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Mártires, confessores e virgens. O culto aos santos no Ocidente Medieval | Andréia Silva, C. L. Frazão da
Diferentes perspectivas, abordagens e aspectos da santidade na Idade Média
O livro é uma iniciativa de vários professores doutores ligados ao Programa de Estudos Medievais da UFRJ, organizado por Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva e Leila Rodrigues da Silva. Após o prefácio que apresenta a obra, escrito pelo Prof. Dr. Ronaldo Amaral da UFMS, seguem cinco capítulos, cada um com de cerca de 30 páginas, que abordam por diferentes perspectivas e recortes espaço-temporais a temática da santidade na Idade Média. Ainda estão inclusas as Referências, informações sobre a Documentação consultada, Sugestões de Leitura e dados sobre a trajetória intelectual dos Autores do livro.
O capítulo inicial do livro, “Mártires na Antiguidade e na Idade Média”, escrito por Valtair Afonso Miranda, tem como questão central o fenômeno histórico do martírio, pensando para quem os relatos foram produzidos e a que interesses atendiam com essas representações do sofrimento e da morte. Para dar conta desse questionamento, o autor analisou a tradição cristã do martírio em suas diferentes manifestações nas comunidades cristãs antigas e medievais.
Desde sua origem etimológica, afirmou Miranda, o “mártir” era tanto aquele que deveria ser lembrado quanto quem possuía o conhecimento de algo e poderia apresentar seu testemunho. Nesse sentido, um dos primeiros documentos do cristianismo a descrever a morte de um cristão foi o “Martírio de Policarpo”. Segundo o autor, o texto já apresentava o “mártir” como a própria testemunha que morria em grande sofrimento. Para o segundo século, o termo já indicava sofrimento e/ou a morte de alguém que era, especificamente, seguidor do movimento de Jesus.
Miranda retomou diversas referências anteriores ao martírio cristão para demonstrar que, tanto no judaísmo quanto no Império Romano, a imagem de morte por um ideal já estava bem consolidada. Associada a isso, a própria morte de Jesus foi uma referência essencial para a construção do conceito de martírio, motivado pelas expectativas messiânicas, que atrelavam o perdão da humanidade a uma morte dolorosa e violenta do salvador. Uma terceira referência foi construída pelo Apocalipse de João, que promoveu a ideia de martírio como etapa necessária para o Juízo Final. Dessa forma, um dos modos dos fieis participarem da instauração do reino messiânico era por meio da morte violenta. “As mortes cristãs, quando ritualizadas segundo o modelo do mártir, eram eficientes instrumentos de propaganda para o cristianismo numa sociedade que aprendera a respeitar quem sabia morrer” (p. 42).
Após o fim das perseguições aos cristãos, não eram mais encontradas essas formas de morrer em nome da crença. O autor ressaltou, então, os aspectos principais do martírio espiritual, que assumiu o lugar do sofrimento pela tortura e a morte violenta dos períodos anteriores. Esse martírio poderia ser qualquer situação de desconforto, inclusive físico, praticado de forma voluntária e que não levava a morte. Poderiam ser realizados em casas religiosas, dentro do matrimônio, em solidão ou no exílio. Os monges comumente passaram a ser vistos como os “novos heróis” do cristianismo. De modo geral, o “martírio espiritual” era um conceito fluído, que se adaptou para explicar situações diferentes de sofrimento.
Contudo, durante a Idade Média Central, por conta de uma nova onda de propagação de heresias, martírios – no sentido inicial da concepção cristã – voltam a ocorrer e novos mártires – como Tomás Becket e os cinco franciscanos mortos no Marrocos – rapidamente passam a ser cultuados com fervor. Em vista disso, Miranda afirmou, nas suas conclusões, que era de suma importância para a construção das novas comunidades religiosas definir quem era o seu herói. Isto era “um exercício de poder, poder esse que define limites identitários, esclarece alteridade, reforças práticas e crenças religiosas, gera papéis sociais, legitima governos, socializa visões de mundo” (p. 54).
No segundo capítulo “Monges e literatura hagiográfica no Início da Idade Média”, Leila Rodrigues da Silva desenvolveu sua análise com dois objetivos principais. No primeiro, tratou da História do monacato desde suas origens orientais até os seus desdobramentos nos reinos romano-germânicos, ou seja, a partir do século IV e com especial atenção aos séculos VI e VII. No segundo, a autora associou a apresentação da tipologia documental das hagiografias com a análise dos estudos de caso de monges de três regiões, a saber: Bento de Núrsia da Península Itálica, Frutuoso de Braga da Península Hispânica e Amando de Maastricht das Gálias. Os relatos hagiográficos dos três monges expressavam o anseio geral de cristianização dos seus períodos e manifestavam a importância da construção e multiplicação de comunidades monásticas para a efetivação destas ambições.
A respeito do monacato, Rodrigues da Silva apresentou as principais hipóteses produzidas sobre a motivação inicial para tal movimento ascético no contexto do Império Romano do Oriente. Essas proposições se resumiam na ideia de que para entender a complexidade do fenômeno era necessário considerar tanto o anacoretismo como uma atitude de protesto – seja em relação ao aspecto religioso ou político – quanto uma decisão pessoal e moral do asceta. As duas formas principais de monacato que se originaram nesse contexto, o eremitismo e o cenobitismo, chegaram ao Ocidente sem que houvesse descontinuidade em relação à sua motivação original. Além disso, se associaram às formas ascéticas já praticadas localmente. Entre os séculos IV e VII, o movimento monástico foi vinculado ao episcopado, que se preocupou com a produção de regras comunitárias, normativas conciliares e a expansão da cristianização com atuação de monges nas áreas rurais.
A segunda preocupação de Rodrigues da Silva estava pautada em como a experiência monástica se expressava nos textos hagiográficos, buscando comparativamente as semelhanças e as especificidades nos três contextos eleitos. O primeiro monge analisado, Bento de Núrsia, ficou conhecido pela perspectiva de seu hagiógrafo, Gregório Magno. Segundo a narrativa, Bento teria origem em família abastada, com acesso à educação em Roma. Sua experiência religiosa incluiu um período de isolamento, disputas com os demônios, destruição de ídolos, construção de doze mosteiros, produção de uma regra e preparação de outros monges – destacando nessas obras o papel das virtudes da obediência e da humildade. O segundo hagiografado, Frutuoso de Braga, foi apresentado por um anônimo. Seu narrador indicou uma intensa participação eclesiástica e política: ele teria produzido duas regras monásticas, participado de concílios, trocado correspondências com reis e bispos e assumido duas dioceses. O monge-bispo seria totalmente dedicado à vida monástica, valorizando suas características ascéticas orientais – como o desejo pela peregrinação e a necessidade de isolamento -, fundando novas casas e promovendo o monacato de modo geral. O terceiro e último monge anunciado por uma hagiografia, Amando de Maastricht, foi relatado anonimamente. Além dessa narrativa, esteve referenciado em cartas trocadas com Martinho I, bispo de Roma. Após um período de isolamento ascético de quinze anos, sua característica monástica mais marcante foi a atividade missionária desempenhada em diversas regiões dos reinos merovíngios. Também foi sagrado bispo por sua associação com a monarquia e o episcopado local.
A autora concluiu que, comparativamente, o monacato ocidental visto a partir das narrativas hagiográficas dos reinos romano-germânicos não configurou uma contestação veemente à instituição eclesiástica. A perspectiva eremítica marcou a trajetória inicial dos monges destacados da hierarquia eclesiástica, se concretizando como um “ideal desejado”.
Passando ao terceiro capítulo “Santos e episcopado na Península Ibérica”, Paulo Duarte Silva partiu das proposições historiográficas de Peter Brown, que superou a dicotomia estabelecida sobre as documentações hagiográficas – reforçando ou rejeitando a santidade dos protagonistas – e permitiu o estudo do contato dos “eclesiásticos seculares” com outros grupos religiosos. Segundo Duarte Silva, estudiosos recentes contestaram as fronteiras entre os cuidados episcopais e o pretenso isolamento monástico. O episcopado se desenvolveu como função eclesiástica, desde o século I até as mudanças na organização e na estrutura promovidas pela aproximação do Império Romano e a ecclesia. Do ponto de vista Ocidental, o autor chamou atenção de que gradualmente as aspirações aristocráticas aos cargos eclesiásticos se aprofundaram, sendo acompanhadas pelo interesse de adesão ao monasticismo. Na Alta Idade Média, predominava o monacato beneditino. Como consequência, a partir dos séculos X e XII, consolidaram-se as ordens beneditinas de Cluny e Cister. Para a Idade Média Central surgiram novas demandas de religiosidade, que deram grande destaque às ordens mendicantes – de franciscanos e dominicanos.
Duarte Silva teve por objetivo analisar as relações entre o cursus episcopal e as ordens religiosas de bispos-santos cristãos. Partindo do recorte temporal da Alta Idade Média até a Idade Média Central, dedicou-se a análise de bispos e cônegos, especificamente que tivessem atuado na Península Ibérica. Para viabilizar a comparação, o especialista estabeleceu eixos de análise como: a trajetória institucional na fundação de mosteiros e conventos, a participação de concílios e as relações assumidas com as autoridades monárquicas. Para tanto, elegeu oito figuras de bispos considerados santos e dentro dessas especificações: Martinho de Braga (520-580); Isidoro de Sevilha (560-636); Rosendo de Celanova (907-977); Ato de Oda/Valpuesta (m. 1044); Olegário de Tarragona (1060-1137); Bernardo Calvo (1180-1243); Agno de Saragoça (1190-1260), e; Berengário de Peralta (1200-1256).
O terceiro capítulo apresentou como conclusão que, desde a Alta Idade Média, a grandiosidade dedicada à memória dos clérigos oriundos do monacato demonstrou o interesse eclesiástico em organizar, adequar e submeter a vida monástica às decisões episcopais e conciliares. Nesse sentido, surgiram novas possibilidades de consagração pública, promovendo e organizando a santidade ibérica. Com o passar dos séculos foi possível observar um processo de expansão do modelo monástico beneditino, a partir do Norte da Península Ibérica em detrimento da tradição visigótica. Gradativamente, a santidade também foi atribuída a bispos relacionados aos cônegos e aos mendicantes. Em suma, Duarte Silva afirmou que as trajetórias dos bispos santos peninsulares possuíam diversos eixos de continuidade – origem nobiliárquica, estadia em mosteiros ou em conventos, apoio das monarquias e participação dos personagens em concílios – enquanto simultaneamente era permeado por características de ruptura. Ou seja, “a santidade é histórica, e por isso, embora admita elementos comuns, deve der associada a diferentes contextos políticos e religiosos” (p. 113).
Em “As ordens mendicantes e a santidade na Idade Média”, o quarto capítulo do livro, a autora Carolina Coelho Fortes traça a relação entre os fenômenos da santidade e do surgimento das ordens mendicantes, surgidas a partir do século XIII. Para isso, o capítulo foi dividido em cinco partes: a santidade no Medievo, surgimento e formação das ordens mendicantes, a santidade mendicante, Francisco de Assis e Domingo de Gusmão.
Na primeira parte, de maneira muito densa e completa, foi apontado o que era necessário para ser considerado santo na Idade Média e quais os perfis de pessoas cultuadas conforme o Medievo avançava. Assim, embora as hagiografias apontassem que seria impossível tornar-se santo – porque a santidade começava a se manifestar desde a mais tenra idade e continuamente ao longo da vida e após a morte – a autora demonstrou o contrário. Ela destacou que é possível considerar as múltiplas dimensões da temática e abordá-la nas perspectivas espiritual, teológica, religiosa, social, institucional e política. A visibilidade, a materialidade, a corporeidade, o serviço prestado à comunidade, os sacríficos, dores e renúncias, o combate ao mal, os milagres e a esperança de redenção trazida para a comunidade, tudo isso está na lista de topoi hagiográficos que ao mesmo tempo promovia a difusão e o reconhecimento (eclesiástico ou não) da santidade, segundo Fortes. E por isso, a santidade deveria ser entendida como “uma construção social, um ideal que se desenvolveu historicamente” porque “tipos diferentes de pessoas eram percebidos como santos pelas comunidades cristãs durante períodos distintos” (p. 102).
Ainda na Antiguidade, o primeiro tipo teria sido composto por mártires e, sem que seu culto fosse eclipsado pelos modelos posteriores, durante a Idade Média juntaram-se a eles: os bispos, os ascetas, os nobres que conseguiam altos cargos na hierarquia eclesiástica, os leigos nas cidades, os mendicantes, os penitentes, a Virgem Maria e, finalmente, os leigos. A autora fez considerações que relacionam os elementos da tipologia já descrita com os diferentes contextos históricos – da Antiguidade Tardia até a fins do Medievo, passando pela Alta Idade Média e Idade Média Central – ou seja, uma duração de aproximadamente 1000 anos. Neste interim, Fortes destacou o impacto da criação dos processos de canonização, no século XIII, no controle da santidade pelo papado, bem como isto contribuiu para a “humanização” ou “popularização” da santidade. Este último fator fez das personagens santas cada vez mais conhecidas, familiares e inspiradoras de uma devoção mais afetuosa do que referencial (p. 125).
Ao tratar das ordens mendicantes, a autora fez uma síntese de como as transformações ocorridas no Ocidente, desde o século XI, possibilitaram o seu surgimento. E então, o texto abordou alguns pontos entrecruzados a este respeito principalmente da Ordem dos Frades Menores – franciscanos – e da Ordem dos Pregadores – dominicanos, a saber: como normatizar as ordens mendicantes foi útil para a consolidação da cúria papal; como franciscanos e dominicanos lidaram com o delicado e controverso voto de pobreza; como a produção hagiográfica sobre Francisco de Assis e Domingos de Gusmão promoveu ao mesmo tempo o culto destes fundadores, a institucionalização de ambas as ordens e estabilizou as relações das mesmas com Roma, além de criar modelos de frades e freiras a serem seguidos. As diferenças entre as duas ordens também ficam claras porque a autora as apresentou comparativamente. Embora a pobreza, a pregação, a obediência, os estudos, a presença de leigos e de clérigos nos quadros das ordens e o combate aos inimigos da fé fossem questões importantes para ambas, a ênfase dada a cada uma destas temáticas foi bem distinta e pautada pelos objetivos dos fundadores – e dos seus sucessores – e os ambientes onde cada uma delas atuava.
Nas partes que se seguem do capítulo, Fortes analisou e demonstrou, mais uma vez por meio das comparações entre as ordens e seus fundadores, como os processos de canonização estavam intrinsecamente conectados com a santidade mendicante e, portanto, com o culto a Francisco de Assis e a Domingos de Gusmão. Foram levantados argumentos quantitativos e relações com o contexto histórico, bem como exemplificações constantes de como funcionava uma canonização no século XIII, e como os casos de Francisco e Domingos são excepcionais, principalmente por causa da sua celeridade e impulso papal direto. Contudo, nas considerações finais, Fortes fez questão de frisar que a compreensão do fenômeno da santidade encontra-se situada em algum lugar entre as aspirações centralizadoras papais e as demandas da religiosidade leiga do período, que seguiam a efervescência filosófica, educacional, econômica e social do século XIII.
No quinto e último capítulo, “Mulheres e santidade na Idade Média”, Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva estabeleceu como objetivo “destacar, a partir das singularidades da biografia e culto das personagens, a sobrevivência e a complexidade do fenômeno da santidade feminina por todo o Medievo” (p. 150). Deste modo, as personagens referidas são mulheres que viveram entre os séculos V e XIII e que receberam variadas formas de reconhecimento público de santidade.
As motivações da autora para tal empresa foram duas ressalvas e dois pressupostos. A primeira ressalva inicia o capítulo, pois segundo Sofia Boesch Gajano, em um verbete do Dicionário Temático do Ocidente Medieval, o número de mulheres consideradas santas teria aumentado no século XIII. Porém, Frazão da Silva apontou que é necessário não superestimar este crescimento. A autora citou como base de sustentação os dados das pesquisas clássicas de André Vauchez sobre o tema e ainda os resultados do projeto coletivo de pesquisa Hagiografia e História: um estudo comparativo da santidade, desenvolvido no âmbito do Programa de Estudos Medievais da UFRJ. A segunda ressalva é que o fenômeno da santidade feminina se tornou mais diversificado e expressivo na Idade Média Central. Porém não foi uma inovação do período, já que uma quantidade significativa de santas cultuadas pelos medievais já eram veneradas desde a Antiguidade.
Os pressupostos da autora são de caráter historiográfico. A autora adverte que a sua concepção de santidade não é essencialista e que ela leva em conta também as expectativas e interesses daqueles que promovem os cultos. Mais importante para o entendimento do capítulo é a conceituação de biografia que ela apresenta: “um exercício que busca compreender os laços, nem sempre diretos ou simples, que ligam uma pessoa ao momento histórico em que viveu” (p. 150).
Assim, após as observações introdutórias, segue uma lista, em ordem cronológica, de pequenas biografias de mulheres consideradas santas – com ou sem reconhecimento de Roma. Em cada uma delas, a autora faz questão de mencionar como o culto de uma santa foi retomado na Idade Média, no caso das santas da Antiguidade, ou como o culto perdurou para além do Medievo, no caso das devoções iniciadas neste período. E ainda, quais são as fontes escritas que nos informam sobre as personagens, tendo elas sendo produzidas pelas próprias ou por terceiros. A lista é longa e fica evidente que o intuito da autora é apresentar personagens as mais diversas possíveis entre si, apesar das muitas semelhanças entre elas.
Santa Escolástica, monja exemplar da Península Itálica, que teria vivido entre os séculos V e VI, e irmã de São Bento, o criador da regra de vida beneditina para os monges. Santa Radegunda, uma rainha piedosa de ascendência germânica da Alta Idade Média, que se recolheu a um mosteiro. Santa Valpurga, outra dama da nobreza e abadessa que viveu nas Ilhas Britânicas, no século VIII. Santa Oria, jovem que tinha sonhos e visões e foi “emparedada” (modalidade de religiosa totalmente reclusa), em Castela, no século XI. A próxima da lista é mais famosa ainda pelas suas visões, pela sua trajetória institucional eclesiástica e pelos seus escritos. Considerada doutora da Igreja, viveu na região da atual Alemanha, no século XI, trata-se de Santa Hildegarda de Bingen. Santa Clara de Assis, filha de nobres da cidade de Úmbria, na Itália, do século XIII, a primeira franciscana e fundadora do ramo feminino da Ordem dos Frades Menores. E, por fim, Santa Guglielma, nascida na Boêmia, no século XIII, possivelmente também uma princesa, que faleceu na Itália próxima a abadia de Chiaravalle. O caso de Guglielma é um dos mais singulares, porque inicialmente ela foi cultuada por um grupo local de seguidores, mas posteriormente foi condenada pela Inquisição.
Nas considerações finais do capítulo, a autora nos apresenta uma lista muito maior de nomes que poderiam ter sido citados, o que nos permite ter uma dimensão da sua primeira conclusão: mesmo que a mulher fosse vista como débil em vários sentidos no pensamento hegemônico medieval, isto não impediu que houvesse um grande número de personagens femininas consideradas dignas de devoção pelos medievais. Também não seria possível traçar um perfil único para a santidade feminina medieval. Novos tipos de personagens vão sendo incorporadas ao rol das veneradas e, apesar da constância da vida religiosa na biografia de todas, cada uma delas seguiu passos bem diferentes nestes caminhos. Sendo assim, mais uma vez fica claro como o fenômeno da santidade não é estático, é histórico e profundamente conectado com as conjunturas, anseios sociais e relações de poder (p. 181).
Destacam-se a clareza da redação ao longo de todo o livro e a preocupação em explicitar os objetivos e metodologias das pesquisas realizadas – bem como a coerência de se manter fiel ao que foi proposto. Os capítulos dialogam entre si e evitam repetições, porém sem deixar de mencionar o que for importante para o entendimento das questões analisadas. Desta forma, o livro cumpre duas funções. Apresentar um trabalho amplo e atualizado para aqueles que desejam iniciar o estudo do culto aos santos no Ocidente Medieval, podendo assim fazer bom uso da leitura completa do livro. Ou ainda, para aqueles que já se estão se aprofundando em alguma das temáticas específicas, ler um dos capítulos possibilita o conhecimento de abordagens novas, variadas e críticas.
Juliana Salgado Raffaeli – Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em História Comparada, UFRJ. E-mail: julianaraffaeli@hotmail.com
Thalles Braga Rezende Lins da Silva – Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em História Comparada, UFRJ. E-mail: thalles1107@gmail.com
SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da; SILVA, Leila Rodrigues da Silva. Mártires, confessores e virgens. O culto aos santos no Ocidente Medieval. Petrópolis: Vozes, 2016. Resenha de: RAFFAELI, Juliana Salgado; SILVA, Thalles Braga Rezende Lins da. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.17, n.1, p. 255- 261, 2017. Acessar publicação original [DR]