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O Brasil Republicano – FERREIRA; DELGADO (RBH)
FERREIRA, Jorge Ferreira; DELGADO, Lucilia de Almeida N. (Org.). O Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. v.1, 446p.; v.2, 376p.; v.3, 432p.; v.4, 432p. Resenha de: VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.25, n.50, july/dec. 2005.
É usual na historiografia brasileira e internacional a organização de publicações que agreguem artigos em torno de um tema comum, principalmente quando esse foi objeto de variadas pesquisas acumuladas ao longo dos anos anteriores. Trata-se não só de um processo de reunião de paradigmas compartilhados, em meio à vasta variedade de enfoques, mas, sobretudo, de uma possibilidade de reflexão sobre o que se avançou, até então, nas pesquisas acerca de um mesmo tema. Em geral, tais coletâneas possuem caráter revisionista. Destaca-se, neste âmbito, a consagrada obra organizada por Sérgio Buarque de Holanda e Boris Fausto intitulada História Geral da Civilização Brasileira. Nela foi reunido um conjunto de artigos — de autoria de variados pesquisadores — separados temática e cronologicamente, disponibilizando aos leitores uma síntese das pesquisas mais recentes publicadas sobre a História do Brasil, naquele período. Essa iniciativa pioneira fazia parte de um projeto concebido na Europa, cujo carro-chefe era a História Geral das Civilizações de Maurice Crouzet e René Taton. Muitos daqueles textos do “HGCB” — conforme a coleção ficou conhecida pelo público leitor — tornaram-se referências obrigatórias para pesquisas posteriormente realizadas, e fizeram parte da formação de boa parte dos historiadores hoje em atividade. O mesmo se pode dizer da coletânea Brasil em Perspectiva, organizada por Carlos Guilherme Mota em 1968, e dos 50 Textos de História do Brasil, publicado em 1974, sob a coordenação da Professora Dea Ribeiro Fenelon, para citar apenas dois exemplos mais marcantes. Todas essas iniciativas revelavam o vigor da produção historiográfica brasileira, expondo as mais recentes reflexões da academia nacional sobre os diversos períodos de nossa História.
A década de 1990 deu continuidade à reunião de grandes sínteses, desta vez, mais preocupada em atingir um público mais amplo, o dos professores e estudantes do ensino médio, propiciando-lhes o acesso às revisões historiográficas mais recentes sobre temas clássicos da História do Brasil. Aqui destacamos a iniciativa da Professora Maria Ieda Linhares, responsável pela organização de A História Geral do Brasil, que abarca os períodos colonial, imperial e republicano até o ano de 1984. Francisco Iglesias, prefaciando a obra, já apontava para o seu caráter inovador, afirmando ter sido a primeira iniciativa a incorporar na renovação do ensino de História o que mais avançado se escrevia sobre a História do Brasil.
Com a virada do milênio, duas obras inauguram a sistematização de textos organizados por períodos cronológicos, tendo por base exclusivamente o período republicano. Trata-se de A República no Brasil de Ângela de Castro Gomes, Dulce Pandolfi e Verena Alberti (2002), e a Coleção, objeto desta resenha, O Brasil Republicano, organizada pelo Professor Jorge Ferreira, da Universidade Federal Fluminense, e pela Professora Lucília Neves Delgado, da Universidade Federal de Minas Gerais e, atualmente, da PUC-Minas.
A coleção O Brasil Republicano apresenta um caráter bastante inovador por ser mais plural em relação às anteriormente citadas. Este pluralismo resulta da diversidade de formação e atuação profissional dos quarenta e quatro autores reunidos em torno do tema. Pela primeira vez no Brasil, agregam-se historiadores vinculados a vinte e quatro instituições de ensino superior e/ou centros de pesquisa diferentes e que atuam em dez estados da Federação. Claro que isto só foi possível em razão do crescimento e da descentralização da pesquisa e da pós-graduação em História, ocorridos nas duas últimas décadas, e da agregação dos pesquisadores nos eventos científicos nacionais promovidos pela Associação Nacional de História (ANPUH) e demais associações existentes. Esse pluralismo, afortunadamente, não resultou na junção de análises regionais. O que surpreende é que autores das mais diversas regiões do país reuniram-se para discutir eixos temáticos nacionais, independentes das regiões em que se originaram ou nas quais atuam.
A pluralidade reflete-se, também, na variedade de enfoque dos temas que compõem os artigos. Segundo os organizadores afirmam, o eixo central é a questão da cidadania, desdobrada em dois sub-eixos, a saber: o cerceamento da prática cidadã e a resistência contra a exclusão política e social. Em todos os volumes o leitor poderá encontrar textos que enfocam, direta ou indiretamente, a questão da cidadania. Para o atendimento das discussões acerca desta temática, os artigos foram divididos cronologicamente em quatro períodos, seguindo a tradicional divisão proposta pela História Política Brasileira: primeiro volume: O tempo do liberalismo excludente (1889-1930); segundo volume: O tempo do nacional-estatismo (1930-1945); terceiro volume: O tempo da experiência democrática (1945-1964); e quarto volume: O tempo da ditadura (de 1964 a fins do século XX). A opção pela divisão tradicionalmente usada como referência se justifica pelo público alvo ao qual se destina a obra: alunos de graduação e alunos e professores de ensino médio. Não só os programas ou matrizes de competência do ensino médio se organizam a partir dessa cronologia republicana, como também, a maior parte dos nossos currículos de graduação o faz.
Assim, os quarenta e dois artigos que compõem a coleção apresentam uma interessante diversidade temática. Em seu conjunto existem dezenove artigos de História Política, nove de História Cultural, oito de História Social e cinco de História Econômica. O volume dois apresenta uma divisão mais eqüitativa, propiciando ao leitor uma visão bem diversificada dos acontecimentos do período. Nele, o leitor poderá encontrar reflexões sobre o Integralismo, sobre as experiências comunistas, sobre a política cultural do Estado Novo, sobre a organização das classes trabalhadoras, sobre a política-econômica predominante no período, além de textos excelentes sobre os intelectuais, a literatura e o cinema, por exemplo. Em todos os volumes ocorre uma distribuição mais ou menos eqüitativa entre esses campos de atuação dos historiadores. A concentração em História Política é, porém, bastante nítida. Mas, reflete a produção nacional da área sobre o período republicano. Além do que, por se tratar de uma análise sobre a História Contemporânea brasileira, associa-se naturalmente à História Política, em razão de ter esta, por objeto, eventos de mais curta duração. Essa opção não fragiliza, de maneira alguma, o conjunto da obra. Ao contrário, nos dá um retrato fiel dos resultados das pesquisas mais recentes sobre o período.
Segundo os organizadores da obra, ela tinha por um de seus objetivos principais o de disponibilizar em uma só coleção um conjunto de informações importantes para a formação de alunos que, em geral, têm dificuldade em adquirir livros. Acredito que o fim seja nobre e que os organizadores foram felizes em fazer esta opção. Ao mesmo tempo, destacam que a coleção tinha por propósito apresentar ao público vinculado ao ensino médio a oportunidade de ter acesso às renovações historiográficas, resultantes de pesquisas recentes produzidas pelas universidades. Este objetivo também é muito louvável, dado que a maior parte dos professores de História do Brasil se “atualiza” com base nos livros didáticos a que têm acesso, os quais, na grande maioria das vezes, demoram muitos anos para incorporar as mais recentes pesquisas produzidas pela academia. Ambos os objetivos foram atingidos.
Destaca-se na obra a inclusão, ao fim de cada volume, de uma bibliografia geral bastante atualizada e de uma filmografia, composta de uma relação de títulos com suas respectivas fichas técnicas. Este material será certamente de grande valia para professores e alunos de História em seus mais diferentes níveis.
Mas uma resenha não se faz só de reconhecimento de mérito. É preciso destacar os problemas para o aperfeiçoamento de iniciativas como essa. O primeiro problema observável é a dificuldade encontrada pelos organizadores em agregar um número muito grande de temas e pesquisadores sem que deixassem de ocorrer repetições de conteúdo ou até mesmo algumas contradições entre artigos em um mesmo volume. No primeiro volume esse problema esteve bem visível. O período que se interpõe entre a proclamação da República e a gestão de Campos Salles foi abordado factualmente em pelo menos cinco artigos diferentes. Em alguns deles, o eixo central (Cidadania) sequer foi tangenciado. Para uma leitura de artigos em separado, esse problema desaparece. Mas, para uma leitura do conjunto da obra, ele se torna muito evidente.
Um segundo problema a ser destacado é que nem todos os articulistas conseguiram atingir o objetivo proposto, ou seja, levar ao público leitor um conhecimento atualizado sobre o seu objeto. Alguns artigos limitaram-se a resenhar produções historiográficas já revistas, repetindo conteúdos que ainda se encontram presentes nos livros didáticos. Isso ocorreu, sobretudo, nos textos que não resultaram de pesquisas empíricas de seus próprios autores ou naqueles que se limitaram a resumir pesquisas antigas anteriormente feitas por eles próprios, mas que já foram revistas por outros que lhes sucederam, sem que as revisões tivessem sido incorporadas ao novo texto. Este problema, porém, encontra-se em poucos artigos e não prejudica a qualidade do conjunto da coleção.
Um terceiro problema detectado foi a ausência de ilustrações suficientes em artigos cujos objetos eram as próprias imagens. Muito embora reconheçamos as dificuldades impostas pelos editores visando ao barateamento da obra, as ilustrações, em alguns casos, eram indispensáveis ao entendimento dos objetivos dos autores.
Por fim, o ideal era que cada livro contivesse uma apresentação específica, ou seja, um texto introdutório responsável pela “amarração” dos artigos. A presença de uma apresentação específica para cada um dos quatro volumes auxiliaria o leitor a relacionar os diferentes temas abordados a respeito de cada período e poderia apresentar uma visão geral introdutória que facilitaria muito o acompanhamento dos textos, principalmente quando o leitor for o estudante de ensino médio.
A despeito desses problemas, como leitora e principalmente como professora de graduação em História, considero essa obra um relevante trabalho de síntese que pretendo recomendar a meus alunos e colegas. Certamente, contribui para atenuar uma das maiores dificuldades da área de Ciências Humanas no Brasil: a precariedade de nossas bibliotecas e a falta de recursos financeiros de nossos alunos. E consegue, na maior parte dos temas, oferecer ao leitor uma leitura agradável e atualizada acerca de temas clássicos da História Republicana.
Ao mesmo tempo, considero essa Coleção um marco na historiografia brasileira pelo seu caráter inovador e pluralista. A diversidade regional de seus autores e a variedade temática refletem uma convivência possível e harmônica de nossa comunidade acadêmica, rompendo com guetos e descortinando novos horizontes para jovens historiadores que, mesmo estando fora do eixo Rio—São Paulo, demonstram a pujança da historiografia nacional recente.
Cláudia Maria Ribeiro Viscardi – Universidade Federal de Juiz de Fora — UFJF.
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