El vocabulario de la medicina en el español del siglo XVIII

Hace años se publicó por el Consejo Superior de Investigaciones Científicas una curiosa continuación de las páginas del Quijote, del mundo cervantino; el autor era un niño, el futuro rey Felipe V, quien introdujo una nueva dinastía en el trono de España, acompañada de algunos aires de modernidad. Sin duda el rey Sol se ocupó de que sus nietos tuviesen esmerada educación, en época de personajes de la talla de Fenelon o Bossuet. No es extraño así que el primer Borbón en el trono del imperio español tuviera interés por la lengua castellana, imponiéndola en sus reinos, tal como su dinastía había hecho con el francés en los suyos. Resulta pues comprensible que el siglo XVIII fuera época de rápida uniformidad y castellanización; la lengua empieza a extenderse en múltiples lugares en que antes el latín o las lenguas vernáculas distintas habían tenido importancia. Lugares en los que pronto se extendió fueron las instituciones consagradas a la ciencia, en la que las coronas y alguna nueva burguesía estaban interesadas. Leia Mais

Vocabulário Hans Jonas – OLIVEIRA (RFA)

OLIVEIRA, J. Vocabulário Hans Jonas. Caxias do Sul: EDUCS, 2019. Resenha de: FONSECA, Lilian S. Godoy. Revista de Filosofia Aurora, v.31, n.54, p.979-985, out./dez, 2019.

O Vocabulário Hans Jonas — recentemente publicado pela EDUCS em parceria com o Centro Hans Jonas Brasil, sob a organização de Jelson Oliveira (PUCPR) e Eric Pommier (PUC-Chile), como parte dos eventos comemorativos pelos 40 anos de O Princípio Responsabilidade (1979), obra mais relevante de Jonas — é o resultado de um trabalho realizado a várias mãos, reunindo 31 autores de oito países e 24 diferentes instituições de ensino superior que, embora identificados a diversas vertentes filosóficas, têm em comum o conhecimento e o apreço pela obra jonasiana.

Desde a proposta de organizar o Vocabulário, feita durante a reunião do GT Hans Jonas, realizada no XVII encontro da ANPOF, em Aracaju, até a sua publicação, foram necessários três anos, para elaborar, reunir e traduzir todos os verbetes; o que demonstra o rigoroso processo de preparação e empenho exigidos para oferecer aos leitores essa pequena, mas expressiva, compilação composta por 33 vocábulos retirados do extenso e pluritemático arcabouço teórico de Jonas. Autor que, até pouco mais de uma década, era praticamente desconhecido no meio acadêmico brasileiro e hoje, dada a importância de sua reflexão filosófica para a atualidade, vem, felizmente, conquistando cada vez mais interessados em conhecer e se aprofundar em seu pensamento.

Jonas nasceu em 1903, na cidade alemã de Mönchenglandbach, em uma família judia, razão pela qual sua primeira formação humanística foi marcada pela rigorosa leitura dos profetas hebreus. Ele próprio resumiu sua rica trajetória intelectual, em três diferentes momentos. O primeiro teve início em 1921, ano em que iniciou sua graduação na Universidade de Freiburg, escolhida por lá lecionar o já célebre filósofo Edmund Husserl (1859-1938). Ali, assistiu também às aulas de um jovem e brilhante professor, Martin Heidegger (1889-1976), até então pouco conhecido. Jonas admite que, por muito tempo, Heidegger foi seu mentor intelectual1, tanto que, quando o mestre se transferiu para a Universidade de Marburg, ele o seguiu sem hesitar. Fato importante em seu percurso, pois foi lá que Jonas conheceu o seu segundo mentor: Rudolf Bultmann (1884-1976), quem o despertou para o tema sobre o qual versou sua tese — Gnose e o cristianismo primitivo —, defendida em 1931, sob a orientação de Heidegger. Desse trabalho inicial resultou, em 1934, a sua primeira publicação: o notável Gnosis und spätantiker Geist (Gnose e o espírito antigo tardio), em que apresenta importantes e originais contribuições ao estudo sobre a gnose e que ele considerou como seu primeiro grande passo como filósofo.

O segundo mais relevante momento de sua vida intelectual, cuja inspiração ele atribuiu à sua participação na Segunda Grande Guerra — como soldado das brigadas judias do exército britânico contra Hitler —, foi marcado pela publicação, em 1966, de sua segunda grande obra, o célebre The Phenomenon of Life, Toward a Philosophical Biology (O fenômeno da Vida, Rumo a uma Biologia Filosófica), reunindo artigos nos quais busca estabelecer os parâmetros para uma abordagem fenomenológica da vida, que ele denominou de “uma biologia filosófica”. Inaugurouse, assim, um novo campo de sua reflexão voltado para a precariedade da vida, assinalando o enorme alcance filosófico da abordagem das questões biológicas. Desse modo, Jonas restituiu à vida sua posição de destaque, afastando-se a uma só vez das duas tendências então vigentes e igualmente extremas: o irreal idealismo e o limitado materialismo. Ele ainda advertiu quanto ao perigoso equívoco de se separar o homem da natureza e de imaginá-lo isolado das demais formas de vida. No epílogo dessa obra, Jonas delineia, de forma geral, o seu projeto ao escrever que “com a continuidade entre o espírito2 e o organismo, entre o organismo e a natureza, a ética se torna parte da filosofia da natureza […]. Somente uma ética fundada na amplitude do ser […] pode ter significado na ordem das coisas”3.

Com tal conclusão, Jonas anunciou o terceiro e último momento de seu trajeto intelectual e, logo em seguida, tem início a elaboração de uma ética específica para nossa civilização tecnológica. Assim, sua ética da responsabilidade, reconhecida como sua principal formulação, foi publicada em 1979, em sua língua materna, sob o título: Das Prinzip Verantwortung — Versuch einer Ethic für die technologische Zivilisation (O princípio responsabilidade — um ensaio ético para a civilização tecnológica), traduzida para o inglês em 1984, para o francês em 1990, para o espanhol em 1994 e para o português, apenas em 2006. Algo que, talvez, explique a tardia descoberta pelo público brasileiro dessa obra que, com justiça, o notabilizou mundialmente.

Ademais, é preciso assinalar que Jonas foi um dos primeiros, senão o primeiro a se deter sobre as implicações éticas da técnica moderna e acrescentar que, mesmo antes de publicar O Princípio Responsabilidade, ele já se ocupava de questões identificadas à Bioética. Cabe destacar que, na verdade, seu primeiro artigo dedicado explicitamente a essa área data de 1969 e tem por título “Philosophical Reflections on Experimenting with Human Subjects” (“Reflexões filosóficas sobre experiências com seres humanos”)4. Isso revela que sua preocupação prática antecedeu a necessidade de elaboração teórica concretizada posteriormente, por meio de vários artigos5 que ao longo dos anos 70 prepararam a publicação, ao final dessa mesma década, do Princípio Responsabilidade, no qual expõe sua concepção ética definitiva e cuja aplicação é apresentada em seu Technik, Medizin und Ethik (Técnica, Medicina e Ética), publicado em 1985, reunindo artigos escritos entre 1969 e 1984, cuja tradução para português do Brasil foi realizada pelo GT Hans Jonas e publicada em 2013, pela Editora Paulus.

Como o próprio título sugere e Jonas explicita no prefácio, Technik, Medizin und Ethik tem por objetivo “partir daquilo que é mais próximo a nós, ali onde a técnica tem diretamente por objeto o próprio homem e onde o conhecimento de nós mesmos, a ideia de nosso bem e nosso mal tem uma responsabilidade direta, ou seja: no âmbito da biologia humana e da medicina” (1985, p.19).

Com efeito, Technik, Medizin und Ethik é, sobretudo, destinado à reflexão acerca da biotecnologia e sua relação com o ser humano, tanto no âmbito experimental quanto no da aplicação. Cabe explicitar que dos doze ensaios que o compõem, os cinco primeiros6 podem ser considerados como propedêuticos, enquanto os demais se voltam ao exame “prático”, propriamente dito, das questões que decorrem do fato de o homem ter se convertido em objeto das biotecnologias, como o sujeito de experimentação ou o alvo de sua aplicação.

Feita essa concisa apresentação de uma pequena parte da vasta e diversa produção filosófica de Jonas, cabe frisar que o Vocabulário buscou contemplar relevantes conceitos presentes nos principais momentos de seu pensamento. Dentre os quais, destacamos: o conceito de gnose, cujo verbete foi elaborado por Nathalie Frogneux, professora da Universidade Católica de Louvain (UCLouvain), localizada na região francofone da Bélgica, autora de vários artigos e de um excepcional estudo sobre a obra jonasiana, intitulado Hans Jonas ou la vie dans le monde (Hans Jonas ou a vida no mundo), publicado em 2001, pela De Boeck Université, de Bruxelas. Cabe notar que o termo gnose merece destaque devido a sua importância por, como vimos, inaugurar a produção filosófica de Jonas e pelo fato de, com sua pesquisa, ele ter apresentado contribuições significativas, ainda hoje reconhecidas pelos estudiosos da área.

Outro conceito a ressaltar é o de mortalidade, cujo verbete foi elaborado por Lawrence Vogel, professor do Connecticut College (EUA), laureado com diversos prêmios, autor de vários textos sobre Jonas, em alguns dos quais propõe um diálogo entre o pensamento jonasiano e o de autores como Heidegger, Hannah Arendt, Leo Strauss, Leon Kass e Levinas. Vogel foi editor de um volume em que foram publicados os dois últimos ensaios de Jonas, com o título de Mortality and morality: a search for the good after Aushwitz (Mortalidade e moralidade: uma busca pelo bem depois de Auschwitz), publicado pela Northwestern University Press, em 1996, e também escreveu o prefácio para a reedição do The Phenomenon of Life, publicado pela mesma Northwestern, em 2001. O termo mortalidade atravessa, sob diferentes aspectos, toda a obra de Jonas. Na verdade, foi graças a seu confronto com o tema que teve início sua reflexão sobre a vida, resultando no que denominou de biologia filosófica. A mortalidade é um tema subjacente até à sua reflexão ética, já que é a vulnerabilidade da vida o que exige a responsabilidade. Mas essa é uma questão ainda mais relevante em sua reflexão bioética, sobretudo devido à sua relação com a redefinição de morte e assuntos como a eutanásia e o prolongamento da vida.

Cabe assinalar, a seguir, o conceito de responsabilidade, cujo verbete foi elaborado por Oswaldo Giacoia Junior, professor do Departamento de Filosofia da Unicamp que, embora estudioso de pensadores como Augusto Comte, Friedrich Nietzsche e Arthur Shopenhauer, desde 1989, publicou diversos artigos sobre Jonas e foi tradutor de vários textos do autor para o português, feitos que o colocam como um dos precursores estudiosos e divulgadores da obra jonasiana no Brasil. O termo responsabilidade, com toda certeza, é o que confere destaque a Jonas e a seu pensamento. Sem a menor dúvida, foi a sua ética da responsabilidade que o tornou mundialmente conhecido, até mesmo fora do meio acadêmico, e o que constitui a sua obra como tão atual e necessária ao nosso momento.

Além dos verbetes referentes aos termos citados, o leitor encontrará outros 30, alguns dos quais remetem a temas bem recorrentes ao longo da tradição filosófica, como os de bem, consciência, corpo, Deus, para mencionar apenas alguns dos mais introdutórios. Ainda assim, a leitura oferecerá a abordagem singular que Jonas propõe para cada um dos conceitos que, embora já bem debatidos pela tradição, recebem, no texto jonasiano, uma roupagem própria e, muitas vezes, inusitada; como é o caso, por exemplo, do conceito de liberdade.

Por tudo o que foi dito, o Vocabulário Hans Jonas tem a oferecer, com grande diversidade de estilos, uma modesta, porém, significativa mostra dos temas tratados por esse pensador que viveu e pensou o século XX com intensidade e profundidade, antevendo problemas que o nosso século tem e terá, cada vez mais, de enfrentar.

Por sua atualidade e urgência das temáticas que aborda, Jonas é um autor que precisa ser conhecido para além das fronteiras da Filosofia e dos muros da Academia. Por esse motivo, o Vocabulário Hans Jonas cumpre a necessária missão de divulgar e tornar ainda mais acessível o pensamento jonasiano. É uma obra escrita por muitos especialistas, mas destinada não só a estudantes e professores de Filosofia ou universitários, mas ao público em geral que tem interesse em conhecer um pouco dos temas com os quais se ocupou esse autor, cuja vida e obra tanto marcaram o século passado, mas que tem muito ainda a oferecer a nós que, em pleno século XXI, ainda não assimilamos aquilo que ele, no final da década de 1970, já declarava:

O futuro da humanidade é o primeiro dever do comportamento coletivo humano na idade da civilização técnica, que se tornou ‘todo-poderosa’ no que tange ao seu potencial de destruição. Esse futuro da humanidade inclui, obviamente, o futuro da natureza como sua condição sine qua non . Mas, independentemente desse fato, o futuro da natureza constitui sua responsabilidade metafísica, na medida em que o homem se tornou perigoso não só para si, mas para toda a biosfera (PR. p. 229).

Referências

JONAS, H. Philosophical Essays. Chicago: University of Chicago Press, 1980. 349 p.

JONAS, H. The Phenomenon of Life: Toward a Philosophical Biology. University of Chicago Press: Phoenix Books, 1982. 303 p.

JONAS, H. Le Principe Responsabilité. Paris: Flammarion, 1990. 470 p.

JONAS, H. Técnica, medicina y ética – la práctica del principio de responsabilidad. Barcelona: Paidós, 1997. 206 p.

JONAS, H. Le Phénomène de la Vie – Vers une biologie philosophique. Traduit de l’anglais par Danielle Lories. Bruxelles: De Boeck Université, 2001. 288 p.

JONAS, H. O Princípio Responsabilidade. Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 2006. 354 p.

JONAS, H. Técnica, medicina e ética: sobre a prática do princípio de responsabilidade. Trad. Grupo de Trabalho Hans Jonas da ANPOF. São Paulo: Paulus, 2013. 328 p.

Notas

1 Pois, posteriormente, devido ao envolvimento de Heidegger com o nazismo, Jonas dele se afastou até quase o fim da vida de seu antigo professor.

2 No original o termo é Geistes e na versão francesa esprit . A tradução espanhola segue a tradição anglo-saxã de traduzir tais termos por mind e adota o termo mente .

3 H. Jonas. Das Prinzip Leben. pp. 401 e 403. Versão francesa: Le phénomène de la vie. pp. 281 e 282.

4 Versão original publicada em Dædalus e versões posteriores em periódicos especializados ou coletâneas, por exemplo, Philosophical Essays — From Ancient Creed to Technological Man . Chicago: The University Chicago Press, 1974. Midway Reprint, 1980, pp. 105-131. Republicado também em TME como o ensaio de número 6.

5 Vale mencionar: “The Scientific and Technological Revolutions”, in Philosophy Today , 15, 1971, pp. 79-101”; “Testimony Before Subcommittee on Health, United States Senate: Hearings on Health, Science, and Human Rights”, Nov, 9, 1971, The National Advisory Commission on Health S cie n c e a n S o cie t y R e s olu tio n , (…) (73-191-0), 1972, pp. 119-123.; “Technology and Responsibility: Reflections on the New Tasks of Ethics”, in Social Research , 40, 1973, pp. 31-54; “Responsibility Today: The Ethics of an Endangered Future”, in Social Research , 43, 1976, pp. 77-97; “Freedom of Scientific Inquiry and the Public Interest”, in The Hastings Center Report , 6, 1976, pp. 15-17; “The Right to Die”, in The Hastings Center Report , 8, 1978, pp. 31-36; e, por fim, “Toward a Philosophy of Technology”, in The Hastings Center Report , 9, 1979, pp. 34-43. Alguns desses artigos foram escritos a convite e parte deles republicada em TME.

6 No ensaio 1, Jonas justifica (formal e materialmente) o fato de a filosofia tomar a técnica por objeto. No ensaio 2, ele expõe 5 motivos para justificar o fato de a técnica ter se convertido em objeto (também) da reflexão ética. No ensaio 3, ele faz uma espécie de “balanço axiológico”, refletindo sobre os valores passados e antecipando alguns valores futuros (apesar da crise atual de valores). No ensaio 4, ele propõe uma questão acerca da compatibilidade entre a ciência destituída de valores e a responsabilidade referente à autocensura da pesquisa. No ensaio 5, ele discute a relação entre liberdade da pesquisa e a noção de bem público, além de propor a questão: pode a moral ofuscar a ciência?

Lilian S. Godoy Fonseca – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Diamantina, MG, Brasil. Doutora em Filosofia. E-mail: godoylilian2@gmail.com

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