de Deus, o capítulo seguinte do livro trata da eternidade de Deus segundo Ramon Llull. Costa salienta que, em seu propósito de modificação da fé dos islâmicos, o pensador catalão criou uma filosofia de conversão ao catolicismo que possuía a herança das três religiões monoteístas (Cristianismo, Judaísmo, Islamismo), além de absorver e recriar as meditações de Platão, Aristóteles, Agostinho, Anselmo entre outros, e de possuir analogias com as concepções de Bernardo de Claraval (p. 201).
O terceiro capítulo da parte Filosofia é dedicado ao pensamento do semiólogo Umberto Eco (1932-2016), com base em suas ideias tratadas em sua obra Arte e Beleza na Estética Medieval, que resgata o passado através da Arte e discute o simbolismo da luz (claritas) e a ideia estética do universo.
A última parte do livro, parte quatro, é dedicada à Arte. Primeiramente Costa analisa os camponeses, com base nos vitrais góticos das catedrais de Chartres e de Amiens no século XIII. Devido à invisibilidade desses grupos na maior parte das fontes escritas, é muito interessante encontrá-los em profusão nos documentos imagéticos analisados pelo autor. Costa destaca tanto a importância do trabalho do campesinato, estampado nas catedrais, como a importância destas construções e da arte gótica para os estudos de História Medieval.
Os dois últimos capítulos do livro tratam da figura do corpo medieval através da Arte [14]. O penúltimo discute as concepções defendidas por filósofos medievais em seus tratados como Hildegard de Bingen, João de Salisbury, Tomás de Aquino. Analisa o corpo em algumas imagens medievais e também as do corpo ser o cárcere da alma, o corpo como instrumento e também como desregramento.
O último texto do livro analisa o martírio de Thomas Beckett (c. 1118-1170) visto pela Arte, através de iluminuras, de vitrais do século XIII, da representação da morte daquele religioso estampada numa caixa do século XII e da análise do afresco da absidíola de Santa Maria de Terrasa, na Catalunha (1180), em comparação com relatos escritos. O capítulo aborda o corpo martirizado cujo assassinato foi encomendado pelo rei Henrique II (1133-1189), com quem o arcebispo se desentendeu, gerando a seguir essas representações que enfatizaram a lembrança do acontecimento, logo depois a canonização de Beckett e o arrependimento público do monarca.
Saliento sobre a publicação Impressões da Idade Média a qualidade do material de análise e da parte gráfica, com cada capítulo iniciando com uma letra diferente, espécie de letra gótica estilizada e uma faixa vertical com decoração floral, no canto esquerdo da página inicial de cada capítulo. Isso faz o livro lembrar um manuscrito medieval. Também é importante destacar a qualidade do Caderno de Imagens do livro, muito rico e com figuras em excelente resolução.
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Passo agora a mencionar algumas discordâncias com o autor de Impressões da Idade Média. Em primeiro lugar, o interessantíssimo artigo sobre Ramon Llull e a questão da conversão dos muçulmanos (cap. 2 na parte 1 do livro). Com certeza, concordo com Costa sobre o fato de que Llull realmente tinha por propósito central converter os islâmicos. No entanto, o fato de ter aprendido árabe para debater com eles e de ter estudado os escritos árabes e relacionados à religião islâmica mostram que Llull apresenta uma visão mais conciliadora que inclusive a adotada nos dias atuais nos conflitos entre religiões, de forma que eu suavizaria as críticas a este pensador no tocante à relação com o Islamismo e sigo a inclinação, defendida por alguns pesquisadores, de que Ramon Llull foi uma espécie de precursor do chamado diálogo inter-religioso [15]. Só o fato de ter ouvido o “outro”, ter debatido com ele e ter procurado compreender a sua cultura, para logicamente, converter o “infiel” ao Cristianismo, demonstram, a meu ver, um certo respeito do maiorquino com relação aos islâmicos.
Outro ponto a ser salientado é que Costa possui alguma tendência à hipérbole, em determinados momentos. É o caso, por exemplo, quando ele afirma tacitamente que “ninguém” estuda música no Brasil [16]. Claro que Costa tem razão, a Música deveria ser mais utilizada pelos historiadores. Mas o que dizer daqueles que trabalham com compositores nacionais em diversos momentos históricos: a Tropicália, Carmem Miranda, a chamada música de protesto no período da Ditadura Militar, o compositor Villa Lobos, entre outras manifestações? Mas já achando que Costa poderia questionar essas formas musicais e esses momentos históricos, aponto aqui o já mencionado e destacado historiador Jean-Claude Schmitt em favor dos meus argumentos. No seu recente livro, Les Rythmes au Moyen Âge (2016), premiado no ano de 2017 como melhor obra historiográfica na França [17], Schmitt cita nos agradecimentos um brasileiro (!), Eduardo Aubert, o que pode ser depreendido pelos estudos sobre a música medieval que o auxiliaram a compor uma parte de sua premiada obra, fornecendo alguns subsídios ao capítulo “Ritmo, Música, Imagens”. [18] De forma que, concordo com Ricardo da Costa que os estudos da Música são pouco realizados no Brasil mas, ao contrário da sua concepção, alguns historiadores brasileiros se dedicam com sucesso a esta área, como apontado pelo renomado historiador francês.
Um último elemento que me levou à inquietação com relação às afirmações do autor do livro são no tocante à educação brasileira na contemporaneidade (sobre isso, especialmente o capítulo 4, da parte Literatura). Para Costa, os alunos são, via de regra, desinteressados e aprendem pouco. Ora, se nós somos professores e os nossos alunos não têm interesse, nem aprendem, será que a culpa não é nossa? É importante destacar que Ricardo da Costa atua neste momento na Graduação em Artes Plásticas e em Artes Visuais (e também na Pós-Graduação), como já atuou na área de Filosofia e História, todos esses cursos da área de Licenciatura. Portanto, isso torna ainda mais “crítico” o nosso papel enquanto docentes, na medida em que cada aluno nosso será também professor e formador de uma quantidade enorme de outros alunos, todos esses que deveriam pensar criticamente sobre o nosso contexto histórico.
Diferentemente de Costa, tenho uma visão mais positiva com relação à educação e mesmo da educação no Brasil e do papel do professor da universidade e das escolas. Uso para fundamentar meus argumentos, o próprio texto de Ricardo da Costa (cap. 4) no qual mostra que desde a Antiguidade, os docentes e filósofos se queixam do desinteresse dos alunos, da decadência moral da sociedade, entre outros incômodos.
Seguem aqui as palavras de Petrônio na obra Satyricon (século I), citadas por Costa no capítulo 4 do seu livro: “Mergulhados em vinhos e prostitutas, não ousamos sequer conhecer as artes apropriadas [….] ensinamos e aprendemos apenas vícios. […] Onde está o caminho esmeradíssimo da Sabedoria?” (p. 69) (grifos nossos). Sinal de que o mundo sofre de problemas morais, corrupção, entre outros, há muito tempo, e que esses males já chamavam a atenção dos educadores desde a Antiguidade. E nem por isso as pessoas deixaram de aprender.
Neste sentido, cito, por exemplo, Ramon Llull e toda a sua preocupação em transmitir valores positivos a Domingos, seu filho, em obra traduzida do catalão ao português por Ricardo da Costa, a Doutrina para Crianças. Neste escrito, Llull pretende através da educação ensinar seu rebento a seguir as virtudes e evitar os vícios, de forma a viver bem em sociedade e atingir a salvação na outra vida [19]. Assim como Ramon Llull ensinava Domingos, os professores nas escolas e nas universidades também têm a função de ensinar e/ou auxiliar os seus alunos a aprenderem ou “despertarem” para o conhecimento e para valores morais positivos: a ética, a bondade, a honestidade, entre outros.
A crise de valores é um problema mundial da atualidade que também atinge a educação. Neste sentido e particularmente na realidade brasileira, a competição com os recursos eletrônicos – Internet, celular e particularmente o whatsapp, bem como outras formas de manifestação da mídia, fazem com que as nossas aulas sejam vistas muitas vezes como maçantes pelos nossos alunos universitários (e a mesma coisa se dá no ensino básico), motivo pelo qual o docente precisa tentar criar e “inventar” estratégias que levem os alunos a se interessarem pelos estudos e pela História, pela Arte, pela Literatura, pela Filosofia, entre outros campos do conhecimento.
O papel que Ricardo da Costa possui com a sua homepage “História Medieval” e com a revista Mirabilia representam uma contribuição importantíssima para a educação e difusão da História Medieval no Brasil e em outros países. É por isso que podemos dizer que Costa por vezes é um pouco exagerado (lembro da canção do músico brasileiro Cazuza) e que, por vezes, suas ações como docente e pesquisador contradizem a visão pessimista que tem sobre a educação no Brasil.
De minha parte, sou uma otimista. Recentemente, uma jovem do Maranhão, Aldina Melo, filha de quebradeira de coco e que enfrentou inúmeras dificuldades para chegar ao ensino superior, mas acabou conseguindo, obteve prêmio de melhor dissertação (referente à turma de 2015) no Mestrado em História da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde leciono20, e foi também aprovada em primeiro lugar (2018) no ingresso ao Doutorado em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Sinal de que, para muitos brasileiros, se tiverem oportunidades, irão estudar e conquistar um lugar melhor no mundo.
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Seja como for, o certo é que não há como ler o livro Impressões na Idade Média sem sentir um questionamento, uma inquietação, o que é positivo, já que a função da História e do historiador é colocar problemas, procurar responder aos questionamentos para compreender a sociedade do presente e buscar um mundo melhor para os nossos filhos, netos e para as futuras gerações.
Caso deixemos de lado pequenos detalhes quando consideramos que Costa exagera um pouco em algumas concepções, poderemos desfrutar de um livro saboroso, erudito, bem escrito e que contribui com os estudos medievais e sua relação com a contemporaneidade.
Notas
1. Graduada, Mestre e Doutora em História na Universidade Federal Fluminense (UFF). Docente de História do município do Rio de Janeiro, no período de 1988 a 2001. É professora da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) desde 2003, atuando, no momento, como docente efetiva na PósGraduação em História na mesma instituição e também na Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Estágio Pós-Doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) junto ao GAHOM (Groupe d’Anthropologie Historique de l’Occident Médieval) no período de 2013-2014. É uma das coordenadoras dos laboratórios de pesquisa Brathair – Grupo de Estudos Celtas e Germânicos e Mnemosyne – Laboratório de História Antiga e Medieval, e atua como editora-chefe da revista Brathair: http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair e uma das diretoras da revista Mirabilia https://www.revistamirabilia.com/ .
Conheci Ricardo da Costa em 1996 junto ao laboratório Scriptorium, quando do meu ingresso no Mestrado em História, sob a supervisão de Vânia L. Fróes, com quem Costa também realizou o Mestrado, depois publicado em livro (1998). No Doutorado, realizou bolsa sanduíche na Alemanha (1999) e concluiu a tese sob a supervisão de Guilherme Pereira das Neves. Ricardo da Costa e eu produzimos até o momento três artigos acadêmicos juntos (em 2000, 2001 e 2008). Também criamos a revista Mirabilia em 2001, com Moisés Romanazzi Tôrres. O nome da revista, Mirabilia em latim ou “coisas maravilhosas” em português, foi escolhido por mim, em referência ao termo “maravilha”, muito recorrente na novela de cavalaria do século XIII A Demanda do Santo Graal, uma das fontes literárias de minha predileção. Costa e eu realizamos várias parcerias até o presente como, por exemplo, a edição 2018.1, v. 26, da revista Mirabilia, coordenada por nós dois, cuja temática é Sociedade e Cultura em Portugal, com artigos de docentes nacionais e internacionais.
2. Destaca-se o apoio da avó do autor, América da Silveira Sapha, para que ele realizasse este curso em paralelo à sua atividade de músico.
3. Trata-se da homepage “Idade Média”: http://www.ricardocosta.com /
4. A Mirabilia atualmente consiste em quatro revistas em uma: a Mirabilia, a Mirablia Medicinae, Mirabilia Ars e Mirabilia Trans. Todas as quatro se encontram disponíveis na mesma homepage: https://www.revistamirabilia.com /
5. Nas áreas de História Medieval, Filosofia Medieval e Literatura Medieval, na Universitat Internacional de Catalunya (UIC), Barcelona, 2003 e 2005 e Universitat d’Alacant, (UA), em 2017.
6. Programa de Doctorado “Transferencias Interculturales e Históricas en la Europa Medieval Mediterránea” da Facultade de Filosofia e Letras da Universitat d’Alacant (UA-Espanha).
7. Sobre o conceito de imagem para Schmitt, ver SCHMITT, Jean-Claude. O Corpo das Imagens. São Paulo: EDUSC, 2007.
8. Dentre os numerosos livros de Hilário Franco Jr., cito alguns: A Idade Média, Nascimento do Ocidente. 2ª Ed., São Paulo: Brasiliense, 2001; As Utopias Medievais. 1ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1992 (a ser relançado, em edição revista e ampliada em 2018); Cocanha, a História de um País Imaginário. São Paulo; Companhia das Letras, 1998.
9. Sobre os pressupostos desses historiadores, ver FEBVRE, L. Combates pela História. FEBVRE, Lucien. Combates pela História. Lisboa, Presença, 1989; BURKE, P. A História dos Annales. A Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: Ed. UNESP, 1991; REIS, José Carlos. Nouvelle Histoire e o Tempo Histórico. A contribuição de Febvre, Bloch e Braudel. São Paulo: Annablume, 2008.
10. LE GOFF, Jacques. LE GOFF, Jacques. “As Mentalidades: Uma História Ambígua”. In: História: Novos Objetos. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976, p. 68-83.
11. Sobre o conceito de imagem para Le Goff, ver LE GOFF, J. O Imaginário Medieval. Lisboa: Estampa, 1994, p. 11-12.
12. BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais. Lisboa: Presença, 1989; BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo à Época de Felipe II. Extraído do Prefácio. In: Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1992, p. 13-16.
13. LE GOFF, Jacques. Uma longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008; LE GOFF, Jacques. A História pode ser dividida em pedaços? São Paulo: Ed. UNESP, 2015.
14. Lembremos que o tema do corpo também foi caro a Le Goff no seu livro Historia do Corpo na Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
15. O próprio Ricardo da Costa já defendeu essa concepção de diálogo inter-religioso no passado. Ver: COSTA, Ricardo; PARDO PASTOR, Jordi. Ramon Llull (1232-1316) e o diálogo inter-religioso. Cristãos, judeus e muçulmanos na cultura ibérica medieval. O Livro dos Gentio e dos três sábios e a Vikuah de Nahmânides. In: LEMOS, Maria Teresa Toribio Brittes e LAURIA, Ronaldo Martins (org.). A integração da diversidade racial e cultural do Novo Mundo. Rio de Janeiro, UERJ, 2004. Sobre o diálogo inter-religioso, cf, entre outros: FIDORA, Alexander. Raimundo Lúlio perante a crítica atual ao diálogo inter-religioso: A Arte luliana como proposta para uma “Filosofia das religiões” (2001). Publicação em espanhol em: Revista Española de Filosofia Medieval, 10, 2003, p. 227-243; MAYER, Annemarie C. Ramon Llull y el diálogo indispensable. Quaderns de la Mediterrània 14, 2010.
16. Segundo Costa (2017, p. 45, nt. 5): “Infelizmente, em nosso país, os historiadores ainda não ‘descobriram’ a Música como tema histórico”.
17. Uma síntese desta obra está na seguinte resenha: ZIERER, Adriana. Resenha de Les Rythmes au Moyen Âge, de Jean-Claude Schmitt. In: Mirabilia. Edição Sociedade e Cultura em Portugal. Org. por Adriana Zierer e Ricardo da Costa, v. 26, 2018, v. 1, p. 222-233.
18. Trata-se do estudo de Eduardo Aubert em co-autoria com Jean-Claude Bonne: BONNE, J.C; AUBERT, E.H. Quand voir fait chanter. Images et neumes dans le tonaire du ms. BnF, lat. 1118: entre performance et performativité. In: DIERKENS, A.; BARTHOLEYNS, G.; GOLSENNE, T. (Dir.). La Performance des Images. Bruxelles: Université Livre de Bruxelles, 2009, p. 225-240. (Obra citada por Schmitt, 2016, p. 117). Aubert consta nos agradecimentos do livro de Schmitt, 2016, p. 691.
19. COSTA, Ricardo. Reordenando o conhecimento: a Educação na Idade Média e o conceito de Ciência expresso na obra Doutrina para Crianças (c. 1274-1276) de Ramon Llull. In: COSTA, R. Ensaios de História Medieval. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2009, p. 154-175. Uma dissertação recente abordando esta obra de Llull e a sua importância na formação do ser humano ideal foi realizada por Natasha Mateus: MATEUS, N. Ensino de História Medieval: A obra Doutrina para Crianças, de Ramon Llull e a produção do paradidático “Ramon Llull e a Idade Média”. 246 f. Dissertação de Mestrado em História. São Luís: Universidade Estadual do Maranhão, 2018. Disponível em: http://www.ppghist.uema.br/wpcontent/uploads/2016/12/Natasha-Disserta%C3%A7%C3%A3o-com-as-assinaturas-da-Banca..pdf ; acesso em 05/07/2018.
20. A premiação ocorreu em abril de 2018. A dissertação se encontra disponível para consulta. MELO, Aldina. A África na Sala de Aula. A Reinvenção dos Zulus. 206 f. Dissertação de Mestrado em História. São Luís: Universidade Estadual do Maranhão, 2017. Disponível em: http://www.ppghist.uema.br/wpcontent/uploads/2016/12/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Final-Aldina-Melo-PARA-DEPOSITO-1.pdf ; acesso em 05/07/2018.
Referências
BLOCH, Marc. A Apologia da História ou o Ofício do Históriador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BONNE, Jean-Claude; AUBERT, Eduardo H. Quand voir fait chanter. Images et neumes dans le tonaire du ms. BnF, lat. 1118: entre performance et performativité. In: DIERKENS, A.; BARTHOLEYNS, G.; GOLSENNE, T. (Dir.). La Performance des Images. Bruxelles: Université Livre de Bruxelles, 2009, p. 225- 240.
BURKE, P. A História dos Annales. A Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: Ed. UNESP, 1991.
COSTA, Ricardo; PARDO PASTOR, Jordi. Ramon Llull (1232-1316) e o diálogo interreligioso. Cristãos, judeus e muçulmanos na cultura ibérica medieval. O Livro dos Gentio e dos três sábios e a Vikuah de Nahmânides. In: LEMOS, Maria Teresa Toribio Brittes; LAURIA, Ronaldo Martins (org.). A integração da diversidade racial e cultural do Novo Mundo. Rio de Janeiro, UERJ, 2004. COSTA, Ricardo. Reordenando o conhecimento: a Educação na Idade Média e o conceito de Ciência expresso na obra Doutrina para Crianças (c. 1274-1276) de Ramon Llull. In: COSTA, R. Ensaios de História Medieval. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2009, p. 154-175. FRANCO JR., Hilário. A Idade Média, Nascimento do Ocidente. 2ª Ed., São Paulo: Brasiliense, 2001.
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Adriana Zierer – Graduada, Mestre e Doutora em História na Universidade Federal Fluminense (UFF). Docente de História do município do Rio de Janeiro, no período de 1988 a 2001. Docente UEMA-PPGHIST/UFMA-PPGHIS. E-mail: adrianazierer@gmail.com
COSTA, Ricardo da. Impressões da Idade Média. São Paulo: Livraria Resistência Cultural, 2017. Resenha de: ZIERER, Adriana. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.18, n.1, p. 260 – 272, 2018. Acessar publicação original [DR]
Mabinogion | José Domingos Morais
A importância da tradução desta obra para o português é enorme principalmente pela dificuldade de acesso a fontes célticas em língua portuguesa. Mabinogion é um conjunto de contos galeses que foram escritos entre os séculos XI e XIV, mas que referem-se por vezes a acontecimentos muito mais antigos, datando do século VII, e a crenças ancestrais. Os relatos começaram a ser postos por escrito por ocasião da invasão normanda quando os chefes locais resolveram mandar escrever as narrativas que haviam circulado oralmente por muitos séculos, como forma de manter a tradição.
Estes contos foram compilados no Livro Branco de Rhydderch (Llyfr Gwyn Rhydderch) e no Livro Vermelho de Hergest (Llyfr Coch Hergest) e foram traduzidos pela primeira vez para o inglês por Lady Charlotte Guest no século XIX, a qual utilizou o termo mabinogion como título para colêtanea dos onze contos. A denominação da tradutora inglesa é errônea, pois o termo mabinogi refere-se à infância de um herói. Esta palavra aparece no fim do primeiro relato, Pwyll, Príncipe de Dyved, mas relaciona-se apenas aos quatro primeiros contos ou ramos (além de Pwyll, Branwen, a filha de Lyr, Manawyddan, o Filho de Lyr e Math, o Filho de Mathonwy). Nestes, a personagem de Pryderi aparece como elo de ligação entre as histórias embora não seja personagem principal, unindo-as em acontecimentos que tratam do nascimento, infância, juventude e morte.
Uma outra interpretação para a palavra mabinogi seria a de relato de um jovem, pois a palavra maban, diminutivo de mab significa filho ou juventude; por isso trataria das façanhas de um herói relacionado aos antigos deuses. Neste sentido, Pryderi seria um mac ind óc, isto é o filho do Deus Pwyll, senhor de Dyved. Os quatro ramos do Mabinogion relacionam-se a três famílias de deuses, a de Pwyll e sua descendência, representada por Pryderi, a dos filhos de Llyr (Bran, Branwen e Manawyddan) e a dos filhos de Don (Gwydion e Gilvaethwy, que aparecem no quarto ramo). Através dos contos podemos notar as correspondências entre deuses galeses e irlandeses, por exemplo, a deusa irlandesa Dana ou Don galesa, Manannan e Manawyddan, Deus do Mar. É possível perceber o sentido de clã, da união familiar como essenciais à sobrevivência dos celtas e para levar as aventuras ao bom termo. Um exemplo ocorre no terceiro ramo: uma maldição havia sido mandada e com ela animais, habitações, plantas, tudo havia sumido. Ao final do relato a revelação: tratava-se de uma vingança de Llwyd, amigo de Gwawl contra a descendência de Pwyll, pois Gwawl havia sido ultrajado pelo pai de Pridery, Pwyll, o qual lhe batera enquanto estava num saco e tomara dele Rhiannon.
Os onze contos podem ser agrupados em três grupos: o primeiro, com narrativas relacionadas a Pryderi (os quatro ramos do Mabinogi), um segundo contendo quatro contos independentes (O sonho de Maxen, Llud e Levelys, Culhwch e Olwen e O Sonho de Rhonabwy) e o terceiro composto por três romances arturianos, influenciados pela temática de Chrétien de Troyes. Os romances são A Dama da Fonte, Peredur, o filho de Evrawc e Gereint, filho de Erbin e correspondem respectivamente a Ivain ou o Cavaleiro do Leão, Perceval, ou o Conto do Graal e Erec e Enide. Por muito tempo, considerou-se que eram adaptações galesas dos romances em verso de Chrétien, mas atualmente a conclusão é que esses dois tipos de narrativa provenham de uma fonte comum.
Nos contos dos quatro primeiros ramos do Mabinogi percebe-se vários elementos interessantes do fundo céltico, tais como a ida de um mortal ao Outro Mundo. Este troca de lugar com o deus do Além e depois recebe o título de Pwyll, Príncipe de Annwvyn (o Outro Mundo). No mesmo relato aparece o tema da deusa-égua, por quem Pwyll se apaixona e que depois se torna a mãe de Pryderi. Trata-se da deusa Rhiannon, que na tradição gaulesa é conhecida por Epona. Pwyll é impedido de casar-se com ela por um estranho (Gwawl) que vem à corte lhe pede um dom (presente). Nos contos célticos o dom era exigido ao rei e este não podia negar-se a dá-lo mesmo sem saber do que se tratava, e o forasteiro pede a Pwyll sua noiva, que ele é obrigado a entregar. Através de um estratagema, um ano depois ele consegue retomá-la ao pedir que o outro enchesse de comida um saco que nunca ficava cheio (tema relacionado ao caldeirão da abundância e ao graal) e depois convece o próprio Gwawl a entrar no saco. Neste momento Pwyll começa a bater em Gwawl até ele desistir de Rhiannon, fato que é vingado por Llwyd no terceiro ramo (Manawydan, o Filho de Llyr).
No segundo ramo, um interessante elemento é a menção ao caldeirão do renascimento, que Bran entrega a Matholwch. Nele os homens mortos são jogados e recobram a vida, mas perdem o poder da fala. Branwen, filha de Llyr é maltratada após o casamento e o irmão Bran, senhor de Llundein (Londres) a vinga. Na luta entre irlandeses e bretões apenas cinco mulheres grávidas da Irlanda e sete guerreiros da Bretanha salvam-se.
É importante destacar nesta narrativa a crença céltica na cabeça cortada, que era cultuada desde à época da cultura pré-histórica La Tène. Ao ser atingido com uma flecha envenenada, Bran pede que sua cabeça seja cortada. Ele vive e se alimenta por mais oitenta anos e depois deste período a cabeça é enterrada em Gwynn Vrynn (atual Dover).
No grupo das narrativas independentes, uma das mais interessantes é o conto Culhwch e Olwen, primeiro a apresentar Artur e seus guerreiros. Artur não é o personagem central. O jovem Culhwch deseja casar-se com Olwen, filha do gigante Yspaddaden Penkawr, e recorre ao primo Artur e a seus guerreiros para enfrentar uma série de aventuras, sendo ao final, vitorioso. No relato são citados os principais companheiros de Artur como Bedwyr, Cai e Gwalchmei e que vemos depois referenciados em outras obras arturianas. Este conto influenciou a Historia Brittonum, de Nennius (século VIII), na qual aparece a caça ao javali Twrch Trwyth, que faz parte da história de Culhwch, demonstrando assim a Antigüidade desta última.
É recorrente nas lendas célticas a relação entre o herói e o Outro Mundo, representado pelos deuses ou forças sobrenaturais. O herói, como Culhwch, deve passar por provas para demonstrar que merece o conhecimento ou a soberania, na história, representada por Olwen.
Uma outra menção a Artur é o conto O Sonho de Ronabwy (escrito por volta do século XIII) no qual um homem sonha com um cavaleiro que teria semeado a discórdia entre Artur e seu sobrinho e por isso seria o responsável pela batalha de Camlan, na qual Artur matou Medrawd. Neste relato percebe-se claramente uma influência anglo-normanda.
A importância do Mabinogion é grande para o conhecimento de crenças celtas como o Outro Mundo, o caldeirão da abundância e o do renascimento, a relevância dada à cabeça, que mesmo cortada do corpo pode viver por muito tempo e a mulher como elemento capaz de fazer o homem atingir a soberania.
A tradução de José Morais é boa e traz notas explicativas além de acrescentar um último poema, Taliesin (composto no século XVI) à narrativa, conforme consta na tradução de Lady Charlotte Guest. Uma versão ainda mais interessante do Mabinogion e que pode ser cotejada com esta, acessível aos leitores latino-americanos é a de Victoria Cirlot em espanhol (Ediciones Siruela, 1988), pois a autora demonstra maior contato com os estudos célticos e aponta para uma bibliografia que contribui para a continuidade da investigação da obra.
Adriana Zierer – Doutoranda em História/ UFF. E-mail: medieval@domain.com.br
MORAIS, José Domingos (tradução e introdução). Mabinogion. Lisboa: Assírio e Alvim, 2000. Resenha de: ZIERER, Adriana. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.1, n.1, p. 77-79, 2001. Acessar publicação original [DR]