Histórias e culturas Afro-Brasileiras e Indígenas – 10 anos da lei 11.645 / 08 / Revista Transversos / 2018

Africanos/as, afro-brasileiros/as, indígenas: compartilhando saberes e experiências para o ensino

A Revista Transversos em sua 13a edição apresenta o encontro de distintos universos e identidades culturais. Uma reunião transversal de africanos, afro-brasileiros e indígenas. São sensibilidades singulares nas formas de fazer e sentir a história. Esse número também entrecruza duas linhas de pesquisa do Laboratório de Estudo das Diferenças e Desigualdades Sociais (LEDDES): Áfricas e suas diásporas e Escritas Contemporâneas da História. Numa parceria que problematiza os horizontes do campo Ensino de História e instiga / provoca pesquisas nas áreas dos estudos de histórias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas.

História e Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena é o caput da Lei n.11.645 / 08. Por meio dela tornou-se obrigatório nos currículos da Educação Básica o ensino sobre os costumes, hábitos e vivências de homens, mulheres e crianças africanas, afro-brasileiras e indígenas que por tempos foram silenciadas, subalternizadas ou marginalizadas em algumas páginas da história.

Nesse sentido, a 13a edição da Transversos ilumina os 10 anos de lutas, resistências, saberes e sensibilidades de histórias e protagonismos que caracterizam a transversalidade dessas identidades. O emaranhado da palha que ilustra a capa desta edição torna-se uma representação dessa experiência. Ela que entrecruza os três mundos: africano, afro-brasileiro e indígena, traz especificidades, mas entrelaça e faz dialogar aprendizados.

No que se refere à aplicação da referida lei nas escolas, sejam públicas ou privadas – é bem verdade que mais nessas últimas – ainda existe uma enorme resistência ou desconhecimento do significado desse tipo de legislação para a sociedade na qual ela se insere.

Tal resistência bebe de duas fontes principais. Em primeiro lugar, o caráter predominantemente eurocêntrico dos cursos de formação de professores para o ensino básico. É, ainda, relativamente pequena a proposição de obras cuja autoria, por exemplo, seja de intelectuais africanos na bibliografia apresentada em cursos de graduação de história. Paralelamente a essa constatação, existem poucos profissionais capacitados para desenvolver didaticamente, de forma propositiva e não caricatural e exótica, os conteúdos propostos pela legislação para os ensinos fundamental e médio.

Porém, iluminada a questão, é significativo que diferentes pesquisas – tanto na área da Educação quanto no campo do ensino da história – estejam apontando esse gargalo. Percebe-se uma gama de trabalhos que têm como prioridade a reflexão de que esse tipo de legislação aplicada à realidade da educação brasileira não pode ser tratadaapenas como atendimento a uma demanda do movimento negro. Seu resultado prático – ou melhor, seu retorno social – não deve ser unicamente o de servir como um mecanismo de combate à intolerância etnicorracial em nosso ambiente escolar.

A promulgação da Lei 11.645, em 2008, tornou obrigatório o ensino de história e culturas indígenas na Educação Básica brasileira, quando modificou parágrafos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996. Assim como a lei 10.639, de 2003, que se referia à inclusão da história e culturas afro-brasileiras e africanas no ensino de crianças, adolescentes e jovens, a 11.645 colocou novos desafios à formação de professores no Ensino Superior.

Nos últimos anos, assistiu-se ao surgimento de diversas disciplinas acadêmicas tais como História da África e História Indígena, dentre outras. Contudo, as dificuldades em se encontrar material que sintetize as pluralidades e as trajetórias histórica de etnias e culturas indígenas, além de africanas e afro-brasileiras, seja no passado e / ou no presente, ainda são grandes.

O caráter formativo que vem implícito na proposição da lei requer a consciência de professores, em especial os de história, e demais agentes públicos da educação de que em uma sociedade multiétnica e culturalmente diversa como a brasileira, não se pode privilegiar leituras que se baseiem simplesmente no conceito da assimilação das diferenças das “minorias” por uma maioria étnico-racial (Hall, 2003), muito menos implementar um currículo real no qual as manifestações culturais de grupos não-hegemônicos sejam apresentados de forma exótica ou caricatural. Essas práticas são reflexos de uma cultura racista e escamoteiam o caráter preconceituoso constituidor mesmo da sociedade brasileira.

O que a proposta deste dossiê dispõe e que aqui veremos explicitado de diferentes formas e com matizes teóricas variadas é que a verdadeira disputa após dez anos de implantação da Lei 11.645 / 08, em um momento política e juridicamente controverso no Brasil, é como relacionar, liberdades individuais e reconhecimento das diferenças sem hierarquizá-las ou priorizar qualquer uma delas. É uma questão que vai além do campo do ensino de história, como os artigos do presente dossiê vão demonstrar.

Nesses 10 anos, a Lei 11.645 / 08 tem motivado novos direcionamentos em relação ao ensino de Histórias e Culturas Africanas, Afro-brasileiras e Indígenas. Ela tem feito emergir novas questões a respeito dessas identidades. Qual África ou quais Áfricas estudar? Como se inventa a noção de uma Afro-brasilidade? Índio, indígenas ou indigenismos? Como compreender a pluralidade das culturas indígenas no Brasil e sua relação com as Américas?

As questões acima têm contribuído para combater os essencialismos que por tempo criou-se em relação a “povos indígenas” e à “África” num enquadramento homogêneo e cristalizado. A Lei 11.645 / 08 tem lançado professores e professoras no desafio de mergulhar na heterogeneidade e nos hibridismos que as identidades em questão são merecedoras. Não cabe mais entender os indígenas como um único povo e a África como um continente. Essas culturas e identidades são múltiplas e estão em constante transformação.

O dossiê, pois, consiste em um esforço de síntese que possa auxiliar professores em formação, além do trabalho em sala de aula, na Educação Básica ou no Ensino Superior. Espera-se que as informações aqui apresentadas sirvam para reflexões e discussões sobre grupos humanos que desde a chegada dos europeus ao continente americano, a partir do final do século XV, tiveram suas vidas profundamente impactadas pelo contato / encontro / desencontro / confronto.

Abrimos com o artigo O ensino de história e cultura indígena e afro-brasileira: mudanças e desafios de uma década de obrigatoriedade de autoria de Renata Figueiredo Moraes e Sabrina Machado Campos. Nele, discute-se os desafios da implementação das leis n.º 10639 / 03 e 11645 / 08 e de que forma suas temáticas foram, ou não, contempladas nos currículos escolares e materiais didáticos da educação básica.

Não obstante as dificuldades da promulgação da lei e da promoção do ensino de história e culturas indígenas e afro-brasileiras no nosso sistema educacional, Jonathan Busolli e Luís Fernando da Silva Laroque nos apresentam o texto A lei 11.645 / 2008 e os indígenas nos livros didáticos de história do ensino médio. Os autores discorremde que forma a questão indígena é abordada nos livros didáticos de História, que compõem a grade curricular do ensino médio e colocados à disposição pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD / 2013).

Já Joana Bahia e Farlen Nogueira – Tem angola na umbanda? Os usos da África pela umbanda omolocô – analisam a contenda entre distintos grupos que defendiam a umbanda omolocô. A disputa era entre os que defendiam uma umbanda de cariz mais espírita, e com isso, mais sincrética; e os que eram ciosos em valorizar os elementos do candomblé, numa expectativa de construir uma identidade africana para a religião.

Abordar como como as autoridades coloniais portuguesas, sob a égide de uma ação “civilizadora”, enfrentaram as chamadas doenças tropicais de suas possessões é o objetivo de O combate à doença do sono nas colônias portuguesas na África: medicina sob o signo do racismo e do darwinismo social (1901-1932)de Ewerton Luiz Figueiredo Moura da Silva. Para o autor, as estratégias usadas tinham uma dupla função: controlar as doenças e, principalmente, pugnar os saberes e práticas de cura das sociedades africanas.

Homo Academicus: as africanidades e afrodescendências nos cursos de história da UFPI e UESPI,de Lucas Rafael Santos Costa e Pedro Pio Fontineles, Filho percorre de que maneira essas instituições, que são os principais centros de pesquisa e ensino no estado do Piauí, lançaram mão da História e da Cultura afro-brasileiras para fomentarem a formação de professores de História, objetivando a valorização da diversidade étnico-racial.

O artigo de Pedro Henrique Rodrigues Torres, Por um “quase” herói da pátria (?): o almirante negro e a revolta da chibata em questão, reverbera a figura de João Candido, o Almirante Negro. O autor contempla a cidade do Rio de Janeiro e a Marinha brasileira, analisando os diferentes momentos da Revolta da Chibata e as disputas e debates atuais sobre a memória de João Candido.

Encerrando o dossiê, temos o artigo Metendo o negro na história: a participação do (africano), na formação do „brasileiro‟, na visão de Sílvio Romero, escrito por Cícero João da Costa Filho. A partir de teorias circulantes no século XIX, como o positivismo e evolucionismo, o autor demonstra como o polemista Silvio Romero tentou inferir uma dinâmica cultural que evidenciasse de que maneira os africanos contribuíram na formação nacional brasileira.

Ainda dentro da nossa proposta temática, Vinícius de Castro Lima Vieira e Fernanda Miranda de Carvalho Torres trazem a instigante entrevista Da estrada à universidade: uma conversa com Michael Baré, o primeiro aluno cotista indígena da UERJ.

Uma análise das narrativas dos anônimos cujas vidas colidiram com os interesses de uma cidade que se preparava para grandes eventos esportivos é o que traz o artigo Impertinentes corpos pretos na “Cidade Olímpica”, deJosé Rodrigues de Alvarenga Filho, na seção Experimentações desta edição.

Na seção Artigos Livres, André Dioney Fonseca em “Tempos de inquietação”: o contexto de 1968 nas páginas da revista a Seara da Igreja Assembleia de Deus cotejaos posicionamentos da revista A Seara, editada pela Assembleia de Deus, a respeito dos acontecimentos de 1968. O texto perscruta o alinhamento editorial da publicação à Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento do regime militar brasileiro.

Leis por si só não bastam para modificar a realidade, mas representam importantes avanços, especialmente em uma sociedade racista como a brasileira. Nesse sentido, este dossiê, ao comemorar uma década de existência desta legislação, busca auxiliar a compreensão das pluralidades e diversidades étnicas e culturais do continente americano. No espelho de Heródoto, afinal, nossos reflexos revelam, também, corpos e mentes indígenas e africanos. Esperamos que leitura das próximas páginas estimulem reflexões, práticas, saberes e despertem sensibilidades.

Referências

HALL, Stuart. Pensando a Diáspora (Reflexões Sobre a Terra no Exterior). In: Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Liv Sovik (org); Trad. Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da Unesco no Brasil, 2003

Giovani José da Silva

Gustavo Sousa

Rogério Guimarães

Sonia Wanderley

Os editores


SILVA, Giovani José da; SOUSA, Gustavo; GUIMARÃES, Rogério; WANDERLEY, Sonia. Apresentação. Revista Transversos, Rio de Janeiro, n.13, mai. / ago., 2018. Acessar publicação original [DR]

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As NTICS e a escrita da história no tempo presente / Revista Transversos / 2017

No início deste século, refletindo acerca das mutações pelas quais passava o mundo da escrita, Roger Chartier afirmou que a “resistência” e o “estranhamento” do historiador à utilização ou a interveniência das novas tecnologias da informação e da comunicação (NTICs) no seu fazer pareciam-lhe “lamentações nostálgicas”. Por outro lado, completava, outros olham para esse novo espaço de interação e produção textual com “entusiasmos ingênuos”.

Passada quase uma década dessas palavras, o que mudou na discussão sobre essa questão no Brasil e no mundo? Com certeza, muitos escritos já se somaram às ideias apresentadas pelo historiador francês na 10ª. Bienal Internacional do Livro. Mas, basta uma rápida visita aos trabalhos produzidos no país e verifica-se que a maioria discute formas de utilização das NTICs, relatam experiências, principalmente em sala de aula, mas, poucos se arriscam a romper o limiar de pensar a utilização dessas tecnologias por um viés funcional e auxiliar à escrita da história no tempo presente.

A proposta do presente dossiê pela linha de pesquisa Escritas Contemporâneas de História, do Laboratório de Estudos das Diferenças e Desigualdades – LEDDES / UERJ, pretende dialogar com aqueles profissionais – acadêmicos ou não – que ousam romper o “estranhamento” dessa fronteira e compreender, sem o objetivo de profetizar, lembrando mais uma vez Chartier, que a história se escreve no e para o presente, refletindo seus problemas e incorporando as tecnologias e as ferramentas existentes para essa escrita. Compreendendo, acima de tudo, “os significados e os efeitos das rupturas que implicam os usos” das NTICs nas escritas da história nos dias de hoje, seja a escolar, a pública, ou a historiográfica.

Convidamos historiadores e demais profissionais que pensam a escrita da história ou a produção de narrativas, fundamentais para a materialidade do conhecimento histórico, a enviarem suas reflexões acerca do tema. Rompendo com a perspectiva apresentada acima, temos certeza que os trabalhos que passamos a apresentar (re)significaram a demarcação estabelecida há quase vinte anos para esta discussão e buscaram interpretar fronteira como um lugar de encontro e não apenas de limites.

O artigo que abre o dossiê é de autoria do jovem historiador digital Ricardo Pimenta. Sua reflexão problematiza os desafios do historiador contemporâneo mergulhado em uma época na qual o processo de produção do conhecimento, mesmo que de maneira transversal, está sendo intermediado pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Além de ter que ampliar sua capacidade transdisciplinar, um limite antigo do profissional da área que se complexifica neste novo século, a pesquisa científica e sua divulgação são certamente atravessadas pela consciência de que para “a massa de ‘visualizadores de informação’, saber sobre um assunto, sobre um fato histórico, ou sobre qualquer informação ordinária, resume-se em consultar os motores de busca dispostos na internet”.

Pimenta nos lembra que a cultura digital, característica do presente e na qual estamos todos mais ou menos mergulhados, para além de nos exigir o desenvolvimento de novas competências, modifica estruturalmente pressupostos conceituais com os quais trabalhamos. Será que os regimes de historicidade serão sobrepostos por um ”regime de informação”?

Uma cultura marcada pela atuação e expressão de uma techné marcadamente multimodal e pela práxis da convergência dos registros / escritas / produções existentes no espaço eletrônico onde a relação com a representação do passado, enquanto prática informacional, é plenamente “atravessada” pelos suportes e plataformas mediadoras da informação, convidando-nos a refletir sobre nós mesmos e nossa relação com o tempo e espaço na era digital.

Outra porta abre-se acerca da influência da cultura digital na produção de sentido para informação / conhecimento histórico nos dias de hoje com o artigo O portal Metapedia: revisionismo histórico e negacionismo no tempo presente. Neste trabalho, Diego Leonardo Santana e Dilton Maynard analisam a criação de uma enciclopédia digital – o portal Metapidia – por grupos de extrema direita negacionistas. O portal, segundo os autores, apresenta conceitos e biografias, construídos a partir do revisionismo negacionista, oferecendo versões diferentes para os acontecimentos e conceitos históricos, sobretudos aqueles ligados à Segunda Guerra Mundial.

A análise de verbetes do Metapidia permitiu a Santana e Maynard problematizar um tipo de reescrita da história sendo desenvolvida na e pela rede mundial de computadores e o fato da internet servir de suporte na produção / divulgação pedagógica de posicionamentos intolerantes: “No Metapedia a história tem papel importante, ela colabora sensivelmente para legitimar uma visão fascista de mundo. Se tudo é uma farsa criada pelos adversários, cabe revisar a história e demonstrar o verdadeiro significado das coisas”.

O caráter pedagógico do espaço digital também é explorado por Raone Ferreira de Souza. Mas, seu artigo O podcast no ensino de história e as demandas do tempo presente: que possibilidades? discute a potencialidade das NTICs para o ensino de história escolar. O autor entrelaça História Pública e o campo do Ensino de História para, partindo de questões candentes no tempo presente, pensar a constituição do saber histórico escolar a partir do desenvolvimento de uma oficina de podcast.

Dialogando com a História Digital, Souza afirma que a hipertextualidade, característica das redes digitais, alterou os modos de produção historiográfica. O professor deve estar atento, portanto, às narrativas históricas produzidas a partir desta influência e, mais do que tolerar a sua presença na cultura escolar, utilizar-se delas como ferramenta para a história escolar fazer sentido para os aprendizes. O projeto “Histórias na podosfera”, oficina desenvolvida para que professores de história pudessem utilizar a mídia Podcast como meio de produção de narrativas históricas no espaço escolar, foi a fonte fundamental da reflexão de Souza.

Nosso dossiê também flana pelas vias mais públicas da história sob a guia de Daniel Carvalho Pereira, que nos oferece uma leitura saborosa da historiografia alemã recente para pensar interfaces possíveis entre Ensino de História e como diz no título de seu artigo a Didática da História Pública. Pereira, em diálogo com autores como Jeisman, Bergman e Rüsen nos fala da importância de concebermos uma literacia da História mais alargada, que dê conta de outras (novas) formas de estar no mundo, o que, para o autor, necessariamente, deve ultrapassar as paredes da sala de aula.

Argumentando em favor de uma postura autoreflexiva da didática, ou da Geschichtsdidaktik, que no alemão refere-se especificamente à Didática da História reconectada à Teoria, Pereira poderia parecer sugerir um retorno à teoria que nos encerraria mais uma vez entre os muros da Torre de Marfim da Academia, entretanto, costura caminhos mais híbridos, ou porosos, por assim dizer, ao amarrar a teoria a uma visão fundamental de consciência histórica que se engaja inexoravelmente com uma agência do público inconcebível se permanecemos entre os muros da escola e / ou da universidade. Assim, seguindo as indicações de Pereira, a História Pública parece ser a chave mestra para abrir as portas da sala de aula a práticas que nos permitam reelaborar a Geschichtsdidaktik numa roupagem de Didática da História Pública, e as tecnologias digitais, também aí, parecem ser grandes aliadas.

Com um objeto bastante distinto dos demais artigos vistos até aqui, Igor Lemos Moreira dá o play para outra faixa do dossiê – onde a música pop e ícones efêmeros desse universo particular se encontram com conceitos historiográficos do porte de espaços de experiências e horizonte de expectativas, de Kosseleck. Noutro registro, porém, daquele de Pereira, aqui a historiografia alemã dá “pano para manga” na discussão de outro espaço de importância nesse dossiê que não é a sala de aula, mas o vasto mundo da World Wide Web, neste caso como arena para disputas narrativas no Tempo Presente. Ao analisar um artigo em um portal da web como fonte histórica para se pensar regimes de historicidade e modelos biográficos, Moreira nos alerta para a importância de, na Era Digital, repensarmos o estatuto das fontes históricas e nos lançarmos na, de certa forma, melindrosa, atividade de fazer a crítica histórica de um “documento” completamente novo (born digital) que, pelo seu inerente contexto (a Web) tem dinâmicas bastante distintas das fontes que costumamos encontrar bem guardadas em arquivos.

Se a discussão da influência da tecnologia digital nas mudanças do regime de historicidade contemporâneo parece ser um eixo recorrente, mesmo que indiretamente, na análise de parte dos artigos desta coletânea, a pesquisa que fecha o dossiê aprofunda tal discussão com aportes da ciência da Comunicação.

O trabalho de Marialva Carlos Barbosa – Comunicação: uma história do tempo passando – se debruça sobre quatro décadas de pesquisas de pós-graduação desta área do conhecimento e conclui sobre a especificidade presentista destes estudos. Para a autora, o esfacelamento da articulação entre passado, presente e futuro que caracteriza os nossos dias é também uma consequência da forma como a mídia, seja a tradicional ou a informacional, realiza sua construção temporal.

Interessante pensar como em um tempo marcado pela hegemonia da pauta midiática, onde os meios de comunicação e suas narrativas exercem papel estratégico e se apregoam como produtores de uma história imediata, a escrita da História pode ser influenciada. Afinal, como diz Barbosa: “A temporalização do presente contida nas premissas do olhar comunicacional caracteriza-se pelo agora mesmo, isto é, percebe a ação humana, sobretudo, num tempo presente que passa durando”.

Fazem parte também da temática proposta para o presente dossiê a entrevista com a professora e pesquisadora em Ensino de História Marcella Albaine e a resenha de seu editado livro Ensino de História e Games: dimensões práticas em sala de aula realizados respectivamente pelas responsáveis por esse número da TransVersos, Anita Lucchessi e Sonia Wanderley. Nada como valorizar o trabalho de uma jovem profissional que leva a sério a proposta de refletir / trabalhar a partir do diálogo entre saberes e narrativas de diferentes origens, incluindo aí aqueles que chegam à cultura escolar por conta da massificação da cultura digital, o saber histórico escolar e a teoria da história.

Por fim, o mesmo frescor corajoso que identificamos nos trabalhos que fazem parte do dossiê temático, encontramos no artigo livre que fecha este número da revista. Guilherme Moerbeck e Luciana Velloso discutem como utilizar o conceito de cidade, em suas múltiplas possibilidades – temporais, espaciais, territoriais, simbólicas, de pertencimento e identitárias – como ferramenta na construção das noções de cidadania e de urbano para alunos do Ensino Fundamental de uma escola da região metropolitana do Rio de Janeiro, o município de Duque de Caxias.

Inquietos didaticamente, os professores visitam recentes discussões teóricas do campo historiográfico e de outras ciências sociais para planejarem uma aula como um texto autoral que reflita as especificidades do saber histórico escolar e produza sentido para o cotidiano de seus alunos, sujeitos que, como lembram, vivem em uma cidade que está dividida e divide.

Anita Lucchesi

Sonia Wanderley


LUCCHESI, Anita; WANDERLEY. Sonia. Apresentação. Revista Transversos, Rio de Janeiro, n.11, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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História Pública: escritas contemporâneas de História / Revista Transversos / 2016

Com muito prazer, entregamos aos nossos leitores mais uma edição da revista de história TransVersos. Desta feita, além dos costumeiros artigos livres, apresentando um variado escopo de trabalhos pertinentes às linhas de pesquisa do LEDDES, propusemos um dossiê que repercutisse a prática e o valor social do ofício d@ historiad@r a partir do debate da complexa noção de história pública, cada vez mais presente entre historiadores e diferenciados movimentos e setores sociais no Brasil.

Nada mais atual, e ao mesmo tempo tradicional, do que a reflexão acerca do significado social da história. Por isso mesmo, as atuais discussões sobre a concepção de história pública no país têm necessariamente soprado ventos revigorantes mesmo entre aqueles que discordam da aplicação da expressão ao campo da história. Desde o evento precursor “Curso de Introdução à História Pública”, desenvolvido em 2011, na Universidade de São Paulo, o conceito e suas diversas aplicações reverberam pelo país, tanto no cenário acadêmico, convocando profissionais da área ao debate, quanto em outros campos e práticas que têm entre seus fazeres a produção de significado para o passado entre audiências não acadêmicas. Leia Mais