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O pensar complexo na educação: sustentabilidade, transdisciplinaridade e criatividade – MORAES; SUANNO (EPEC)
MORAES, Maria Cândida; SUANNO, João Henrique (Org.). O pensar complexo na educação: sustentabilidade, transdisciplinaridade e criatividade. Rio de Janeiro: Wak, 2014. Resenha de: BASSALOBRE, Janete Netto. A COMPLEXIDADE APLICADA À EDUCAÇÃO. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.17, n. 3, p. 795-800, set./dez., 2015.
Vivenciamos hoje o paradoxo de, ao mesmo tempo em que nos utilizamos de extraordinários avanços tecnológicos, ressentimo-nos de caminhar aleatoriamente, sem um norte ético. Vivemos em uma sociedade cada vez mais globalizada, submetida à política neoliberal geradora de graves processos de exclusão: são muito mais atendidos os interesses de mercado do que os dos seres humanos. Os ideais de igualdade social transmutaram-se em competição e massificação e a liberdade que a modernidade conhece é a liberdade de todos pensarem da mesma forma, ignorando-se o núcleo central da questão que é, na verdade, o exercício do direito à desigualdade.
Dentro desse contexto, algumas reflexões no campo da educação tendem a buscar visibilidade para novas práticas educacionais: as que intentem o fortalecimento de um ser humano conectado com a humanidade e o planeta, cada vez mais pretendente ao direito de ser e de se expressar através de seus potenciais e suas diferenças e que, igualmente, possam contemplar na ação educativa o respeito e a valorização dessa diversidade.
E nesse sentido, a obra resenhada, organizada por Maria Cândida Moraes e João Henrique Suanno (respectivamente, coordenadora e pesquisador do Grupo de Pesquisa Ecologia dos Saberes e Transdisciplinaridade), vem exatamente ao encontro desses objetivos quando analisa um princípio epistemológico que contribui para uma metodologia que auxilia a renovação de práticas pedagógicas que privilegiem a multidimensionalidade humana e o indivíduo como autor e protagonista do seu próprio processo de construção do conhecimento – a complexidade.
No primeiro capítulo – “Educação e sustentabilidade: um olhar complexo e transdisciplinar”, Maria Cândida Moraes1 inicia os trabalhos abordando o atual cenário socioeducacional, sinalizando alguns dos problemas mais emergentes, tais como a globalização e a degradação ecossistêmica e ambiental, o que nos transformou em um modelo de sociedade em crise que vem gerando novas demandas sociais, econômicas, culturais e educacionais, uma vez que essas últimas caminham paralelas aos problemas globais. Todo esse panorama, somado às problemáticas relacionadas ao “estresse docente e ao sofrimento discente” (p. 24), revela uma cultura que compromete as relações dos indivíduos com o mundo que os cerca; exclui a subjetividade no processo de aprendizagem, ignorando as demandas pessoais de cada aluno e fragmenta o homem ao negar suas emoções e outros aspectos constitutivos, forjando uma razão deturpada que apenas disseca e classifica ao invés de integrar.
Daí, então, educar na sustentabilidade, transdisciplinarmente, oferecendo um potencial enorme de possibilidades para o desenvolvimento humano, zelando pela reunificação das dimensões emocionais intuitivas e espirituais dos indivíduos dentro de um enfoque pluralista do conhecimento que, por sua vez, através da articulação entre as muitas formas de apreensão do mundo, pretende unir as mais variadas disciplinas para que se torne possível um exercício mais amplo da cognição humana.
Em “Educación, transdisciplinaridad y pensamiento ecosistémico: uma aproximación a la prática” Juan Miguel Batalloso2 leva-nos a uma exposição detalhada do seu entendimento acerca do conceito de transdisciplinaridade, postulando- o não como uma nova ciência, mas sim como uma nova forma de abordar a realidade, a existência humana e a educação – uma atitude perante a vida, ou seja, uma forma de desenvolvimento integral pessoal interno, comprometida com valores de vida e responsabilidade social e política. O autor realiza uma consistente análise das implicações práticas desses conceitos em diferentes âmbitos educacionais, o que faz mediante muitos questionamentos que reconhecem a transdisciplinaridade como um posicionamento diante da construção do conhecimento vinculado à integração com os mistérios do universo e da existência humana.
Marilza Suanno3, no terceiro capítulo “Em busca da compreensão do conceito de transdisciplinaridade” apresenta-nos resultados parciais de sua pesquisa relacionada com as inovações na educação superior, sob a ótica da complexidade, junto a 25 professores universitários de pós-graduação provenientes de vários países, cujos trabalhos baseiam-se na epistemologia da transdisciplinaridade.
Caminhando por entre as explicitações dos conceitos de disciplinaridade, pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, a autora realiza suas reflexões a partir de documentos-síntese, formulados em importantes eventos científicos internacionais, e comenta suas principais contribuições para a construção dos conceitos fundamentados no paradigma emergente, concluindo que os entrevistados mostraram desejos de ruptura com a fragmentação cognitiva em favor da perspectiva complexa que visa, principalmente à articulação do conhecimento em uma visão multidimensional e multireferencial.
A seguir, o artigo de Izabel Petraglia4 “Entre o esgarçamento e a tessitura” ressalta a indispensabilidade tanto de uma educação com consciência, voltada para a vida em sociedade, quanto de uma prática docente universitária criativa como condição de substituir o modelo quantitativo e pradonizado. Conclui argumentando sobre a urgência de uma reforma no pensamento que vise uma mudança comportamental que dirija a educação no sentido de se edificar sobre a cultura humanística, que retém em seu bojo os ideais de complexidade e atitudes conscientes perante o universo, a natureza e a existência individual e coletiva.
O capítulo seguinte, por Cleide Silvério de Almeida5, tem como título a sugestiva questão “É possível exercer uma prática educativa baseada no pensamento complexo?”. A partir dessa pergunta e alicerçada nas postulações de Edgar Morin sobre a complexidade, a autora parte em uma viagem a partir de análises e reflexões para as diversas situações enfrentadas pelos muitos operadores da educação, enfatizando que o pensamento complexo não se configura como um produto finalizado e sim como uma possibilidade em constante movimento. Em sua totalidade, o texto, rítmico e objetivo, é um convite para o trabalho educacional a ser efetuado sob novas perspectivas, abarcando diferentes áreas do conhecimento e suas subjetividades (e não só através de “fórmulas já estabelecidas que se apresentam como um porto seguro” – p. 144), e ressalta o objetivo de “enriquecer” (p. 145) a educação e tentar fazer da escola e do saber que ela traz uma parte importante da existência dos indivíduos.
Olzeni Ribeiro6 e Maria Cândida Moraes, em “Criatividade sob a perspectiva da complexidade e da transdisciplinaridade”, procuram definir o conceito de criatividade, questionando os postulados de diferentes autores que trabalham com o tema e assertivando que outro referencial faz-se necessário para o estudo dessa temática. Buscam no pensamento complexo de Edgar Morin as bases para avançar no mencionado campo, através desse novo olhar que se fundamenta em outro paradigma que não o positivismo. A partir dessa conscientização, as autoras, por intermédio de considerações e análises a respeito, refletem sobre os equívocos conceituais no campo da investigação da criatividade (como, por exemplo, confundir objetivos com a própria conceitualização do tema), afirmando a ideia de que a investigação da criatividade baseada nesse paradigma emergente não pode ser realizada fora do contexto transdisciplinar.
Por sua vez, João Henrique Suanno oferece-nos o artigo intitulado “Ecoformação, transdisciplinaridade e criatividade: a escola e a formação do cidadão do século XXI”, onde trata de uma questão de extrema importância: o papel da escola na formação de indivíduos que possam vir a forjar novas formas de enfrentamento da realidade circundante e estar completamente cientes de suas responsabilidades perante eles próprios, a coletividade e o mundo em que habitam. Como instituição social, a escola tem a responsabilidade de promover a transformação e o crescimento da comunidade em que se insere. O autor enfatiza, inclusive, o fato de que essa tarefa, ou seja, a de formar cidadãos aptos a lidar com as demandas do seu momento, não é nova: períodos anteriores também assim o exigiram; entretanto, a novidade centra-se na consciência e na responsabilidade exigidas hoje para com o planeta em que vivemos, explorado e exaurido em seus recursos.
Para o autor, a consciência ecoformadora, transdisciplinar e criativa deve ser o suporte para a concretização de ações no rumo do resgate do humano e da cidadania planetária, a partir de uma educação e de práticas educacionais ressignificadas que possam garantir melhores espaços e condições para as gerações futuras.
Em sequência, Maria Dolores Alves7, no artigo “Psicopedagogia e transdisciplinaridade: a sabedoria da diversidade” trata da articulação entre a transdisciplinaridade e a psicopedagogia, demonstrando como a segunda, sob o olhar abrangente da primeira, pode contribuir para a libertação do pensamento e viabilizar os processos inclusivos e os encontros com a diversidade, trazendo existência e poder de expressão para cada ser humano em sua singularidade. A psicopedagogia integrada à transdisciplinaridade, segundo a autora, possibilita a edificação de um mundo onde toda a diversidade terá seu lugar, em um caminho para a “humanização do humano” (p. 191).
Em “El aprendizaje mediante el teatro: uma mirada compleja y transdisciplinar”, Montse González8 analisa os aspectos criativos e formativos da arte teatral sob o manto da complexidade e da transdisciplinaridade. Buscando rever os cenários educativos formativos, realiza uma leitura do teatro como local de aprendizagem, rico em estímulos para o conhecimento das alteridades e amplia nossa visão de mundo. Citando Jacques Delors (2014, p. 198, tradução nossa), a autora pensa que podemos conceber o teatro como um espaço “… para propagar os quatro pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser”.9 Em seguida, Álvaro Schmidt Neto10, em “A metáfora na perspectiva da didática transdisciplinar” enfoca a temática da metáfora e sua importância na didática transdisciplinar, para isso utilizando o conto infantil anônimo “A lição do papagaio”. Baseado na transdisciplinaridade e no pensamento complexo, o autor procura evidenciar a necessidade de superação do paradigma positivista.
Encerrando os artigos, temos “Os operadores cognitivos do pensar complexo na docência universitária: possibilidades e desafios”, no qual Michelle Machado11, Patrícia Nascimento12 e Deliene Leite13 nos trazem sua pesquisa com 118 docentes universitários a respeito de como o pensamento complexo, por meio de seus operadores cognitivos, pode colaborar no fazer pedagógico dos professores, auxiliando-os a ressignificar a prática docente. Ressaltam que o uso de ferramentas tecnológicas ajuda a melhor se dar conta das relações antes despercebidas; entretanto, é uma técnica complementar que jamais poderá substituir o olhar e a percepção do pesquisador.
Dessa maneira, a obra resenhada, que evidencia diferentes olhares de diversos autores, apresenta-se como uma importante contribuição no âmbito da educação, tanto quando reflete sobre as urgências de novas perspectivas paradigmáticas como resposta às muitas indagações e inquietudes relativas à eficácia das práticas educacionais atuais, como também quando enfoca a complexidade e a transdisciplinaridade como caminhos producentes na construção de novas ferramentas intelectuais, capaz de contribuir para uma reforma do pensamento que possa promover uma política de educação associada a novas políticas de civilização e humanização.
A escola não deve abandonar sua função primordial de transmissão de conhecimentos; entretanto, esses ensinamentos necessitam abranger mais do que a parte cognitiva. Precisam abarcar o conhecimento da realidade e do contexto dos alunos; compreender e transmitir a cultura existente nessa realidade concreta para que as crianças e os jovens possam adquirir um conhecimento real das suas condições de vida e uma consciência crítica e empenhada na transformação social (= consciência social), dentro de um clima incentivador da criatividade, da dúvida (ingrediente indispensável para o desenvolvimento da capacidade crítica), da autonomia de espírito, da empatia com todos os indivíduos e do amor à natureza e ao planeta.
Notas
1 Professora de Pós-Graduação na UCB/DF e do Master em Educação da Universidade de Barcelona.
2 Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Sevilha.
3 Professora das Universidades Federal e Estadual de Goiás – UFG e UEG.
4 Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Nove de Julho – Uninove e Coordenadora do NIIC – Núcleo Interinstitucional de Investigação da Complexidade.
5 Professora e pesquisadora em Educação e Complexidade junto ao Núcleo Interinstitucional de Investigação da Complexidade e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho – Uninove.
6 Doutoranda em Educação e Especialista em gestão de instituições educacionais pela Universidade Católica de Brasília.
7 Pesquisadora dos Grupos Ecotrans/ UCB/ CNPq; GEPI/PUCSP/CNPq e Adeste, da Universidade de Barcelona.
8 Cofundadora da Companhia Teatral Barakas/Madrid e membro integrante do Grupo de Pesquisa GIAD, da faculdade de Pedagogia e Formação de Professores da Universidade de Barcelona.
9 No original: “… para propagar los cuatro pilares de la educación: aprender a conocer, aprender a hacer, aprender a vivir juntos y aprender a ser”.
10 Educador Corporativo da SPDM/Unifesp e membro do Grupo de Pesquisa Ecotransd/UCB/ CNPq.
|800| Revista Ensaio | Belo Horizonte | v.17 | n. 3 | p. 795-800 | set-dez | 2015 Janete Netto Bassalobre 11 Doutoranda em Educação. É diretora dos cursos de graduação à distância da Universidade Católica de Brasília.
12 Doutoranda em Educação foi professora da Universidade Católica de Brasília.
13 Professora do Curso de Pedagogia e coordenadora de Reconstrução das Práticas Docentes da Universidade de Brasília.
Janete Netto Bassalobre – Mestre em Educação pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Professora, psicóloga clínica pós-graduada em Neuropsicobiologia.
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