O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil | Esther Solano Gallego

Ester Solano Imagem Nocaute
Ester Solano | Imagem: Nocaute

No dia 8 de outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial brasileira, a editora Boitempo liberou gratuitamente o e-book O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil, organizado pela socióloga Esther Solano Gallego, com o objetivo e “ajudar a compreender” como havíamos chegado à situação na qual o retrógrado Jair Bolsonaro estava à frente nas pesquisas e com grandes chances de vencer a eleição. Às vésperas de um novo certame, em junho de 2022, as preocupações com as ameaças (algumas delas já concretizadas) à democracia brasileira, as teses, as propostas de resistência ao “fascismo” comunicadas naquele livro permanecem na “ordem do dia”. Por essa razão, revisitaos a obra tantas vezes resenhada para reavivar as suas assertivas.

O odio como politicaOs 22 autores que compõem o projeto são, em maioria, professores universitários brasileiros das áreas das ciências humanas e sociais, ativistas e cartunistas e um religioso identificados com o campo progressista. Todos contribuem para o cumprimento da meta do livro, descrita por Gallego: “aprofundar-se nas complexas dinâmicas das direitas desde diversos pontos de vista e análises”. Se quisermos de fato lutar contra as direitas, continua a organizadora, “com frequência antidemocráticas e retrógradas, devemos primeiro observar, escutar, enxergar a realidade e entendê-la para depois combatê-la. Não sabemos tudo. Aprendamos juntos.” (p.8). [i]

Para iniciar o aprendizado, compreendamos que as “direitas” às quais o título da obra se refere são plurais na terminologia. Os autores a tratam como “conservadorismo radical”, “direita”, “direita radical”, “extrema direita”, “grupos de direita”, “nova direita” e “novas direitas”. Abordadas, em sua maioria, como lideranças políticas, partidos políticos, movimentos e instituições da sociedade civil, as direitas nascem nos anos 80, a partir da reorganização “das classes dominantes”, representadas em várias instituições de pesquisa e financiamento (think thanks), como também das ameaças sofridas por essas classes médias em suas “oportunidades”, da conjunção de identidades e da conjuntura propiciada pelas redes sociais e internet, já nos anos 2000/2010.

Alguns autores destacam o caráter militante desses grupos (ao contrário do caráter financiado desses grupos), o transbordamento dessa militância para além dos partidos, alcançando editoras, movimentos e grande mídia, marcando a sensibilidades de jovens da periferia que passaram literalmente da esperança dos anos de crescimento econômico à indignação com a indiferença do Estado em termos de segurança e oportunidades, por exemplo. Outros ainda ressaltam as consequências que essas direitas de orientação militarizadas trouxeram à vida dos negros, dos pobres, das mulheres e das pessoas GLBTI. A “democracia, os direitos humanos, ao Estado laico e à diversidade humana”, segundo um desses autores, foram as principais vítimas dos fundamentalismos e extremismos advindos das novas direitas.

O diagnóstico está presente na maioria dos textos, enquanto as declarações propositivas são minoritárias. Como sair dessa situação? Em geral, estudar, denunciar, protestar são as medidas. Apenas um se engaja em solução radical: transformar “as condições socioeconômicas que lhe fornecem a base material” (p.35).

No que diz respeito ao espírito deste dossiê de Crítica Historiográfica, vale destacar as ideologias atribuídas às novas direitas brasileiras. Se hoje, autores divergem nos critérios de classificá-las e nos termos empregados para as designações, imaginem há quatro anos. Os autores agrupam os mesmos étimos de modo diferente, embora na maioria das combinações o libertarianismo esteja presente: “libertarianismo” (ultraliberalismo), “fundamentalismo religioso” (antiaborto, homofobia) e “anticomunismo”; “libertarianismo”, “monetarismo” (Chicago) e “neoliberalismo” (Áustria); “libertarianismo”, “conservadorismo” e “reacionarismo”; “libertarianismo”, “fundamentalismo religioso” e “anticomunismo”; “fundamentalismo religioso cristão” e “extremismo religioso cristão” (que ganham a forma de “protofascismo”).

Autores também significam as palavras de modo diferente e até divergente. Eles afirmam que os “conservadores” são os mais aguerridos combatentes da (falsa) “ideologia de gênero”; que o “conservadorismo radical” (mapeado nas redes sociais) divide brasileiros em “pessoas de bem” e “vagabundos”, ou seja, denunciam esse segundo tipo como humanos de comportamento desviante, resultantes de uma educação equivocada e do culto aos direitos humanos, que corrompem a inocência das crianças, cujo líder é Lula e os instrumentos são movimentos sociais, sindicatos e Supremo Tribunal Federal. Eles afirmam, por fim, que a ideologia das novas direitas pode ser sintetizada na ameaça do “inimigo interno”, sobrevivente do Discurso de Segurança Nacional dos tempos da ditadura, na reação ao estado de bem-estar social (neoconservadorismo) e na implantação de políticas de “austeridade” (neoliberalismo).

No que diz respeito especificamente ao lugar do direito, três textos se destacam. Dois deles tratam de direitos de grupos determinados e um da ação do poder judiciário. Em “Precisamos falar da ‘direita jurídica’”, Rubens Casara denuncia o “populismo jurídico” e o “ativismo jurídico” como ameaças à democracia, assim como os operadores do direito que interpretam as leis ao modo conservador e neoliberal, ou seja, que concebem o poder judiciário como “um mero homologador das expectativas do mercado” ou “instrumento de controle tanto dos pobres […] quanto das pessoas identificadas como inimigos políticos do projeto neoliberal” (p.92)

Precisamos falar da direita juridica Imagem UOLCULT

Precisamos falar da direita jurídica | Imagem: UOL/CULT

Dos dois que tratam de grupos, o primeiro descreve ações dos fundamentalistas aos “direitos LGBTI” na Constituinte de 1988 (orientação sexual) e no parlamento, de 2006 a 2015 (anti-homofobia, união estável de pessoas do mesmo sexo e identidade de gênero). “Moralidades e direitos LGBTI nos anos 2010”, de Lucas Bulgarelli, põe formalmente os direitos LGBTI e os direitos humanos em posições separadas, ambos combatidos pelos conservadores. O segundo texto – “Feminismo: um caminho longo à frente”, de Stephanie Ribeiro –, denuncia a negação do “direito ao aborto seguro e legal” (de modo direto pela direita e indireto pela esquerda) e a vertente feminista de orientação “liberal”. Segundo a autora, trata-se de “um feminismo sem comprometimento com outras mulheres […] ou que não precisa ter um posicionamento político […] pautado em ascensão individual e não em rompimento com estruturas opressoras” (p.133)

Apesar dos esclarecimentos, das denúncias e alertas, a coletânea não está isenta de afirmações controversas e/ou usos equivocados de conceitos. Duas delas chamam a atenção pelo primarismo: a inclusão do conservadorismo (uma macro ideologia) em pé de igualdade com o neoliberalismo, por exemplo, a afirmação de que a defesa do estado de direito é uma “reivindicação conservadora” que serve ao capital. Outras não menos inquietantes são: a admissão da existência de “neoliberais de esquerda”; a declaração de que o Ministério Público foi partícipe de todos os golpes de Estado; que o neoliberalismo” e a “nova direita” são ideais antagônicos; e que a esquerda liberal e neoliberalismo progressista são ideais sinônimos.

Usos equívocos que merecem a atenção do leitor são a tomada do fundamentalismo como fundamentalismo religioso, a definição de extremismo como uso de violência, sem a respectiva definição de violência; e o emprego de “feminismo liberal” com o sentido de feminismo neoliberal.

O grande termo ausente, porém, é o “ódio”, que está no título do livro e na apresentação da editora. Ele aparece (antifeminista e pró segurança pública) tangencialmente como o par oposto da esperança (orçamento participativo e bolsa família) entre os jovens pobres de Porto Alegre, o ódio às minorias, disparado pelas “classes dominantes” (FHCC), o discurso de ódio experimentado pelos pobres, diante da falta de “dignidade” resultante da crise econômica (F), o ódio ao pensamento livre disparado pelos reacionários contra os professores pelo ESP (FP), demonstrando que não é sentimento de esquerda ou de direita (contraditando, de certo modo, o que sugere a designação da obra).

As ausências e as situações controversas, ao contrário de borrarem a obra, somente reforçam a importância da sua leitura. Para profissionais do direito, principalmente, o livro pode auxiliar na mudança de sensibilidade dos apartidários e imparciais “operadores” para as causas das mulheres e da população LGBTQIA+. Para os professores de História, o livro serve duplamente: como testemunhos dos anos quentes do golpe e da campanha eleitoral de 2018 e como roteiro de para a ação, seja no planejamento da formação continuada, seja na orientação da ação no interior da escola. Aliás, os objetivos anunciados pela organizadora (e cumpridos com sobras) são em si mesmos pragmáticos e beneméritos: “observar, escutar, enxergar a realidade e entendê-la para depois combatê-la.” (p.9).

Sumário de O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil

Prólogo | Gregório Duvivier

Apresentação | Esther Solano Gallego

  • A reemergência da direita brasileira | Luis Felipe Miguel
  • Neoconservadorismo e liberalismo | Silvio Luiz de Almeida
  • A nova direita e a normalização do nazismo e do fascismo | Carapanã
  • As classes dominantes e a nova direita no Brasil contemporâneo | Flávio Henrique Calheiros Casimiro
  • O boom das novas direitas brasileiras: financiamento ou militância? | Camila Rocha
  • Da esperança ao ódio: a juventude periférica bolsonarista | Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Mury Scalco
  • Periferia e conservadorismo | Ferréz
  • A produção do inimigo e a insistência do Brasil violento e de exceção | Edson Teles
  • Precisamos falar da “direita jurídica” | Rubens Casara
  • O discurso econômico da austeridade e os interesses velados | Pedro Rossi e Esther Dweck
  • Antipetismo e conservadorismo no Facebook | Márcio Moretto Ribeiro
  • Fundamentalismo e extremismo não esgotam experiência do sagrado nas religiões, Henrique Vieira
  • Moralidades, direitas e direitos LGBTI nos anos 2010 | Lucas Bulgarelli
  • Feminismo: um caminho longo à frente | Stephanie Ribeiro
  • O discurso reacionário de defesa de uma “escola sem partido” | Fernando Penna
  • Sobre os autores
  • Charges

Resenhista

Lucas MirandaLucas Miranda Pinheiro é Doutor em História (UNESP/Franca), professor do Departamento de Relações Internacionais (DRI) e do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Entre outros trabalhos, publicou (em coautoria) Perspectivas e Debates em Segurança, Defesa e Relações Internacionais e Relações Internacionais: Olhares Cruzados. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6576943412041943; Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4821-0168; E-mail: cucapinheiro@yahoo.com.br.

 


Para citar esta resenha

GALLEGO, Esther Solano. O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018. 133p. Resenha de: PINHEIRO, Lucas Miranda. Bolsonarismo à direita? Crítica Historiográfica. Natal,.2, n. esp. (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/um-elemento-ausente-resenha-de-o-odio-como-politica-a-reinvencao-das-direitas-no-brasil-organizado-por-esther-solano-gallego/>.

Dimensiones del conflicto: resistencia, violencia y policía en el mundo urbano | Tomás A. Mantecón Movellán, Marina Torres Arce e Susana Truchuelo García

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Detalhe de capa de Dimensiones del conflicto: resistencia, violencia y policía en el mundo urbano

1Hace ya unas décadas la renovación de la historia del conflicto urbano fue contemporánea a la de la integración de personas y grupos, a la del desarrollo de mecanismos disciplinarios o la de la reacción de las sociedades y de quienes integraban las instituciones contra las fuerzas políticas dominantes. La perspectiva desde la que se podían enfocar en el final del siglo XX estos procesos era diversa y también lo fueron sus raíces historiográficas e intelectuales (más allá de la cita, más o menos rutinaria y cansina, a Foucault o Bourdieu), pero lo cierto es que sí había un intento de ligar dichas dinámicas a una comprensión global de un mundo social y político moderno que se empezaba a percibir como menos mecánico de lo que se había pensado. Un celebrado texto de 2006 de Xavier Gil Pujol1 mostraba cómo precisamente el estudio de la indisciplina había abandonado el recurso de ser la panacea para identificar movimientos sociales y se había convertido en un eficaz instrumento para evaluar dinámicas sociopolíticas muy complejas en la que los actores se adaptaban y negociaban su posición recurriendo en parte, pero sólo en parte, a una violencia explícita que en general se combinaba con otras formas de una negociación que no tenía que conllevar un consenso estable, ni fundarse en una simetría entre las partes; pero que, no por esos límites, dejaba de aunar voluntades y de generar o regenerar las bases sociales sobre las que se asentaba la dominación. Así pues, si el conflicto era muchas cosas, tiene múltiples representaciones y era apropiado por vías diversas, era bueno ubicarlo en la etiología misma de la práctica social y política, pero hacerlo de forma no unitaria, sino plural, lo que llamaba a la necesidad de diversificar las aproximaciones y comprender mejor sus ámbitos, sus implicaciones culturales y a sus protagonistas. Y este libro responde a todo ello. Leia Mais

Por qué el derecho es violento (y debería reconocerlo) | C. Menke

Por qué el derecho es violento (y debería reconocerlo) es la traducción de la obra original en alemán, Recht und Gewalt, del autor Cristoph Menke, publicada por primera vez en 2011. La traducción a cargo de Miguel Gualdrón Ramírez nos llega en 2020 y está estructurada en cinco partes. La primera consiste en un estudio introductorio, para luego pasar por la nota del traductor y de ahí a una advertencia preliminar del autor donde nos adelanta que la relación entre derecho y violencia descansa en una contradicción irresoluble. Por último, el autor desarrolla dos capítulos donde desglosa sus reflexiones en torno a esta contradicción.

La primera sección del libro, el estudio introductorio, está a cargo de María del Rosario Acosta López y Esteban Restrepo Saldarriaga, quienes consideran que Christoph Menke es una de las figuras más destacadas dentro de la teoría crítica alemana derivada de la Escuela de Frankfurt. A pesar de que se lo identifique como un especialista en Hegel, supo establecer un diálogo con el pensamiento deconstruccionista francés y sus intereses gravitan dentro de la esfera de la filosofía política y la filosofía del derecho, a las cuales hace sus aproximaciones a través de Hegel, Benjamín y Derrida. Leia Mais

Os 50 anos do 31 de março de 1964: resistências, cassações e violência no imediato pós-golpe | Temporalidades | 2013

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No fim do ano passado fui convidada pelo Conselho Editorial da Revista Temporalidades para coordenar um dossiê que tratasse de temas relativos aos 50 Anos do Golpe no Brasil. A movimentação social em torno do tema, traduzida em seminários, cursos, revistas, exposições etc., indica quão certa é a tese de Steven Stern, o qual afirma que as datas redondas desempenham o papel de “nós convocantes”, agem como instrumentos que convocam a memória de vários setores da sociedade em relação a determinados marcos, associando as memórias soltas a um contexto amplo e coletivo, ensejando novos sentidos e interpretações [1].

Sim, já se passaram 50 anos do golpe, da implantação de uma ditadura civil-militar, de um marco da escalada da violência estatal no país. Uma efeméride que não traz nenhum conteúdo digno de comemoração, não há o que ser comemorado, apenas a ser pensado, estudado, resignificado. Muito ainda a ser debatido, inclusive se considerarmos que vivemos na atualidade um fenômeno de violência sistemática aos direitos civis e humanos, reconhecidos por “pessoas de bem”, como necessário para a manutenção da ordem. Um velho discurso por nós muito conhecido. Leia Mais

Mulheres e caça às bruxas: da Idade Média aos dias atuais | Silvia Federici

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Silvia Federici | Foto: DeliriumNerd

FEDERICI S Mulheres e caca asAo falar de caça às bruxas imagina-se fogueiras queimando acerca de centenas de anos atrás em um povoado bem distante, com pessoas ao redor do fogo assistindo a incineração de uma ou mais mulheres acusadas de bruxaria por serem aliadas ao diabo. São cenas que parecem estar bem longínquas do século 21, e ainda relacionadas somente ao combate contra o mundo sobrenatural. No entanto, através do livro “Mulheres e Caça às Bruxas: da Idade Média aos Dias Atuais” a autora Silvia Federici apresenta a interligação da caça às bruxas à eliminação das mulheres do sistema capitalista e as consequências disso para as suas vidas. O livro de título original “Witches, witch-hunting, and women” é a obra mais recente da autora, lançado no Brasil em 2019 pela editora Boitempo, estando dividido em duas partes no mesmo volume: Revisitando a acumulação primitiva do capital e a caça às bruxas na Europa; Novas formas de acumulação de capital e a caça às bruxas em nossa época. Silvia Federici é escritora, professora e intelectual militante de tradição feminista marxista autônoma, nascida na Itália em 1942, mudou-se para os Estados Unidos no fim da década de 1960, onde foi cofundadora do Coletivo Internacional Feminista e contribuiu para a Campanha por um salário para o trabalho doméstico. Em 1965 concluiu a graduação em filosofia. Atualmente é professora emérita na universidade de Hofstra, em Nova York. Suas outras obras são: Calibã e a Bruxa (Elefante, 2017) e O Ponto Zero da Revolução (Elefante, 2019), além de artigos sobre feminismo, colonialismo e globalização. Leia Mais

#ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole | Federico Faloppa (R)

Filosofia e Historia da Biologia 10
Federico Falopa | Foto: Piano P |

SCOTT The common wind 13Il tema dei discorsi d’odio ha oramai una consolidata tradizione di studi, in particolare in campo sociale e giuridico [1]. Quel che appare realmente nuovo nel panorama degli hate speech è la pervasività e la rapidissima diffusione di questi stessi per effetto della diffusione che viene oggi consentita ai messaggi d’odio dai social network. È in questo contesto che si inserisce il libro del linguista Federico Faloppa [2], professore di Italian Studies and Linguistics all’Università di Reading, dedicato proprio al tema dei discorsi d’odio e alla loro proliferazione sul web. L’autore ci offre una prima, parziale, risposta agli interrogativi “Perché questo è avvenuto e perché si è verificato in questi termini”:

Usiamo in modo interconnesso i social media come strumento di supporto alle nostre reti sociali, di espressione della nostra identità e di analisi dell’identità altrui. Nel giro di pochi anni è decisamente cambiato il nostro approccio al mezzo, il senso della nostra comunicazione, il modo in cui produciamo i nostri messaggi. E questo – va da sé – vale anche per i messaggi che veicolano odio[3].

Il manuale, come viene definito il volume dall’autore nel sottotitolo, è diviso in cinque sezioni. La prima di esse (capp. 1 e 2) è dedicata a cercare di tratteggiare il significato di hate speech: una definizione che, sottolinea Faloppa, rimane problematica. Quella fornita dal Consiglio d’Europa può tuttavia costituire una base di partenza:

l’istigazione, la promozione o l’incitamento alla denigrazione all’odio o alla diffamazione nei confronti di una persona o di un gruppo di persone, o il fatto di sottoporre a soprusi, molestie, insulti, stereotipi negativi, stigmatizzazione o minacce tale persona o gruppo, e comprende la giustificazione di queste varie forme di espressione, fondata su una serie di motivi, quali la “razza”, il colore, la lingua, la religione o le convinzioni, la nazionalità o l’origine nazionale o etnica, nonché l’ascendenza, l’età, la disabilità, il sesso, l’identità di genere, l’orientamento sessuale e ogni altra caratteristica o situazione personale [4].

Per un ulteriore schema interpretativo utile a classificare i discorsi d’odio, Faloppa ci invita a guardare alla Pyramid of Hatred proposta dalla Anti-Defamation League e dallo Shoah Foundation Institute della California all’inizio del XXI secolo: in questa rappresentazione l’espressione di sentimenti negativi può giungere sino, al vertice della piramide, alla volontà di sterminio deliberata e sistematica, ultimo stadio prima della traduzione in realtà e pratiche concrete dell’hate speech. Dal punto di vista storico il secondo capitolo, “Genealogie”, ci aiuta a comprendere come ci troviamo di fronte a un fenomeno di lungo periodo: se è nella seconda metà dell’Ottocento che prende avvio lo studio sistematico delle espressioni offensive e discriminanti nei confronti di altri popoli, è di un secolo più tardi l’istituzione di strumenti volti a limitare il razzismo linguistico.

La seconda sezione (capp. 3 e 4) si sofferma invece sul quadro normativo e offre al lettore una vista d’insieme. Uno dei meriti principali del volume è infatti quello di analizzare in prospettiva comparata la situazione di diversi paesi, argomentando le ragioni per cui i legislatori hanno preferito muoversi in un senso estremamente permissivo – ad esempio, negli Stati Uniti, dove questo atteggiamento ha originato un vasto dibattito [5] – o ponendo maggiori limiti, come è avvenuto in Europa [6]. Si ha così l’opportunità di contestualizzare la situazione italiana confrontandola, ad esempio, con quella britannica, tedesca o francese. Quel che emerge è una pluralità di risposte, in cui molto spesso il risultato finale in termini normativi è frutto di una mediazione fra l’esigenza di intervenire e la tradizione culturale del singolo paesi in termini di libertà di espressione. L’equilibrio è sempre sottile perché, almeno nel caso italiano: «Quando […] l’espressione è discriminante, insultante, diffamante o quando sfocia in un’azione delittuosa può – deve – conoscere restrizioni, previste dalla legge» [7].

La terza sezione (capp. 5, 6 e 7) “Hate speech 2.0” ritorna sulla questione degli interventi normativi nel campo del discorso d’odio, in particolare sul web. È qui che troviamo il nucleo dell’analisi di Faloppa. Per comprendere il fenomeno l’autore si sofferma su due caratteristiche: da una parte la “virtualità” dell’hate speech, dall’altra la sua viralità. La mancanza di un rapporto diretto fra chi offende e chi viene offeso impedisce di prendere atto degli effetti innescati dall’espressione di odio: un meccanismo che genera un processo di progressiva deresponsabilizzazione. Deresponsabilizzazione che è anche alla base dell’atteggiamento di una parte della politica, che cavalca le espressioni d’odio per costruire il suo consenso e assicurarsi un tornaconto elettorale, come Faloppa evidenzia a più riprese [8]. Inoltre la viralità del messaggio – e la sua permanenza – creano effetti perniciosi, in grado di dar luogo a effetti duraturi e difficilmente reversibili perché replicabili e moltiplicabili quasi all’infinito, in un effetto “camera dell’eco”. L’odio, inoltre, sottolinea Faloppa, si dissemina in forma individuale e con maggior facilità, quasi per effetto di un riflesso condizionato, secondo la logica del re-post.

La quarta sezione (capp. 8, 9) è quella in cui emerge la forza dell’analisi di Faloppa, che tratteggia un’analisi quantitativa, ma soprattutto qualitativa del discorso d’odio sul web in Italia. Lo sguardo viene così spostato anche sui sotterfugi impiegati per veicolare messaggi d’odio: i grafismi, l’utilizzo di scritte apparentemente non offensive o persino l’impiego di alcuni font. Un tema che rappresenta un filone assai prolifico, come dimostrano recenti analisi, ad esempio, sui meme [9].

Gli ultimi capitoli del manuale (10, 11 e 12) sono invece dedicati al contrasto degli hate speech, alle strategie da impiegare. Faloppa, da linguista, osserva come sarebbe necessario guardare.

[…] proprio alle modalità – che passano attraverso il linguaggio e la sua dimensione pragmatica – si dovrebbe forse guardare con più attenzione. Non tanto lo studio dei possibili profili quanto l’analisi dei comportamenti e delle modalità in cui i messaggi d’odio vengono prodotti e diffusi mi sembra infatti offrire un approccio più funzionale e aderente alla realtà […] [10]

L’autore suggerisce di distinguere fra troll e odiatori seriali, odiatori occasionali e semplici follower: discriminare il profilo di chi sta esprimendo un sentimento negativo è utile perché sulle ultime categorie di haters è possibile agire, sostiene Faloppa, nell’intento di interrompere la spirale dell’odio.

Una considerazione non dissimile da quella sviluppata da Littler e Kondor riguardo all’islamofobia.

We also highlight the role that can be played by civil society organisations, in particular identifying the potential for social and economic pressure to be exerted against mainstream media forums promoting islamophobia, and for micro-targeting to be employed on social media to reach and challenge those who are most at risk of engaging in Islamophobic hate crime [11].

Il volume – come specifica l’autore – è largamente ispirato dalla riflessione collettiva sorta intorno al Tavolo per il contrasto ai discorsi d’odio: si può in qualche modo considerare come un manuale engagé, come dimostra proprio la quinta parte, più espressamente dedicata alle strategie da mettere in campo per contrastare i discorsi d’odio. Una parte dell’analisi che viene sviluppata è però un utile strumento anche per gli storici. Di fronte al fenomeno dell’hate speech diventa essenziale dotarsi degli strumenti cognitivi e interpretativi giusti per potersi orientare: se da una parte il tema del quantitativo si innesta su quello di lungo periodo dei discorsi d’odio [12], dall’altra per ogni studioso di scienze sociali diviene una necessità confrontarsi e gestire grandi quantità di dati [13].

Faloppa rimarca infine la labilità del confine fra discorso e crimine d’odio:

Spesso si sente dire – da chi vuole minimizzarne la portata – che il discorso d’odio è molto diverso dal crimine d’odio per il fatto che in un caso si tratta solo di parole (‘ma che cosa vuoi che sia’, ‘stavo scherzando’, ‘e che sarà mai, sono solo parole’), nell’altro di un atto di discriminazione vera e propria, o di un’aggressione fisica, che sarebbe cosa ben più grave al punto da condurre alla probabile istruttoria di un procedimento penale. Ma la differenza tra hate speech e hate crime, come sappiamo, è prevalentemente giuridica. […] Non si tratta tanto di ribadire – con John L. Austin e la sua «teoria degli atti linguistici» – che con le parole non solo si dice, ma si fa qualcosa. Si tratta piuttosto di considerare quale peso abbia l’hate speech tanto a livello individuale quanto a livello collettivo, colpendo indirettamente tutto il gruppo di cui fa o potrebbe far parte la persona aggredita. Si tratta di capire quali sono le sue conseguenze reali: nel breve, medio e lungo periodo [14].

Gestire questa mole di informazioni e saper individuare le linee di faglia su cui si muovono i sentimenti – grazie ai social media – è un’opportunità che si offre agli storici di oggi: sarà fondamentale, negli anni a venire costruire competenze e metodologie in grado di riuscire a raffinare l’indagine sociale. In questo senso libri come #Odio potranno rivelarsi non solo manuali per la resistenza, ma anche per la costruzione di una consapevolezza condivisa.

Notas

1. Cfr., tra gli altri: MATSUDA, Mari et al. (eds.), Words That Wound: Critical Race Theory, Assaultive Speech, and the First Amendment, Boulder (CO), Westview Press, 1993; HERZ, Michael, MOLNAR, Peter (eds.), The Content and Context of Hate Speech. Rethinking Regulation and Responses, New York, Cambridge University Press, 2012. In ambito storico gli studi si sono sinora concentrati sul tema del negazionismo, intimamente legato al tema del discorso d’odio.

2. Tra le pubblicazioni dell’autore sul tema del razzismo e dei discorsi d’odio: FALOPPA, Federico, : f mu z n d “d v ”, Alessandria, Edizioni dell’Orso, 2000; ID., Parole contro: la rappresentazione d “d v ” n ngu n n d , Milano, Garzanti, 2004; ID., Razzisti a parole (per tacer dei fatti), Roma-Bari, Laterza, 2011; ID., n un : ng n d un n , Roma, Aracne, 2013.

3. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole, Torino, UTET, 2020, cap. 6 “Tutta colpa della rete?”, par. “Odio onlife”.

4. Ibidem, cap. 1 “Definire il discorso d’odio”, par. “Una definizione di partenza”.

5. Cfr. fra gli altri: DELGADO, Richard, STEFANCIC, Jean, Must We Defend Nazis? Why The First Amendment Should Not Protect Hate Speech And White Supremacy, New York, New York University Press, 2018.

6. Si veda ad esempio la vicenda di Geert Wilders: HOWARD, Erica, Freedom of Expression and Religious Hate Speech in Europe, London – New York, Routledge, 2018, pp. 138-165.

7. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 4 “Il caso italiano”, par. “Alcune certezze e molti dubbi”.

8. Cfr. Le analisi sui tweet e i post di Matteo Salvini: ibidem, cap. 9 “Oltre il lessico”, par. “Noi, loro”.

9. TUTEN, Marc, HAGEN, Sal, «(((They))) rule: Memetic antagonism and nebulous othering on 4chan», in new media & society, 22, 12/2020, pp. 2218-2237.

10. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 11 “L’incognita delle emozioni”, par. “Haters and Co.”.

11. LITTLER, Mark, KONDOR, Kathy, Terrorism, h h nd ‘ umu v x m m’ n F k: udy, in ZEMPI, Irene, AWAN, Imran (eds.), The Routledge International Handbook of Islamophobia, London – New York, Routledge, 2019, pp. 374-384, p. 382.

12. Cfr. ad esempio: FINKELSTEIN, Joel, ZANNETTOU, Savvas, BRADLYN, Barry, BLACKBURN, Jeremy, «A Quantitative Approach to Understanding Online Antisemitism», in Arxiv.org, 5 settembre 2018, URL: < arXiv:1809.01644v1 > [consultato il 27 febbraio 2021].

13. SALGANIK, Matthew J., Bit by bit. L n ’ d g , Bologna, Il Mulino, 2020.

14. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 12 “Il bisogno di reagire”, par. “Dalla parte delle vittime”.

Jacopo Bassi ha conseguito la Laurea Triennale in «Storia del mondo contemporaneo» presso l’Università di Bologna sostenendo una tesi in Storia e istituzioni della Chiesa ortodossa dal titolo Tra Costantinopoli e Atene: Il passaggio delle d d ’E ’ mm n z n d Ch d G ‘P x ’ d 1928; presso lo stesso ateneo, nel 2008, ha discusso la tesi specialistica in Storia della Chiesa dal titolo Epiro crocifisso o liberato? La Chiesa ortodossa in Epiro e in Albania meridionale nel XX secolo (1912-1967). Attualmente collabora con le case editrici Il Mulino e Zanichelli. URL: < http://www.studistorici.com/progett/autori/#Bassi >


FALOPPA, Federico FALOPPA. #ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole. Torino: UTET, 2020, 291p. Resenha de: BASSI, Jacopo. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, n.45, v.1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].

Cultura y violencia: hacia una ética social del reconocimiento | Myriam Jimeno

Filosofia e Historia da Biologia 17
Myriam Jimeno (terceira, da esquerda à direita) | Foto: Agência de Notícias UNAL |

SCOTT The common wind 21Una reseña tradicional suele parecerse a un resumen analítico de la obra  en cuestión. Para el caso, aquí se referiría a la compilación de catorce artículos  sobre la violencia escritos por Myriam Jimeno entre 1996 y 2015. Los artículos  están organizados en cuatro partes que incluyen, cada una, aspectos sobre la  relación entre violencia, cultura, política y emociones. Si bien en el prólogo  Joanne Rappaport recomienda leer los artículos en orden cronológico y tomar el  concepto “configuración emotiva” para evidenciar cómo la autora fue evolucionando en su investigación, esta recomendación de la prologuista también tiene  intención pedagógica: mostrarles a los estudiantes que “la investigación es algo  que se desarrolla a través del tiempo y que nunca es algo aislado y puntual” (p. 8).

En lo metodológico, se destacan dos consideraciones, una inductiva y otra  deductiva. Sobre la primera, Jimeno subraya que la compilación de artículos  retoma la tradición antropológica de entender los fenómenos sociales a partir  de la comprensión que sobre ellos tienen los propios actores sociales. Luego de  tamizar estos relatos un investigador haría evidentes las regularidades detectadas. En la deductiva, se identifican algunos trabajos que han procurado relacionar el análisis sobre subjetividad y violencia con los macroprocesos políticos  o históricos. En este mismo enfoque se ubican los artículos de la tercera parte,  destacando entre ellos uno sobre el partido radical del siglo xix . Leia Mais

Con los vientos del Cordobazo. Los trabajadores clasistas en tiempos de violencia y represión | María Laura Ortiz

A cincuenta años del Cordobazo, María Laura Ortiz nos invita a reflexionar sobre el mundo obrero cordobés con esta exhaustiva investigación. Enmarcada en un análisis históricamente situado que vincula coyunturas con estructuras y acciones sociales con condiciones de posibilidad, la autora realiza una relectura de la emergencia y la trayectoria del clasismo cordobés entre 1969 y 1982. A partir del reconocimiento de otras propuestas interpretativas, este estudio profundiza en los vínculos entre la cultura obrera local y las prácticas sindicales clasistas poniendo en cuestión diversas perspectivas nacionales generalizadoras. La estructura del trabajo reposa en una (re)conceptualización del clasismo que supera definiciones estáticas y dicotómicas en torno a la identidad clasista y las tradiciones políticas con las que se identifican.

A los efectos de ampliar las pesquisas y superar ciertos esquemas y barreras historiográficas, Ortiz recupera memorias del pasado reciente y objetiva los sentidos que subyacen en las tradiciones obreras, indagando en fuentes inéditas – como los “archivos de la represión” – mediante el uso de una pertinente metodología científica propuesta por la historia oral y cultural que dota de originalidad al texto. Dos partes organizan la investigación, siendo la primera la que por un lado refuerza aquella conceptualización a partir de los aportes culturalistas de algunos autores como Raymond Williams, Eric Hobsbawm, Richard Hoggart y James Petras. Por otro lado, y al mismo tiempo, la noción de clasismo es reinterpretada a partir de la caracterización del modelo industrial cordobés, la lógica de funcionamiento entre lo industrial y lo territorial en la ciudad y las transformaciones económicas, sociales y culturales ocurridas con el Cordobazo, el Navarrazo y el golpe de Estado de 1976; acontecimientos que incidieron sobre las posibilidades de expresión de las organizaciones clasistas. Leia Mais

Devastación. Violencia civilizada contra los indios de las llanuras del Plata y Sur de Chile (Siglos XVI a XIX) | Sebastián Leandro Alioto e Juan Francisco Jiménez

Cuando se intentaba un levantamiento contra los españoles, los impulsores enviaban a sus posibles aliados una flecha que simbolizaba la intención de iniciar la guerra; “la aceptación del envío implicaba el acuerdo en participar, y quien acordaba podía a su vez promover la adhesión de otras reducciones, haciendo circular el objeto del mismo modo”, explica Sebastián Alioto (Alioto et al., 2018: 353) en el decimoquinto capítulo de Devastación… En este sentido, se puede pensar a este libro como una flecha que circula sutilmente, de mano en mano, por universidades, bibliotecas, institutos, espacios de militancia y activismo indígenas, hogares de familiares de víctimas de la violencia Estatal y de personas ajenas a la academia interesadas en la Historia.

Coordinado por Daniel Villar, Juan Francisco Jiménez y Sebastián Alioto, este volumen aborda las distintas formas de violencia que tanto el Estado Imperial español, como aquellas formaciones políticas pos-coloniales emergidas de las luchas independentistas, y los Estados Nacionales, practicaron contra los pueblos indígenas de la Araucanía, las Pampas y la Patagonia Norte, entre los siglos XVI y XIX. Su objetivo consiste en realizar “un tributo al conocimiento de las maneras en que se desarrollaron y variaron los episodios de violencia inter-étnica” (Alioto et al., 2018: 18) en estas regiones dentro del rango temporal mencionado; con el “propósito adicional” de establecer si las prácticas llevadas adelante en dichas ocasiones pueden calificarse de genocidas, en tanto buscaban exterminar a un determinado grupo étnico, y “masivamente violentas, en el sentido de que las vidas de mujeres, niños y demás no combatientes fueron irrespetadas, algunas veces en desobediencia a las órdenes superiores, pero otras en cumplimiento estricto de las mismas” (Alioto et al., 2018: 18). Leia Mais

La história como campo de batalla: interpretar las violencias del siglo XX / Enzo Traverso

TRAVERSO Enzo
Enzo Traverso / Foto: Estaeslalibreria /

TRAVERSO E La Historia como campo de batallaA violência é um fio condutor viável para se compreender a historização do século XX? E ainda: o “campo de ruínas” em que consiste o século em questão oferece condições para a produção de conhecimento, enquanto fonte para reflexões no âmbito da Teoria da História?

As perguntas com que esta resenha se inicia podem ser respondidas por meio do livro La História como campo de batalla: interpretar las violencias del siglo XX, de Enzo Traverso, publicado originalmente L’histoire comme champ de bataille: interpréter les violences du XXe siècle, em Paris, em 2011, sem ainda tradução para o português. Objeto de investigação de um variado número de historiadores, o século XX se recusa a uma definição final: “A era dos extremos” (HOBSBAWM, 1995), “o tempo das crises” (REIS FILHO; FERREIRA ZENHA, 2000), “o século esquecido” (JUDT, 2010), “o século sombrio” (TEIXEIRA DA SILVA, 2004) são algumas das definições cunhadas pela historiografia recente. Traverso não destoa dessas acepções, definindo-o, sobretudo, como a era da violência, das guerras totais, das revoluções que naufragaram e das utopias que desmoronaram (TRAVERSO, 2012, p. 325).

Enzo Traverso é um historiador italiano – professor de Ciência Política na Universidade Cornell em Nova Iorque – conhecido, principalmente, por trabalhos acerca da primeira metade do século XX e de seus regimes totalitários. O livro objeto desta resenha é uma compilação de artigos de origens distintas que se relacionam por abordarem um mesmo objeto: os debates historiográficos em torno das violências do mundo contemporâneo, tendo como pano de fundo as interpretações globais do século XX como a idade das guerras, dos totalitarismos e dos genocídios. Desse modo, o autor problematiza os fenômenos político-ideológicos que influenciaram o desenrolar do conjunto de experiências que definem o status calamitoso desse século, como as Revoluções de 1789 e 1917, o Holocausto judaico e os movimentos anticolianiais.

O ponto de partida do historiador é o ano 1989, que, em seu critério analítico, não se inscreve na continuidade de uma temporalidade linear; ao contrário, indica um limiar, finaliza uma época para dar início à outra. A queda do muro de Berlim constitui um momentum de uma época de transição que mudou radicalmente a paisagem intelectual e política do mundo, modificando vocabulários e substituindo antigos parâmetros. Assim, conclui que 1989 alterou não apenas a geopolítica europeia, mas a maneira de interpretar e escrever a história do século XX (TRAVERSO, 2012, p. 15).

Entre as alterações mais significativas na operação historiográfica, o autor destaca três: o auge da História Global, o retorno do acontecimento e o surgimento da memória. São esses três momentos que estruturam os oito capítulos do livro. A História Global, ele explica, não é uma história das relações internacionais que analisa a coexistência e os conflitos entre Estados soberanos, mas um campo historiográfico que observa o passado como um conjunto de interações, de intercâmbios materiais e transferências culturais que estruturam as diferentes partes do mundo em um conjunto de redes. O retorno do acontecimento como foco de atenção dos historiadores, por sua vez, é apontado como um epifenômeno do fim da Guerra Fria em contraponto à sua redução a uma “agitación da superficie” levada a efeito pela perspectiva de longa duração. Finalmente, no período pós-Guerra Fria, vê-se a eclosão de uma infinidade de memórias, fruto das experiências pessoais das vítimas dos diferentes conflitos ocorridos ao longo do século, que assumirão um espaço privilegiado nas novas abordagens, tanto como fonte quanto como objeto de investigação histórica.

Estruturalmente, o “campo de batalha”, a que Traverso se refere no título da obra, forma-se no âmbito teórico de, pelo menos, dois modos: por um lado, Traverso evidencia que a verdade histórica está em constante tensão com a realidade; por outro, atesta a emersão de perspectivas conflitantes com as teorias tradicionais de interpretação dos fenômenos do século XX. Por exemplo, o entendimento que define as potências europeias como “centro do mundo” é relativizado, sugerindo reconsiderar o papel dos outros continentes no desenrolar dos eventos que marcaram o século XX.

No entanto, para o autor, escrever, tendo como ponto de partida metodológico a História Global, não significa simplesmente conceder maior importância ao mundo extra europeu em relação com a historiografia tradicional, mas sim mudar de perspectiva, multiplicar e cruzar pontos de observação (TRAVERSO, 2012, p. 17). Embora essa seja a defesa do autor, ele mesmo encontra certa dificuldade de pô-la em prática, visto que a centralidade de sua investigação está circunscrita à Europa, com exceção de algumas poucas passagens em que aborda algum aspecto relativo aos Estados Unidos. Mesmo o cruzamento de pontos de observação, como sugeriu, continua seguindo uma lógica essencialmente europeia, o que se revela, de algum modo problemático, no tratamento de um tema tão global quanto a violência.

No que diz respeito ao que considera outra mudança significativa, defende que o fim da Guerra Fria permite um paralelo entre a mudança geopolítica e o que se esboça ao mesmo tempo na historiografia. Traverso refere-se, nesse momento, à reavaliação do acontecimento na escrita da história. No livro, questiona a perspectiva de continuidade, alertando para a importância de se recuperar as inflexões da história. Para ele, o século XX se revelou como a idade das rupturas repentinas, fulminantes e imprevisíveis. As tendências estruturais criam as premissas de bifurcações, crises, cataclismos históricos (guerras, revoluções, violência em massa), mas não predeterminam seu desenvolvimento ou fim. A turbulência da Europa em 1914, a Revolução Russa, a chegada de Hitler ao poder, o colapso da França em 1940, o colapso do “socialismo real” no outono de 1989 representam rupturas que mudaram o curso do mundo, mas cuja emergência não era inevitável (TRAVERSO, 2012, p. 17).

Esses questionamentos colocados pelo historiador são nítidos nos capítulos dedicados ao nazismo e à comparação dos genocídios, acontecimentos que, de acordo com suas proposições, condensam várias ordens de temporalidade. Se o caráter repentino da Shoah põe em questão os paradigmas da história estrutural; o extermínio nazista, como um ponto culminantemente paroxístico de um conjunto de tendências que remontam ao século XIX, exige uma abordagem fundamentada na análise de longa duração. Isso fez, consoante argumenta o autor, com que os investigadores fossem obrigados a renovar sua reflexão sobre a articulação das temporalidades históricas (TRAVERSO, 2012, p. 18).

Além do que já fora mencionado em relação às suas contribuições à Teoria da História, ou seja, a História Global e o retorno do acontecimento, a violência que atua como fio condutor das experiências históricas do século XX pode levar a historiografia a uma série de outros questionamentos. Entre eles, a implicação subjetiva do historiador, a localidade do discurso, o distanciamento entre o historiador e o objeto, e a intersecção entre história e memória.

No capítulo “Exilio e Violencia”, Traverso defende que uma história do pensamento crítico não pode ignorar a contribuição dos intelectuais exilados, pois eles são “sismógrafos sensibles” dos conflitos que atravessam o planeta (TRAVERSO, 2012, p. 237). Em 2004, já havia proposto algo semelhante sobre a contribuição dos exilados para a História do século XX. Na ocasião, salientou que um dia a história do século XX teria de ser relida por meio do prisma do exílio; do exílio social e político, mas também e, sobretudo, do intelectual (TRAVERSO, 2004, p. 05), tarefa à qual tem também se dedicado.

A posição de estrangeiros, de apátridas ou desarraigados resulta em um observatório privilegiado dos cataclismos que afetam o mundo. A distância, nesse entendimento, modifica as perspectivas, acentua ou neutraliza a empatia e o olhar crítico dos observadores. Em razão disso, o efeito do “estranhamento” pode revelar-se frutífero (TRAVERSO, 2012, p. 238), perspectiva explorada também por Carlo Ginzburg na obra “Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância”, em que propõe uma espécie de “hermenêutica da distância”.

A transformação de perspectiva gerada pela distância afeta a escrita da história, uma vez que modifica a própria concepção de história do autor. Ademais, faz com que ele reconheça a impossibilidade de desassociar a interpretação do passado de uma luta inscrita no presente, a partir da constatação de que “no hay historiador sin principio y sin visión del mundo” (TRAVERSO, 2012, p. 240).

Uma observação semelhante seria feita por Estevão Martins em um ensaio publicado em 2006 em que se dedicou a analisar o século XX. Martins aponta que tem-se no século XX três grandes veios de afirmação da elaboração teórica da história como ciência: 1) a primeira, até o início da década de 1930, que se dedica à legitimação da história diante do paradigma das ciências naturais experimentais; 2) a segunda, que vai da fundação dos Annales em 1929 aos anos 1960, que se imerge na pesquisa empírica, sem se embaraçar de considerações epistemológicas e 3) uma terceira, que nos interessa aqui, desde há cerca de meio século, que articula a fundamentação teórica com a realização prática, independente da filiação doutrinária eventual (MARTINS, 2006, p. 3). O itinerário da legitimação do conhecimento histórico em seu formato científico, defende Martins, é o desafio e a aventura da historiografia do século XX (MARTINS, 2006, p. 2).

Para Traverso, a concepção de história como um exercício puramente científico é questionável, já que a interpretação do passado acontece em relação com a condição social do historiador. Sobre esse tema, analisando a historiografia alemã, italiana e espanhola, o autor conclui que no exílio, por exemplo, “las fronteras entre el erudito y el militante se vuelven porosas” (TRAVERSO, 2012, p. 243). A consequência disso é que a condução da escrita da história como um “dever político” pode obstaculizar uma reconstrução mais profunda, bem como crítica do passado, embora seja capaz de revelar a maneira como as escolhas políticas e as experiências individuais dos historiadores interferem nas suas interpretações.

Por fim, Traverso propõe-se à recorrente e, ainda necessária, reflexão acerca dos pontos de convergência e divergência entre história e memória. A intersecção entre os dois conceitos se dá em razão de que tanto a memória como a escrita da história são modalidades de elaboração do passado. No entanto, não se tratam de conceitos iguais: a memória é um conjunto de recordações individuais e de representações coletivas do passado; enquanto que a história consiste em um discurso crítico do passado, uma reconstrução de acontecimentos passados tendente à exame contextual e à interpretação. As relações entre história e memória se tonaram mais complexas, às vezes difíceis, mas sua distinção nunca foi questionada, e seguem sendo uma conquista metodológica essencial nas ciências sociais (TRAVERSO, 2012, p. 282).

A dificuldade em separar história e memória caracteriza nossa época enquanto encruzilhada de diferentes temporalidades, lugar de olhos cruzados em direção a um “acontecido” vivo e arquivado ao mesmo tempo (TRAVERSO, 2012, p. 284). Além disso, caracteriza o historiador do tempo presente, que ora é testemunha, ora é investigador de um mesmo tempo. A escrita da história do século XX, reflete Traverso, é um exercício de “equilíbrio sobre uma corda suspendida entre estas duas temporalidades”. Por um lado, seus atores adquiriram, por sua qualidade de testemunhas, um status inquestionável de fonte para os investigadores; por outro, estes últimos trabalham sobre uma matéria que interroga constantemente suas vivências pessoais, questionando sua própria posição (TRAVERSO, 2012, p. 284).

Conclui o autor que, no cenário devastado que é o século XX em decorrência de guerras, totalitarismos e genocídios, a vítima passa a assumir a centralidade, dominando a nossa visão da história. Nessa reatualização de fontes, sujeitos e escritores, o passado e o futuro se cruzam, criando-se e reinventando-se se mutuamente. (TRAVERSO, 2012, p. 284).

Cabe-nos lembrar que é nesse mesmo século como defendeu Martins (2006, p. 2) “que se realiza a dupla afirmação do campo da história: 1) como capaz de produzir conhecimento confiável 2) porque dotou-se de um a sustentação teórica sólida”, em que pese o caráter mediado da experiência histórica. E ainda, é nele que vê-se crescer a “abordagem sistemática da historiográfica como objeto de pesquisa”. O século XX, na sua condição de campo de ruinas, provou-nos Traverso, é, sem dúvidas, produtor de conhecimento no âmbito da Teoria da História, e a violência um dos fios condutores possíveis (e recomendável) para compreensão dessa era devastada.

Referências

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Aarão; ZENHA, Celeste (orgs) O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

GINZBURG, Carlo. Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

MARTINS, Estevão de Rezende. História e Teoria na Era dos Extremos. Revista de História e Estudos Culturais, vol III, ano III, n. 2, abril/maio/junho 2006.

TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos (org). O século sombrio. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

TONY, Judt. Reflexões sobre um século esquecido 1901-2000. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

TRAVERSO, Enzo. Cosmópolis figuras del exilio judeo-alemán. México: UNAM, 2004.

Thais Rosalina de Jesus Turial –Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade de Brasília (PPGHIS-UnB). Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/5421508661749527>. E-mail: turial.thais@gmail.com.


TRAVERSO, Enzo. La história como campo de batalla: interpretar las violencias del siglo XX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2012. Resenha de: TURIAL, Thais Rosalina de Jesus. A História é um campo de batalha. Em Perspectiva, Fortaleza, v.6, n.2, p.237-242, 2020. Acessar publicação original [IF].

 

Los nombres de lo indecible. Populismo y Violencia(s) como objetos en disputa – MAGRINI (ACHSC)

MAGRINI, Ana Lucia. Los nombres de lo indecible. Populismo y Violencia(s) como objetos en disputa. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2018. 346 p. Resenha de: FRANCO, Adriana Rodríguez. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura [Bogotá], v. 47 n. 2, jul. – dic. 2020.

En la historiografia de America Latina es comun observar trabajos que dicen desarrollar una perspectiva “comparada”. No obstante, la mayoria de esas publicaciones articulan su contenido alrededor de un tema o periodo historico, pero su analisis se mantiene en la orbita de las historias nacionales. Los fenomenos que se consideran comunes a la experiencia historica del subcontinente son estudiados a partir de casos: por ejemplo, el populismo en Argentina, en Brasil o en Mexico; la violencia en Colombia, Chile o Bolivia. Algunos de estos casos se erigen al estatus de tipos ideales, a partir de los que se comparan las demas experiencias —como ocurre con el peronismo—, mientras que otros adquieren la condicion de “casos excepcionales”, como la perenne violencia colombiana.

El estudio de Magrini no sigue esta linea tradicional para abordar la tan necesaria —pero al mismo tiempo tan elusiva— comparacion; de hecho, su proposito no es plantear un contraste entre los eventos asociados al desarrollo del populismo en Colombia y Argentina, o establecer, en terminos de verdad historica, cuales serian las razones que explican el “triunfo” o el “fracaso” de la experiencia populista en los dos paises. La obra no se constituye entonces como un estudio que trate de explicar por que el populismo si tuvo arraigo en la Argentina del auge industrial de la decada de 1940, a diferencia de Colombia, pais que vio fracasados sus precarios ensayos populistas y se embarco en un conflicto politico que aun no ha encontrado solucion.

En sintesis, el planteamiento del problema de investigacion de Los nombres de lo indecible surge de comparar sistematicamente como fueron construidos dos de los significantes mas importantes de la historiografia argentina y colombiana durante casi toda la mitad del siglo xx —el peronismo y el gaitanismo, respectivamente—, y cuales fueron los conceptos que se utilizaron para llenarlos de contenido: el populismo, para el caso argentino, y la(s) Violencia(s) para el colombiano. La construccion de esas categorias es observada en sus dimensiones sincronicas y diacronicas, para lo que se propone una periodizacion de ese proceso, el cual esta determinado por la relacion entre los autores responsables de la formulacion de dichos significantes —reiterativos y a la vez disputados en el escenario intelectual y politico de los dos paises— y las condiciones sociopoliticas e intelectuales en las cuales ellos se desenvolvian. Replantear la conexion texto/contexto le permitio a la autora detectar como se gesto la resignificacion de los objetos en las narrativas sobre el peronismo y el gaitanismo durante cada periodo y su transformacion con el paso de los anos. Es en el presente, en el momento en que se conciben las narrativas, cuando “se configura, el pasado, el presente y el futuro” (p. 16).

Magrini aclara que fueron varios los conceptos que en algun momento se esgrimieron para configurar como objetos historicos, tanto al peronismo como al gaitanismo; para el primero se pueden citar “fascismo”, “autoritarismo”, “dictadura”, “bonapartismo”, entre otros, y para el segundo “terrorismo”, “revolucion”, “bandolerismo”, “conflicto interno”; entre otros mas con los que se intento no solo caracterizarlo sino tambien investirlo de significado. No obstante, fueron “populismo” y “la(s) Violencia(s)” los que demostraron tener mas arraigo en las narrativas del peronismo y del gaitanismo, y a los que se les pudo realizar tanto un seguimiento como una comparacion sistematica, toda vez que su implantacion como significantes fue resultado de multiples debates y confrontaciones, debido especialmente a su estrecha conexion con las problematicas del contexto en que eran formulados. Los dos conceptos no solo fueron consolidandose, transformandose y asimilandose; la cuestion que detecta la autora es que ambos fueron excedidos en cuanto a su significado, adquiriendo sentidos diversos y multiples representaciones, en tanto servian como instrumentos para “decir lo indecible” en el presente.

El Dia de la Lealtad (17 de octubre de 1945) en Argentina y el Bogotazo (9 de abril de 1948) en Colombia fueron fechas revestidas con un caracter simbolico en la historia politica de los dos paises, no solo por la magnitud de las movilizaciones sociales que se produjeron —con un acento dramaticamente violento en el caso colombiano— alrededor de las figuras de Juan Domingo Peron y Jorge Eliecer Gaitan, respectivamente, sino porque fueron acontecimientos continuamente revisitados, releidos y resignificados, incluso antes de que los significantes “peronismo” y “gaitanismo” fueran esgrimidos en el proceso de construccion de sus narrativas. En relacion con estos eventos, Magrini devela como las formas en que fue interpretada la irrupcion de lo popular en la movilizacion politica y social del peronismo y del gaitanismo —especialmente visible en esas dos fechas— cumplieron un papel fundamental en el desarrollo de los debates politicos contemporaneos. En este punto, la autora puede sentar otro elemento de comparacion: entretanto, en la Argentina, las controversias se desarrollaban con el peronismo como una “presencia ausente”, un legado que mantenia con vigencia su impronta pese a la ausencia fisica de Peron; en Colombia el gaitanismo tenia la condicion de “ausencia presente”, en el que la violenta desaparicion de su lider represento tambien la eliminacion de su proyecto politico, aunque sin perder totalmente su actualidad al ser anorado por algunos o evocado con preocupacion por otros. Por esta razon, se habla en la obra de ambos como “objetos parciales”, nunca concluidos, ya que su contenido en las narrativas ha estado sujeto (y podemos inferir que lo seguira estando) a los “limites de decibilidad en determinados contextos” (p. 25) o a las condiciones de posibilidad de representacion de otros objetos con los que guardan cierta continuidad o relacion.

La estructura de la obra responde al planteamiento de un marco teorico diverso y nutrido de diferentes fuentes —que se halla detalladamente expuesto en la introduccion—, y cuya formulacion se orienta a demostrar que el pasado debe ser considerado fundamentalmente como una “reconstruccion discursiva” (p. 39). Asi, la autora reconoce que sus principales referentes se encuentran en el marco de la teoria politica del discurso, la historia politica e intelectual, y la historia y la politica como significacion, convocando a autores como Elias Palti, Ernesto Laclau, Slavoj Žižek, entre otros, y a partir de los cuales espera poder estudiar las disputas por la produccion de significados sobre lo politico y sus contextos de debate, asi como explicar por que unas narrativas lograron posicionarse como hegemonicas mientras que otras pasaron a ser marginales.

Tambien se destacan las categorias de “condensacion” —vinculada al analisis sincronico en la construccion del objeto historico—, de “desplazamiento” —que en una perspectiva diacronica revela la “flotacion” de los significados y las interpretaciones— y la de “la paralaje” —que, tomada desde la astronomia y enriquecida por Žižek, remite a como la posicion de un objeto cambia de acuerdo a la posicion del observador, sin que necesariamente se este ante la tradicional relacion sujeto/objeto, en la que el segundo es exterior al primero, quien simplemente lo observa—.

Desde esta propuesta teorica, Magrini comprueba la existencia de tres tipos de narrativas sobre el peronismo y el gaitanismo, y partiendo de ellas organiza los tres capitulos sincronicos del libro; en tanto, los dos restantes tienen una perspectiva diacronica. El primer capitulo analiza dos narrativas subjetivistas, producidas por dos cercanos participes de la movilizacion peronista (Cipriano Reyes) y gaitanista (Jose Antonio Osorio Lizarazo); ambos comparten lugares de enunciacion, al haber acompanado de cerca a los dos lideres en los primeros momentos de su actividad politica, para distanciarse posteriormente al denunciar la existencia de contradicciones en el movimiento o la usurpacion de liderazgos legitimos por actores oportunistas. El capitulo analiza la contribucion de los autores a la construccion del peronismo y gaitanismo como objetos historicos, el primero falseado y el segundo no reconocido, pero en ambos casos con base en una concepcion heroica del pueblo.

En el segundo capitulo emergen las narrativas polifonicas: durante la decada de 1960, Carlos Fayt contribuyo a consolidar la ruptura entre peronismo y antiperonismo, en la que lo popular aparece vinculado a la violencia y el pueblo (masa) maleable ante la influencia de lideres negativos como Peron; en cambio, en la narrativa de multiples perspectivas propuesta por Arturo Alape sobre el gaitanismo, el pueblo (multitud), tras la ausencia de Gaitan, quedara desprovisto de orientacion populista y sera susceptible de caer en la violencia en forma de venganza.

En este punto ya se hace evidente como se vincula la estructura de las narraciones subjetivas y polifonicas con la configuracion de las relaciones conceptuales del populismo y la(s) Violencia(s).

El tercer capitulo muestra como “hacia los anos ochenta el subjetivismo y la polifonia se fundieron con las narrativas objetivistas mas relativizadas” (p.

142), siendo muestra de ello las investigaciones doctorales de Juan Carlos Torre y Herbert Braun. Los argumentos de ambos autores, aunque matizados, no superaron las visiones ya construidas desde las opticas subjetivistas y polifonicas: el peronismo como obstaculo para el desarrollo de una democracia real en Argentina y el gaitanismo como proyecto truncado de inclusion politica de las mayorias.

del gaitanismo como objetos historicos vinculados al desarrollo del populismo y la(s) Violencia(s) como conceptos polisemicos en las ciencias sociales; y tambien de los cambios en el escenario politico de los dos paises. En dicho apartado se amplia considerablemente la cantidad de autores estudiados —no es claro porque el limite temporal para la muestra bibliografica es la mitad de la decada de 1980— y se explicita la articulacion y superposicion entre los momentos en que se produjeron las tipologias narrativas desarrolladas en los tres capitulos iniciales. Aqui se hacen mas evidentes las referencias cruzadas entre las interpretaciones argentinas y colombianas del populismo y la violencia, y que, en circulos academicos y en la opinion publica, giraron alrededor de planteamientos contrafactuales sobre “que hubiera pasado si”, por ejemplo, el peronismo no hubiera sido como fue o si Gaitan hubiera efectivamente gobernado.

Para concluir, es pertinente subrayar que Magrini no busco modelar otra definicion sociologica del populismo en Argentina, ni replantear los alcances de la violencia como categoria en la historiografia colombiana. Su obra se concentro en identificar como se llego a la formulacion de esos conceptos, que significado se les otorgo y como la interaccion entre los autores y su contexto politico e intelectual las hizo vacuas, flotantes y polisemicas; pero, lo mas importante, como contribuyeron a la significacion y resignificacion de los dos fenomenos sociopoliticos mas importantes de la historia del siglo xx en los dos paises. El peronismo y el gaitanismo han convocado el interes de una inmensa cantidad de autores, con diferentes trayectorias e intereses, pero son practicamente inexistentes para el caso latinoamericano las reflexiones que conduzcan a abrir nuevas perspectivas sobre la importante relacion entre la forma en que son revestidos de historicidad los eventos del pasado y las circunstancias en que ese proceso tiene lugar.

1. Nicholas Mirzoeff, Una introducción a la cultura visual (Barcelona: Paidós, 2003) 34.

Adriana Rodríguez Franco – Universidad del Tolima. E-mail: arodriguezfr@ut.edu.co.

Devastación. Violencia civilizada contra los indios de las llanuras del Plata y del Sur de Chile (Siglos XVI a XIX) | Sebastián Alioto e Juan Francisco Jiménez

La historiografía argentina sobre los estudios indígenas y fronterizos puede datar su completa renovación con respecto a las miradas tradicionales a inicios de la década de 1980. Varios trabajos se han referido a las temáticas y aportes que fueron surgiendo a lo largo de las décadas siguientes, por lo tanto me limitaré aquí a señalar solo algunos datos que considero pueden contribuir a una mejor contextualización del libro que se reseña. En esos primeros momentos, las investigaciones históricas y antropológicas siguieron muy de cerca los avances que se producían en Chile y confluyeron en revisar el carácter esencialmente violento de la relación interétnica y, de manera paralela, a redefinir la frontera como un lugar de encuentro de diversos grupos sociales. En la década siguiente, las investigaciones comenzaron a tomar como referencia a otros espacios fronterizos y a incorporar nuevos conceptos y modelos historiográficos, fundamentalmente los desarrollados en torno a la expansión fronteriza del oeste norteamericano, del norte de México y la expansión imperialista en África. Sin duda, este período que se prolonga aproximadamente hasta inicios del siglo XXI, fue el más fructífero en cuanto a la diversidad de temáticas y de metodologías innovadores utilizadas en la investigación y, asimismo, en la aparición de revistas centradas casi exclusivamente en la historia indígena y en la proliferación de espacios de discusión y de mesas temáticas en las jornadas más relevantes de la disciplina histórica. Destaco como puntos principales de esta etapa, el predominio de una perspectiva microanalítica en los estudios y los esfuerzos por integrar la historia indígena a la historia nacional. Ambos puntos se aplicaron fundamentalmente al estudio de ejes que se complementan: la conformación de liderazgos étnicos mediante el análisis de las trayectorias de los caciques como experiencias políticas localizadas, y los estudios puntuales sobre algunos espacios fronterizos que ahondaban en la variedad de relaciones que se anudaban en ellos. Los compiladores de este libro fueron protagonistas, con distinta intensidad, de este momento de auge e innovación.

Lo que puede observarse desde hace casi una década es una escasa renovación en los temas trabajados, primando profundizaciones de enfoques ya conocidos. Lo que puede señalarse como novedad en esta “meseta” historiográfica es el debate en torno a la pertinencia de utilizar el concepto de genocidio/prácticas genocidas para los procesos de ocupación del espacio indígena a finales del siglo XIX, restableciéndose de algún modo la centralidad de la violencia fronteriza para explicar procesos pasados. En general, estos enfoques se encuentran muy vinculados y son interpelados por los movimientos indigenistas que están cobrado más visibilidad en la esfera política. La creación en 2004 de la Red de Investigadores sobre Genocidio y Política Indígena en Argentina en la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires es un reflejo de esta posición y en ella se nuclean gran parte de los investigadores que sostienen esta postura. El uso académico del concepto de genocidio está apoyado en una extensa bibliografía producida por historiadores y sociólogos nucleados en el grupo de Genocide Studies. Recientemente, dos publicaciones en revistas de amplia circulación reflejan la vitalidad de esta problemática: un debate en Corpus (2011) y un dossier en Memoria Americana (2019). Leia Mais

Conflicto armado/Iglesia y violencia. Un estudio de caso: monseñor Jesús Emilio Jaramillo Monsalve/misionero javeriano de Yarumal y obispo de Arauca | Carlos Medina Gallego

Las investigaciones sobre la Iglesia Católica en Colombia han tenido diversos enfoques, se han abordado desde diferentes disciplinas y han tenido en cuenta multiplicidad de temas. En lo político, los estudios se han destacado por mostrar su participación en favor del conservatismo, sobre todo, en la segunda mitad del siglo XIX y la primera mitad del siglo XX; su aprobación o desaprobación a candidaturas presidenciales; sus discursos y posición en relación con los diferentes periodos de violencia en el país; o su participación en escenarios de diálogos de paz. En lo social, por su parte, se encuentran estudios sobre los alcances de la acción social católica en el país; su influencia en las organizaciones de trabajadores; los procesos de evangelización en zonas periféricas; o su constante opinión sobre las mujeres, la sexualidad o la familia. Sin embargo, a pesar de lo anterior, se ha prestado muy poca atención a la victimización de la Iglesia en el marco del conflicto armado colombiano1. De tal modo que, el libro del investigador Carlos Medina Gallego2, el cual aborda el caso del asesinato del obispo Jesús Emilio Jaramillo Monsalve por parte del Ejército de Liberación Nacional -ELN- en 1989, representa una novedad. Leia Mais

l Sitio Chenque I. Un cementerio prehispánico en La Pampa occidental. Estilo de vida e interacciones culturales de cazadores recolectores del Cono Sur americano – BERÓN (IA)

BERÓN, Monica (Comp.). El Sitio Chenque I. Un cementerio prehispánico en La Pampa occidental. Estilo de vida e interacciones culturales de cazadores recolectores del Cono Sur americano. Buenos Aires: Sociedad Argentina de Antropología, Buenos Aires, sd. 532p. Resenha de: DILLEHAY, Monica. Violencia, salud y vida social expresada en patrones mortuorios de cazadores y recolectores de La Pampa. Intersecciones en Antropología, Buenos aires, v.20, n. 2, ago./ dic., 2019.

Mónica Berón y sus colegas presentan un excelente análisis interdisciplinario de las prácticas de entierro para explorar las relaciones de salud, sociales y demográficas de los cazadores y recolectores en el cementerio de Chenque I en el Parque Nacional de Lihué Calel en La Pampa occidental.

El sitio data de hace 1050 a 290 años, con un hiato entre 700 y 400 AP, probablemente debido a la sequía y el abandono en la zona. Los datos son únicos en calidad y detalle debido al énfasis en el uso a largo plazo, pero intermitente, del cementerio comunal. Al ver los entierros en el cementerio como elementos activos de distintos grupos sociales a lo largo del tiempo, los autores analizan un conjunto de datos locales que demuestran el uso de ciertas tradiciones de entierro y las diferencias socioculturales, y cómo ciertos factores afectaron la deposición y preservación del entierro. Además, las prácticas mortuorias expresan una igualdad social abierta y una membresía comunitaria más inclusiva a medida que los niños se incorporaban al cementerio.

En general, los datos de entierro sugieren los cambios diacrónicos en el género, las definiciones de grupos sociales y la salud, aunque en tiempos históricos tempranos se muestran estados sociales ligeramente diferentes, pero no tanto entre los sexos como entre las edades.

Más específicamente, el diseño espacial de los entierros –principalmente en forma de paquetes discretos temporalmente– y el tratamiento de cuerpos en Chenque I demuestran varias fases de desarrollo. En las fases iniciales, los entierros eran primarios simples, secundarios simples y múltiples y disposiciones simples. Para las fases posteriores, los entierros más complejos están presentes en forma de primarios dobles y presentan diferentes formas de tratamiento de los cuerpos. Los entierros posteriores se agrupan, mientras que los más tempranos se colocan al azar, y los posteriores muestran una progresión hacia una mayor complejidad social.

Uno de los períodos más interesantes de la práctica mortuoria es entre 400 y 290 AP, el período histórico, cuando hay más violencia evidenciada en los huesos y cuando los muertos, en su mayoría, estaban envueltos con pieles pintadas adornadas con cuentas de materias primas malacológicas. También, la falta de entierros intrusivos de periodos sucesivos y la separación espacial de los grupos de entierros en diferentes paquetes sugieren que el cementerio representa un lugar de memoria y posiblemente un conocimiento de dónde se ubicaron los entierros anteriores.

Berón examina bienes y adornos (e.g., tocados, cuentas, metales) asociados con los cuerpos, que en ocasiones incluyen materiales exóticos importados como turquesa, cobre nativo, cobre estannífero y plata, derivados a través de adquisiciones directas y, más probablemente, “down-the-line”, intercambio presumiblemente de los Andes del noroeste de Argentina o del sur de Bolivia. La presencia de metal a partir de 1000 años es la más temprana en las regiones pampeana y patagónica. El estudio de Cimino y Pastorino (pp. 263-284) sobre la malacología de las cuentas demuestra la importación de conchas de los océanos Pacífico y Atlántico. Hay tocados que demarcan a ciertos individuos, en un caso especial tal vez un guerrero. Diferentes tratamientos de entierro y adorno están presentes para niños y adultos. En resumen, se analiza el papel de los tipos de bienes y adornos para la identificación sociocultural, y el análisis de los bienes y sus asociaciones con cuerpos de diferentes sexos y edades es especialmente exitoso. El estudio detectó algunas pruebas de estatus de individuos y mostró diferencias en los que recibieron un tratamiento de entierro ligeramente especial, como el posible guerrero.

El análisis de la salud es algo diferente de otros temas examinados, ya que señala con poca frecuencia las diferencias de edad y sexo entre los cuerpos.

El estudio de Luna (pp. 101-136) sobre el perfil de mortalidad revela lo que parece ser un número excesivo de jóvenes enterrados, con un gran número de muertes antes de los 10 años. Aunque casi la mitad de la población total nunca llegó a la edad adulta, muchos otros murieron entre los 20 y 40 años de edad, en concordancia con los perfiles de mortalidad de otras sociedades de cazadores-recolectores prehistóricos de todo el mundo. La edad promedio en el momento de la muerte no cambió drásticamente con el tiempo o incluso difirió mucho entre hombres y mujeres adultos.

El análisis de hipoplasia del esmalte, caries, hiperostosis porótica / cribra orbitalia, periostitis y, en particular, trauma / fracturas, produjo algunos resultados interesantes. La cantidad de daño post mortem a los esqueletos, especialmente en el ambiente seco del desierto del sitio, es algo sorprendente. Los estudios de Di Donato (pp. 137-164) y Oliva (165- 176) sobre los huesos, la entomología y otros análisis revelan daños significativos en algunos casos. El estudio de Aranda y Araujo de paleoparásitos (pp.

327-340) también indica alteraciones considerables de los huesos. Además, Diana (pp. 341-365) estudió el estrés físico en los huesos adultos, que mostró diferencias por edad y sexo que se relacionan principalmente a diferentes tareas de trabajo. Luna y Aranda (pp. 419-452) también revelaron diferentes patrones bucales a lo largo del tiempo y por edad y sexo. El estudio de Musaubach y Babot (pp. 397- 418) de los microrresiduos en los dientes reveló el consumo de Bromus y otras plantas comestibles.

Uno de los patrones más notables del registro de entierros de Chenque I, especialmente en los últimos tiempos, es la evidencia de violencia y guerra. Al parecer, hubo dos períodos de conflicto mayor: 1050-700 AP, cuando dicho conflicto pudo haber sido más restringido y regional, y 435-290 AP, cuando hubo una interacción intergrupal más intensa y una contienda interétnica más amplia, que es el período colonial. En esta última etapa, la violencia puede haberse asociado con una mayor movilidad, la llegada de nuevos grupos y la disputa por las rutas de intercambio en los Andes hacia el oeste, con un mayor contacto entre diferentes grupos de diferentes áreas (especialmente la región de Araucanía y Chubut). Los estudios de Barberena et al. (367-395) sobre los isótopos confirman la presencia de entierros locales y no locales y sugieren un movimiento transandino entre el este u oeste durante el último período. La presencia de adornos de concha marina de los océanos, tanto del Pacífico como del Atlántico, también sugiere un movimiento y/o intercambio entre el este u oeste. Sin embargo, como se señaló anteriormente, debe haber habido algún intercambio y movimiento hacia el norte, como lo sugiere la presencia de turquesa y cobre.

El estudio de los artefactos líticos por Velárdez (pp.173-223) y Carrera Aizpitarte (pp. 225-262) revela la diversidad tecnológica y las materias primas derivadas de fuentes locales y no locales; también evidencia la movilidad y el intercambio entre áreas.

En un capítulo al principio del libro, Molinari (pp. 49-74) analiza la comunidad moderna de Lihué Calel y su participación en la arqueología del parque nacional y en el patrimonio cultural en general.

El libro termina con una larga discusión entre Guastavino, Berón y Di Biase (pp. 497-525) acerca de temas similares, que muestra que el sitio del cementerio no solo es para los muertos prehistóricos sino también para la sociedad actual.

Este estudio mostró que la sociedad de cazadores- recolectores de la Pampa occidental no era tan simple como podríamos haber imaginado. Con la metodología interdisciplinaria y la base de datos presentada para Chenque I, los arqueólogos pueden comparar el sitio con diferentes características de entierro en otros sitios, utilizando una variedad de factores y períodos de tiempo para obtener una imagen más clara respecto de si otras sociedades de cazadores y recolectores en el Cono Sur y en otros lugares osciló en composición social y complejidad a lo largo del tiempo. A lo largo de la historia, muchas sociedades de cazadores y recolectores en todo el mundo parecen haber pasado de niveles más bajos a niveles más altos de complejidad social.

La metodología del libro también es útil por su configuración intertemporal, que permite a los investigadores de Chenque I ajustar bien las identificaciones temporales y culturales de las diferentes fases de uso del sitio. En resumen, el libro pretende ser una nueva línea de base para los estudios de enterramiento en el Cono Sur (y en otros lugares), en los que los académicos pueden usar los datos resumidos y las tendencias de enterramiento para explorar estos problemas y analizar de manera más sistemática los diferentes sitios, períodos y culturas.

Al final, al igual que con cualquier estudio a gran escala, hay problemas y nuevas preguntas sin respuestas. Por ejemplo, me gustaría haber visto más información sobre los patrones de asentamiento locales o regionales que relacionen el cementerio con otros tipos de sitios, especialmente con cualquier sitio residencial conocido posiblemente vinculado a Chenque I. También pensé que debería haber un análisis más comparativo del sitio con otros cementerios de cazadores-recolectores en todo el continente, especialmente con respecto a la violencia doméstica e intergrupal. También se necesita más explicación del significado de los paquetes de entierro separados. Finalmente, quizás en el futuro se puedan realizar análisis genéticos en una muestra de individuos de diferentes paquetes para probar sus afinidades locales y no locales.

A pesar de estas pocas preocupaciones, el libro de Berón y sus colegas trata sobre uno de los mejores y más minuciosamente investigados sitios de cementerios de cazadores-recolectores prehistóricos e históricos en América del Sur. Es una lectura obligada para profesionales y estudiantes interesados en este nivel de la sociedad indígena y específicamente en los patrones mortuorios. Este volumen establece un nuevo estándar para investigaciones científicamente rigurosas que se acompañan de interpretaciones intuitivas de la base de datos y asociaciones con la comunidad viva local. Todos los capítulos están bien concebidos y repletos de datos empíricos. Berón y sus colegas también son diligentes en revelar cualquier sesgo y el contexto dentro del cual se acercan al registro arqueológico.

Sería refrescante si presenciáramos mucho más de este tipo de arqueología.

Tom D. Dillehay – Universidad de Vanderbilt, EEUU, Department of Anthropology / Universidad Austral de Chile, Puerto Montt, Chile, Nashville, TN 37325, Estados Unidos. E-mail: tom.d.dillehay@vanderbilt.edu.

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The Injustice Never Leaves You: Anti-Mexican Violence in Texas – MARTINEZ (THT)

MARTINEZ, Monica Muñoz. The Injustice Never Leaves You: Anti-Mexican Violence in Texas. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2018. 400p. Resenha de: WEBER, John. The History Teacher, v.52, n.3, p.530-532, may., 2019.

In her remarkable book, The Injustice Never Leaves You, Monica Muñoz Martinez examines the prevalence of anti-Mexican violence in Texas in the early twentieth century, and the importance of the lingering memories and scars created by those campaigns of violence on those who survived. Beyond highlighting episodes of racialized violence in the 1910s and their importance in solidifying a segregated society in the Texas-Mexico border region, this book also focuses on the efforts by those affected by racial violence to understand and record their own version of this history that has long been denied by both officials and academics in Texas.

Martinez has produced an enormously important history of extralegal violence that demands its readers confront past crimes and their continued resonance today.

The book’s first three chapters examine three infamous episodes of anti-Mexican violence and the struggles by survivors to challenge the presumption that wanton killing of Mexicans was justified. The lynching of Antonio Rodríguez in 1910, the murder of Jesus Bazán and Antonio Longoria by Texas Rangers in 1915, and the killing of fifteen ethnic Mexicans at Porvenir by a separate group of Texas Rangers in 1918 yielded no criminal convictions or punishments. They were all justified by state officials and local law enforcement as appropriate, if brutal, punishment for bandits or people deemed inherently criminal. Beyond these justifications that shielded Texas Rangers or lynch mob members from facing any punishment for their crimes, the families of the murdered and community members in each of these places fought against official versions of the past with a determined effort to maintain and cultivate their own understanding of history based in preserved community memories. In these alternate portrayals of the past that still circulate near the sites of these century-old murders, the Texas Rangers and white vigilantes were the criminals, preying on innocent, law-abiding locals. “Preserving memories,” writes Martinez, “became a strategy of resistance against historical inaccuracies and social amnesias” (p. 126).

Beyond just recounting these moments of violence, in other words, Martinez shows the continued resonance of these extralegal murders and the efforts by those affected to “insist that the state and cultural institutions stop disavowing this history and instead participate in the long process of reckoning” (p. 29).

The book’s next two chapters delve into efforts by the state of Texas and generations of historians to hide the brutal reality of racist violence and the Texas Rangers in the early twentieth century. Martinez shows that in 1919, the Texas government held off two efforts to punish state violence and mob violence. State Representative José Tomas Canales held a much-publicized investigation of the Texas Rangers in an attempt to both record their misdeeds and force their reform.

While the investigation produced thousands of pages of testimony and revealed the racist violence that animated Ranger activities in the border region, the state legislature, the adjutant general’s office, and the governor all resisted efforts to condemn past actions or reform the Rangers. Instead, Ranger activities were justified by Anglo state officials as necessary protections against endemic and inevitable banditry in the border region. As Martinez points out, the governor and the legislature also rejected efforts by civil rights advocates to pass anti-lynching legislation after a particularly brutal and public lynching in Hillsboro in early 1919. These simultaneous failures to confront both state and mob violence were, the author argues, clear proof that these forms of extralegal violence were selfreinforcing and “had a state-building function” (p. 6).

Martinez closes the book with an examination of recent efforts to use public history as a means to tell this more violent and complicated history. The author and other historians of the Texas-Mexico border region have worked to tell the true history of the Texas Rangers and vigilante violence through historical markers and, most ambitiously, through an exhibit at the Bullock Texas State History Museum in Austin in 2016 that revealed the history of racial violence that the state had tried to justify and then hide a century earlier.

The Injustice Never Leaves You is an important and timely book that should be read and taught widely. Martinez not only reveals the centrality of racial violence in Texas history, but also makes clear that the events of the past continue to bleed into the present through memory and through the unhealed wounds of contested history.

John Weber – Old Dominion University.

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La violenza contro le donne nella storia. Contesti, linguaggi, politiche del diritto – FECI; SCHETTINI (BC)

FECI, Simona; SCHETTINI, Laura Schettini. La violenza contro le donne nella storia. Contesti, linguaggi, politiche del diritto. (Secoli XV-XXI). Roma: Viella, 2017. 287p.  Resenha de: GUANCI, Vicenzo. Il Bollettino di Clio, n.9, p.73-74, feb., 2018.

Le guerre di fine Novecento si sono distinte non solo per il 95% di vittime civili non combattenti ma per l’uso del corpo delle donne come arma. In particolare le guerre etniche nella ex Jugoslavia e in Ruanda hanno messo in evidenza come gli stupri di guerra fossero programmati e usati come un’arma vera e propria. Un’arma particolarmente efficace nelle società patriarcali fondate su una concezione proprietaria del corpo femminile. La guerra non solo rende legittimo infrangere i comandamenti divini del non rubare e non uccidere ma anche quello di non desiderare la “donna d’altri”; lo stupro della “donna del tuo nemico”, infatti, ha la duplice funzione di umiliare nell’immediato il nemico incapace di proteggere la “propria” donna e di garantirsi in aggiunta effetti dirompenti che vanno oltre la fine del conflitto.

Del resto, la retorica nazional-patriottica usa la metafora della nazione-donna da difendere e lo sfondamento dei confini un disonore; proprio questo fece assumere allo stupro un valore chiave nei conflitti tra nazionalismi, rendendolo nel corso del Novecento una tra le più efficaci e ricercate pratiche di guerra.

Ma andiamo per ordine. Il volume curato da S. Feci e L. Schettini affronta il tema della violenza maschile sulle donne nell’Europa degli ultimi cinquecento anni. Le fonti principali sono di tipo giuridico: testi normativi e atti processuali.

Analizzati e interpretati alla luce del contesto storico e sociale nel quale venivano utilizzati e applicati.

Ad esempio, in età moderna (e medievale) le prerogative del capofamiglia di esercitare un diritto di correzione (ius corrigendi) nei confronti della moglie, dei figli, dei domestici era considerato ovvio, riconosciuto ovunque in Europa e nei domini coloniali, qualsiasi fosse la confessione religiosa, la situazione patrimoniale della famiglia, il contesto politico e sociale. Era considerato, altresì, ovvio l’uso della forza per correggere e imporre comportamenti adeguati all’obbedienza e al rispetto che si deve al capofamiglia.

Tuttavia, l’uso della “forza” non doveva eccedere, sconfinando nella “violenza”. In questo caso, la moglie poteva ricorrere a istituzioni e magistrature per denunciare gli abusi. Diventava in quel caso decisiva la testimonianza dei vicini, la percezione che il contesto sociale aveva delle violenze. Va detto che la tendenza naturale di magistrati sia ecclesiastici che laici era quella di salvaguardare l’unità della famiglia limitandosi, nei casi più favorevoli alle donne, ad un ammonimento al maschio violento.

La cosa interessante è che l’esame attento delle carte processuali, pur narrando storie di violenze prolungate nel tempo e di progressiva gravità, consentono di individuare un limite, una “soglia”, pur flessibile, tra l’uso della forza per correggere comportamenti ritenuti inaccettabili e l’abuso violento e ingiustificato.

Oggi la violenza contro le donne, in particolare i tanti femminicidi degli ultimi anni, da qualcuno è stata vista come un ultimo colpo di coda del patriarcato declinante.

Non è detto. La partita è lunga. L’indagine storica può aiutare a capire di più e meglio. Si pensi, per esempio, al rifiuto inflessibile e religiosamente fanatico del “matrimonio affettivo” in molte società, ritenendo un sacro obbligo divino per il pater familias scegliere lo sposo per la “propria” figlia. La storia ci fa capire tanto. Prima di tutto ci rende chiari i tratti costitutivi del patriarcato ancora presente nelle nostre società contemporanee; in secondo luogo, fa piazza pulita di ogni generalizzazione e semplificazione circa i contesti nei quali è presente la violenza maschile contro le donne. Essa non conosce confini geografici né epoche storiche; non ha barriere culturali né di classe né tantomeno religiose.

“D’altronde, scrivono nell’introduzione le curatrici nell’Introduzione, tra uomini e istituzioni era e resta a lungo in atto una partita circa i margini di immunità e impunità spettanti al pater familias, condotta e giocata con variazioni ed esiti difformi nel tempo e nei diversi contesti, ma assai viva.”

Vicenzo Guanci

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Mulheres/ Violência e Justiça no século XIX | Marinete Aparecida Zacharias Rodrigues

Mulheres, Violência e Justiça no século XIX (2016) tem como objetivo introduzir os leitores a uma temática histórica inovadora e complexa. Resultado da tese de doutorado da historiadora Marinete Aparecida Zacharias Rodrigues, o livro trabalha com questões de violências e justiça no cotidiano imperial, numa província pouco explorada pela economia na época e também pela historiografia, o Mato Grosso (1830-1889). A historiadora aborda em sua tese as convivências sociais e os múltiplos fatores que levavam essas violências (físicas e simbólicas) aos gêneros femininos e masculinos na região do sul do Mato Grosso durante o segundo período imperial. Para isso, Rodrigues utilizou de fontes diversas, incluindo inventários, documentos jurídicos e de viajantes para tentar compreender a complexidade cultural e social que a região possuía na época.

Como metodologia de análise histórica, a historiadora recorre à interdisciplinaridade acerca do conhecimento empírico e noções teórico/metodológicas de outras ciências (medicina legal, legislação) para compreensão, por exemplo, de violências sexuais. Ademais, enfatiza as relações de gêneros enquanto relações de poder exercidas pelas dominações masculinas, resistências e das próprias instituições legais como produtoras de formas específicas de poder (2016, p. 26). Leia Mais

Não é só a torcida organizada: o que os torcedores organizados têm a dizer sobre a violência no futebol? | Marcelo Fadori Soares Palhares e Gisele Maria Schwartz

Introdução

A violência no futebol tem sido um dos principais temas de pesquisas acadêmicas nas áreas das ciências humanas e sociais dos últimos vinte anos no Brasil, sobretudo no que se refere aos confrontos envolvendo torcedores organizados. 5 Alguns trabalhos e autores se tornaram referência nesse tema, por exemplo, a produção de Maurício Murad e Luiz Henrique de Toledo. Na esteira de um tema com grande potencial, Marcelo Palhares e Gisele Schwartz apresentam o livro Não é só a torcida organizada: o que os torcedores organizados têm a dizer sobre a violência no futebol?

Nesta pesquisa, os autores apresentam novas perspectivas acerca do estudo desta relação tensa entre o torcer e a violência, a fim de destacar as motivações destes agentes para tal ocorrência 6. Para isso, Palhares e Schwartz descarregam grande esforço na coleta de informações referentes aos episódios envolvendo violência nos estádios, aplicando uma metodologia embasada em depoimentos retirados de entrevistas envolvendo membros de algumas torcidas organizadas do São Paulo Futebol Clube7 que visa detectar aspectos linguísticos regulares que tipificam a definição de “violência no futebol brasileiro”8. Com efeito, o intuito das entrevistas e das demais ferramentas apresentadas para interpretação das falas dos entrevistados (ricamente aplicada no decorrer do livro) é identificar quais embasamentos e táticas argumentativas estão presentes nas falas dos torcedores para poder, enfim, compreender o que é violência para determinado grupo. Leia Mais

Earth Beings. Ecologies of Practice Across Andean Worlds – De La CADENA (A-RAA)

De La CADENA Marisol
Marisol de la Cadena. www.rigabiennial.com.

De La CADENA M Earth Beings. Ecologies of Practice Across Andean WorldsDe La CADENA, Marisol. Earth Beings. Ecologies of Practice Across Andean Worlds. Durham: Duke University Press, 2015. Resenha de: MORENO, Javiera Araya. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.26, set./dez., 2016.

A veces la lectura de un trabajo etnográfico da la impresión de que este se refiere a diversas y múltiples tradiciones teóricas, al asociarlas de manera más o menos deliberada con partes específicas del trabajo de campo. El relato etnográfico parece entonces responder a la literatura de las ciencias sociales, sin que la reflexión pueda en efecto ilustrar, desafiar, refutar o sustentar algunas de las corrientes teóricas a las que apela de forma fragmentada. Pareciera que el autor no compromete por entero su investigación con determinadas corrientes teóricas e impide así que la dimensión empírica del terreno pueda cuestionar o tensionar plenamente los supuestos teóricos que de manera parcial lo estructuran.

El trabajo de Marisol de la Cadena sobre el que trata esta reseña es un ejemplo de todo lo contrario. A través de su lectura no solo aprendemos sobre las constantes luchas de una comunidad indígena en Perú -contra la hacienda como institución productiva que esclavizaba a sus miembros, contra las corporaciones y sus planes de extracción mineral en sus territorios, contra la policía peruana y su arbitraria aplicación de la ley y, en resumen, contra la pobreza en la que se encuentran- sino que también vemos cómo la autora moviliza su trabajo de campo para interpelar dos grandes corrientes teóricas que marcan la antropología contemporánea. Por un lado, aquélla que denuncia la especificidad colonial de la producción de conocimiento sobre un “otro” y, por otro lado, aquélla que postula la existencia de una diferencia ontológica -y no solo epistemológica- con el “otro” que se quiere conocer.

Respecto a la primera discusión teórica, la autora nos invita a comprender la lucha de la comunidad en su irreductibilidad a las claves de lectura occidentales y eurocéntricas. Respecto a la segunda, De la Cadena constata que ahí donde algunos ven una disputa legal por derechos respecto a la propiedad de un terreno o una movilización campesina por una distribución más justa de las riquezas generadas por la explotación agrícola, otros -precisamente sus protagonistas en la comunidad- ven algo distinto, o más bien algo más. Habitan un territorio que no es solo tierra, sino también un conjunto de relaciones entre seres cuya condición de “humanos” solo puede ser atribuida a una parte de ellos. Efectivamente, en la comunidad indígena de Pacchanta, y retomando los términos en quechua, runakuna (humanos) y tirakuna (no humanos o seres de la tierra) establecen relaciones entre sí y entre ambos. Para los miembros de esta comunidad, lo que pasa allí necesariamente incluye a estos seres no humanos. El lugar emerge necesariamente de estos vínculos que exceden la manera en la que usualmente se piensa en una montaña (por ejemplo) como cosa, sea esta como tierra que puede ser explotada o como espacio natural que debe ser conservado.

¿Cómo producir conocimiento sobre un otro que es tan “otro” que no adhirió a la distinción ontológica -y moderna (Latour 1993)- entre sociedad y naturaleza? ¿Cómo hacerlo de tal manera que este conocimiento producido sea susceptible de reconocer historicidad, es decir trascendencia, relevancia y sentido, a experiencias que parecen solo adquirir pertinencia cuando se insertan en modelos de interpretación que son familiares para el observador occidental, como el de la liberación campesina, del chamanismo andino o del multiculturalismo? ¿Cómo integrar los seres no-humanos, sus intereses y capacidad de acción en conflictos medioambientales y en general en la toma de decisiones políticas que afectan a la comunidad a la que pertenecen? Marisol de la Cadena reflexiona respecto a estas preguntas y ofrece una escritura precisa, honesta y que refleja un esfuerzo logrado por explicar cuestiones complejas con palabras simples. Las descripciones son a la vez suficientes y densas y las repeticiones, que a veces llaman la atención por su abundancia, contribuyen a la comprensión del texto.

El libro está compuesto, además de un prefacio y de un epílogo, por siete narraciones (stories) y dos interludios que presentan las vidas de Mariano Turpo y de Nazario Turpo respectivamente, amigos e informantes de De la Cadena. En la primera narración la autora despliega el arsenal teórico con que escribirá su etnografía y un concepto predominante en todo el libro será el de “conexiones parciales” (Strathern 2004 [1991]), según el cual el mundo no está dividido en “partes” agrupadas a su vez en el “todo”, sino que -como en un caleidoscopio- el “todo” incluye a las “partes”, las que a su vez incluyen el “todo”. Esta imagen permitirá a la autora justificar la idea de que similitud y diferencia pueden existir simultáneamente -en Pacchanta, en Cusco y también en Washington D.C., donde uno de los informantes participa en una exposición-, de que los mundos no tienen que excluirse para poder existir de manera diferenciada.

Por ejemplo, el primer interludio nos cuenta cómo Mariano Turpo, en virtud de sus capacidades para negociar tanto con el hacendado como con los seres de la tierra, fue elegido para encabezar la lucha de la comunidad por liberarse de la hacienda Lauramarca1. Se trataba más bien de “caminar la queja” o “hacer que la queja funcione” (queja purichiy), lo que incluía una serie de interacciones con la burocracia urbana peruana -en Cusco y en Lima- para que esta reconociera de forma legal los abusos del hacendado y eventualmente los derechos de la comunidad sobre la tierra. En uno de sus viajes a Cusco, Mariano Turpo pasa a la catedral a explicar a Jesucristo cómo llevará a cabo su misión, encomendada por su comunidad y que incluye entonces la voluntad de Ausangate, la gran montaña a cuyas faldas se encuentra Pacchanta. Esa mezcla, que en realidad no es mezcla ni sincretismo puesto que no anula cada una de las partes, entre elementos de la religión Católica y el rol de la voluntad de un ser de la tierra -atribuido por la comunidad indígena-, daría cuenta de una de las muchas “conexiones parciales” que identifica Marisol de la Cadena.

Con esta conceptualización presente a lo largo de todo el libro, la autora continúa su análisis describiendo en detalle, en la segunda y la tercera narración, cómo los runakuna “caminaron su queja” y llegaron en la década de los ochentas a distribuir las tierras entre ellos y a ejercer plena propiedad sobre ellas. Basada en autores como Trouillot (1995), Guha (2002) y Chakrabarty (2000), De la Cadena construye un marco de análisis que da pie para pensar un “líder indígena” que, al mismo tiempo que efectivamente lidera la movilización, no es tal. De hecho, para los runakuna Mariano Turpo no era un representante de la comunidad, sino que hablaba desde ella y no solo con humanos. El conjunto de documentos que Mariano Turpo había reunido respecto a la queja y que al momento de ser contactado por De la Cadena le sirve para hacer fuego, adquiere el estatus de archivo o más bien de “objeto límite” -una especie de materialización de una conexión parcial- entre el mundo de la burocracia estatal centrada en lo escrito y el mundo indígena principalmente unilingue quechua, en el cual pocas personas saben leer y escribir a pesar de los esfuerzos de la comunidad por tener escuelas frente a la oposición de la hacienda. ¿Cómo conferir evenemencialidad, algo así como capacidad para ser algo más que parte del paisaje y alterar el desarrollo de los hechos en la lucha por el territorio, tanto a los runakuna como a seres de la tierra? De la Cadena responde a esta pregunta en la cuarta narración.

El segundo interludio avanza según la cronología de la situación en Pacchanta en las últimas décadas. Nazario Turpo, hijo de Mariano Turpo y también capaz de comunicar con seres no-humanos, es el protagonista principal de la segunda parte del libro. En ella, aprendemos que la situación de abandono en que se encuentra la comunidad de los Turpo no ha cambiado a pesar del relativo éxito de la lucha por la tierra, de la reforma agraria o del multiculturalismo promulgado por el presidente Toledo (2001-2006). Y cuando De la Cadena habla de abandono lo hace citando a Povinelli (2011), es decir apuntando a un proyecto sistemático por parte del Estado peruano según el cual la vida de los runakuna se conjuga siempre en pasado o en futuro anterior, pero nunca en presente, de tal manera que sus muertes no gozan de evenemencialidad. La muerte de Nazario Turpo en un accidente de carretera en el bus que lo transportaba a Cusco, donde ejercía como chamán para una agencia turística, es quizás -insinúa la autora- el resultado de las malas condiciones de las carreteras de la zona, las que no se limitan solo a los caminos, sino que también se extienden a escuelas y hospitales y contribuyen a la situación de pobreza y de carencias en un altiplano afectado por sequías e inviernos helados.

La quinta narración nos explica cómo Nazario Turpo llegó a obtener el trabajo de chamán en una agencia turística y cómo este puesto es el resultado de la mercantilización de las prácticas indígenas en el Perú; mercantilización más bien de las prácticas y sus significados que se imputan a los runakuna y que no necesariamente tienen. De hecho, De la Cadena comenta que el rol de “chamán” no existe para los runakuna -quienes identifican en cambio a un paqu, algo parecido, pero diferente- y para quienes prácticas como los despachos ofrecidos a seres de la tierra, traducidos por lo general como “ofrendas”, no hacen ni pueden hacer referencia a una espiritualidad por cuanto los seres de la tierra no tienen ni son espíritus, solo son.

La venta del “chamanismo andino” como producto turístico benefició a nivel económico a Nazario Turpo y a su familia y le valió una invitación a Washington D.C. para participar en una exposición organizada por el National Museum of the American Indian, en tanto parte del equipo de curadores de la exhibición y en tanto él mismo como indígena parte de la muestra. La sexta narración se centra en esta colaboración entre Nazario Turpo y el museo y describe múltiples “equivocaciones” en el sentido desarrollado por Viveiros de Castro (2004), es decir como intentos aceptadamente errados de traducción de la realidad de otro, ontológicamente diferente de la propia. Una de estas refiere, por ejemplo, a la imposibilidad por parte de los organizadores de la exposición de comprender el rol que juegan los seres de la tierra en Pacchanta.

En esta sexta y última narración, De la Cadena discute cómo se distribuye algo así como el “poder” en la comunidad y en sus relaciones con el Estado peruano, aunque ni la autora ni sus informantes utilizan esa palabra. Descubrimos que una misma palabra en quechua –munayniyuq, traducida por la antropóloga como “dueño de la voluntad”- aplica tanto para la hacienda, el Estado peruano y Ausangate, la montaña. Así, el capítulo final del libro incluye descripciones de las rondas campesinas organizadas por la comunidad y de la manera en que algunos de sus miembros obtuvieron cargos políticos representativos en el gobierno local, además nos introduce en la propuesta con que Marisol de la Cadena cerrará el libro en su epílogo: la “cosmopolítica” como una manera de enfrentarse epistemológicamente a otro, sobre todo como un enfoque normativo que permitiría concebir políticamente las diferencias entre mundos ontológicamente distintos.

Al basarse en autores como Blaser (2009) y Haraway (2008) y constatando que las movilizaciones por la protección del medio ambiente frente a la explotación corporativa de recursos naturales reivindican la distinción entre naturaleza y sociedad, invisibilizando así a los seres no-humanos como ríos, montañas y lagos en su capacidad de acción y relaciones que establecen con la comunidad, De la Cadena -leyendo a Stengers (2005)- afirma que Mariano y Nazario Turpo, así como su comunidad en Pacchanta, pusieron en práctica una manera de relacionarse con otros en la cual la igualdad ontológica no era un requisito y en que la “parcialidad de las conexiones” era posible. En palabras de la autora (mi traducción): “sostengo que, al discrepar ontológicamente con la partición establecida de lo sensible, los runakuna proponen una cosmopolítica: las relaciones entre mundos divergentes como una práctica política decolonial que no tiene otra garantía que la ausencia de igualdad (sameness) ontológica” (p. 281). Que la cosmopolítica practicada por los runakuna sea tal es brillantemente demostrado por De la Cadena a lo largo de su obra, sin embargo aquí se introduce una crítica a su trabajo y es que el carácter decolonial en él no se revela tan nítidamente.

Una de las principales fortalezas de esta etnografía es precisamente su capacidad para convertirse en un estudio empírico que a la vez moviliza y desafía las literaturas ligadas tanto al ámbito de la ontología política como a los estudios postcoloniales. Sin embargo, mientras que De la Cadena nos presenta una respuesta completa, teórica y aplicada a la pregunta por cómo aprehender las diferencias ontológicas, la noción de “poder” -en sus versiones más o menos elaboradas, siempre inherente a cualquier reflexión desde la decolonialidad- no alcanza a constituir una respuesta satisfactoria a la pregunta por cómo estudiar a quienes están “en la sala de espera de la historia” (Chakrabarty 2000). Al fin y al cabo, y según los relatos reportados por De la Cadena, esta “sala de espera” no es solo un lugar donde lo que los runakuna hacen y creen no es conocido ni re-conocido, sino que también es un lugar donde la comunidad se está muriendo de hambre y de frío, donde no tiene acceso adecuado a escuelas o a hospitales y donde es continuamente abusada por otros.

La “cosmopolítica” que puedan poner en práctica tanto los runakuna como la antropóloga no es suficiente -aunque quizás en ningún caso prescindible- para otorgar dignidad epistemológica e histórica a la comunidad de Mariano y Nazario Turpo. ¿Cómo dar cuenta de la discrepancia ontológica con el proyecto moderno que encarnan los seres de la tierra en Pacchanta y, al mismo tiempo, de la igualdad política a la que sin embargo los mismos runakuna parecen aspirar? ¿Cómo dar cuenta, simultáneamente, de la diferencia ontológica entre mundos y de la participación en un mismo mundo desigual? El libro de Marisol de la Cadena ofrece ciertamente un trabajo de terreno fascinante, una escritura impecable y una reflexión rigurosa para pensar estas preguntas que inquietan a la antropología contemporánea.

Comentario

1 La situación en Pacchanta, cuyos orígenes se remontan a la colonización española, es el resultado de la tensión entre la entrega de títulos hacendales sobre territorios indígenas a colonos, lo que obligaba a las comunidades que vivían y trabajaban las tierras de la hacienda a pagar tributos a sus dueños, y las sometía a múltiples abusos. La hacienda Lauramarca, que controlaba la zona y que ha tenido distintos dueños a lo largo del siglo pasado, estuvo vigente hasta 1970, cuando luego de muchos conflictos que incluyeron diferentes matanzas de indígenas, ésta se convirtió en una cooperativa agraria. En los años 1980, la comunidad indígena expulsa a los administradores estatales de la cooperativa, deshaciéndola y redistribuyendo la tierra entre las familias indígenas.

Referencias

Blaser, Mario. 2009. “Political Ontology.” Cultural Studies23 (5): 873-896.         [ Links]

Chakrabarty, Dipesh. 2000. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference.Princeton: Princeton University Press.         [ Links]

Guha, Ranajit. 2002. History at the Limit of World History. Nueva York: Columbia University Press.         [ Links]

Haraway, Donna. 2008. When Species Meet. Minneapolis: University of Minnesota Press.         [ Links]

Latour, Bruno. 1993. We Have Never Been Modern. Cambridge: Harvard University Press.         [ Links]

Povinelli, Elizabeth. 2011. Economies of Abandonment. Social Belonging and Endurance in Late Liberalism. Durham: Duke University Press.         [ Links]

Stengers, Isabelle. 2005. “A Cosmopolitical Proposal.” En Making Things Public: Atmospheres of Democracy, editado por Bruno Latour y Peter Weibel, 994-1003. Cambridge: MIT Press.         [ Links]

Strathern, Marilyn. 2004 [1991]. Partial Connections. Nueva York: Altamira.         [ Links]

Trouillot, Michel-Rolph. 1995. Silencing the Past: Power and the Production of History.Boston: Beacon.         [ Links]

Viveiros de Castro, Eduardo. 2004. “Perspectival Anthropology and the Method of Controlled Equivocation.” Tipití2 (1): 3-22.         [ Links]

Javiera Araya Moreno – Magister y estudiante de doctorado en Sociología, Universidad de Montreal. Entre sus últimas publicaciones están: coautora en “Pluralism and Radicalization: Mind the Gap!”. En Religious Radicalization and Securitization in Canada and Beyond, editado por Paul Bramadat y Lorne Dawson, 92-120, 2014. Toronto: University of Toronto Press. Coautora en “Desigualdad y Educación: la pertinencia de políticas educacionales que promuevan un sistema público”. Docencia. Revista del Colegio de Profesores de Chile 44 (XVI): 24-33, 2011. E-mail: javieraarayamoreno@gmail.comMarisol de la Cadena. 2015. Earth Beings. Ecologies of Practice Across Andean Worlds. Durham: Duke University Press

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Botitas Negras en Calama. Género, magia y violencia en uma ciudad minera del norte de Chile – KRAUSHAAR (RCH)

KRAUSHAAR, Lilith. Botitas Negras en Calama. Género, magia y violencia en uma ciudad minera del norte de Chile. Santiago de Chile. Ceibo Ediciones, 2016. 398p. Resenha de: ESPIRITO-SANTO, Diana. Revista Chilena de Antropología, n.34, p.109-111, jul./dic., 2016.   

Este texto fue tomado de la presentación del libro, el 16 de Noviembre, en la Sala de Teatro Cinema.

Sabía que la antropóloga Lilith Kraushaar trabajaba con magia, relaciones y políticas de género, violencia y economía del poder en el culto a un espíritu de una señora que había muerto trágicamente en una ciudad minera en el norte de Chile. Pero no más. Cuando ella me pidió que participara de la presentación de su libro Botitas Negras en Calama, me di cuenta de que su trabajo era más que una simple etnografía de la biografía (y necrografía) de una mujer del ambiente. Además de trazar una historiografía rizomática, plural, de los hechos y del contexto de su construcción posicionada en múltiples sectores de la sociedad calameña, el libro también intenta entender la gran fe que sus varios caminos y encarnaciones, así como las intersecciones del significado de su muerte, siguen inspirando en los habitantes de estas precarias economías políticas. Este trabajo demuestra destreza en múltiples niveles de análisis discursivo y narrativo, socio-histórico y de cultura material, y es la combinación experta y sensible de estos métodos sumamente antropológicos, lo que es verdaderamente inspirador. Así es que gracias a Lilith por haber escrito este libro.

Botitas Negras es Irene Iturra, una mujer de 27 años brutalmente asesinada en los alrededores de Calama en 1969. Los detalles de su muerte son violentos en cualquier estándar: fue encontrada con la cara, cuero cabelludo y pechos cortados, sin una mano, piel y tendones de brazo, y semi-desnuda, como si hubiera sido violada. Se notó que vestía botas negras, la marca que la sexualizó desde ese momento, y que además la identificó. Tanto en los medios de comunicación, en la policía como en la población se genero un sinnúmero de hipótesis coherentes con la división sexual y económica del trabajo, y también con las ideologías de género y poder de ese tiempo y espacio: que había sido víctima de un triángulo amoroso, de alguna venganza o ira de parte del “marido”. Finalmente, cuando se produjo la imagen de “prostituta” en los medios de comunicación, se vio el asesinato como una conclusión casi naturalizada de un “ambiente” sexualmente depravado, y se apuntó a los males de una ciudad con vicios mineros descontrolados. Sin embargo, como sabemos, el caso se quedó sin culpables.

Pero Lilith Kraushaar no nos pinta un cuadro simple o sencillo de este “ambiente”, ni del enredo de conexiones en las cuales Irene Iturra se mueve, a veces secretamente de su celosa pareja, a veces con esperanza para su futuro en la prostitución. La autora nos recrea no solo el lenguaje del contexto bohemio de Chillán y Calama, trazando los pasos de Irene por una multitud de espacios y las discusiones públicas más amplias que siguieron, sino que es minuciosa hasta con el más pequeño detalle socio-histórico y documental, tejiendo una historia compleja, rica, cuyas partes sin embargo encajan de una forma disonante, en ángulos rectos, como la historia siempre es, vista de perspectivas diferentes. No hay una narrativa; hay muchas, paralelas, simultáneas, que hacen a la vez total sentido en el trabajo aquí expuesto.

Este no es solamente un libro sobre el comercio sexual en centros mineros; es también un tratado antropológico y crítico sobre la propia organización económica, sexual, y social en comunidades mineras en Chile, una organización que tiene fuertes raíces en las compañías norteamericanas que promovían modelos de familia y género que producían (y producen) tensiones irreconciliables. El hecho es que Irene Iturra desafió la tenue barrera construida entre esposas de trabajadores, protegidas por su marido y fieles a él, y las demás: solteras, mujeres nocturnas, prostitutas, sujetas a la violencia indiscriminada de sádicos. Al hacerlo, Irene puso en relieve estas mismas categorías, confundiendo los dos roles.

Pero tal como Irene utilizaba diferentes nombres, encarnando personajes diferentes según el contexto y las relaciones sociales que cultivaba en él, su cuerpo y la figura que sobresale eventualmente de su muerte tendrá repercusiones, algunas inesperadas. De hecho, hay que decir que Lilith hace más que caracterizar un espacio histórico: también ha escrito una especie de antropología del amor y de los sentimientos calameños, por medio de la magia dejada al pie del altar de Botitas Negras: cartas, velas, flores, placas, cigarros, cerveza, dulces y otros regalos que se enmarcan dentro del homenaje y de los pedidos que jóvenes y viejos pero especialmente mujeres, le vienen hacer a ella. De Irene Iturra a Botitas Negras hay una transformación: la prostituta se vuelve maestra en temas del ambiente, de clientes y prostíbulos; como ente sexual, se convierte en especialista del amor y atracción; como esposa, en temas de matrimonio y vida doméstica; la mujer asesinada y violada se vuelve la protectora de otras mujeres, experta en técnicas de venganza; se vuelve milagrera y destructora a la vez. Sus múltiples resignificaciones no son extrañas a otros difuntos especiales, no solo en Chile. La cultura material hace el milagro posible; materializa la esperanza. Por alguna razón nosotros antropólogos de fenómenos religiosos le prestamos especial atención. La figura de Irene es, por lo tanto, reclamada y rehecha en Botitas, disputada por distintos grupos con diferentes creencias relativas a la muerte y a sus prácticas funerarias.

En la segunda parte del libro, por lo tanto, Lilith nos lleva por los variadísimos motivos que impulsan el culto a Botitas, la santa prostituta. Al final, vemos que se anuda perfectamente un lado del libro con el otro: aparte de otras solicitudes, las mujeres que vienen a la tumba, desamparadas, saben que Botitas “entiende”, como dice Lilith, y cito,

lo que implica el ser mujer en esta ciudad minera, con todos los impedimentos y los papeles que se le atribuyen: conservar la familia, arreglársela con varios tipos de trabajo para obtener un sueldo, complacer sexualmente, vivir con el sueldo de otro, competir entre mujeres, admitir el privilegio masculino de escoger entre varias mujeres, el entretenimiento homosocial, situaciones todas que anuncian la expresión diaria y la eventualidad de la violencia en las relaciones de género, amparadas por las instituciones y el mercado capitalista (p. 296).

Pero, para finalizar, podemos decir que si por un lado, a través del culto a Botitas se articulan las condiciones del capitalismo industrial y los valores subjetivos mantenidos por la gente en una ciudad minera en tiempos actuales, en tanto “muerta” Irene Iturra trasciende estas mismas condiciones. Ella no es solo testigo de la historia verídica, de hechos socio- económicos refractados a través de su biografía, pero también en cierto modo hace y rehace historia.

Dice Stephan Palmié (2002: 4-5), un antropólogo y historiógrafo de religiones afro-cubanas, que en un sentido muy concreto, cada forma de conocimiento histórico involucra proposiciones sobre el papel de los muertos en el mundo de los vivos, conformado como es por la existencia y agencia pasada de humanos.

Estos conocimientos hacen reclamos al pasado; un pasado que viene a instanciar, mantener o contestar un mundo presente. Pero estos reclamos no deberán ser vistos como concepciones objetivistas de representaciones históricas, como si el pasado fuera sujeto de fácil rescate o recuperación. La historia, nos cuenta Palmié, es, invariablemente, constituida por imaginación histórica, por historias personales y familiares inacabadas, discursos y imágenes que compiten, donde no hay una linealidad entre realidades pasadas, a ciertas distancias temporales, y el presente.

Tomar en serio a los muertos afro-cubanos es, según él, indagar sobre las relaciones entre el pasado y el presente que subyacen a un orden contemporáneo pero quedan no-reconocidos, en silencio, no obstante que su existencia en el mundo haya tenido consecuencias que todavía resuenan entre los vivos.

A mi modo de ver, y en consonancia con lo que señala Palmié, lo que logra el culto a Botitas es también eso: traer a la consciencia que el pasado no terminó, y nunca va a terminar. Hay personajes, como los afroamericanos, pero también Irene Iturra, cuyas historias no son la propiedad especial de sus descendientes, sino parte del patrimonio ético e intelectual del Occidente como tal. Mientras que los muertos de que habla Palmié hacen parte de la formación de la modernidad Atlántica, como espíritu, podemos igualmente proclamar que Botitas pertenece a una conformación mucho más grande que los contornos de su propia vida.

Referências

Palmié, S. 2002. Wizards and Scientists: Explorations in Afro- Cuban Modernity and Tradition. Duke University Press, Durham

Diana Espirito-Santo – Profesora Asistente de Antropología, Pontificia Universidad Católica de Chile. E-mail: diana.espirito@uc.cl.

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Lugares para a história – FARGE (RHR)

FARGE, Arlette. Lugares para a história. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. Resenha de: ESTACHESKI, Dulceli de Loures Tonet. Relações de gênero nos lugares para a história. Revista de História Regional n.21 v.2, p.735-739, 2016.

Uma das características dos estudos de gênero é a pluralidade teórica, metodológica e temática. São diversas possibilidades reflexivas que refletem a própria essência de tais estudos, que visam não apenas produções acadêmicas consistentes, mas principalmente, objetivam reflexões que possibilitem transformações nas práticas sociais. O intuito é a construção de um mundo mais justo que, como os estudos de gênero, valorize a diversidade. Teorias e metodologias diversas para pensar práticas diversas de pessoas diversas, essa é a essência.

Arlette Farge é uma historiadora francesa que se dedica aos estudos do século XVIII. No Brasil temos duas de suas importantes obras publicadas, o primeiro, ‘O sabor do arquivo’, de 20091 é uma escrita quase poética sobre a pesquisa arquivística. Trata do contato com o documento, do encantamento pela descoberta na pesquisa histórica que utiliza como fontes os documentos judiciais. Pessoas, queixas, delinquência, vigilância, controle, narrativas, são elementos que constituem tais documentos e revelam histórias, costumes, o cotidiano de pessoas que não queriam suas vidas expostas de tal forma, mas que por terem sido assim documentadas, ajudam a pensar sobre as relações de poder. Os arquivos judiciários expressam os ajustes e os impasses nas relações do sujeito com seu grupo social e com os poderes estabelecidos. E quando pensamos em relações de poder, pensamos em gênero, que “é um primeiro modo de dar significado”2 a elas e, mesmo que a autora não cite especificamente o termo, ela salienta que as mulheres são encontradas nesses arquivos que, para ela, desvendam também “o funcionamento do confronto do masculino e do feminino”3. A segunda obra, mais recente, publicada em 2015, é ‘Lugares para a História’4 e novamente ela não escreve especificamente sobre gênero, mas então, como sua obra pode ser importante para as pesquisas na área? Afinal, de que ela trata? Em sua introdução Farge ressalta que a historiografia precisa ocupar-se de escritas que interessem à comunidade social e que confrontem o passado e o presente. Quando pesquisamos as relações hierárquicas de gênero por uma perspectiva histórica, é isso que fazemos, é o que queremos, confrontar o passado, as formas como foram constituídas essas relações para melhor argumentar em nossas problematizações em relação ao presente. As questões de gênero são essenciais para a comunidade social e por isso devem ser escritas, lidas e refletidas.

Em sete capítulos a autora apresenta o que chama de ‘lugares para história’, que são situações que encontram eco na atualidade, como o sofrimento, a violência e a guerra, ou que consideram sujeitos e experiências singulares, como a fala, o acontecimento, a opinião e a diferença dos sexos. Para ela Esses dois conjuntos se religam pela presença hoje de configurações sociais violentas e sofridas, e de dificuldades sociais que desqualificam o conjunto das relações entre o um e o coletivo, entre o homem e a mulher, o ser singular e sua – ou suas – comunidade social, entre o separado e sua história.5 No primeiro capítulo, ‘Do sofrimento’, Farge questiona se a historiografia pode dar conta do sofrimento humano. O sofrer pode ser um tema para a história ou o sofrimento um lugar para ela? A história tem dado conta de grandes “catástrofes humanas” fazendo com que a dor que elas causam nos sujeitos seja pensada como se fosse apenas fatalidade, consequência de eventos maiores que merecem a total atenção. Dificilmente a história se volta para os “ditos do sofrimento”, para as palavras de dor, à exceção, como aponta a autora, da história do tempo presente que valoriza os relatos de pessoas que vivenciaram momentos históricos tensos e apresentam as suas percepções sobre eles. Um bom exemplo disso é o texto de Wollf6 que analisa relatos de familiares de desaparecidos políticos da América Latina, evidenciando que os apelos aos sentimentos da opinião pública foram utilizados para fins políticos, para desacreditar regimes militares e fortalecer a luta por direitos humanos.

Para Farge é possível e preciso entender que “a dor significa, e a maneira como a sociedade a capta ou a reusa é extremamente importante”.7 Os grandes eventos como guerras e revoluções afetam a vida das pessoas de formas muito distintas, dependendo do lugar social que elas ocupam. Farge salienta a necessidade de se pensar na tristeza de mulheres que sofrem em um mundo caracteristicamente masculino e de pobres que vivem em sociedades tão desiguais. Ela enfatiza que há racionalidade nessas distorções, nessas diferenciações que causam dor e pesquisar sobre isso, escrever a partir desse entendimento, é uma forma de buscar erradicar o sofrimento dos que hoje são atingidos pelos ecos dessas situações históricas. Para Wolff8 emoções e gênero se entrelaçam, pois fazem parte da experiência humana. É sobre essa experiência, essencialmente a que causa sofrimento, que Farge nos convida a escrever e é por isso que sua obra é tão importante para pensar as relações de gênero. A racionalização do sofrimento nessas relações sendo historicamente analisados pode explicar os dispositivos que fizeram surgir tais sentimentos e práticas, podendo “fornecer os meios intelectuais de suprimi-los ou de evitá-los”9 Há uma insatisfação em relação aos discursos históricos sobre a violência.

“A interpretação histórica da violência, dos massacres passados, dos conflitos e das crueldades, praticamente não permite, na hora atual, ‘captar’ em sua desorientadora atualidade o que se passa sob nossos olhos”10. Em seu capítulo ‘Da violência’, a autora convida a não nos dobrarmos ao sentimento de fatalidade ou impotência diante da violência e ressalta que é legítimo buscar outras interpretações históricas, como o fazem as pesquisas sobre as emoções que destacam sujeitos, gestos e falas. Para ela, a historiografia pode, não apenas, apresentar o conhecimento, mas indicar caminhos para a luta, para o enfrentamento à violência.

A violência tem racionalidade. A violência de gênero é pautada numa racionalidade em relação a uma sociedade hierarquizada na qual homens devem ser dominadores e mulheres submissas, contrariar essa lógica pode levar ao ato violento. Entender a racionalidade da violência, para Farge, é um caminho para evitá-la, transformando a realidade com outras formas de racionalização.

‘Da guerra’ problematiza a ideia de que a guerra é inevitável e questiona a “estranha disposição que nos fez considerar esse fenômeno como normal”11.

No capítulo seguinte, ‘Da fala’, Farge afirma que o/a historiador/a dá sentido à fala para que o passado se torne inteligível ao leitor e alerta para o fato de que “a história pode ser dita rápido demais”12 e dessa forma invisibilizar as pessoas que a fazem. A escrita da história pode dar lugar aos sujeitos, como Foucault o fez em ‘A vida dos homens infames’13 ou em ‘Eu, Pierre Riviere…’14, como Davis fez com Martin Guerre15, Esteves com as ‘meninas perdidas’16 e Wolff com as mães de desaparecidos políticos17.

A história pode pensar a resistência pelas vozes de quem transgride a ordem. Estas percepções são apresentadas nos capítulos seguintes, ‘Do acontecimento’ e ‘Da opinião’. Em seguida, a autora dedica um capítulo para pensar a ‘diferença dos sexos’ como um lugar para a história. Como salientado acima, Farge não parte dos estudos de gênero, então não se ocupa em pensar as categorias de análise sexo e gênero e suas problematizações. Ela parte de discussões propostas por uma história das mulheres da França, para acusá-la de pessimista, marcada por uma inércia que apresenta as diferenças entre homens e mulheres como algo estável, não tendo como intuito mover o leitor a pensar a necessidade de mudança. A autora critica, assim como o fazem os estudos de gênero, esse caráter fixo das coisas. A ordem hierárquica, desigual, deve ser pensada pelas transgressões que sofre, pois “reconstituir os momentos em que a instabilidade, o desequilíbrio, as recusas”18, ocorrem pode demonstrar a possibilidade de novas estruturas.

Farge conclui que “buscando conhecer outro tempo, não escapamos do nosso, e, se este último, como o faz hoje, se arranca brutalmente do passado, a história se engaja também nessa ‘realidade’ para encontrar seu sentido”.19 Ao propor uma reflexão histórica que dê conta das dores humanas, sem entendê-las apenas como fatalidades, mas embrenhando-se pelo que move as ações, os sentimentos, as inquietações e os desejos, que transformam as pessoas, fazem sofrer ou lutar, submeter-se ou transgredir, ‘Lugares para História’ ajuda a pensar a categoria gênero como essencial para as reflexões históricas, mesmo que não a cite. Os estudos de gênero possibilitam compreensões que podem gerar mudança social, que se configuram em uma história engajada, como almeja a autora.

Notas

1 FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: EDUSP, 2009.

2 SCOTT, Joan. Gênero uma categoria útil para análise histórica. Educação e realidade. Porto Alegre. Vol. 20. N. 2. Jul/dez, 1995. p. 14.

3 FARGE, op. cit.,p. 43.

4 FARGE, Arlette. Lugares para a história. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

5 FARGE, Lugares… Op. cit. p. 9-10.

6 WOLFF, Cristina Scheibe. Pedaços da alma: emoções e gênero nos discursos da resistência. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, 23(3), setembro/dezembro, 2015.

7 Ibidem. p. 19.

8 WOLFF, op. cit.

9 FARGE, Lugares… Op. cit., p. 23.

10 Ibidem. p. 25.

11 Ibidem. p. 43.

12 FARGE, Lugares… Op. cit., p. 61.

13 FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: Ditos e escritos. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2006.

14 FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Riviere, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Rio de Janeiro: Graal, 1977.

15 DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

16 ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas Perdidas: Os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

17 WOLFF, op. cit.

18 FARGE, Lugares… Op. cit., p. 114.

19 Ibidem, p. 129.

Dulceli de Loures Tonet Estacheski – Doutoranda em História pela UFSC. Professora do curso de História da UNESPAR, campus de União da Vitória. E-mail: dulce_tonet@yahoo.com.br.

 

 

Después de la masacre: emociones y política en el Cauca indio – JIMENO; CASTILLO; VARELA (A-RAA)

JIMENO, Myriam; CASTILLO, Ángela; VARELA, Daniel. Después de la masacre: emociones y política en el Cauca indio. Bogotá: ICANH y el Centro de Estudios Sociales (CES) de la Universidad Nacional de Colombia, 2015. Resenha de: GONZÁLEZ G, Fernán E. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.24, jan./abr., 2016.

En primer lugar, quiero agradecer la oportunidad de conocer y comentar este texto. Pero, en segundo lugar, me gustaría aclarar que mi perspectiva parte de la historia y sociología políticas, pues no soy antropólogo, ni mucho menos experto en problemas indígenas. Por esto, mi interés en este texto obedece a mis preocupaciones previas sobre las bases antropológicas y culturales de la vida política, que he venido compartiendo desde hace varios años con amigas antropólogas como Myriam Jimeno, Gloria Isabel Ocampo y María Victoria Uribe. Ese interés se ha centrado, en especial, en las discusiones sobre temas como la identidad nacional, sus relaciones con las adscripciones políticas del bipartidismo, las guerras civiles y las relaciones con la Iglesia católica. En los últimos años, estas discusiones se han relacionado con la Violencia, tanto la de los años cincuenta como la actual, que me han ido conduciendo a preocuparme, más recientemente, por los problemas de la representación política de una sociedad cada vez más plural y multiforme.

En este sentido, empezaría por subrayar la importancia de este libro, Después de la masacre: emociones y política en el Cauca indio, escrito por Myriam Jimeno y su grupo, como contribución a la comprensión de la manera como se configuran, desconfiguran y reconfiguran las identidades colectivas de comunidades locales en los actuales contextos de Violencia y desplazamiento -en el corto plazo-, pero teniendo siempre en cuenta los contextos culturales y políticos del mediano plazo, como el reconocimiento de la pluralidad cultural, étnica, religiosa y regional consagrada en la Constitución de 1991. Y resaltando que el nuevo texto constitucional es el resultado de un movimiento social, cultural, político y económico, de más larga duración, que va rompiendo gradualmente la concepción homogénea e indiferenciada de la nacionalidad colombiana, basada en la adscripción al bipartidismo, el monopolio del campo religioso en manos de la Iglesia católica y el mestizaje racial consagrados en la Constitución de 1886, el Concordato de 1887 y los pactos de misiones que les siguieron, como producto de una historia que se remonta a los tiempos de la Colonia española.

Estos monopolios -cultural, político, religioso- del bipartidismo y de la Iglesia católica se fueron desdibujando, gradual y paulatinamente, desde los inicios del siglo XX, con la aparición de importantes movilizaciones sociales y políticas al margen de los partidos tradicionales. Entre ellas, se destacó la movilización indígena de Quintín Lame en Cauca y Huila y la agitación social y política del Partido Socialista Revolucionario (PSR) en el mundo obrero y campesino, y también el surgimiento de un incipiente movimiento indigenista, muy ligado al nacimiento de las Ciencias Sociales en Colombia, del cual recuerdo los nombres de Juan Friede, Antonio García y Blanca Ochoa, con el riesgo de omitir nombres, que empezaron a crear conciencia sobre el problema indígena en el medio académico.

Sin embargo, la mayoría de estos desarrollos se vieron interrumpidos, opacados y subsumidos por los problemas de la llamada Violencia de los años cincuenta, y sólo comenzaron a resurgir bajo el Frente Nacional, vinculados especialmente al reformismo agrario de Lleras Restrepo y a la organización y el auge de la Asociación Nacional de Usuarios Campesinos (ANUC). En ese momento se hace evidente la importancia de funcionarios reformistas de corte tecnocrático, algunos de ellos cercanos a grupos de izquierda independientes. En este contexto se mueven algunos de los trabajos anteriores de Myriam Jimeno y otros similares, pero a ellos no se les ha hecho suficiente justicia en las ciencias sociales ni en los estudios sobre los movimientos sociales.

Esta línea de análisis aparece ahora continuada en este libro, Después de la masacre: emociones y política en el Cauca indio, escrito en colaboración entre Ángela Castillo, Daniel Varela y Myriam Jimeno, que proyectan sus anteriores preocupaciones al contexto de la violencia reciente para mostrar cómo una de las masacres de esa violencia reconfigura la identidad de un grupo indio, pero ya en un nuevo contexto nacional y mundial, marcado por la difusión internacional del discurso de los derechos humanos y del derecho internacional humanitario y el respeto por los derechos de las minorías de toda índole, especialmente de las culturales y étnicas. Este discurso, que muestra un aspecto positivo de la globalización creciente, ha ido permeando la conciencia de la mayoría de la población colombiana, no india ni afro, como se manifestó en la Constitución de 1991 y el apoyo electoral de poblaciones urbanas, blancas y mestizas a listas de las minorías étnicas.

En ese sentido, este libro destaca los recursos culturales y subjetivos puestos en juego por una comunidad Kitek Kiwe desplazada de manera violenta de la zona del río Naya, para recomponerse socialmente y crear una nueva comunidad, de sobrevivientes, basándose en el recurso a las políticas culturales y prácticas organizativas de la etnicidad india en Colombia, que recogen cuatro décadas de luchas, en especial en el Cauca, y se entroncan en prácticas que se remontan a los tiempos coloniales. Estas políticas y prácticas son analizadas en detalle en el capítulo segundo del libro, seguidas -en los capítulos tercero, cuarto y quinto- por el estudio de las prácticas organizativas de cabildos y asambleas, que sirven de base para realizar, en el momento actual, nuevas demandas de justicia. Esas demandas se apoyan en las fuerzas simbólicas acumuladas durante la segunda mitad del siglo XX, pero tienen relación con la historia anterior, tanto del siglo XIX como de los tiempos de la dominación española. Estos acumulados permiten construir hoy una narrativa de memoria enmarcada en la adscripción a una ciudadanía étnica, a partir de la puesta en escena de conmemoraciones que se encaminan a crear comunidades emocionales de sentido y pertenencia. Esas comunidades emocionales parten de una nueva categoría: la de víctima, que permite a la nueva comunidad confluir en el movimiento nacional de víctimas, que goza del apoyo internacional. Esto hace posible negociar con las instituciones del Estado, pues la inserción en un movimiento nacional más amplio, con vinculaciones internacionales, permite la incorporación de esta comunidad en la sensibilidad creciente en Colombia sobre estos problemas. Y aprovechar que esta sensibilidad mayor haya sido sancionada legalmente por la ley de víctimas de 2005, que expresa jurídicamente esta creciente toma de conciencia del problema por el conjunto de la sociedad colombiana.

Los vínculos afectivos de estas comunidades emocionales permiten tender puentes entre el sufrimiento subjetivo del dolor, individual o colectivo, y el dolor como sentimiento político compartido públicamente; se supera así el carácter individual o comunitario del sufrimiento para situarlo en el campo de la Política. Esto le proporciona proyección política, lo que permite a las comunidades negociar con la institucionalidad estatal al sintonizar sus problemas con el movimiento nacional e internacional de víctimas. En este sentido, la figura del testigo actúa como bisagra entre lo subjetivo particular y el campo compartidos de la escena pública: no se trata ya del caso particular de una comunidad en las montañas que rodean al Naya -refugio tradicional de ilegales- sino de un hecho que hace manifiesto un problema social inscrito en el contexto general de la violencia colombiana. Y se hace evidente que las víctimas no son entidades naturales sino construcciones histórico-culturales que surgen en el conflictivo proceso de construcción de la Nación colombiana.

Pero, como señalan los autores, esta proyección a la escena pública nacional se venía dando desde décadas atrás, desde la aparición del movimiento cultural del indigenismo latinoamericano y colombiano, que ha venido construyendo un discurso identitario del cual participan académicos e intelectuales, con activistas y políticos -indios y no indios-, y penetrando en la opinión pública del continente y del país, para favorecer la política cultural de las organizaciones indias.

Para esa proyección en la escena pública, el reconocimiento del derecho a la diferencia va más allá de una concepción esencialista y autárquica de la cultura, para asumir un lenguaje intercultural que permite interactuar con el conjunto de la sociedad colombiana para apoyar los reclamos de las comunidades indias frente al Estado. Esos procesos de interacción se enmarcan en el desarrollo de la construcción del Estado, que se concreta en la integración de los territorios, grupos sociales y étnicos, la construcción de identidades simbólicas y su integración en una nación heterogénea, basada en la interacción continua de regiones, subregiones, localidades y sublocalidades con el Estado central. Estos procesos de integración han sido de carácter violento en múltiples ocasiones, y muchas veces utilizados para legitimar el recurso a la violencia como instrumento político. En este sentido, es importante destacar, como hacen los autores del libro, el carácter pionero de los indígenas del Cauca frente a la injerencia de los actores armados en sus territorios.

Esto subrayaría, para los autores, la necesidad de superar el supuesto cultural, aceptado por muchos, de que somos un pueblo natural o esencialmente violento. Esta distancia frente a una supuesta “cultura de la violencia” resalta que esta creencia hace prácticamente imposible el progreso cívico de Colombia. Por eso, para superar el arraigo de esta creencia, la referencia a la apropiación de la categoría víctimas que reclaman sus derechos, tanto por parte de la población colombiana en general como de la indígena en particular, permite convocar una comunidad emocional que concreta la invocación abstracta al derecho internacional y nacional. Y, por otra parte, permite también recomponer al sujeto mediante la expresión compartida de su vivencia y su dolor, que se comunica ahora como crítica social para convertirse en instrumento político que refuerce la débil institucionalidad existente.

Finalmente, este recorrido por el libro de Myriam Jimeno y su equipo destaca la capacidad de la categoría víctimas para vincular los reclamos al respeto de la diferencia de las minorías étnicas con el campo de la política nacional e internacional, expresada en los discursos de los derechos humanos y del respeto a la diversidad étnica, aprovechando la naturaleza flexible y relacional de la adscripción étnica, lo mismo que la construcción cultural del indigenismo, que vincula a indios y no indios en la construcción de una nación heterogénea basada en la interacción continua entre culturas y regiones.

Comentarios

* Bogotá, 4 de mayo de 2015, comentario pronunciado con motivo del lanzamiento, en el marco de la Feria del Libro 2015.

Fernán E. González G. – PhD en Historia, Universidad de California en Berkeley, Estados Unidos. Entre sus últimas publicaciones está: Poder y violencia en Colombia. Bogotá: Odecofi-Cinep-Colciencias, 2014. Correo electrónico: fernangonzalez39@gmail.com

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Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia – JARAMILLO (A-RAA)

JARAMILLO, Pablo. Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia. Bogotá: Ediciones Uniandes, 2014. 292p. Resenha de: APARICIO, Juan Ricardo. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.22, maio/ago., 2015.

Como alguna vez lo plantearon Veena Das y Deborah Poole (2004), desde sus orígenes la antropología como disciplina ha sido acechada por el lenguaje del Estado asociado a los tropos del orden social, la dominación, la racionalidad, el monopolio y la legitimidad. Sin duda, la influencia de la Ilustración y otras corrientes posteriores y críticas a este mismo proyecto –como lo fue en su momento el romanticismo alemán (Herder)– ha sobredeterminado algunas de las apropiaciones conceptuales clásicas con las cuales en su momento los primeros antropólogos emprendieron el análisis de las “sociedades primitivas” (Bunzl, 1996). Ya sea para utilizar estos tropos heredados a su vez de los tres grandes hombres blancos –Marx. Durkheim y Weber–, o incluso para interesarse en sociedades que luchan en contra de la aparición de la forma de Estado (Pierre Clastres, e.g.), es evidente que la antropología, de formas muy diferentes y variadas –unas más cercanas a las corrientes durkheimianas enfatizando la función ordenadora de la sociedad y otras más cercanas a Marx y Weber enfatizando su dimensión conflictiva, contradictoria y eminentemente política, entre otras–, tomó prestado de los vocabularios estructuralistas y funcionalistas o su combinación para comprender la emergencia, el mantenimiento y reproducción de los órdenes sociales. Incluso, en sus escuelas de Cultura y Personalidad, mejor visibilizadas en los trabajos de Ruth Benedict, siempre se trató de encontrar los patrones y los estándares en la cultura. Pero Edmund Leach (1964: ix), en su prólogo al clásico estudio sobre las aldeas del Sudeste Asiático, ya indicaría una poderosa crítica sobre esta tradición: el uso sobresimplificado (oversimplified) de una serie de nociones asociadas al equilibrio derivadas del uso de las analogías orgánicas para estudiar las estructuras de los sistemas sociales. En términos concretos, indicaría que los sistemas sociales no son una realidad natural y que, a lo sumo, la presencia del equilibrio siempre será ficcional (1964: ix).

En este orden de ideas, y a lo largo de la larga y muy variada historia de lo que algunos llamarían antropología política, quiero pues enfatizar en la muy rica y compleja tradición del pensamiento antropológico, no pocas veces en diálogo con la filosofía política, que ha enfatizado y estudiado las prácticas que deshacen la misma idea del Estado con “E” mayúscula, así como sus fronteras territoriales y conceptuales (Das y Poole, 2004). El clásico estudio de Philip Abrams (1988) sobre el dilema de estudiar al Estado con “E” mayúscula ya anunciaba la dificultad de pensarlo como un objeto aislable y limitado de las otras dimensiones de la vida social. Haciendo una enorme generalización que corre el riesgo de borrar sus singularidades, se trata de una muy amplia variedad de estudios que han pensado al Estado desde las mismas prácticas que lo construyen, performan, reproducen y mantienen en el tiempo. Es así como Akhil Gupta (1995), por ejemplo, estudiaría el Estado desde los márgenes burocráticos de las aldeas y la misma percepción que tienen sus habitantes para terminar reificándolo como una entidad separada de la sociedad civil. En otro trabajo posterior sobre las burocracias, indicaría también la importancia de las redes locales y clientelistas que terminan construyendo al Estado lejos de la racionalidad burocrática weberiana (Gupta 2012). También, Winifred Tate (2007), en su estudio sobre la emergencia tanto del gobierno de los derechos humanos como de los movimientos sociales organizados en torno al mismo, indicaría cómo son los últimos los encargados también de reificar al Estado como una entidad homogénea y totalizadora a la cual se puede culpar y también demandar. La cara dual que tiene el Estado, como aquella entidad que se teme pero también que se desea (“Estado piñata”), fue descrita por Diane Nelson (1999) en el auge de la Guatemala multicultural de los noventa. En definitiva, para esta tradición de estudios etnográficos del estado (con “e” minúscula) –que no he querido intentar delimitar acá sino tan sólo mostrar algunos breves ejemplos–, el estado es analizado a través de las mismas prácticas que lo terminan construyendo y manteniendo en el tiempo. Para concluir con este breve apartado, quizás el cambio más radical de esta mirada desde una etnografía crítica que intenta desnaturalizar tanto el objeto de estudio del “Estado” como sus actualizaciones en el sentido común, lo aclararía Michel-Rolph Trouillot en su clásico artículo sobre el Estado: en una mirada donde la “materialidad del Estado residirá mucho menos en las instituciones que en la reorganización de los procesos y relaciones de poder con el fin de crear nuevos espacios para el despliegue de poder” (2001: 127).

Es pues desde estas coordenadas teóricas y metodológicas de las etnografías críticas del Estado que quiero leer el libro del antropólogo Pablo Jaramillo Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia. El autor adelanta su investigación sobre la emergencia e inserción del sujeto indígena wayúu dentro del discurso de la víctima movilizado por las agencias internacionales y el Estado colombiano. Con fineza etnográfica, nos permite entender cuáles son las nuevas condiciones de posibilidad pero también de movilización estratégica de la noción de la víctima articulada tanto a lo indígena como a su particular feminización. Indagando acertadamente sobre la larga historia de alianzas, encuentros y desencuentros y relaciones entre las comunidades indígenas con el Estado y sus instituciones –por ejemplo, alrededor de la emergencia de las autoridades matrilineales resultado de los matrimonios de mujeres wayúu con intermediarios del Estado–, el autor logra ilustrar que estas identificaciones son más bien un terreno movedizo, contingente y lleno de mediaciones estratégicas. Lejos de la metáfora vertical de la soberanía o de la burocracia aséptica weberiana, el autor indaga sobre las prácticas mismas que permiten el despliegue de soberanías y su reacomodación contingente por parte de las comunidades y, también, de las autoridades del gobierno central.

Esto lo conduce a indagar el presente a través de una etnografía que lo llevaría tanto a foros en las Naciones Unidas como a las aldeas wayúu en La Guajira, para darnos luces sobre las respuestas de estas comunidades a las interpelaciones del Estado humanitario y multicultural y sobre las ansiedades que se generan alrededor de la mercantilizacion de la etnicidad y la gubernamentalizacion de la diferencia. Resalta la emergencia de las llamadas Autoridades Tradicionales como los vehículos mediante los cuales se ejerció una soberanía en la década de los noventa plegada a los intereses de las economías globales y útiles para la interlocución con las agencias del Estado. Con detalle etnográfico, por ejemplo, el autor ilustra estas ansiedades antes, durante y después de varios encuentros entre las comunidades indígenas y funcionarios de ONG y agencias internacionales a los cuales pudo asistir. También ilustra cómo estas mediaciones logran “inventar” comunidades a través de la mediación de un ejercicio burocrático dedicado a llenar formatos y en manos de representantes particulares de las comunidades. Y, por supuesto, dedica una buena parte de los capítulos a indagar sobre amenazas, alianzas, masacres, desplazamientos y desencuentros de los wayúu con los grupos armados que resquebrajaron sus propios procesos organizativos. Estos apartes sobre estos encuentros que tienen lugar tanto en rancherías como en oficinas en Nueva York son realmente fascinantes pues complican lecturas reduccionistas tanto sobre la interpelación como sobre la resistencia.Buscan más bien comprender cómo se experimentan en la cotidianidad estos desafíos.

El libro puede leerse también como una etnografía del Estado preocupado por entender que, lejos de la visión racionalista y pura de la burocracia moderna referida anteriormente o de la metáfora organicista, en realidad ésta es vulnerable a todo tipo de mediaciones, intermediarios y negociaciones. Es bien sugerente su complejización de la extrema racionalización y efectividad que se le quiere acordar a este gobierno de los otros; estoy menos de acuerdo con su crítica a un supuesto Foucault que correspondería a una noción totalitaria, vertical y totalmente eficiente de este arte de gobernar. Sólo revisar las últimas dos frases de Vigilar y castigar (Foucault, 1976: 214) para darse cuenta de las múltiples batallas que amenazan estos actos de gobernar a las poblaciones, incluso en medio de este proyecto panóptico que produce una “humanidad central y centralizante, efecto e instrumento de relaciones de poder complejas” . Incluso, el mismo Foucault dudaría de la misma efectividad y unilinealidad de las racionalidades de la misma gubernamentalidad. Parafraseando al pensador francés, afirma que después de todo el Estado no es más que una realidad compuesta (composed reality), una abstracción mistificada, que, finalmente, no es tan funcional ni tan eficiente como pretende serlo (Foucault, 2000: 220). Importante precaución que debería también producir lecturas más rigurosas sobre este pensador francés muchas veces asociadas a las metáfora de la administración vertical y eficiente de poblaciones.

Quiero terminar con dos comentarios donde veo, más que respuestas concluidas y acabadas en el libro de Jaramillo, proyectos que se abren para una antropología en un futuro. En primer lugar, el último capítulo, el más corto a mi modo de ver pero el más provocador, deja al lector queriendo saber más. Me explico: gran parte del libro se ha movido dentro de la movilización de los “esencialismos estratégicos” que han permitido que algunos sectores, familias, etcétera, entren a jugar dentro del mundo multicultural con todas las contradicciones y “confluencias perversas” del gobierno neoliberal (Dagnino 2004). El autor revisa en sus conclusiones distintos trabajos antropológicos en Colombia que han intentado analizar los procesos de endogénesis y deja la interesante observación de que muchos de éstos se han quedado parados “a medio camino” (p. 230). Indica, conversando con Restrepo (2004) y también distanciándose de él, que estos trabajos de endogénesis han desechado la pregunta sustancial por la experiencia y la identidad para pensarla dentro de las (únicas) coordenadas de los “esencialismos estratégicos” y las posiciones de sujeto. Dice Jaramillo (p. 230; el énfasis es mío): “De hecho, mucho del conocimiento sobra la etnicidad que se ha derivado de este acuerdo consiste en afirmar que estos usos son profundamente políticos y estratégicosPero quedarse ahí es parar a medio camino”. A continuación, el autor intenta posicionar conceptos elaborados y muy enriquecedores como el de la “etnogénesis radical” de James Scott y el de la “política de la vida densa” de Povinelli, para terminar concluyendo: “Sin embargo, el concepto apunta a un elemento clave de la etnicidad, y es que la contingencia existe dentro de un repertorio, aunque amplio, definido de concebir la existencia humana en relación con algo llamado ‘cultura’. En otras palabras, la etnogénesis depende de una ontogénesis” (p. 230). Así, frente a la noción instrumental del despliegue de los “esencialismos estratégicos”, Jaramillo (p. 231) reacciona argumentando que tales afirmaciones niegan que también la etnicidad sea también “una forma de experimentar y ser en el mundo”, sin desnudarla tampoco de su dimensión política.

El texto pasa luego, en verdad en pocas páginas, a repasar en qué consistirían estas “políticas de la vida densa”, tales como las respuestas por parte de algunos líderes indígenas a la llegada del Parque eólico Jepirachi, diseñado y dirigido por las Empresas Públicas de Medellín, que recibiría una cuantiosa suma de dinero del Fondo Prototipo de Carbono del Banco Mundial. Analizando las respuestas de algunos de estos líderes en Foros Internacionales frente al silencio del proyecto y sus diagnósticos sobre la violencia paramilitar, el autor piensa estas respuestas de rechazo al proyecto a partir de “la posibilidad de construir un sentido de colectividad y bien común entre los wayúu  apelando a formas alternativas de articular ‘la indigeneidad’ como parte de las movilizaciones políticas y las demandas de la justicia” (p. 236). En estos reclamos encuentra una relación entre el discurso de la victimización movilizado estratégicamente en estos foros y elementos constitutivos de la vida wayúu, como el viento. Según el autor, la Fuerza de Mujeres Wayúu, protagonista central de su libro, al plantear estos desafíos en estos foros, proponía que “el viento era un elemento fundamental en las nociones de llegar a ser wayúu” (p. 237); en ese mismo sentido, continúa el autor, se proponen “formas de interdependencia como piedra angular para la identificación wayúu” (p. 237). Sin duda alguna, tal dirección ubica al texto cercana a aquellas corrientes recientes de pensamiento antropológico que han pensado el tema de las “ontologías políticas” al reconocer la movilización de los antagonismos en “la misma gestación de las entidades que conforman un determinado mundo u ontología” (Blaser 2008: 82). Insisto, es una lástima que hayan sido pocas las páginas dedicadas a estos argumentos y acontecimientos que hacen mucho más complejo el análisis de estos procesos de endogénesis radical que van más allá de su instrumentalización política. Queda un camino abierto por recorrer por parte de futuros investigadores que intenten comprender estos procesos sin reducirlos a argumentos sustancialistas o estratégicos, como si fueran mutuamente excluyentes.

Por último, y sin entrar en hondas discusiones, quiero terminar indicando mi curiosidad por cómo va a ser leído este libro por parte de sus entrevistados/as y las organizaciones con las cuales Jaramillo debatió sus investigaciones por varios años. Mucha de la información recolectada de los testimonios, justamente habla de las ansiedades que viven estas comunidades y estos líderes frente al encuentro con las agencias estatales. Hay testimonios que podrían ser leídos de manera muy exagerada –como el intento de estas comunidades por “engañar” al Estado y a las ONG, o las alianzas, rupturas y luchas entre distintos sectores wayúu, con testimonios que hace una persona sobre otra persona o bandos contrarios–. El debate, por supuesto, lo quiero ubicar por fuera de la instrumentalizada noción de los códigos de ética que actualmente atraviesan nuestras investigaciones. Mi curiosidad es quizás la de todo etnógrafo sobre el destino de sus observaciones dentro de territorios marcados por tensiones, ansiedades y conflictos humanos.

Comentarios

* Jaramillo, Pablo. 2014. Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia. Bogotá, Ediciones Uniandes, 292 páginas.

Referencias

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Dagnino, Evelina. 2004. “Conflência perversa, deslocamentos de sentido, crise discursiva.” In La cultura en las crisis latinoamericanas, editado por Alejandro Grimson. Buenos Aires: CLACSO., pp 195-216.         [ Links]

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Juan Ricardo Aparicio – PhD. Antropología, Universidad de Carolina del Norte en Chapel Hill, Estados Unidos. E-mail: japarici@uniandes.edu.co
Universidad de los Andes, Bogotá, Colombia.

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En minga por el Cauca: el gobierno de Floro Tunubalá (2001-2003) – GOW; SALGADO (A-RAA)

GOW, David; SALGADO, Diego Jaramill. En minga por el Cauca: el gobierno de Floro Tunubalá (2001-2003).* Bogotá: Editorial Universidad del Rosario y Universidad del Cauca, 2013. 294p. Resenha de: TOCANCIPÁ-FALLA, Jairo. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.21, jan./avr., 2015.

Buena parte de la literatura académica que examina la relación entre movimientos sociales y el Estado en América Latina plantea la dinámica de los primeros como el resultado de un proceso político y cultural diverso que reacciona y resiste creativamente a unas formas políticas del segundo (e.g., álvarez, Dagnino y Escobar, 1998). Esta oposición, sin embargo, muchas veces es resuelta por parte de los movimientos sociales como la exigencia de un mayor reconocimiento, acceso (derechos) y transformación de la institucionalidad política estatal que mantiene el poder, tal como acontece en alguna experiencia brasilera (Dagnino, 1998) y en otros países de la región. En términos genéricos, podría afirmarse que el libro En minga por el Cauca, del antropólogo David Gow y el filósofo Diego Jaramillo, se enmarca en esta última tendencia. Básicamente, el trabajo busca documentar el proceso tortuoso pero relativamente exitoso que tuvo un gobierno alternativo como el del taita1 Floro Tunubalá, líder indígena del pueblo misak2, y que representaba a una coalición de movimientos campesinos, obreros e indígenas que antes de las elecciones del año 2000 respaldaron su nombre para la gobernación del departamento del Cauca, en el período 2001-2003.

Aparte de la introducción y las conclusiones, el libro consta de siete capítulos, algunos de los cuales son escritos individualmente por cada autor, y otros, de manera conjunta; los capítulos conjuntos son la introducción, el capítulo 7 y las conclusiones. El resto de los capítulos son alternados: a Diego corresponden los capítulos 1, 2 y 6, y a David, los capítulos 3, 4 y 5. La introducción presenta los elementos generales, algunos antecedentes y la premisa central que orientó el estudio. Allí se contextualizan la situación histórica y social del Departamento en el ámbito nacional, el surgimiento de los movimientos y procesos sociales que desde hace varias décadas vienen horadando las prácticas clientelistas oficialistas de los gobiernos de turno, ya arraigadas, y que también caracterizan a los partidos políticos tradicionales vigentes en el Departamento.

En el primer capítulo, “El Cauca y su conflictividad plural: una lectura del contexto”, Diego Jaramillo nos presenta una trayectoria histórica de los movimientos sociales y étnicos en el ámbito caucano, donde las élites regionales han mantenido su poder, que en las últimas décadas se ha visto desafiado por dichos movimientos. En particular, el capítulo enmarca el surgimiento del Bloque Social Alternativo (BSA), el cual, si bien surge en una coyuntura electoral, en el fondo se trataba de “ubicar la reflexión y el debate en los problemas centrales del departamento y la región surcolombiana” (p. 57); al igual que se buscaba establecer un “programa para el Cauca” que se convirtiera en un “eje dinamizador y articulador de las luchas sociales en el departamento” (p. 57).

Este antecedente sobre los procesos y movimientos sociales que se destacaron en el Cauca sirve de antesala para el segundo capítulo, también elaborado por Diego, sobre “Planes de Desarrollo Alternativos”. Aquí, él examina ideas centrales asociadas al desarrollo como la planificación, el desarrollo y la superación de las condiciones materiales oprobiosas para los pueblos, que muchas veces se traducen en macropolíticas y que luego son contestadas desde un ámbito regional y local. En especial, se abordan la relación existente entre los planes del momento, como el Plan Colombia y el “Imperio” -léase Estados Unidos-; la prevalencia de las condiciones de raigambre indígena y campesina en el Cauca y la subsecuente reacción al Plan Colombia, visto como un plan de guerra. Igualmente, se examinan la formulación del Plan Alterno y el programa de gobierno que sirvió de guía, no sólo para el gobierno de Floro sino también para las organizaciones sociales que compartían valores y principios que sobresalían frente a otros dominantes en la historia regional del Departamento y que asociaban a la clase política clientelista tradicional de los partidos.

Luego de esta discusión, en el capítulo tercero se pasa al análisis de la “Violencia política, inclusión y gobernabilidad”, donde David trata de establecer de qué manera los grupos armados, legales e ilegales, afectan el ámbito departamental en términos de gobernabilidad. Se ilustran las tensiones con el Gobierno central en cuanto a las autorizaciones para establecer negociaciones regionales y locales con los grupos armados ilegales; al tiempo que, basándose en estadísticas presentadas por otros autores que desarrollan estudios regionales3, se muestran el peso que tiene cada actor armado (FARC, ELN y grupos paramilitares) en el escenario departamental, y sus efectos y desafíos para la gobernabilidad del taita Floro. En el capítulo cuarto, “La práctica de gobernar y la cuestión de gobierno”, David aborda uno de los mayores desafíos del gobierno de Floro, y que tuvo que ver con la deuda heredada del gobierno anterior, el de César Negret, quien el 28 de diciembre firmó un acuerdo de refinanciación de la misma acogiéndose a la Ley 550 de 1999, la cual fue promulgada para “obligar a departamentos, municipios y entidades en riesgo o en crisis a cumplir con sus obligaciones financieras; mejorar sus procedimientos administrativos, financieros y contables, y garantizar sus contribuciones a los fondos departamentales de pensiones” (Ministerio de Hacienda y Crédito Público 2012: 3)” (p. 130). El examen es estadístico y muestra cómo, en efecto, frente a esta obligación -que significó un desfinanciamiento para la administración de Floro-, se afectaron no sólo las finanzas para atender asuntos urgentes sino también para llevar a cabo el Plan Alterno. El tema de fondo era revelar las limitaciones que se tuvieron en el logro de las políticas sociales que se propuso dicha administración. Esta ejecución es revisada en el capítulo quinto por David, bajo el título “Principio y práctica: la lucha para mejorar las políticas sociales”. Allí se plantea “lo que estaba en juego”: el reto de implantar una forma diferente de gobernar, con énfasis en categorías como “participación” y “equidad” efectivas, en sectores como Educación y Salud, y que por Ley deben atenderse. La apropiación de recursos a través del Sistema General de Transferencias no es tanto el problema, como sí lo es “la asignación de los recursos”. Existen, sin embargo, algunos principios positivos que caracterizan el proceso político alternativo regional en cuestión. éstos son examinados en el capítulo sexto, escrito por Diego, “La participación: una práctica entre el ejercicio de la ciudadanía y la acción comunitaria local”, donde discute la relación existente entre democracia y el tránsito de la democracia representativa a una participativa, tránsito que vincula directamente a los procesos y movimientos sociales desarrollados en las últimas décadas tanto en el país como en el Suroccidente, en particular, en el Cauca.

El capítulo séptimo nos introduce en cuatro estudios de caso que ilustran cómo el gobierno de Tunubalá los enfrentó y logró resolver. En todos los casos, se trata de mostrar una solvencia política y de gobernabilidad, donde la negociación se convirtió en una herramienta vital que caracterizó a su gobierno. El último capítulo, “Gobernador de todos los caucanos”, de ambos autores, presenta una recapitulación de lo que significó el gobierno de Floro Tunubalá, sus lecciones y aprendizajes, así como los alcances logrados en cuanto a participación, transparencia en la ejecución de los recursos, y el haber dejado el legado de que es posible alcanzar otra política diferente a la del clientelismo y la corrupción.

En síntesis, cabría preguntarse: ¿Cuál es el legado del libro En minga por el Cauca, que documenta el período de gobierno del taita Floro Tunubalá (2001-2003)? En primer lugar, deseo destacar la importancia de un trabajo inédito, en el que la academia -al menos un tipo de academia- se vincula directamente con la política, que pocas veces se muestra en las publicaciones. En efecto, es difícil encontrar un trabajo de esta naturaleza que ilustre cómo se vivió un proceso político regional, con sus alcances y limitaciones, desde “adentro”. Quizás, un énfasis en la intencionalidad política del libro pudo haber sido conjugado en la expresión “algunas lecciones de un proceso político regional”. Decimos lecciones porque, en efecto, éstas pueden deducirse de la experiencia y proyectarse tanto en el ámbito teórico como en el práctico. Así, el ejercicio de revisión de una experiencia política regional que nos presentan Diego y David nos ilustra que la división entre academia -léase teoría- y movimientos sociales -léase práctica- es falseada. Si bien algunas discusiones académicas-teóricas hacen parte de una comunidad cerrada, esto no tiene porque ser así. Las revisiones de experiencias de la vida política -regionales, cotidianas o locales- son escenarios vitales para que los investigadores académicos, no academicistas4, puedan contribuir a las conceptualizaciones de dichos escenarios y, en particular, aportar a las comprensiones de fenómenos que persisten y que evidencian desconocimientos en su dinámica. En este sentido, así como el texto muestra unas virtudes, también marca sus limitaciones. En primer lugar, no estoy seguro de que deba sostenerse la relación genealógica entre la ideología de izquierda y los movimientos sociales (capítulo 1). Creo entender que existe cierto grado de afinidad entre una situación objetiva que aprecia la ideología marxista y otra más subjetiva y vivida históricamente por los movimientos sociales, alas en su composición heterogénea (ver, por ejemplo, una discusión en Dagnino, 1998). Otra dimensión académica teórica-práctica es el uso acrítico de conceptos y expresiones como “Imperio y el Plan Colombia” (capítulo 2). Creo que el aporte de cierta academia a los movimientos sociales no es sólo la transferencia de aspectos ideológicos de lucha y contestación a planteamientos y condiciones ideológicas desiguales del Estado y de los partidos, sino también una propuesta crítica-constructiva consecuente con conceptos que se aplican en un contexto determinado. El uso acrítico de “Imperio” -referido al imperialismo estadounidense-, por ejemplo, no es consecuente cuando más adelante, en el capítulo cuarto, se indica que organismos como USAID, Chemonics y Associates in Rural Development de Estados Unidos financiaron parte del Plan Alterno de Floro.

Finalmente, en lo académico aparecen algunas “ingenuidades” en la interpretación de los datos, que demuestran también que, a veces, como académicos no estamos preparados para tratar el tema complejo del poder y los hechos políticos. Una de ellas refiere al reparo de que “Tunubalá fue dejado solo y tuvo poco o ningún apoyo de los líderes y agentes políticos del Cauca” (p. 259; cursivas nuestras), afirmación que contradice lo planteado a lo largo del texto, en el cual se cuestiona una clase política clientelista y politiquera. Existe la premisa de que en política hay que saber tratar con los opositores, y lo que se dio fue un distanciamiento preventivo, para no ser identificado con lo que se criticaba; de allí esta afirmación. Otra “ingenuidad” refiere al tema fiscal y de la deuda de la Gobernación antes del gobierno de Floro, y que es presentado en el libro como una de las grandes limitaciones, ya que se recibió un Departamento hipotecado (capítulo 4). El punto es: ¿Qué administración en el pasado no ha recibido una Gobernación endeudada? Se podría argumentar que la diferencia es que esta vez el gobierno anterior se acogió a la Ley 550 de 1999, pero que, de cualquier manera, tanto el gobierno de Floro como todos los anteriores gobernadores en la historia del Departamento salieron a flote en la parte administrativa y de manejo de los recursos. Tan fue así que entregaron un Departamento sano, para que la clase clientelista dirigente continuara en el siguiente período administrando el buen esfuerzo que ellos hicieron5. Otra ingenuidad es el manejo de las estadísticas, que no se revisaron en la composición de las categorías y en las correlaciones que se dieron entre ellas. Ello condujo a afirmaciones como la siguiente: “el 11% de los incidentes reportados fue enfrentamiento entre las Autodefensas Unidas de Colombia (AUC) y las FARC, lo que refleja la intención de los paramilitares por eliminar al grupo guerrillero” (p. 98). ¿Por qué debe asumirse que un mayor porcentaje tiene esta orientación, y no a la inversa? o ¿por qué no otras motivaciones? Es claro que en el conflicto, las acciones armadas tienen mucha fundamentación en la afectación y/o eliminación del adversario. En el campo de los movimientos sociales existe una oportunidad perdida para los autores, y refiere básicamente a no haber integrado en la discusión a líderes de aquellos colectivos que hicieron parte del Bloque Social Alternativo (BSA). Una presentación del material recopilado y discutido con estos actores seguramente hubiera contribuido a un examen más crítico, detallado y constructivo de cómo fue percibido el proceso desde afuera, incluso para proponer iniciativas que pudieran ser proyectadas en futuros intentos. Desde este punto de vista, el sentido de colaboración investigativa sigue siendo limitado.

Deseo cerrar esta reseña reiterando la virtud de este trabajo: introducirnos en un proceso político regional que, a pesar de lo transitorio, deja lecciones en distintos niveles y a diferentes comunidades de actores sociales y académicos. Si quisiéramos decirlo en otros términos, el libro nos lleva al corazón de las complejidades de la política regional, muchas veces sospechadas pero no reveladas, y en otras ocasiones reveladas, pero que expresan lo enrevesado de la problemática, entre otras, lo cual constituye una contribución importante. Por otro lado, también nos muestra que en la política de la alternatividad no se puede ser ingenuo al pretender transformar una realidad política en tan poco tiempo, máxime cuando esta realidad se encuentra afianzada en redes clientelistas, en la institucionalidad estatal y en prácticas gubernamentales arraigadas en el bipartidismo. De hecho, no hay referencia a la “movida política” previa a las elecciones conocida como Toconet (Todos contra Negret), y en la cual algunos partidos clientelistas terminaron apoyando la candidatura de Floro con el fin de contrariar al candidato de Negret. La variable temporal es fundamental para comprender y dimensionar los procesos de cambio de una cultura política regional que todavía se resiste a ser transformada, y que cada día se renueva a través de los partidos y la política clientelista. Para concluir: este libro debe ser leído y discutido no sólo por estudiantes de Política, Sociología, y Antropología, entre otras disciplinas, sino también por los mismos líderes y actores de los movimientos sociales, quienes podrán apreciar los aciertos y desfases de los hechos y de las interpretaciones que acompañaron este proceso de gobernabilidad regional; además de examinar las lecciones potenciales que se pueden deducir para futuros proyectos de transformación y gobernabilidad no sólo regionales, departamentales y del Suroccidente colombiano, sino igualmente de otras regiones del país donde el accionar de otros movimientos sociales alternativos también tiene un protagonismo destacado en la política local y regional.

Comentarios

* Gow, David y Diego Jaramillo Salgado. 2013. En minga por el Cauca: el gobierno de Floro Tunubalá (2001-2003). Bogotá: Editorial Universidad del Rosario y Universidad del Cauca, 294 páginas.

1 Taita en el pueblo misak, como en otros pueblos indígenas, refiere a una autoridad tradicional.

2 El pueblo misak, también conocido como guambiano, ocupa una amplia franja de la cordillera Central del departamento del Cauca (municipios de Piendamó -La María y Piscitau-, Silvia -Guambía, Ambaló y Kizgó-, Totoró, Morales -San Antonio y Bonanza-, Cajibío -Kurakchak-), Tambo (Guambiano) y Caldono (Siberia), en el suroccidente de Colombia. Debido a problemas de tierras, en años recientes, los misak¸ han buscado ampliar su territorio dentro del departamento del Cauca y en departamentos vecinos como el Huila (MinCultura, s. f.).

3 Lastimosamente, estas cifras no son revisadas y son presentadas sin sentido crítico. Por ejemplo, a partir de un 100% que se tipifica como “accionar y presencia de los actores armados en el Cauca”, se mezclan y suman categorías duplicadas como “FARC, ELN” y “Grupos Guerrilleros” o “AUC” y “Grupos paramilitares”. Asimismo, categorías como “estrategias militares con fines estratégicos” son asimiladas sin reparar en su conceptualización y su correlación con otras categorías mezcladas y sumadas, tales como retenes y otras formas de control, masacres, secuestros, etcétera.

4 Hay que reconocer que esta distinción requiere un trabajo teórico-práctico más elaborado, y que vincula categorías como “colaboradores”, “activistas”, e “investigadores” (para una aproximación en el caso de pueblos indígenas, en particular los nasa, ver Rappaport, 2008).

5 De esto queda, sin duda, una lección fundamental, como lo insinuó el taita Floro en el lanzamiento del libro en Popayán, el jueves 10 de abril de 2014, y es la enseñanza moral de que las cosas se hicieron, y lo más importante: se hicieron bien.

Referencias

Álvarez, Sonia, Evelina Dagnino y Arturo Escobar (eds). 1998. Cultures of Politics, Politics of Culture: Re-visioning Latin American Social Movements. Boulder, Westview Press.         [ Links]

Dagnino, Evelina. 1998. Culture, Cititizenship, and Democracy: Changing Discourses and Practices of Latin American Left. En Cultures of Politics, Politics of Culture: Re-visioning Latin American Social Movements, Eds. Sonia álvarez, Evelina Dagnino y Arturo Escobar,pp.33-62. Boulder, Westview Press.         [ Links ]

MinCultura. s. f. Consultado el 13 de abril de 2014, en: http://www.mincultura.gov.co/areas/poblaciones/noticias/Documents/Namtrik.pdf[ Links]

Rappaport, Joanne. 2008. Utopías interculturales. Intelectuales públicos, experimentos con la cultura y pluralismo étnico en Colombia. Bogotá, Universidad del Rosario y Universidad del Cauca.         [ Links]

Jairo Tocancipá-Falla – Profesor titular. Departamento de Antropología y miembro del Grupo de Estudios Sociales Comparativos (GESC), Universidad del Cauca, Popayán, Colombia. Correo electrónico:jtocancipa@unicauca.edu.co

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Estudos Feministas e de Gênero / Cristina Stevens, Susane R. Oliveira e Valeska Zanello

Entre os dias 28 e 30 de maio de 2014 foi realizado na Universidade de Brasília (UnB) o II Colóquio de Estudos Feministas e de Gênero: Articulações e Perspectivas. O evento, de caráter interdisciplinar, recebeu pesquisadoras/es de diversos lugares do país e contou com a apresentação de inúmeros trabalhos que tem como foco as mulheres, os feminismos, a sexualidade, as identidades e relações de gênero. Os trabalhos apresentados por professoras/es e pesquisadoras/es doutoras/es nas sessões de conferência e mesas redondas foram selecionados, avaliados e reunidos em um livro digital, organizado pelas professoras Cristina Stevens, Susane Rodrigues de Oliveira e Valeska Zanello. Este livro, intitulado Estudos Feministas e de Gênero: Articulações e Perspectivas, lançado em 2014 pela Editora Mulheres de Santa Catarina, contou também com o apoio da CAPES, da Universidade Livre Feminista e do CFEMEA. A obra está disponível gratuitamente para download, em formato PDF, no site do CFEMEA e do Colóquio (www.coloquiofeminista2014.com).

A realização desse Colóquio e, consequentemente, a publicação dessa obra, evidenciam que os questionamentos feitos pelos movimentos sociais continuam em vigor. Ao conquistar espaço no universo acadêmico, as reivindicações feitas por ativistas e simpatizantes encontram a oportunidade de não apenas contestar o que ocorre nas ruas e na vida cotidiana, mas também o que ocorre dentro das Universidades. Dessa forma, são apresentados novos pontos de vista e novos saberes que certamente contribuirão para a renovação das ciências. Os textos reunidos nessa coletânea seguem a tendência da intersecionalidade ao trabalhar, também, com questões raciais e de classe, tão discutidas atualmente pelos feminismos. Segundo as próprias organizadoras,

A surpreendente conclusão que podemos tirar a partir da leitura desses textos multifacetados é a de que as perspectivas feministas e de gênero nas produções acadêmico-culturais são bastante diversas em suas articulações com questões de raça, etnia, geração, sexualidade, religião, classe, dentre outras. Os textos que integram este livro incorporam novos idiomas críticos, visões políticas e ferramentas teórico-metodológicas na abordagem do binômio Feminismos-Gênero em áreas diversas como Antropologia, Artes, Cinema, Direito, Educação, Filosofia, Física, História, Literatura, Psicologia, Publicidade e Sociologia. Sem dúvida, os trabalhos são testemunhos positivos do dinamismo promissor desta relativamente recente área de estudos, experiências e práticas acadêmico-culturais [1].

O livro apresenta quarenta e sete capítulos e está dividido em sete partes, sendo elas: 1) Perspectivas feministas na pesquisa acadêmica; 2) Corpo, violência e saúde mental; 3) Mulheres e literatura: do medievo à contemporaneidade; 4) Educação, ciência e diferenças de gênero; 5) Imagens, cinema, mídia e publicidade; 6) Ações, direitos e políticas; 7) Identidades, experiências e narrativas.

A primeira parte da obra apresenta os textos de cinco conferencistas brasileiras que possuem larga experiência de pesquisa e produção intelectual feminista, são elas Débora Diniz, Susana Funck, Tania Swain, Sônia Felipe e Sandra Azerêdo. Débora Diniz apresenta as “Perspectivas e articulações de uma pesquisa feminista”. A autora defende que o gênero é um regime político que encontra na família sua instituição reprodutora e cuidadora. Diniz também recupera o conceito de patriarcado tratando-o como uma tecnologia moral. Segundo ela, é possível retomar esse conceito e ser sensível “às expressões locais de sua governança pelo presente histórico” [2]. Com isso, a autora propõe que toda pesquisa sobre gênero será feminista, uma vez que tal empreendimento é capaz de desafiar o regime político de sexagem dos corpos.

Susana Funck fala dos desafios atuais dos feminismos, com ênfase nos estudos literários e culturais e suas influências em outros campos do saber. Desse modo, a autora ressalta que, embora, muitas das agendas feministas já estejam incluídas nos estudos acadêmicos e nos movimentos sociais de grande parte das nações contemporâneas, suas metas de igualdade e diversidade ainda estão longe de serem alcançadas. Nesse sentido, observa que um dos maiores desafios talvez seja o de desmistificar a prática feminista como uma unanimidade monolítica e fazer valer as várias facetas da categoria gênero, perpassadas como são por vetores de raça, classe, nacionalidade, sexualidade, faixa etária e tantas outras diferenças.

A historiadora Tania NavarroSwain, em seu texto “Por falar em liberdade…”, analisa os dispositivos que se colocam em ação para sustentar a diferença sexual, os chamados subsistemas constitutivos do patriarcado. Segundo a autora, a diferença sexual, que é implantada no imaginário ena materialidade de corpos sexuados, constitui motor de ação patriarcal e exercício de poder. Assim, destaca que o patriarcado se impõe pela violência, pela persuasão/amor e por uma sexualidade que se impõe como centro identitário e de significação do ser.

A filósofa Sônia Felipe apresenta uma importante reflexão sobre o feminismo antiespecista. Nesse caso, o termo “especismo” pode ser compreendido como similar ao “machismo” e ao “racismo”. O termo foi elaborado pelo cientista e filósofo inglês Sir RichardRyder ainda o século XX para descrever a discriminação e exploração perpetradas pelos seres humanos contra outros animais sencientes. Para Ryder, usar, “abusar, explorar e matar animais para consumo e divertimento humano é uma forma de posicionar os seres humanos acima de todos os animais e de alimentar o padrão machista e racista que rege as relações de poder entre os humanos”. Por fim, Sônia Felipe propõe como opção ética uma perspectiva ecoanimalista do feminismo, afinal “Os machistas tratam as mulheres de forma especista: como animais. E as mulheres, incorporando e emulando o mesmo especismo, tratam os animais como matéria destituída de espírito, portanto, inferiores” [3].

Já a psicóloga Sandra Azeredo, no texto “O que é mesmo uma perspectiva feminista de gênero?”, destaca que o gênero, como uma categoria central na teorização feminista que problematiza as noções de sexo e sexualidade, tem necessariamente que incluir outras categorias, especialmente a categoria raça, em suas teorizações, de modo a contribuir para práticas de emancipação. No encerramento do texto a autora ressalta que

(…) uma perspectiva feminista de gênero significa partir da igualdade, nos abrindo para o encontro com as outras pessoas (inclusive os animais não humanos), com respeito, nos rendendo, mútua e voluntariamente, aos ditames da intersubjetividade [4].

A segunda parte do livro reúne os textos de Érica Silva, Gislene Silva, Valeska Zanello, Ionara Rabelo, Marcela Amaral, Ana Paula de Andrade, Gláucia Diniz e Cláudia Alves. Trata-se de estudos desenvolvidos no campo da psicologia e da literatura, sobre a saúde mental feminina. No texto “Gênero e loucura: o caso das mulheres que cumprem medida de segurança no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios”, Érica Silva analisa os casos de dezesseis mulheres que cumprem medida de segurança no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. A autora destaca a prevalência de mulheres pobres, de baixa escolaridade, negras e pardas que estão sob a tutela do Estado. Por terem algum transtorno mental –geralmente em decorrência do uso de álcool e/ou drogas –, elas são consideradas inimputáveis ou semi-inimputáveis pela Justiça e destinadas à Ala de Tratamento Psiquiátrico localizada na Penitenciária Feminina do Gama, ou ao tratamento ambulatorial na rede pública e privada de saúde. Silva faz importantes questionamentos sobre o tratamento dado a essas mulheres que se encontram em um contexto de marginalidade e invisibilidade na sociedade brasileira. Por sua vez, o texto de Ana Paula de Andrade tem o objetivo de problematizar os atravessamentos das questões de gênero na política pública de saúde mental em seus diferentes níveis. Já o texto “Saúde mental, mulheres e conjugalidade”, de Valeska Zanello, ao tratar do caso clínico de uma mulher internada em um hospital psiquiátrico, cujo sintoma que se destacou foi “choro imotivado”, busca apontar o que a chancela do diagnóstico psiquiátrico “depressão” escondia.

A terceira parte, “Mulheres e literatura: do medievo à contemporaneidade”, reúne textos de Cíntia Schwantes, Cristina Stevens, Janaina Gomes Fontes, Luciana Eleonora de Freitas Calado Deplagne, Virgínia Maria Vasconcelos Leal, Wiliam Alves Biserra e Nadilza Martins de Barros Moreira. O texto de Cristina Stevens avança, especialmente, no debate e reflexão sobre as representações literárias da violência contra as mulheres; focalizando a mudança radical de tratamento desta temática na contemporaneidade, quando as mulheres assumem a posição de sujeito dessas construções ficcionais e abordam o tema da violência como consequência da injusta dominação masculina na produção do conhecimento. Sobre as mulheres na literatura, Nadilza Moreira tece um esboço comparativo entre as obras de Nísia Floresta e Júlia Lopes de Almeida, ambas reconhecidas pelo pioneirismo na luta feminista ainda no século XIX. Em seu trabalho, Moreira vai elucidar que diversas mulheres do Brasil oitocentista se dedicavam à atividade intelectual e à escrita, inclusive resistindo às campanhas contrárias dos homens escritores que temiam a concorrência. Ao concluir, Moreira faz uma provocação: que mulheres como Nísia Floresta e Júlia Lopes de Almeida continuem sendo redescobertas pela Academia, pois elas “aguardam por mentes laboriosas, por pesquisadores desafiadores que queiram lhes dar a devida relevância, para colocá-las visíveis nas prateleiras da contemporaneidade” [5].

A participação feminina na educação e as questões de gênero nas ciências, especialmente nas disciplinas de física e história, são exploradas na quarta parte do livro. Diva Muniz, no texto “Memórias de uma menina bem comportada: sobre a experiência da alfabetização e a modelagem das diferenças”, apresenta uma análise de suas próprias experiências vividas na infância, nos anos cinquenta, no processo de alfabetização. Muniz revoluciona a narrativa historiográfica ao se colocar como sujeito da própria história, utilizando a própria memória para fazer considerações sobre todas as “tecnologias de gênero” que estiveram presentes em sua vida, bem como as formas de subversão e resistência à própria realidade. Assim escreve a autora,

Submetida a esse processo de disciplinarização escolar, fui sendo “fabricada” como menina educada e aluna aplicada aos estudos. Apesar e por conta desse processo, também me produzi como pessoa crítica, questionadora e independente e até mesmo impertinente. Afinal, somos assujeitadas às prescrições sociais e escolares, mas nunca de modo pleno: resistimos, negociamos, agenciamos outros termos, condições, posições e alianças; fazemos escolhas e recusas na constituição de nossas histórias e na configuração de nossas subjetividades [6].

Valéria Silva, com base nas teorias feministas, analisa as representações das mulheres nos livros didáticos escolares. Por sua vez, Susane Oliveira trata de questões relacionadas à inclusão da história das mulheres nos currículos escolares, atentando para as demandas dos movimentos feministas e delineando algumas propostas para a efetivação dessa inclusão, tendo em vista o potencial educativo da história das mulheres na promoção da cidadania e igualdade de gênero. A autora aponta que, para os avanços existentes ocorrerem, como no caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), foi necessária a mobilização dos movimentos sociais no processo. No caso do ensino da história,

Tais mudanças, somadas às inovações que ocorreram na historiografia e nas tendências pedagógicas na segunda metade do século XX, impuseram à história, enquanto disciplina escolar, um papel fundamental no reconhecimento e valorização das identidades e memórias de diferentes grupos sociais, especialmente daqueles que haviam sido marginalizados e/ou silenciados nos discursos históricos tradicionais, como as mulheres, os jovens, os trabalhadores, as crianças, os idosos, as etnias e minorias culturais [7].

Patrícia Lessa analisa os escritos da educadora Maria Lacerda de Moura, produzidos na primeira metade do século XX, cujas ideias sobre a libertação das mulheres e dos animais não humanos é bastante atual. O texto de Ademir Santana analisa a participação masculina no movimento feminista a partir de experiências na Física. Já Adriana Ibaldo versa sobre a desigualdade de gênero nas ciências exatas e a dificuldade que as mulheres precisam enfrentar para permanecerem na área. A autora apresenta dados sobre a produtividade feminina na física, que ainda é tímida –entre 6% e 25% –e relembra as situações cotidianas que podem levá-las à interrupção da carreira nos mais diversos níveis, como o machismo arraigado em ambientes majoritariamente masculinos e o estereótipo de que mulheres são inaptas às ciências exatas. Para a transformação desse cenário, a autora propõe medidas que incentivem o ingresso de jovens alunas aos cursos de física, como o projeto Atraindo meninas e jovens mulheres do Distrito Federal para a carreira em física, financiado pelo CNPq com foco em estudantes do Ensino Médio da rede escolar.

A quinta parte do livro, “Imagens, cinema, mídia e publicidade”, reúne oitos textos. O primeiro, de Maria Pereira analisa imagens de mulheres artistas no ocidente medieval. O texto de Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro dedica-se às representações imagéticas de mulheres negras no Brasil oitocentista em “Corpos negros no/do feminino em três movimentos: um exercício de (des) construção” analisando três imagens da época: duas fotografias e um quadro. Em seu trabalho, Carneiro tece importantes considerações sobre a intersecionalidade entre gênero e raça e como os corpos das mulheres negras eram representados no século XIX. Suas palavras elucidam que no interior dessa maquinaria “política ocidental corpos negros e cativos exibem marcas de sexo-gênero e de raça, extraídas e significadas como diferenças construídas na arquitetura da dominação do patriarcado escravocrata” [8]. Os textos de Liliane Machado, Mônica Azeredo e Sulivan Barros analisam as perspectivas de gênero nas produções audiovisuais (filmes e documentários). Os textos de Sandra Machado, Ana Veloso e Cynthia debatem os processos sociais engendrados pela publicidade e propaganda que tornam as mulheres imagens-espetáculo, fetiches e objetos de consumo, impondo padrões de comportamento e preconceitos socioculturais que esvaziam o sentido político das contestações dos grupos feministas.

A sexta parte do livro apresenta seis textos que versam sobre direitos e políticas públicas para as mulheres, desenvolvidos pelas/os autoras/es Ela Wiecko, Soraia da Rosa Mendes, Wanda Miranda Silva, Camila de Souza Costa e Silva, Lourdes Maria Bandeira, Tânia Mara Almeida, Carmen Hein de Campos, Ana Liési Thurler, Sônia Marise Salles Carvalho, Nelson Inocêncio, Umberto Euzébio e José Zuchiwschi. Os textos, das oito primeiras autoras, abordam, teórica e empiricamente, estratégias atuais de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres brasileiras, a partir de um campo interdisciplinar de conhecimentos científicos, redes interinstitucionais e movimentos sociais. São discutidas abrangências e limitações na aplicação da Lei Maria da Penha frente a paradigmas, valores e práticas fundadas em representações sexistas, bem como em identidades essencializadas e referenciadas pela articulação de múltiplas desigualdades (grupos de mulheres indígenas, pobres, negras, dentre outros). Já o texto de autoria dos quatro últimos autores/as, mencionados acima, trata da proposta da Universidade de Brasília na criação da Diretoria da Diversidade no Decanato de Assuntos Comunitários, que propõe reforçar o direito à diferença e o respeito à diversidade na comunidade acadêmica.

Já a sétima e última parte da obra, intitulada “Identidade, experiências e narrativas”, reúne os textos de Águeda Aparecida da Cruz Borges, Juliana Eugênia Caixeta, Lia Scholze, Maria do Amparo de Sousa, Lia Scholze, Cláudia Costa Brochado, Gilberto Luiz Lima Barral e Tania Swain. O texto de encerramento, “Histórias feministas, história do possível”, de Tania Navarro Swain expõe uma crítica às narrativas historiográficas que muitas vezes silenciam e excluem a participação feminina na história. Sua proposta se baseia em resgatar as histórias que, apesar de possuírem vestígios materiais e simbólicos, foram negligenciadas pelos historiadores. Segundo ela, esses profissionais “enclausurados em um imaginário androcêntrico, não conseguem pensar e nem ver aquilo que se abre à pesquisa, um mundo onde o feminino atuava como sujeito político e de ação” [9].

Enfim, a obra Estudos feministas e de gênero: articulações e perspectivas reúne uma amostra bastante significativa da produção intelectual feminista que vem se desenvolvendo nas universidades brasileiras, nas mais diversas áreas de conhecimento. Trata-se de uma produção reveladora da dimensão política dos estudos feministas e de gênero, que contribui não só na denúncia e crítica às desigualdades de gênero presente nos mais diversos espaços sociais, mas também na renovação dos saberes, oferecendo novos horizontes de expectativas à produção científica.

Notas

  1. STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Estudos Feministas e de Gênero: Articulaçõese Perspectivas. Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 2014, p. 9.
  2. DINIZ, Débora. Perspectivas e articulações de uma pesquisa feminista. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 12.
  3. FELIPE, Sônia. A perspectiva ecoanimalista feminista antiespecista. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 59.
  4. AZEREDO, Sandra. O que é mesmo uma perspectiva feminista de gênero? In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 84.
  5. MOREIRA, Nadilza Martins de Barros. Os manuais femininos/feministas de Júlia Lopes de Almeida dialogam com “(…) uma alma brasileira” de Nísia Floresta: esboço comparativo. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 249.
  6. MUNIZ, Diva do Couto Gontijo. Memórias de uma menina bem comportada: sobre a experiência da alfabetização e a modelagem das diferenças. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 260.
  7. OLIVEIRA, Susane Rodrigues de. Ensino de história das mulheres: reivindicações, currículos e potencialidades pedagógicas. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 260.
  8. CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Corpos negros no/do feminino em três movimentos: um exercício de (des)construção. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 356.
  9. SWAIN, Tânia Navarro. Histórias feministas, história do possível. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 613.

Ana Vitória Sampaio Castanheira Rocha – Doutoranda em História na Universidade de Brasília.


STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Estudos Feministas e de Gênero: Articulações e Perspectivas. Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 2014. 620p. Resenha de: História histórias. Brasília, v.2, n.4, p.200-206, 2014. Acessar publicação original. [IF]

Los crímenes que estremecieron a Chile. Las memorias de La Nación para no olvidar – ESCALANTE (RHYG)

ESCALANTE, Jorge; GUZMÁN, Nancy; REBOLLEDO, Javier; VEGA, Pedro. Los crímenes que estremecieron a Chile. Las memorias de La Nación para no olvidar. Santiago de Chile: CEIBO ediciones, 2013. 522p. Resenha de: ARRIAZA PEÑA, Rafael. Revista de Historia y Geografía, Santiago, n.29, p.137-141, 2013.

La forma en que recuerdan lo acon­tecido en Chile entre los años 1973 y 1989 quienes lo padecieron y quienes simplemente estaban allí sin padecerlo marca una diferencia profunda en la interpretación de los hechos. También, no lo perciben de igual forma los jóvenes que no lo padecieron o no estuvieron allí. Experimentan, en mayor medida que quienes lo vivieron, una merma y/o deformación en su percepción de cuanto allí aconteció, especialmente en el dolor, el miedo, las carencias estruc­turales, etc. de esos años. La lectura del texto “Los crímenes que estremecieron a Chile. Las memorias de La Nación para no olvidar” transporta a un mun­do distinto que conmueve, entristece, y también genera ira. Este resumen fundamental de cuanto aconteció, en cuanto a ejercicio de la violencia se refiere, permite, además, ordenar sistematizadamente, cronológicamente, lo ocurrido, identificando a quienes participaron en ello, más allá de la FFAA.

El libro in comento tiene como objetivo dejar en evidencia el sistemático atropello a los derechos humanos cometido durante el régimen cívico-militar entre los años 1973 y 1989. También, el desarrollo posterior del ejercicio de la justicia y aplicación de la ley de estos delitos al respecto. Se realiza un estudio detallado de diferentes casos donde se visualiza la violación sistemática contra diferentes personas pertenecientes al enemigo interno. Leia Mais

Sexo e Violência – Realidades antigas e questões contemporâneas – GRILLO et al (RMA)

GRILLO, José Geraldo C.; GARRAFFONI, Renata S.; FUNARI, Pedro Paulo A. (Orgs.). Sexo e Violência – Realidades antigas e questões contemporâneas. São Paulo: Annablume, 2011. 284p. Resenha de: POZZER, Katia Maria Paim. Revista Mundo Antigo, v.I, jun., 2012.

Este livro é o resultado de encontros. Encontro entre jovens pesquisadores e experimentados estudiosos, encontro entre o mundo antigo e o mundo contemporâneo. Todos dispostos a refletir sobre dois assuntos que são, ao mesmo tempo, absolutamente atuais e muito antigos: sexo e violência. Para tratar destes temas os organizadores da obra optaram por uma perspectiva multidisciplinar, onde a história, a antropologia, a psicologia, a arqueologia, a filosofia, a educação física, entre  outras, são chamadas a colaborar neste debate. Além disso, o livro apresenta recortes cronológicos que retomam as práticas e as percepções dos homens e mulheres de outros tempos acerca da sexualidade e da violência.

O livro abre com um polêmico texto de Ian Buruma, jornalista e professor de direitos humanos em Nova York, originalmente publicado no Corriere della Sera, na Itália. Ele propõe uma discussão sobre a relação entre a sexualidade e o fascismo na Europa dos anos 40 e, a sexualidade a intolerância na Europa dos dias de hoje. Leia Mais

Estado, políticas públicas e violência / Dimensões / 2011

A Revista Dimensões busca neste número, mediante o dossiê intitulado: Estado, políticas públicas e violência, discutir a relação entre tais questões, vinculando este tema à violência criminal e simbólica tanto em nível, regional, nacional como internacional. O propósito é inserir esta discussão, já realizada em nível acadêmico pela linha de pesquisa Estado e Políticas Públicas do Programa de Pós-Graduação em História, por meio do NEI (Núcleo de Estudos Indiciários) e do Laboratório de História das Relações Institucionais, a um olhar mediado pela interdisciplinaridade das Ciências Sociais.

Neste sentido, é na interseção da interface de múltiplos olhares que se pretende discutir o fenômeno da violência, cujo propósito é o de superar a dicotomia ainda existente entre diversos campos de estudo e pensá-lo, a partir do aporte da história, em suas diversas dimensões, desde a do imaginário e da fantasia (inerente ao humano), a ação política. O fenômeno da violência em geral e o aumento significativo do índice de delito em particular, têm se apresentado na sociedade contemporânea como um desafio constitutivo e definidor de políticas públicas para a promoção do desenvolvimento humano.

Assim a importância de discutir esta temática vinculando-a diretamente ao Estado e às Políticas Públicas. Nesta direção, os pesquisadores participantes deste Dossiê apresentam uma rica abordagem e trazem suas experiências do campo historiográfico, antropológico, da ciência política e sociológico apresentando um painel de acontecimentos na Colômbia, no México, no Brasil e no Espírito Santo e que refletem, por sua vez, as demandas por políticas públicas. Esperamos que a contextualização proposta possibilite aos leitores a construção de novos indícios para a pesquisa das ciências humanas.

Maria Cristina Dadalto

Márcia Barros F. Rodrigues

Organizadoras.


DADALTO, Maria Cristina; RODRIGUES, Márcia Barros F. Apresentação. Dimensões. Vitória, n.27, 2011. Acessar publicação original [DR]

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No sertão das minas: escravidão, violência e liberdade (1830-1888) – JESUS (HP)

JESUS, Alysson Luiz Freitas de. No sertão das minas: escravidão, violência e liberdade (1830-1888). São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: FAPEMIG, 2007. Resenha de: MEDEIROS, Euclides Antunes. História & Perspectivas, Uberlândia v. 23, n. 43, 15 dez. 2010.

Acesso permitido apenas pelo link original. Clique aqui!

Life and Words: Violence and the Descent into the Ordinary – DAS (CP)

DAS, Veena. Life and Words: Violence and the Descent into the Ordinary. Berkeley, University of California Press, 2007, 281p.  Resenha de: PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. Violência, gênero e cotidiano: o trabalho de Veena Das. Cadernos Pagu, Campinas, n. 35, Dez. 2010.

A antropologia e a teoria feminista têm como espaço privilegiado de reflexão a intersecção gênero, violência e subjetividade. Algumas abordagens nessa intersecção acabam por pensar violência como algo apenas eventual, olvidando-se frequentemente de assinalar suas íntimas conexões com o cotidiano. É comum também, e consubstancial a essa visão de violência como extra-ordinário, pensar o campo que envolve a violência em oposições rígidas, tais como: vítima e agressor, agência e opressão – existindo mesmo uma habitual associação entre agência e transgressão, como se a voz das vítimas só pudesse se manifestar transgredindo e enfrentado a Lei. Dessa maneira, como algo esporádico e fortuito, que se irrompe aqui ou acolá, a violência não desce ao cotidiano, e o trabalho diário na lida contra a violência é obnubilado em favor de certo tipo de violência acidental e de certo tipo heróico de resistência. É à busca de pensar as relações entre gênero, violência e subjetividade para além da oposição ordinário e extra-ordinário, evitando as ciladas dessa oposição, que a antropóloga indiana Veena Das vem se dedicando na última década e, como fruto dessa inquietação, publicou o livro Life and Words: Violence and the Descent into the Ordinary.

Veena Das iniciou suas investigações em Gujarat, um Estado da Índia que faz fronteira com o Paquistão. Encontrou ali famílias que haviam imigrado à Índia refugiadas de diversas regiões do Punyab – famílias que por décadas compartilharam com a antropóloga suas memórias e seus testemunhos da violência da Partição (divisão territorial efetuada pela Índia e Paquistão em 1947, pouco tempo após suas independências político-administrativas do império britânico). Esse “evento crítico” caracterizou-se pela violência entre mulçumanos, hindus, sikh e diversos grupos étnicos e religiosos que acabou por desalojar 14 milhões de pessoas e vitimar pelo menos um milhão. Uma das histórias recorrentes na Partição foi o rapto e a violação das mulheres. Das efetuou uma paciente aproximação etnográfica, na qual os relatos de violação, as reestruturações familiares, os testemunhos de violência se encontravam também com uma memória que, simultaneamente, se silenciava sobre o acontecido e se manifestava nas relações sociais, transformando as relações de parentesco. Uma década após, em 1984, Das se deparou com a violência contra os Sikh em Delhi, quando do assassinato de Indira Gandhi, então Primeira-Ministra da Índia. Às memórias dos eventos violentos de 1947, presentes mesmo que sob forma de um “conhecimento venenoso”, somavam-se violências súbitas, dirigidas contra os Sikh, organizadas com a conivência do Estado, mas praticada por grupos ilegais, geralmente em forma de motins.

Das vem pesquisando esse contexto desde o início da década de setenta – como se pode acompanhar pelos seus trabalhos (1990, 2003, 2005), alguns já resenhados e relativamente conhecidos no Brasil (Das, 1995; Peirano, 1997). A busca geral da antropóloga é verificar como se estabelecem as relações sociais nesses eventos críticos (1995), de que forma o gênero é acionado como uma gramática que autoriza a violência (2007), qual o papel desempenhado pelo Estado (Das e Poole, 2004), qual o status das vítimas e sua capacidade de resistência, em que condições ocorrem os testemunhos e o que podem revelar (1995; 2007), entre outros. Life and Words persiste nessas indagações, propondo, no entanto, um novo e importante foco: averiguar como a violência desce ao cotidiano.

No prefácio ao livro, Stanley Cavell (2007:ix-xiv) sustenta que Das dialoga com Wittgenstein ao fazer sua análise girar em torno da dor. De fato, o diálogo existe e Life and Words é uma contribuição significativa aos estudos de violência, sofrimento e dor. Das utiliza o conceito de Wittgenstein de “formas de vida” para averiguar como a violência expõe os limites dos critérios de vida e se apresenta como fracasso da gramática cultural no estabelecimento e interpretação de formas de vida. Mas a importância desse livro – aquilo que a autora avança e acentua se comparado a seus trabalhos anteriores – reside, vale insistir, no lugar privilegiado atribuído ao cotidiano. Opção que enseja diversas indagações: de que forma esses eventos violentos, que se irrompem na vida social, descem ao dia-a-dia? que tipos de personagens atuam nessa descida? como agem? em quais gramáticas atuam e sob quais jogos? como operam os rumores? como as mulheres, que surgem como os principais atores desse processo, reconstroem o cotidiano como forma de resistir à violência?

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O livro é dividido em duas partes. A primeira (capítulos 2 ao 5) aborda a Partição da Índia, em 1947, e os processos pelos quais a violência desse evento crítico é construída no dia-a-dia da Índia contemporânea. Nessa parte, tendo como interlocutores as vítimas da Partição, Das demonstra que os sujeitos enfrentam essa violência não com um acento excessivo numa memória paralisada, mas como forma de reabitar o cotidiano. Na segunda parte (capítulos 7 ao 11), Das reflete sobre a violência coletiva que se seguiu ao assassinato de Indira Gandhi, caracterizada pelos motins anti-Sikh. A abordagem se centra numa política de afetos que se transforma em atos de violência e conforma “comunidades de ressentimento”.

Nas análises sobre a Partição, uma das questões principais abordadas pela autora é o rapto e a violação das mulheres. Durante a Partição, os Estados da Índia e do Paquistão adotaram normas que vinculavam a castidade da mulher à dignidade da nação. O corpo da mulher se transformou, então, num signo de comunicação entre homens, uma violenta linguagem da masculinidade. As mulheres violadas pelos raptores eram ora assassinadas, ora se suicidavam como condição de reentrar “honradas” na imaginação da nação; as sobreviventes eram marginalizadas e enfrentavam contínuas e árduas dificuldades para refazerem suas vidas. Segundo a autora, as mulheres raptadas circulavam nos debates políticos e permitiam ao Estado estabelecer um estado de exceção que sinalizava uma alteração do fluxo na troca de mulheres. Esse acontecimento permitiu um “contrato social” entre homens, fundamentado num “contrato sexual”, que reivindicava os direitos dos homens sobre as mulheres. A violência infligida às mulheres não se referia apenas ao silenciamento de suas vozes, mas à transformação das mulheres em testemunhas da violência brutal, testemunhas silenciadas, mas que tinham em seus corpos os signos da violência – corpos apropriados numa disputa pela soberania que operava por uma gramática violenta de gênero.

Essas mulheres, cujos corpos são signos dessa gramática violenta de gênero, expressavam-se numa zona de silêncio. Das utiliza a metáfora de “conhecimento venenoso” para falar como as mulheres atuam sobre o sofrimento a elas infligindo. Quando conversava com as mulheres raptadas e violadas durante a Partição, indagando sobre suas experiências, Das percebeu uma zona de silêncio, principalmente sobre os fatos mais brutais. Surgia ali uma linguagem metafórica que se valia de figuras de linguagem para escapar de narrar diretamente a violação. As mulheres utilizavam a metáfora de uma mulher que bebia veneno e o mantinha dentro de si. Esse conhecimento manifestava-se no cotidiano e nas formas de perceber a vida, construindo um mapa das relações sociais, permitindo-lhes operar as experiências violentas no cotidiano, na reconstrução do dia-a-dia. Testemunhas silenciosas atuam – valendo-se do “trabalho do tempo” – sobre os relacionamentos familiares, num processo contínuo de reescrita. As mulheres parecem se valer de um tipo específico de compreensão: o tempo também possui agência, e trabalha. Saber lidar com o tempo significa atuar diretamente na reconstrução das relações e permite reabitar o mundo. O trabalho do tempo possibilita colocar essas mulheres na condição de sujeitos, no processo de reconstrução de suas relações familiares.

Para falar sobre o “trabalho do tempo”, Das descreve a história de Manjit, uma das mulheres raptadas durante a Partição e resgatada pelo exército indiano. A narrativa acompanha Manjit do arranjo apressado de seu casamento (devido aos tumultos da Partição e seus efeitos nas famílias), à violência rotineira desferida por seu marido contra ela e, posteriormente, contra o primogênito do casal; aproxima-se das complexas negociações do casamento do filho de Manjit e mostra o deslocamento da violência de seu marido para a jovem esposa; assinala como essa violência faz com que se contrariem todas as convenções culturais, forçando o primogênito e sua esposa a se mudarem de casa; e finaliza retratando o esposo de Manjit adoecido e necessitando de cuidados, o filho de Manjit retornando à sua casa, onde a protagonista da narrativa consegue finalmente tranqüilidade para viver ao lado de seus netos. A história, muito mais rica do que pude descrever, conta-nos como o tempo não é algo simplesmente representado, mas um agente que trabalha nas relações, permitindo que sejam reinterpretadas e rescritas no embate dos agentes na construção de suas histórias.

Semelhanças entre essa poderosa história e O vento, filme de Victor Sjöström (1928), poderiam ser traçadas. No filme, uma jovem sulista vai ao Texas para se casar, mas é violentada no trem por um desconhecido. A jovem, entretanto, mata o agressor e enlouquece, em meio à tempestade de areia provocada pelo vento incessante. Embora ambos abordem a violência de gênero, a trama da narrativa é diferente: Manjit não enlouquece como a jovem Letty do filme, e sabe utilizar o trabalho do tempo a seu favor. Contudo, nas duas narrativas temos a forte presença de outros protagonistas: na obra de Sjöström, o vento; no texto de Das, o tempo – ambos são agentes que aparecem como personagens principais da história.

trabalho do tempo também se manifesta nas relações entre a Partição e os eventos que se sucederam após 1984 (a invasão do Templo Dourado de Amritsar, o assassinato de Indira Gandhi por seus guardas Sikh, a violência contra os Sikh). A localização e a atualização da violência contra os Sikh devem ser compreendidas como uma mescla de memórias dos sobreviventes da Partição, de uma gramática de gênero violenta – caracterizada por uma masculinidade que auto-proclama sua superioridade sobre um outro-inferior-feminino ou feminilizado –, de um Estado conivente e, de certa forma, fomentador da violência. As relações do cotidiano processam sentimentos de raiva e ódio e permitem, ao mesmo tempo, um trabalho de reconstrução da sociabilidade, mas também possibilitam o incremento desses sentimentos de ódio que podem ser traduzidos em atos de violência, como o assassinato dos Sikh.

O passado tem um caráter indeterminado. O presente se converte no lugar onde elementos do passado que foram rejeitados podem assediar o mundo. O acontecimento sobrevive em versões diversas dentro da memória social dos diferentes grupos sociais. Das sustenta, então, que o rumor ocupa uma região da linguagem que pode fazer experimentar acontecimentos e, mais do que se apresentar como um ato externo, termina por produzir no mesmo ato em que enuncia. Os processos de tradução e rotação funcionam para atualizar certas regiões do passado e criam um sentido de continuidade entre os acontecimentos, conectando-os entre si. No caso dos acontecimentos pós-assassinato de Indira Gandhi, Das assinala como diversas correntes de rumores se combinaram para criar uma sensação de vulnerabilidade entre os hindus e fazer supor que os Sikh seriam desprovidos de subjetividade humana. O rumor acabou por fazer os hindus se pensarem como uma coletividade instável e em perigo – o que autorizou a violência contra o outro desprovido de subjetividade.

O rumor ressalta a dimensão do impessoal na vida social. Os rumores exercem um “campo de força” que atrai as pessoas para agirem de determinada maneira. Trata-se, portanto, de um tipo de violência que nubla as distinções claras entre agressores e vítimas. A impessoalidade e esse campo de forças propiciam atos morais que não seriam executados em condições diferentes, e pessoas comuns são arrastadas para cometer atrocidades (Das, 2010). O rumor, enfim, embaralha e complexifica as categorias convencionais que temos para pensar a violência e se constitui num modelo para complexificarmos as definições de agência. A força perlocucionária do rumor mostra a fragilidade do mundo, e como as imagens de desconfiança, que podem ser apenas virtuais, tomam uma forma volátil, e a ordem social se vê ameaçada por um acontecimento crítico.

A análise do rumor, além de focalizar o poder do impessoal (Das 2010:137), apresenta também a agência de determinados atores que não se encaixam naquilo que geralmente se imagina como “agência”. Por exemplo, noções como paciência e paixão são mais vinculadas à passividade do que à resistência. A descida ao cotidiano, entretanto, abala nossos modelos pré-estabelecidos de resistência ou, pelo menos, apresenta outras possibilidades de pensá-los. Das encontra uma forma de lidar com a violência que se distancia dos modelos de resistência heróica, tal como os percebidos no modelo clássico de Antígona. A antropóloga indiana conta, então, a história de Asha, uma mulher punjab, que vivia com a família de seu esposo na fronteira do Paquistão no período da Partição. Depois do conflito, teve que abandonar sua “família política” por diversos motivos relacionados à sua condição de mulher e de viúva. Ela se casa com um comerciante bem estabelecido. Depois de muito tempo e de uma insistente ação de Asha e de sua cunhada, termina por reatar os laços com sua família política. Das contrasta as ações de Asha às de Antígona. Para a antropóloga, se a figura de Antígona oferecia uma maneira de pensarmos voz e agência, a figura de Asha mostra um sujeito genereficado que possui um “conhecimento venenoso”, mas que constrói um trabalho cotidiano de reparação. Diferentemente de Antígona, a agência não está no heróico e no extra-ordinário, mas na descida ao cotidiano, no preparo diário da alimentação, na arrumação e organização dos afazeres, no cuidado e cultivo persistente das relações familiares. São essas ações cotidianas que possibilitam a criação de um discurso de reparação. Ao justapor o modo “menos dramático” de discurso utilizado por Asha ao discurso de Antígona, Das sugere que mulheres como Asha ocuparam uma zona diferente ao descer ao cotidiano em lugar de ascender a um “plano superior” (Das, 2007; 2010). Se nos dois casos percebemos mulheres como testemunhas – no sentido de se encontrarem no marco dos acontecimentos e de serem por eles afetadas –, Asha fala da zona do cotidiano, ocupando os signos das feridas que a afetaram e estabelecendo uma continuidade no espaço da devastação.

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Estes breves comentários nem de longe dão conta da argúcia dos argumentos, da riqueza das histórias descritas e do impecável estilo de Veena Das. Tentei apenas desenhar em traços largos os movimentos principais da obra. E, para finalizar, com objetivo apenas de ressaltar alguns aspectos, faço algumas considerações mais gerais sobre Life and Words.

Bronislaw Malinowski (1935) revelou em suas “confissões de ignorância e falha”, no apêndice de Coral Gardens and Their Magic, que uma fonte geral da inadequação de seu material consiste no fato ter sido seduzido pelo dramático e excepcional e ter negligenciado o dia-a-dia (ver Martin, 2007). Porém, acompanhar o dia-a-dia de nossos interlocutores demanda tempo e uma pesquisa de campo prolongada (nem sempre possível, se pensarmos, por exemplo, na realidade brasileira). Sem uma interação cuidadosa, por anos a fio, muito do cotidiano se perde e o antropólogo acaba seduzido pelo “dramático e excepcional”. Se isso vale mesmo para antropólogos que tiveram a oportunidade de ficar por muito tempo em campo, como Malinowski, há que se conjecturar as dificuldades de, em períodos curtos, se conseguir uma aproximação razoável às práticas cotidianas. Life and Words é interessante para refletirmos sobre o assunto. Ao analisar o trabalho de restabelecimento da sociabilidade após experiências de ruptura proporcionadas pela violência, assinala Das a persistência de zonas de silêncio nas quais a emergência da voz feminina se dava nem sempre pelo dizer, mas pelo mostrar. O mostrar não é algo que surge apenas de narrativas ou de reivindicações, mas no fabrico diário de modos de viver. Donde a necessidade de uma laboriosa prática etnográfica que se volte para o dia-a-dia. Das parece sugerir que somente um trabalho de campo que saiba manejar o “trabalho do tempo” conseguirá ouvir o que se tem a dizer, perceber os dizeres do silêncio e compreender o que os interlocutores desejam mostrar. Afinal, é a intensidade e persistência na investigação que possibilitam um vínculo com os interlocutores.

Todavia, não é estranha à história da antropologia a figura do “nativo” convertido simplesmente num vetor de informações (o informante), destituído de nome e sem traços que o singularize. A despeito desse movimento, e justamente pela intensidade do empreendimento etnográfico que, em maior ou menor grau, propicia vínculos com os interlocutores, alguns nomes ficaram marcados: Ahuia de Malinowski, Tuhami de Crapanzano, Ogotemmeli de Griaule, Muchona de Victor Turner, Pa Fenuatara de Raymond Firth, Adamu Jenitongo de Stoller. Das nos apresenta outros personagens. No decorrer do livro, a antropóloga se envolve e é interpelada pelos seus interlocutores, enredando-se no drama de suas vidas, estabelecendo vínculos que, em alguns casos, perduram por décadas. Certamente as mulheres desses eventos críticos narrados por Das, como Manjit e Asha, ficarão na história da disciplina. Ademais, a antropóloga lhes confere um lugar privilegiado, reivindicando uma equiparação às heroínas das tragédias gregas: Asha é igualada à não menos que Antígona.

Em Life and Words, as protagonistas são os interlocutoras da antropóloga, que não apenas narram suas histórias, mas formulam sofisticadas teorias sobre tempo, dor, sofrimento, adoecer; teorias sobre formas de relação. A antropóloga procura alçar a teoria de seus interlocutores ou, para falar em termos mais filosóficos, alçar suas práticas de conhecimento. O que não significa um abandono das discussões teóricas e dos conceitos antropológicos; antes, trata-se de intensificar as conexões entre os saberes. Daí, por exemplo, o intenso diálogo estabelecido com Wittgenstein (cf. Das, 1998) – diálogo ancorado numa longa experiência etnográfica, e numa lida cuidadosa com as teorias, sejam elas de mulheres punjab ou de filósofos austríacos. Apesar desse cuidado, teço duas pequenas observações.

1) Das lembra que a relação da formação do sujeito e a experiência de subjugação foi compreendida por Foucault, em sua análise da disciplina do corpo, por intermédio da metáfora da prisão: “a alma é a prisão do corpo”. Entretanto, ressalta a antropóloga, ao tentar compreender as complexas conexões existentes entre violência e relações de parentesco, percebeu que os modelos de poder-resistência ou a metáfora da prisão são excessivamente grosseiros como ferramentas para entender o “delicado trabalho de criação do sujeito” (2007:78). Pelo contrário, continua a autora, ao explorar a profundidade temporal propiciada pelos momentos originários de violência, e o caráter fundamental da vida cotidiana, em vez de utilizarmos metáforas de prisão para significar as relações entre critérios externos e estados internos (corpo e alma), devemos pensar que eles se recobrem um ao outro, compreendidos sempre em união. A ressalva que faço – reconhecendo, evidentemente, a importância do achado etnográfico de Das – é que o autor de Vigiar e Punir é também autor de História da Sexualidade, e as exegeses da obra de Foucault vêm revelando em sua trajetória uma complexificação crescente do enfoque sobre a formação do sujeito e da subjetivação (ver Goldman, 1999). Qualquer análise que se concentre apenas na abordagem de Vigiar e Punir será necessariamente parcial, não alcançado a complexidade da abordagem de Foucault. Judith Butler (1997), por exemplo, em sua obra sobre a vida psíquica do poder (ou seja, sobre as relações entre “sujeição” e “tornar-se sujeito”), revela um Foucault atento às sutilezas daquilo que Das denominou de “delicado trabalho de criação do sujeito”. A busca de compreender as práticas de conhecimento de nossos interlocutores não nos autoriza a simplificar as teorias que manejamos, quaisquer que sejam, e mesmo sob a justificativa de priorizar o conhecimento nativo. Ainda que se argumente que a utilização de Foucault em Das foi pontual, há que se indagar sobre o porquê de tal uso, já que o autor poderia atuar positivamente no desenvolvimento da autora e não apenas como algo tosco (“crude”) a ser evitado.

2) Outra questão que me intriga na composição geral de Life and Words é que a autora, talvez pela inércia constitutiva da linguagem, parece demasiadamente colada aos significantes “homem” e “mulher” na sua concepção de gênero. Das está refletindo sobre um quadro em que a gramática de gênero parece girar quase exclusivamente em torno da heterossexualidade. Mas, ainda assim, sinto a falta de uma maior problematização sobre a concepção de gênero e da violência da própria gramática cultural heteronormativa. Quando Butler (1990) redefiniu gênero como performance, interrogou-se sobre a produção e reprodução do sistema sexo/gênero normativo e binário, concluindo que, da mesma maneira que sexo e sexualidade não são a expressão de si ou de uma identidade, mas o efeito do discurso sobre o sexo – um dispositivo disciplinar, portanto –, o gênero também não é uma expressão do sexo. Se a feminilidade não deve ser necessária e naturalmente a construção cultural de um corpo feminino; se a masculinidade não deve ser necessária e naturalmente a construção cultural do corpo masculino; se a masculinidade não é colada aos homens e se não é privilégio dos homens biologicamente definidos; é porque o sexo não limita o gênero, e o gênero pode exceder os limites do binarismo sexo feminino/sexo masculino. Todo gênero é uma performance de gênero, ou seja, uma paródia sem original. Sem querer me estender nessa questão, cabe aqui uma indagação sobre a pressuposição de gênero nos marcos estritamente heterossexuais ou numa gramática em torno de significantes hetero e também de uma possível homogeneização das mulheres que acabaria por criar um universalismo mascarado. Sobre esse último ponto, quem sabe não seja mais interessante perceber as mulheres não como um grupo explorado, mas uma coalizão política a construir, e que não se define unicamente pelo gênero ou pela opressão de gênero – posição esta, inclusive, que se aproxima ao próprio movimento teórico empreendido por Das. Essa questão precisa ser mais bem observada. De qualquer forma, um diálogo mais intenso com teóricas como Judith Butler, Teresa de Lauretis e Marilyn Strathern numa discussão conceitual da categoria gênero, poderá ser frutífero para futuros trabalhos de Veena Das.

Independentemente dessas observações, Life and Words consegue, de forma convincente, abordar a intersecção gênero, violência e subjetividade, demonstrando que a vida cotidiana é, para repetir Stanley Cavell, ao mesmo tempo, uma busca e uma pesquisa [a quest and an inquest]. Veena Das destaca, com persistência e delicadeza, os ensinamentos do poeta Rainer Maria Rilke ao aprendiz Franz Kappus, em famosa missiva que acabou por ser publicada em Cartas a um jovem poeta: “Se o cotidiano lhe parece pobre, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser muito poeta para extrair as suas riquezas”.

Referências

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Pedro Paulo Gomes Pereira – Antropólogo, Professor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. E-mail: pedropaulopereira@hotmail.com.

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El complot patagónico. Nación, conspiracionismo y violencia en el sur de Argentina y Chile (siglo XIX y XX) | Ernesto Bohoslavsky

Tulio Halperín Donghi comentó en una entrevista efectuada en 1993 1 que su trayectoria como historiador especializado en América Latina había sido producto casual de un derrotero personal signado por las discontinuidades producidas en la historia política argentina (que tanto afectaron a las universidades nacionales entre 1943 y 1983), llevándolo a establecerse sucesivamente como investigador en París, Harvard, Oxford y Berkeley, sin renunciar por ello a ser un historiador que escribe y publica en castellano y para una amplia audiencia de historiadores. En su opinión, esa atípica historia personal moldeó no sólo sus vastos conocimientos generales sobre la historia e historiografía de América Latina, sino también estimuló en él una aproximación empírica al estudio de actores, instituciones, hechos y procesos situados en diferentes localizaciones del continente. Este particular perfil intelectual nos es presentado por Halperín como un caso bastante excepcional, inscripto en un universo historiográfico donde –por el contrario- predominan los especialistas argentinos, brasileños, chilenos, etc. concentrados exclusivamente en la historia de un determinado período y dimensión de la vida social de su propio país. Leia Mais

Juventude em conflito com a lei – PAIVA (E-CHH)

PAIVA, Vanilda; SENTO-SÉ, João Trajano (Org.). Juventude em conflito com a lei. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. 280p. Resenha de: LOBO, Leylane Cabral. Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas, Ilhéus,  vs. 12 e 13, ns. 22 e 23, p.395-400, jul./dez. 2009 e jan./jun. 2010.

Tem sido comum o enfrentamento do aumento dos casos de violência praticados por crianças e adolescentes com a utilização de medidas repressivas, meramente punitivas, em detrimento de ações educativas que visem à diminuição de atos infracionais.

O uso extensivo e arbitrário de medidas socioeducativas de restrição de liberdade não tem servido para transformar a vida daqueles que enveredam pelo caminho da criminalidade. Encerrar jovens que cometeram pequenos delitos juntamente com outros que praticaram infrações mais violentas em nada contribuiu para a diminuição da prática de atos infracionais por adolescentes.

Igualmente importante é reconhecer que não necessariamente os adolescentes cometem crimes mais graves que os adultos. Nas últimas décadas, os meios de comunicação, em geral, e setores mais conservadores da opinião pública reivindicaram mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) amparados no argumento de que os adolescentes, devido à sua condição de imaturidade emocional e cognitiva, são autores de atos criminosos mais violentos e recebem medidas brandas Pesquisas desenvolvidas nas últimas décadas, evidenciaram, entretanto, que o perfil dos crimes cometidos por adolescentes no Brasil não se diferencia significadamente dos praticados por adultos e que, ao contrário do que se apregoa, a lei prevê punição aos adolescentes que praticam atos violentos, cabendo, entretanto, ao judiciário aplicá-las.

É necessário reconhecer que a adolescência é uma fase da vida específica, marcada por profundas mudanças no processo de seu conhecimento interno, na formação de caráter e na construção de sua personalidade.

No Brasil e no mundo, os jovens vêm sendo os principais perpetradores das formas mais graves de violência. E têm sido também suas principais vítimas. Com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, os infantes e os adolescentes passaram a ser considerados sujeitos de direito e com deveres, e a estar amparados por lei, entretanto, essa mesma lei não vem sendo cumprida em sua integralidade. As medidas socioeducativas deveriam reeducar e integrar esse jovem à sociedade, contudo, atualmente ela tem sido usada de forma extremamente punitiva e repressora.

O livro Juventude em conflito com a lei é uma importante publicação que traz para o debate diversificadas questões sobre a relação de adolescentes com a prática de crimes. O livro foi elaborado a partir das discussões ocorridos no Seminário Internacional “Juventude em conflito com a lei” e retrata a realidade das práticas de medidas socioeducativas e sua eficácia na reintegração desse jovem à sociedade, trazendo à tona uma descrição crítico-analítica das intervenções e dos projetos de instituições públicas e privadas com relação à juventude e suas desordens sociais, retratando a busca pela reeducação desses jovens e, principalmente, seu processo de mudanças em relação às práticas criminais. Aborda uma conjuntura de fatores que influencia o aumento dessas práticas violentas por crianças e adolescentes, onde várias questões sociais interferem em sua evolução, tendo como principal aspecto o tráfico de drogas. A professora Vanilda Paiva e o professor João Trajano Sento-Sé, organizadores da coletânea, apresentam reflexões sobre a temática juvenil e as medidas socioeducativas, principalmente no contexto do Rio de Janeiro, entretanto, pontuam casos de outras localidades.

O livro é trabalhado em três momentos, além da introdução, e contém quinze textos de autores que possuem vasta experiência e conhecimento da temática. A abordagem está focada na prática de violência por crianças e adolescentes, destacando as atividades culturais e educacionais destinadas aos jovens que praticaram infrações, a eficácia dessas medidas, além de englobar uma visão histórica dessas ações. Trata a questão de forma original, utilizando uma visão contextualizada e pontuando não só suas práticas, mas explanando aspectos das relações sociais que englobam os aspectos psicológicos, físicos e biológicos.

No texto de introdução, elaborado por Paiva, é apresentado o contexto complexo das temáticas abordadas no livro. De forma descritiva, tece uma ligação entre os textos revelando os contextos de sua elaboração, pré-definindo posicionamentos dos autores quanto às infrações cometidas por crianças e adolescentes.

O primeiro momento, “Pesquisa e ação social entre jovens em conflito com a lei”, enfatiza dados de pesquisas constituídas na área de violência juvenil e a efetivação das práticas socioeducativas de reinserção desse jovem na sociedade, e é composta por quatro seções que têm como autores Paiva, Soares e Duarte, Potengy e Calheiros e Soares. Aborda a precariedade da estrutura funcional destinada a jovens infratores, relata os resultados de pesquisas e faz um mapa do contexto histórico da ação de legitimação da punição.

O segundo, individualizado como “Outras visões do problema”, elenca sete seções e tem textos de: Dubar, Heitmeyer, Misse, Gonçalves, Sento-Sé, Teixeira e Lacey. Apresenta um olhar sociológico da compreensão da delinquência juvenil, questionando suas funções e interação. Destaca as possíveis causas e consequências, além de propor a prevenção do fator potencial que gera a violência juvenil, (o tráfico de drogas). A partir de projetos de pesquisa, retrata a prática da punição e não da inserção; o uso da violência como reivindicação, as mudanças no conceito de violência e o aumento da repressão ao jovem.

“O projeto e seus atores”, é o terceiro ensejo, ele traz Botelho, Silva, Paiva e Porfírio, através de seus escritos, e expõe as ações dos CRIAMs, e relatam projetos “bem sucedidos” sobre a valorização da família na reinserção desse jovem e as características conceituais da juventude.

Os autores analisam a violência praticada pelos jovens como uma característica comum a essa fase da vida que busca desafios, novas experiências e a quebra de barreiras e/ou regras, constatando que as “revoltas” dos jovens expressam o descontentamento, em que várias questões sociais interferem nessas ações, e não só propriamente a miséria e as desigualdades. Enfatizam a influência de outros elementos que alimentam as mudanças, como a busca por uma identidade e a auto-afirmação perante a sociedade. Entretanto, mesmo quando assumem essa posição de agressores, o fazem num contexto de dúvidas, questionamentos, imposições, o que por si só já lhes ressalva o “papel” de vítima.

Contudo, na maioria das vezes, as respostas estão centradas em posicionamentos e ações exclusivamente punitivas.

A violência praticada por jovens tem sido uma temática que vem merecendo destaque na sociedade brasileira nos últimos anos. Essas práticas violentas perpetradas por jovens vêm fazendo parte do cotidiano das escolas, das ruas e fazendo parte da agenda dos jornais. Os autores vão mais além desta constatação e mapeiam as causas e consequências do crescimento dessas práticas, contestando o que está sendo feito para lidar com esse movimento de ‘quebra’ das leis e regras sociais.

Traçando um panorama da aplicação das medidas socioeconômicas os autores defendem o “tratamento” desses jovens infratores de forma humanizada, em que a família, a comunidade e o Estado trabalhem em cooperação em prol da conscientização e reinserção desses jovens à sociedade. Tendo por meta também promover ações a fim de impedir os consequntes esteriótipos e condutas que visem à marginalização marginalizada desses jovens, visto que é natural serem classificados como com conduta considerada como nata, própria da pobreza, destituída de moralidade, e este seria um fator que implicaria na reincidência criminal.

O livro instiga o leitor estudioso ou interessado na temática e o atualiza sobre o que está sendo feito no sentido do enfrentamento da questão por autoridades, educadores e pesquisadores.

Além de evidenciar questões de fundo, como a necessidade de cobrar do Estado sua parcela de contribuição na luta para tirar essas crianças e adolescentes de práticas criminais; o aumento da repressão como gerador do aumento da violência; a influência da massificação do consumo pela mídia na colaboração para a reprodução da violência juvenil; além da situação complexa dentro dessas instituições, onde “aglomeram-se” jovens de várias organizações criminais em um mesmo espaço sem garantir sua segurança. Ponderando essas questões que caracterizam um contexto específico, podemos, na maioria das problemáticas, generalizar as características para o plano nacional e mundial, e lendo as descrições do livro podemos encontrar vários traços que podem ser atribuídos aos jovens de nossa realidade.

É um trabalho importante, que deve ser reservado como fonte de consulta permanente, especialmente para aqueles que se propõem a fazer análises acerca dos atos infracional praticados por jovens em seus mais diferentes aspectos. Pela riqueza dos relatos, pela cuidadosa seleção dos conteúdos trabalhados e pela transparência das ideias, o livro permite a mediação e a reflexão de profissionais das áreas jurídica, educacional, sociológica, entre outras, auxiliando numa discussão aberta da temática destacada.

Assim, pode ser dito, que o livro é uma contribuição fundamental, pois utiliza a análise reflexiva e formadora de um posicionamento que visa proteger a infância e juventude do “julgamento” coercitivo e da esteriotipização de marginalidade.

É necessário entender o contexto sócio-histórico dos jovens autores de ato infracionais e tentar compreender o aparecimento desse fenômeno, buscando encontrar soluções efetivas, pois a aplicabilidade da punição não parece ser uma “solução” efetiva e viável, já que produz como efeito a exclusão e não da reintegração desse jovem à sociedade.

Leylane Cabral Lobo – E-mail: leilalobo@hotmail.com

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Counting the dead: The culture and politics of human rights activism in Colombia – TATE (A-RAA)

TATE, Winifred. Counting the dead: The culture and politics of human rights activism in Colombia. Berkeley: University of California Press, 2007. 400p. Resenha de: STEMPER, David M. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.8 jan./jun., 2009.

The 1989 murders of three Colombian presidential candidates and the end of the Cold War marked the beginning of another phase in this Andean nation’s decades of civil strife. since then, tens of thousands of Colombians have died and 3.8 million—disproportionately Afro-Colombians—have been internally displaced due to political violence. Much of the violence occurs in massacres that make the flesh creep. In Counting the Dead, Winifred Tate attempts to empower the victims of human rights violations in Colombia. she successfully accomplishes the goal of “making them count.” An unintended consequence of human rights (HR) activism is that the paramilitary death squads received training in international humanitarian law. Now, thugs avoid murdering more than four people at the same time and place, the international definition of a massacre. Instead they use chainsaws to cut up the victims, burying legs in different pits or in scattering arms across the landscape and along the rivers.

Tate has spent much of the last 18 years participating in and conducting fieldwork on Colombian human rights. Te seven chapters and 40 pages of endnotes (some of the best writing of the book) reflect her thorough understanding of political violence in the Andes. Te book provides an institutional ethnography of three types of Colombian activists and professionals—nongovermental organizations (NGOs), state agencies, and the military. Secondary actors are Colombian guerrillas, paras, and police, and international NGOs and United Nations and government agencies. She examines a 30-year history of changes, identifying three phases: the start and consolidation of HR activism from the late 1970s to the end of the Cold War (1989-91); HR professionalization from the rewriting of the Constitution in 1991 (creating new legal mechanisms such as tutela and an Office of HR Ombudsman) to september 11; and the period of the War on Terrorism to the book’s completion in 2007. Te main focus is 1989 to september 11, 2001 and the efforts by NGOs, government officials, and the military to classify violence and assign responsibility. Obvious, sensible, and always in need of repeating, her argument is that statistics about violent deaths are embedded in politics, cultural practices and traditions, and stakeholders’ contesting the meanings of why paras, narcos, the Army, or the guerrillas annually murder hundreds of Colombians.

Te author capably handles the book’s key concepts—agency, discourse and frames, public transcripts, the troubling HR trade offs between individual versus collective and community responsibilities, impunity, genocide, “intermesticity” (international and domestic issues conflated as in what makes an NGO “international”), networks and nodes of activists (based on Manual Castells’ essays), among several others. Her use of Michael Taussig’s insights on the emotions and meanings of political death and terror in Colombia is as deft as it is subtle. One of the most superbly used concepts is political culture (pg. 35 and note 5). Mixing together the best of the reasoning of sally Engle Merry, Eric Wolf, and others, with the brilliant writing of the Colombian maestro of history, Marco Palacios, Tate defines the concept as ” how individuals imagine their relations to the state as well as the institutions that channel political power and participation.” This case study of Colombian HR is an excellent example of why political culture is still one of anthropology’s most important theoretical tools.

A minor comment about the book is what Tate did not include but might want to an a second edition of this description of human rights, violence, conflict resolution that will influence future work in the field. One suggestion would be a chart with milestones that date when the groups listed in the abbreviations began or ended their noteworthy activities. such a chronology might include names and dates of presidents and other major actors. It would benefit readers unfamiliar with Colombia and make visible at a glance the changes in political culture. A second suggestion is to include on the map more names of the major localities made infamous due to murders by the military, paras, and guerrilas or famous due to the efforts to create peace (Apartadó, Chengue, Maparipán, Puerto Elvira, Trujillo, etc.). A final suggestion is to describe more about the police and their recent participation in defending human rights in Colombia’s big cities, the role of activists outside of Colombia such as the “Colombia Support Group in Madison, Wisconsin,” and the findings of Victoria Sanford on Colombian death squads and peace communities.

There is also some fuzzy writing and insufficient description of the interview methodology. Te overuse of concepts such as “production,” “sites,” and “landscape” is distracting. Not all of Colombian impunity, refugees, and HR reports would seem to merit interpretation as “produced” nor perhaps should a United Nations Commissions be described by Colombian HR activists (page 179) as “their ability to view this landscape as a locality.” Equally confusing, almost annoying, are descriptions of interviewees as “dressed in the uniform of a midlevel state official, pink shirt and blue tie and big watch (pg. 237),” “a lawyer, one of many in cheap suits and polyester ties (pg. 248),” “a petite blond …with careful makeup and substantial gold jewel (pg. 272),” and “chubby, dark-skinned mestizo (pg.282).” Reliance on office waiting rooms “as rich fieldwork opportunities,” in which the types of posters (Che Guevara or international scenes) and furniture are the bases for interpretations of “class differences” among NGOs are not convincing (pgs. 153, 185, 237). A couple of sentences are incomprehensible: “My experience as the receptacle for fantasies of global connection was just beginning, however.” (pg.177).

Research methods involved a careful review of documents in archives in several countries, participant observation in public forums and conferences, and approximately 61 open-ended interviews (pg. 16-17). It is unclear whether Tate conducted the interviews with a questionnaire. This requires further explication. A questionnaire and responses that were described in an appendix or the endnotes, perhaps even tabulated to allow others to skim them for correlations, would highlight even more one of Tate’s fascinating findings about emotions, identity, and social movements. For example, most activists answered questions about why they were motivated to risk their lives with the word “mística” (mystique or otherworldliness, pg. 148). But what does this mean? Description of the questions and general background on the respondents would allow even greater understanding of the Colombians creating these social movements. Is “mística” more frequent among women than men? Older Colombians from small towns and rural areas or only those from big cities? Catholics, Protestants, or non-believers? College educated and having traveled outside Colombia or high-School educated with few visits to Bogotá or travel on a plane? such information would give Tate’s analysis of Colombian social movements greater weight. More information about the questionnaire, respondents, and their answers would help decide which of Max Weber’s notions on the significance of congregational and ethical religion to broad sociocultural transformations are relevant. This ethnography clearly confirms some of Weber’s insights. More methodological rigor is necessary to decide on which notions the findings on Colombian HR activism cast serious doubts.

Readers most likely to benefit from this book are those interested in social movements, emotions and activism; religion and change; the military’s relation to society and paramilitaries; and the unintended consequences of the Colombian and U.S. “war” on drugs and terror. All of them will agree with the author’s policy prescription: Colombians need to rein in their security forces, bring more of the human-rights abusers to justice, and strengthen the rule of law. such a “culture of lawfulness” would go far to ending the country’s more than 60 years of violence during which plata o plomo, a bullet or a bribe, has made the rule of law a loser.

Overall, Winifred Tate has penned a persuasive history of a region and topic that have been both misunderstood and neglected. Her efforts to inspire—or, if necessary, shame—individuals, companies, organizations, and governments into honorable behavior are exhaustive and creative.

David M. Stemper – Adjunct Associate Professor, School of International Service, American University Washington, D.C. E-mail: stemper@american.edu

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A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje | Maurício Murad

O futebol tem ocupado, cada vez mais, um espaço como objeto de estudo dos vários pesquisadores, cuja formação se liga à História, à sociologia, à antropologia e demais áreas correlatas. Isso significa que o esforço de análise acerca desta temática vem deixando de ser algo restrito a uma prática diletante, para também ser analisada no âmbito das universidades. Neste aspecto, não tenho dúvidas quanto ao pioneirismo e ao brilhantismo do Professor Maurício Murad, quando nos reportamos à reflexão sobre a temática apontada, sobretudo no que diz respeito a um dos principais problemas que habita o universo do futebol: a violência. O livro é parte de amplas pesquisas que o autor já vem realizando há algum tempo, o que o coloca como indispensável para aqueles que estudam ou venham a estudar e/ou conhecer questões relacionadas ao futebol, também numa perspectiva da pesquisa acadêmica.

Desde já, creio ser necessário concordar com uma das principais teses do autor em questão, quando ele nos sugere em seu livro, que não se deve comparar a violência no futebol com a violência do futebol. A partir desta premissa, provavelmente o autor queira nos alertar quanto às ocasionais conclusões que poderiam naturalizar o futebol como algo estruturalmente violento, tal como muitas vezes alguns jornais impressos, programas de rádios e/ou de televisão, enfim, os diferentes veículos de comunicação poderiam nos levar a crer, quando noticiam os jogos de futebol. Não se trata de rejeitar a existência de absurdos ligados à violência absolutamente condenáveis que, de fato, estão presentes no esporte. Leia Mais

A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje | Maurício Murad

O futebol tem ocupado, cada vez mais, um espaço como objeto de estudo dos vários pesquisadores, cuja formação se liga à História, à sociologia, à antropologia e demais áreas correlatas. Isso significa que o esforço de análise acerca desta temática vem deixando de ser algo restrito a uma prática diletante, para também ser analisada no âmbito das universidades. Neste aspecto, não tenho dúvidas quanto ao pioneirismo e ao brilhantismo do Professor Maurício Murad, quando nos reportamos à reflexão sobre a temática apontada, sobretudo no que diz respeito a um dos principais problemas que habita o universo do futebol: a violência. O livro é parte de amplas pesquisas que o autor já vem realizando há algum tempo, o que o coloca como indispensável para aqueles que estudam ou venham a estudar e/ou conhecer questões relacionadas ao futebol, também numa perspectiva da pesquisa acadêmica.

Desde já, creio ser necessário concordar com uma das principais teses do autor em questão, quando ele nos sugere em seu livro, que não se deve comparar a violência no futebol com a violência do futebol. A partir desta premissa, provavelmente o autor queira nos alertar quanto às ocasionais conclusões que poderiam naturalizar o futebol como algo estruturalmente violento, tal como muitas vezes alguns jornais impressos, programas de rádios e/ou de televisão, enfim, os diferentes veículos de comunicação poderiam nos levar a crer, quando noticiam os jogos de futebol. Não se trata de rejeitar a existência de absurdos ligados à violência absolutamente condenáveis que, de fato, estão presentes no esporte. Leia Mais

Gênero, patriarcado, violência / Heleieth Saffioti

Publicado recentemente, em 2004, Gênero, Patriarcado, Violência parece ter sido concebido para ser uma espécie de “manual didático” que busca conceituar, sob a perspectiva de uma socióloga estudiosa das temáticas feministas, conceitos imbricados de paradoxos tais como gênero, patriarcado, poder, raça, etnia e a relação exploração-dominação.

A partir da utilização de conceitos formulados pela autora no correr de sua vida acadêmica, já que os temas em pauta fazem parte do universo de pesquisas de Saffioti desde os anos oitenta, a obra em análise se propõe a abrir novas perspectivas para o entendimento da violência contra as mulheres. Este tipo de violência, segundo a autora, consiste em um problema social cujo exame encontra-se entrelaçado aos estudos de gênero, raça/etnia, classes sociais e patriarcado.

Dividido em quatro seções de análises, a obra de Saffioti “destina-se a todos(as) aqueles(as) que desejam conhecer fenômenos sociais relativamente ocultos”(p.9), dentre os quais está a violência contra as mulheres, questão que perpassa todos os eixos de reflexão do livro em pauta.

As áreas da Saúde, Jurídicas, Ciências Sociais e Humanas têm se dedicado, mesmo que de forma tímida ou isolada, à compreensão dos mais diversos mecanismos de opressão das mulheres. Dada à diversidade e a multiplicidade de pesquisas que vem sendo realizadas em relação aos temas abarcados nesta obra, é possível observar que as articulações dos pensamentos da autora são perpassadas pela transversalidade de saberes. Assim, por meio de uma perspectiva reconhecidamente feminista e a partir do instrumental teórico do campo disciplinar no qual está inscrita é que partem suas pontuações. Com títulos de abertura dos capítulos considerados pouco comuns, tais como “a realidade nua e crua” e “descoberta da área das perfumarias”, a socióloga versa sobre temas específicos de forma a conceituar, em termos jurídicos e sociológicos, sobre os diversos tipos de violências (doméstica, de gênero, contra as mulheres, intra-familiar, urbana) existentes no caso brasileiro sob uma espécie de permissividade social.

Com essa profusão de novos conceitos, a releitura e a reinterpretação de teorias já existentes, acrescentando-se a instabilidade característica do fazer feminista, talvez não seja possível encontrarmos termos consensuais no contexto dos embates das correntes feministas.

A autora faz uma breve análise do cenário político-econômico brasileiro e constata que estes terrenos são, “certamente, a maior e mais importante fonte da instabilidade social no mundo globalizado”(p.14). Para ela, é sob a ordem patriarcal de gênero que devem ser feitas as análises sobre a violência contra as mulheres.

Recorrendo a referências obrigatórias no campo dos Estudos Feministas e de Gênero, tais como Carole Pateman, Gayle Rubin, Joan Scott, entre outras, Saffioti empreende uma escrita que varia entre pontuações extremamente coloquiais e outras passagens com reflexões importantes e densas para uma obra que pretende ser didática. Para o/a leitor/a desavisado/a, essas passagens requerem especial atenção, já que as análises da autora requerem uma leitura prévia dos conceitos discutidos. Exemplo disso é a utilização do conceito de poder formulado por Foucault que a socióloga utiliza sem maiores esclarecimentos acerca da perspectiva pósmoderna.

Influenciado pelas correntes do pensamento pós-moderno no qual estava inserido (construindo e desconstruindo suas perspectivas), ao refletir sobre outras maneiras de pensar, Foucault defende um amplo questionamento de conceitos caros a seu campo como a finalidade, a natureza, a verdade, os procedimentos tradicionais de produção do conhecimento histórico, as representações do passado com que operamos e os usos que fazemos de sua construção.

Outra questão que merece zelo na leitura são as discussões teóricas que Saffioti estabelece sobre diferentes perspectivas sobre os conceitos de gênero existentes. Vale destacar que, de natureza cultural e ideológica, os Estudos de Gênero introduziram a questão de gênero como categoria analítica e demonstraram como é ilusória a neutralidade dos valores ditos “universais”. Em sua prática interdisciplinar, articula – a partir de uma perspectiva “gendrada” – questões de raça, classe, etnia, bem como contribuições de vários eixos epistemológicos como a psicanálise, marxismo, antropologia, etc, buscando compreender a representação (histórico-cultural, literária) das mulheres, bem como sua contribuição neste processo.

Um ponto bastante interessante a ser ressaltado nesta obra, como se pode depreender da sua leitura, é que esta consiste no fruto de reflexões embasadas em dados empíricos e sobre pontos de referências a respeito das sobreposições parciais, as especificidades e diferenças entre as várias modalidades de violências existentes, fenômenos estes, demonstrados pela autora, que não são tão raros quanto o senso comum indica.

Consiste alvo de crítica da autora, em diversas passagens da obra, o uso político de uma diferença fundada nos argumentos do determinismo biológico e em normatizações feitas a partir de uma marca genital. Para ela, as pessoas são socializadas para manter o pensamento andrógino, machista, classista e sexista estabelecido pelo patriarcado como poder político organizado e legitimado pelo aparato estatal por meio da naturalização das diferenças sexuais.

Em relação à violência, tema que perpassa a maioria das reflexões da autora há que se considerar as sobreposições feitas por Saffioti sobre os conceitos e as especificidades de cada “fenômeno”, sua expressão para designar a violência. Ao mostrar os fatos em suas peculiaridades, a autora trabalha quadros teóricos de referência com vistas a orientar seu leitor. Assim, ela diferencia e explicita as características e os contextos em que ocorrem principalmente os seguintes tipos de violência: contra a mulher, de gênero, doméstica, intrafamiliar, entre outras. Nesse sentido, faz parte também das análises de Saffioti a ocorrência do “femicídio”, que, segundo ela, consiste na feminização da palavra homicídio e é um fenômeno infelizmente bastante recorrente, principalmente nos tempos atuais (p. 72-73).

No que tange ao significado da violência e todas as conseqüências que surgem da ocorrência deste fenômeno, a autora lembra que na sociedade patriarcal em que vivemos, existe uma forte banalização da violência de forma que há uma tolerância e até um certo incentivo da sociedade para que os homens possam exercer sua virilidade baseada na força/dominação com fulcro na organização social de gênero. Dessa forma, é “normal e natural que os homens maltratem suas mulheres, assim como que pais e mães maltratem seus filhos, ratificando, deste modo, a pedagogia da violência.” (p.74) Para Saffioti, a ruptura dos diferentes tipos de integridade, quais sejam, a física, a sexual, a emocional, a moral, faz com que se estabeleça a “ordem social das bicadas”, na qual o consentimento social para a conversão da agressividade masculina em agressão contra as mulheres, não é um fator que prejudica apenas as vítimas, mas também seus agressores e toda a teia social que convive ou é forçada, por inúmeros motivos, a suportar tal sujeição. como critério de avaliação de um ato como violento situa-se no terreno da individualidade e, dessa forma, cada mulher interpreta de forma singular esse mecanismo de sujeição aos homens. Segundo Saffioti, somente uma política de combate à violência (especialmente a doméstica) que se articule e opere em rede, de forma a englobar diferentes áreas (Ministério Público, juizes, polícia, hospitais, defensoria pública) pode ser capaz de ter eficácia no combate à violência.

As experiências da autora e a liberdade com que trata dos temas de forma a informar e/ou atualizar o leitor merecem atenção. Ao desvelar parte do processo de diferenciação sexuada, nas múltiplas configurações espaços-temporais, a autora expõe o caráter produtor e reiterador de imagens naturalizadas de mulheres e homens. Dessa forma, a obra pode ser considerada referência de leitura para as pessoas que se interessam pelas temáticas ligadas às questões de gênero, violência, patriarcado, e afins.

Uma vez que a literatura científica feminista tem sido constantemente obscurecida ou ignorada, este livro ressalta a importância no questionamento dos paradigmas científicos e da naturalização das formas de relações sociais que instituem o feminino e o masculino em uma escala de valores hierarquizada com vistas à desnaturalizar construções cristalizadas no imaginário e nas representações sociais sobre as desigualdades existentes nas relações entre homens e mulheres.

Trata-se de uma obra instigante, cuja leitura deve ser cuidadosa, que funda suas interpretações a partir do enfoque que entende o gênero como uma representação que produz e reproduz diferenças por meio da classificação dos indivíduos pelo sexo, os quais exigem abordagens e epistemologias específicas para suas análises.

Longe de ser um “manual didático” Gênero, Patriarcado, Violência apresenta conceitos já trabalhados pela autora em outros estudos, mas pode ser considerada uma referência bibliográfica atualizada para os/as interessados/as em estudos de Gênero e violências, já que apresenta importantes distinções das considerações anteriormente feitas aos deslocar o olhar do leitor para além do senso comum e das generalizações

Fabrícia F. PimentaGraduada em Direito, Mestre em Ciência Política pela UnB e doutoranda na UnB em História na linha de pesquisa “Estudos Feministas e de Gênero”. Apoio financeiro para a pesquisa: CNPq. E-mail: fabricia.pimenta@yahoo.com.br / fabricia.piment@ig.com.b.


SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, 151p. Resenha de: PIMENTA, Fabrícia F. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.10, p.190-193, 2006. Acessar publicação original. [IF].

A geografia do crime: violência nas Minas Setecentistas – ANASTASIA (VH)

ANASTASIA, Carla Maria Junho. A geografia do crime: violência nas Minas Setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. Resenha de: JESUS, Alysson Luiz Freitas de. Varia História, Belo Horizonte, v.21, n.34, p. 523-525, jul., 2005.

A obra de Carla Anastasia, publicada pela Editora da UFMG, tem como principal objetivo analisar as relações de violência entre os habitantes da capitania das Minas Gerais, ao longo do século XVIII. A historiadora procura avaliar- a partir de textos em sua maioria já publicados em outras ocasiões- a imprevisibilidade da ordem social setecentista nas Minas, principalmente em regiões onde a administração da Coroa não conseguia penetrar. Nesse sentido, o conceito de violência e a análise das relações sociais no sertão acabam por se constituir o eixo protagonista das discussões da autora.

Na introdução do livro, Anastasia procura esclarecer o papel que os atos violentos tiveram no cotidiano da população das Minas. As autoridades responsáveis pela tentativa de ordenamento acreditavam que os tumultos, desordens e assassinatos eram resultados da ”má qualidade dos povos” que viviam na região. Aliava-se a isso a enorme presença de escravos e forros na região, que, sob a tica dos homens do poder, eram diretamente responsáveis pelos atos violentos e pela desordem. De acordo com as autoridades, esclarece Carla Anastasia, as Áreas mineradoras estavam infestadas de quantidade de negros, forros e mulatos, vagabundos sem oficio, que viviam com demasiada liberdade, prontos a praticarem latrocínios e mortes com graves prejuízos dos povos. (p.15) O cotidiano das Minas convivia, portanto, com uma tentativa de tornar previsível, o imprevisível.

Quanto aos negros, mais especificamente, fica claro para as autoridades o envolvimento constante em situações de violência na capitania. Um componente especial no universo criminoso dos negros eram as práticas mágicas, que, com isso, contribuíram para transformá-los nos principais inimigos dos brancos. Essa situação levava a população a nutrir um forte medo com relação aos negros, que, era tanto maior (o medo) quanto mais se adentrava por paragens desertas, sem lei e sem ordem, onde os desmandos uniam escravos, forros, brancos pobres e, muitas vezes, grandes proprietários e ministros do rei. (p.18)

A autora divide a sua obra em 4 partes. Na primeira, intitulada A construção dos espaços da violência, Anastasia recupera a formação da capitania, dedicando especial atenção a ocupação e (des)organização administrativa. Uma das características do setecentos mineiro foi o baixo grau de institucionalização política na capitania. As tentativas de se controlar os territórios de potentados e de mandos no sertão setecentista não surtiram resultados. Portanto, as estratégias levadas  frente para normatizar a capitania esbarravam principalmente nessas Áreas, uma vez que os criminosos dificilmente eram encontrados. A partir da a autora passa a discutir a estrutura social e política dessas regiões, o que nos leva  segunda parte do texto, intitulada “Terra de ninguém”.

Para Anastasia, a violência dos facinorosos nos sertões constitua zonas de non-droit (termo mantido em francês pela dificuldade de se traduzir com eficácia a expressão, ou seja, zonas nas quais a arbitrariedade era a regra, em que os direitos costumários e a justiça não eram reconhecidos pelos atores sociais, fossem autoridades, fossem vassalos, escravos ou forros.) p.23. Privilegia-se aqui o mandonismo nos sertões do rio das Mortes e do São Francisco. Nesse segundo, em especial, a ausência do poder da Coroa levou á consolidação dos territórios de mando. A violência, nesse sentido, se fazia presente principalmente nos sertões. Isso era propiciado, em grande parte, pelo cárter geográfico da região:

Dos perigos imaginários, contava-se a boca pequena. O sargento de milícias, Romão Fagundes do Amaral, afirmava que a mata do Senhor Bom Jesus dos Perdões, situada nos confins do termo da vila de São José, no sertão da comarca do Rio das Mortes, era bom refúgio para os criminosos, próprio por ser de mata geral com poucas estradas e mal abertas, propícias para mortais emboscadas. (p.20)

Além disso, o componente sobrenatural contribua na formação do imaginário que se fazia da generalização da violência nessas regiões, classificadas como locais “assombrados por criaturas estranhas e superlativas, onde se reproduzem caprichos sobrenaturais e foras malévolas”.

A terceira e quarta partes do livro (intituladas, respectivamente, “Rapina, contrabando e vendeta” e “Joaquim Manoel de Seixas Abranches – um ouvidor bem pouco ortodoxo”) têm como aspecto principal a análise da atuação de determinados bandos de facinorosos da Capitania, entre eles a famosa Quadrilha da Mantiqueira, o bando liderado pelo Mão de Luva e o do Sete Orelhas. Esses homens, criminosos por excelência, faziam da rapina o seu modo de vida. Na quarta parte, a autora examina o comportamento transgressor de uma autoridade, nos fornecendo mais instrumentos para se repensar a questão do público e do privado no Brasil.

Conforme esclarecemos anteriormente, a obra privilegia alguns aspectos que vêm merecendo especial atenção por parte dos estudiosos. No que diz respeito violência, diversos estudos vêm sendo produzidos- muitos deles sob orientação da própria autora, professora titular do Departamento de História da UFMG, contribuindo para um melhor entendimento das relações sociais de ruptura e tentativa de ordenamento das Minas. Por se tratar de uma obra que privilegia o estudo em regiões onde a violência se fazia mais presente, a autora objetiva demonstrar as raízes que possibilitaram essas manifestações, o que levou, nessas áreas, a uma não da legitimidade da violência. Talvez, depois da obra clássica de Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens Livres na Ordem Escravocrata, poucos estudiosos no Brasil trataram com tanta competência a temática do cotidiano da violência.

Por fim, um outro aspecto muito abordado na obra é a questão dos direitos costumeiros. Anastasia destaca o caráter das relações entre a Coroa e os seus vassalos, permeado por regras que deveriam ser respeitadas. Determinados limites eram impostos também ao poder metropolitano, assim como aos vassalos. Para a autora, “se é usual afirmar que os colonos várias vezes reagiram exacerbação do poder metropolitano, é menos comum chamar a atenção para o fato de que os mesmos se beneficiaram com os limites colocados a esse poder”. (p.23) Assim, quando essas regras eram desrespeitadas, rompia-se a ordem. Foi o que aconteceu em vários conflitos nas Minas setecentistas, entre os quais os Motins do São Francisco em 1736.

O livro não esgota como não poderia deixar de ser as análises sobre o cotidiano da violência nas Minas Gerais. Antes disso, o livro é uma contribuição fundamental para futuros estudos sobre a história da capitania, principalmente, acreditamos, no que se refere as análises da centúria posterior, o século XIX. Publicações como “A geografia do crime” são um estímulo para uma produção cada vez mais intensa da história das Minas, não apenas sobre o setecentos, mas, em especial, sobre o oitocentos, tão carente de estudos de qualidade como o livro de Carla Maria Junho Anastasia.

Alysson Luiz Freitas de Jesus – Mestrando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG. Bolsista CAPES. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES. E-mail: alfluiz@yahoo.com.br

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El Dios Cautivo. Las Ligas Patrióticas en la chilenización compulsiva de Tarapacá (1910-1922) – MIRANDA (C-RAC)

MIRANDA, Sergio González. El Dios Cautivo. Las Ligas Patrióticas en la chilenización compulsiva de Tarapacá (1910-1922). Santiago: LOM Ediciones, 2004. Resenha de: ATENCIO, Lautaro Núñez; PRIETO, Carlos Maldonado. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.37, n.1, p. 98-101, jun. 2005.

Comentario de Lautaro Núñez Atencio*

Recién hemos terminado de leer esta otra obra del historiador Dr. Sergio González Miranda, quien con su proverbial rigurosidad, despliega una notable factografía, para aquello que nos ha acostumbrado en todos sus escritos, esto es, su rigor en el buen manejo de las fuentes, que dan cuenta de hechos tan sólidamente documentados, que pareciera que en sí mismos estos archivos lo conducen, en este caso, a la revelación del episodio más aterrador que se recuerde de violencia estatal y civil, ejercida sobre la sociedad peruana de la postguerra salitrera. Algo se sabía de las persecuciones de las así llamadas “Ligas Patrióticas”, ocurridas a comienzos del siglo XX, entre archivos medio ocultos y voces acalladas, primero en la clandestinidad y luego en la pena de sentirse exiliados en lo que recién había sido su propia tierra.

Desde el título queda claro que se trata de sucesos dramáticos ocurridos en la comarca tarapaqueña, como si aquel Dios Cautivo anterior a los Incas, el travieso Tarapacá, hubiera marcado para siempre el destino de la región, trasladándose hacia la Colonia cuando el Señor Cristiano es abatido y cautivo por los Moros del autosacramental de La Tirana y se libera al fin de los diablos figurines para transformarse luego en la sociedad tarapaqueña. Esta vez cautivo en las provincias que pasaron a ser chilenas y que para desperuanizarlas cayeron en manos de los demonios xenófobos organizados en un movimiento pronacista orientado a martirizarlos y expulsarlos por vencidos, cholos y complotadores. Por lo mismo, es un segmento gris de una historia regional no incluida en las Historias Generales y que sería irrepetible y casi incomprensible en las “otras” regiones enmarcadas en el modelo del “Reyno” de Chile.

Ahora se puede entender de dónde viene ese afán integracionista y bolivariano del autor, quien, como sujeto y objeto de su propia historia, recoge a sus hermanos de los países vecinos, porque él sabe que esta comarca fue construida por indios, negros, españoles, criollos y mestizos desde la colonia, y que la modernidad salitrera atrajo a emigrantes andinos y europeos como trabajadores o capitalistas, es decir, todos en la construcción de una región llamada multiétnica y plurinacional. Comparable a una “California” en donde al menos sus trabajadores tenían trabajo estable, alimentación suficiente y educación para sus niños, además de otra oficina cercana para rearmar su “payasa” sin descontar ese juego moderno que los ingleses de la pampa llamaban football…

El autor nos llevará a la identificación de una comarca con un destino minero-colonial y decimonónico, sostenida por la pujanza de familias criollas y peruanas de esa naciente nación que con sus gentes tarapaqueñas iniciaron la asombrosa conquista de la pampa salitrera, espacio nunca ocupado, ni siquiera por los pueblos indígenas. Así, nos enseñaron a crear riqueza, fundar pueblos en el medio de la nada y de paso inaugurar los primeros puertos que establecerían las conexiones capitalistas con los mercados más importantes del primer mundo de esa época.

Claramente, la sociedad tarapaqueña no tenía pares en el Perú Rural, preñado de suspiros limeños y estilos de vidas coloniales. Los tarapaqueños no sólo pusieron sus viñas y fincas al servicio de una explotación minera a escala industrial, sino que asimilaron rápidamente las influencias ejercidas localmente por el arribo de agentes de cambios capitalistas y tecnológicos, que implantaron en este escenario las virtudes de la revolución industrial inglesa.

Así era la sociedad tarapaqueña derrotada de la guerra, emprendedora y responsable del tremendo sacudón ejercido sobre las tradiciones culturales y tecnológicas, derivadas del régimen colonial y su ascenso a la más moderna explotación salitrera, como los más genuinos pioneros, constituyendo una identidad absolutamente particular, distante y distinta del resto del Perú, siempre asociada a un sentimiento de lealtad territorial sea cual fuere el destino de las campañas militares. ¿Cómo “desperuanizar” entonces a un sentimiento tarapaqueño que ya cumplía cerca de 400 años de memorias compartidas, entre oasis y desiertos aislados, en el confín más inalcanzable tanto colonial como republicano? ¿Cómo destruir la imagen de pertenencia de la más autónoma y progresista comarca surperuana?

De esta lectura se desprende que si bien es cierto la guerra entre guerreros de verdad término por el año 1883 con la campaña de la sierra, esta otra guerra interior, civil y solapada, destinada a expulsar a una población no intrusa ni conquistadora, sino la verdadera dueña de casa, recién se iniciaba por el año 1910. Era la gran fiesta del centenario de Chile y la exaltación del recurrente hipernacionalismo cayó al desierto de tal manera, que hasta, incluso, en los santuarios católicos se elevó el Himno de Yungay… y fue entonces que se procedió a aplicar la más grande limpieza étnica que se recuerde en la historia patria, sustentada por el poder de los vencedores tras una política deliberada de violencia institucionalizada.

Sergio, el más dilecto iquiqueño e historiador de nacimiento, se filtró entre los archivos y testimonios vivientes, porque él sabe recorrer todas las metodologías de las ciencias sociales no como divertimentos teóricos, sino como instrumentos objetivos para revelar reconstrucciones reales con “carne y hueso” en el decir de Sonia Montecinos… y después de recorrer todos los escenarios de estos tristes sucesos casa (o) a casa (o), lugar por lugar, gente a gente, nos abre esta ventana indiscreta que nos deja ver por primera vez aquello que se rumoreaba en voz baja entre nuestras familias. No es fácil comprender lo patético de esta notable investigación. Si tan sólo nos imagináramos hoy una ocupación, primero militar y luego civil con expulsiones perentorias, de tal modo que al volver de nuestro trabajo se nos ordenara sacar una maleta y subirnos a un camión con destino al aeropuerto y en 24 horas decidir qué haremos con nuestras vidas en Chiloé… Fue así que 40.000 refugiados peruano-tarapaqueños desembarcaron en El Callao al son de bandas musicales para luego ser trasladados a locales abandonados sin más ayuda, apiñados entre el hambre y la pena en lo que después sería la Urbanización Tarapacá. Sergio debió emocionarse al leer los nombres de sus calles, todas con recuerdos de la tierra cautiva y que, poco a poco, los llevó a crear un país imaginado bajo el ideario de un retorno victorioso ofrecido por el populismo del Presidente Leguía, aunque esos sueños legítimos desde la peruanidad se fueron alejando cada vez más a través de hijos, que, nacidos en El Callao o en Tarapacá en el nuevo escenario de postguerra, perdían para siempre la nitidez del memorial bien encubierto y, por cierto, de las terribles “Ligas Patrióticas”.

En esta obra, las hazañas del matonaje de la más granada selección de peloduros y malandrines a sueldo, es testimoniado con una documentación casi íntima que nos cuenta de la expulsión de sacerdotes, de la destrucción y del manejo criminal del periodismo de la época, de saqueos de casas y bienes privados, expropiación de recursos naturales y las listas “negras” del terror institucionalizado, que sacudían el alma de tantos pampinos, portuarios y vallesteros1. El autor analiza esta cuestión en el marco del discurso civilizatorio de la corriente balmacedista acerca de un terrorismo marcado como “cholo”, hasta el triunfo de la sensatez y talento social del León de Tarapacá, quien de un rugido electoral borró en buena medida aquello que en este libro se lee sin rodeos como la “desperuanización de la provincia”, “xenofobia patriotera” y “chilenización de almas”. No en vano desde este tiempo la China del Carmen, sale junto al unico baile “chileno” que inicialmente venía desde el norte chico, encabezada por los Chinos promesantes. Esta vez con la conducción de los primeros capellanes chilenos. En verdad, no hubo organización ni institución alguna ni la propia educación, que no se pusiera al servicio de la limpieza étnica, oportunidad en que la mentira comunicacional llegó hasta anunciar una nueva guerra para justificar tanta injusticia, frente a un Estado nacional victorioso que no sabía qué hacer con esta regiones anexadas…

Las conclusiones, más que búsquedas de responsabilidades y desborde de amargura por los doblemente vencidos, son únicamente preguntas inteligentes que darán lugar a otras investigaciones que se derivarán de esta historia. Entre éstas jerarquizamos aquella que queda como corolario siempre latente: ¿Qué debió ocurrir entre los que se quedaron, con sus descendientes, para construir un nuevo y legítimo país nortino, inseparable de la nueva nacionalidad chilena y, a su vez, no perdieran los afectos con la otra ausente? ¿Cómo los refugiados lejos de Tarapacá pudieron armar con pedazos de recuerdos un imaginario regional, radicándose en un país que no era su pequeña patria tarapaqueña?

La reunión clandestina del Comité Pro Patria comenzó temprano cerca del muelle de Caleta Buena a fines de abril del año 1918, y con voz firme y marcada el señor Dubois señalaba los nombres de los trabajadores peruanos que debían abandonar el puerto. Higinio Núñez, del Valle de Quisma, hace ya cinco horas que está arrinconado con su familia en una casucha en la Puntilla de Iquique, agotado después de una larga caminata con unos caletinos a la espera de lo peor. A la tercera amanecida, las puertas aparecen marcadas con una cruz de alquitrán negro. Les espera un vapor con cientos de refugiados con destino a El Callao. Cada persona solamente con una sábana a modo de atado, llena de las más queridas pertenencias y nada más… Tres días después las bandas de música y gloria a los héroes tarapaqueños; cuatro horas más, todos apiñados en recintos abandonados por insalubres… Al próximo día, todos a cargar donde sea para vivir en un país que los llamaba “chilenos”… Su esposa Vernal, de San Lorenzo de Tarapacá, se enloqueció de pena y yace en el cementerio del Callao; su hijo Santiago se resbaló cargando verduras en la recova y vivió limitado para siempre; su otro hijo José, chileno de nacimiento y sabedor que legalmente puede hacer su servicio militar en Chile, se escapa a Iquique. Higinio y Santiago dejan su “Perú”, porque nunca lo entendieron y porque así lo exige el vals criollo “todos vuelven a la tierra en que nacieron…”. Ahora el hijo de José, y nieto de Higinio, puede escribir este prólogo, pero ya es demasiado tarde para creer que la historia los absolverá… Nos basta con que Sergio González haya revelado tanta violencia innecesaria y que ambos no demostremos ni un pedacito de resentimiento, pero que nunca jamás gente alguna justifique esa imagen de aquellas dos señoritas Loayza, aterrorizadas detrás de la mampara de la casa de Mr. Locket, a la espera de la peor turba antiperuana, esperando al “Corvo” y su defunción escrita entre risa y juerga, en el rey de los pasquines: “El Lucas Gómez”.

Gracias, Sergio, por enseñarnos que el dolor del terror fortalece a nuestros pueblos, cualquiera sea su nacionalidad, y que aún es posible proponer los más insospechados reencuentros de verdadera integración subregional, con ethos compartidos, y gracias también por estos escritos que engrandecen a nuestras historias regionales casi olvidadas. El himno peruano estaba vivo en una victrola piqueña y lo cantábamos casi en silencio en el día del país del nunca jamás… y los más jóvenes descubríamos que, de tanto olvidar, habíamos aprendido a amar intensamente a la nueva patria prometida.

Comentario de Carlos Maldonado Prieto*

En este macizo y corajudo estudio histórico, sólidamente basado en abundante documentación de primera fuente y testimonios de muchos testigos, recogida con esmero y dedicación en Iquique, Lima y un sinnúmero de pueblos de la Pampa, el conocido sociólogo e historiador tarapaqueño Sergio González, sin un ánimo de reabrir viejas heridas, se adentra en un episodio sórdido y subterráneo, desconocido para la mayoría de los chilenos. El autor analiza, con oficio y rigor académico, el surgimiento, apogeo y declinación de las Ligas Patrióticas que practicaron lo que hoy día podríamos denominar una “limpieza étnica” en las provincias nortinas, años después que Chile las anexara gracias al triunfo militar en la Guerra del Pacífico.

Esta violencia xenófoba fue uno de los muchos infaustos sucesos acaecidos durante la larga posguerra que se extendió entre 1883 (Tratado de Ancón) y 1929 (devolución de Tacna). Fue un período de álgida confrontación, caracterizado por aprestos bélicos de ambos bandos, rompimiento de relaciones diplomáticas y consulares, reclamaciones ante la Liga de las Naciones, etc.

En términos más amplios, se podría afirmar que dicha posguerra permanece vigente de cierta manera hasta nuestros días. Es probable que recién llegue a su fin cuando Bolivia abandone su actual enclaustramiento geográfico y entre Chile y Perú haya una reconciliación sincera basada en el reconocimiento crítico del pasado común.

En esa línea se inserta el libro de Sergio González, convirtiéndose en una contribución neta al proceso que él mismo denomina “reivindicación de la palabra tolerancia, concepto fundamental en sociedades multiculturales y abiertas como América Latina en general y Chile en particular” (pp. 152).

Solamente develando el pasado, mostrando las motivaciones, los aciertos y los errores de nuestros antepasados podremos contribuir a establecer la verdad histórica y desterrar los odios de antaño, esos que todavía no terminan y que de vez en cuando son explotados por sectores interesados. Qué duda cabe que todavía existen muchas heridas no cicatrizadas del todo, producto del rencor generado por la anexión territorial, la larga ocupación militar de Lima y otras capitales provinciales, en el caso peruano, y la pérdida de la cualidad marítima, en el boliviano.

Rescato especialmente la frase ­convertida prácticamente en lema­ de Sergio González que dice que “los chilenos no podemos ser negadores o soberbios frente a una historia que reclama emerger de la oscuridad, con el propósito de asumir lo que nos corresponde en la difícil reconciliación para la paz y la integración de nuestros pueblos” (p. 151).

Por otro lado, el autor afirma algo muy importante, que, a diferencia de las disputadas provincias de Tacna y Arica, hasta el centenario no hubo una chilenización compulsiva de Tarapacá por parte de las autoridades estatales y que, por el contrario, siempre existió tolerancia hacia la comunidad peruana, sus medios de prensa, organizaciones sociales, celebración de efemérides nacionales, etc. La región se caracterizaba por la diversidad étnica, pues vivían allí representantes de más de treinta y seis nacionalidades. “La chilenización hasta 1910 en Tarapacá fue la de un Estado de derecho que se legitima. Hasta 1910, en Tarapacá existían periódicos, imprentas, colegios, bombas de incendio, clubes deportivos y sociales, filarmónicas, mutuales, empresas, curas, logias masónicas, etc., peruanos, lo que cambia en 1911, señalando un punto de inflexión en la política nacional hacia esta provincia” (p. 30).

Sin embargo, a partir de 1911 surgieron las Ligas Patrióticas que contrataban matones a sueldo para agredir a la población peruana residente, obligándola con ello a emprender la huida a lugares más seguros. Eso ocurrió con miles de tarapaqueños que, forzados por la violencia xenófoba de las Ligas y alentados en parte por las promesas de apoyo material del gobierno del Presidente peruano Augusto B. Leguía, encontraron refugio en Lima y otras ciudades peruanas. Sin embargo, los refugiados “fueron condenados a la pobreza y por ello algunos regresaron a las salitreras desafiando todos los riesgos. Recién en los años cuarenta recibieron un terreno baldío [en El Callao], el ex fundo La Chalaca, que se llamaría más tarde Urbanización Tarapacá y que fue comprado con parte del pago realizado por Chile al Perú, después del Tratado de Lima de 1929. Las casas ofrecidas por el gobierno peruano jamás fueron construidas” (p. 21).

Sergio González confirma, además, que las Ligas surgieron en forma espontánea, pero señala que las autoridades chilenas fueron tolerantes con ellas e incluso las utilizaron políticamente en muchas ocasiones. Pese a ello, a partir de 1918 las Ligas escaparon del control estatal.

El autor también analiza la relación de las Ligas y el movimiento obrero pampino, subrayando el papel internacionalista de líderes como el socialista Luis Emilio Recabarren, cuyo periódico El Despertar de los Trabajadores, denostado como pro peruano, debió sufrir el asalto de las hordas pagadas por las Ligas.

En resumen, este novedoso estudio sobre las Ligas Patrióticas nortinas es una contribución a la historiografía regional del norte chileno y al entendimiento sobre los complejos procesos políticos, diplomáticos, económicos, sociales y culturales que conformaron la larga posguerra que debieron sufrir los antiguos rivales de la Guerra del Pacífico. Además, entrega luces sobre los orígenes de la xenofobia, el nacionalismo y el fascismo chilenos, fenómenos muy poco estudiados en el país. De cierto modo, esta obra también es un llamado de atención ante el aparecimiento de incipientes muestras de intolerancia hacia los inmigrantes peruanos que se avecindan en nuestro suelo.

Notas

1 Refiérase a la gente que vivía en el Valle de Quisma.

Carlos Maldonado Prieto – Instituto de Investigaciones Arqueológicas y Museo, Universidad Católica del Norte, San Pedro de Atacama.

Lautaro Núñez Atencio – Investigador independiente, Santiago. E-mail: cmaldona_99@yahoo.com.

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Walk Towards the Gallows: The Tragedy of Hilda Blake, Hanged 1899 – KRAMER; MITCHELL (CSS)

KRAMER, Reinhold; MITCHELL, Tom. Walk Towards the Gallows: The Tragedy of Hilda Blake, Hanged 1899. Don Mills, ON: Oxford University Press, 2002. 318p. Resenha de: SENGER, Elizabeth. Canadian Social Studies, v.39, n.2, p., 2005.

Walk Towards the Gallows is a tragic story of murder, but much more significantly, it is a commentary on social practices and society of the late 19th century. While the legal facts of this case of murder are presented, even more pertinent personal and social facts are presented about this young woman, Hilda Blake, and how she found herself in a situation where she ended up committing murder.

A question that this book repeatedly raises is Can history every truly be known? While the authors attempt to set a clear context of historical time and place, this work is rife with questions and suppositions. Rather than confusing us as readers, however, these tactics lead us in to the lamentable story of Hilda Blake, and encourage us to, in turn, question what we know of our own reality. Walk Towards the Gallows is a captivating, thought provoking work which offers an illuminating insight into Canadian society, and broader perspectives on what makes people behave the way they do.

According to Kramer and Mitchell, it was common in the late 1800s for England to send destitute orphans to Canada so that the British government would not be responsible for their maintenance, and so that members of Canadian society could benefit from cheap, if not free, labor. The officials at the time appealed to the recipients with claims of Christian charity [and] inexpensive labor (p. 17). These claims deluded people into believing that they were helping the poor orphans, and made them willing to accept the orphans so they could realize some financial gain. This policy, given the euphemism of assisted emigration (p. 12) was at best exploitation, and at worst it was outright slavery.

Hilda’s story was fairly typical of children in her predicament. She came to Canada at the age of ten and worked in a variety of homes as a domestic servant. Since she was seen as an inferior, not very intelligent young girl, she naturally encountered conflict in her young life. Removed unwillingly from England, the only home she had ever known, she was shuffled from one unfortunate situation to the next. She ran away twice in her first eighteen months at the first farm in Manitoba where she was placed. She fled to a kindly neighbor, but soon became disillusioned there, changed her mind, and asked to go back to the original family. By the age of 16 Hilda entertained thoughts of suicide (p. 62).

Several themes run through Walk Towards the Gallows. On one level, this is a brief history of the newly emergent country of Canada in the late 1800s. Kramer and Mitchell provide detailed descriptions of the land, agricultural business, the state of immigration, and even the Riel Rebellion of 1885. On another level they provide insight into the Victorian values prevalent at the time. They go so far as to state that the British ideal of family society strongly influenced attitudes in all levels of society in Canada at this time. According to evangelical thinking at the time the family was the cornerstone of the social order (p. 53). They go on to quote the Christian Guardian as stating that All society, civil, political and moral originates in and receives its character from this (p. 53). Their point appears to be that Christian, British morals were a large part of what convinced Canadian society to convict Hilda Blake of murder and send her to the gallows. In these traditions, she was a wanton tramp who could have no redeeming moral qualities.

At the same time as they are demonstrating the influence of the Christian ethic on our society, Kramer and Mitchell point out many anomalies in such morals. They comment, for example, on the business ethics at the time as being a ruthless pursuit of wealth, and the necessity of subjugating nature to Man’s will in pursuit of that wealth. One result of such thinking was that women were placed in positions of subordination, and did not play a fair or equal role in society. An example of this was that Hilda ended up condemned by a law she had no voice in forming (p. 72) and, because of her lowly origins, she had even less chance of truly understanding her circumstances.

Another theme which permeates this work is a running commentary on class privilege and class structure. The authors demonstrate repeatedly that Hilda was a young woman taken advantage of from the age of ten, used as virtual slave labor, misled by her employer, and ultimately abandoned by the very system which purported to have acted in her best interests. The authors make note of the fact that Ms Blake’s trial took only 5 minutes, and she was convicted mainly on the evidence of her confession. On pages 214 and 215 they detail the unfairness of laws regarding women, particularly when it came to sexual mores. Parliament was attempting to make changes to a law intended to protect men of means from blackmail by being seduced by women of loose character. While Parliament was willing to change the law slightly to indicate that women of a certain age would be victims, and not perpetrators of such crimes, it still was not prepared to challenge the gender orthodoxy that demanded chaste character of young women and winked at the philandering of middle class men as long as they restricted themselves to ‘ruined’ women (p. 214). These double standards of moral and legal behavior have been with us down through the centuries, and late 19th century Canada was no different.

The authors also make reference to the influence of the literature of the time period on Hilda’s life and her actions. They make her out to be a woman misled by romantic notions of love and marriage, and imply she was misguided into believing she could have a life of wedded bliss (by killing the wife of her employer) which in reality was never open to her. They seem to be painting parallel portraits of Christian versus romantic ideals, perhaps to contrast them and again encourage the reader to deeply consider their own values and beliefs.

Walk Towards the Gallows is an insightful perspective into many aspects of 1880s Canadian society. The authors encourage us to examine gender roles then and now, assess the appeal to the media and the public of sexual scandals, and understand more fully the complicated process by which society has developed in our country. In many ways, the class and gender distinctions, which were present in the late 19th century, haunt us still.

Elizabeth Senger – Henry Wise Wood High School. Calgary, AB.

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Disposable People: New Slavery in the Global Economy – BALES (CSS)

BALES, Kevin. Disposable People: New Slavery in the Global Economy. Berkeley: University of California Press, 1999. 289p. Resenha de: LEWIS, Magda. Canadian Social Studies, v.37, n.2, 2003.

Reading the book Disposable People: New Slavery in the Global Economy by Kevin Bales is like lifting the covers off what we already know about the seamy side of globalization, but would rather not look at. From his comprehensive introduction to the concluding chapter that calls the reader to action, Bales insists that we look the effects of our western/northern privilege in the eye and hold it in our gaze long enough to be appropriately horrified without being numbed. As we look on, the global economy runs rampant, touching down in the lives of communities and individuals just long enough to grab the efforts of their labour, leaving poverty and human devastation in its wake. Each chapter of Disposable People stops the frame and puts flesh on the bones and runs blood through the veins of the statistics on global poverty and human misery wrought by corporate profits and EuroWestern self-satisfaction with our standard of living.

Bales offers the term new slavery as the conceptual framing for the relationship between power and human indenturement, between profits and poverty, and between violence and economic dependence. In this passionately conceived work, Bales defines new slavery as the lived relationship between big profits and cheap lives (p. 4), in a context where efficiency is allowed to override responsibility and decency on a global scale. And in so doing, Bales invokes an appropriate sense of horror at the uses and abuses of power, wealth and privilege. Indeed, in holding up to view new slavery as the other side of globalization, each chapter in this well written book disabuses the reader from believing that this fresh century’s view of development and progress are as global as the economy that drives it.

The statistics on global poverty, destitution and hunger are not news. For most of the twentieth century it has been evident that the conditions of suffering of the world’s poor are not primarily a function of the lack of capacity of the planet to sustain life, but of the ever-increasing distance between the resources of the rich and of the poor. This is not to say that the world’s resources are limitless and infinitely supportive of an ever-increasing population oblivious to conservation. However, it is the case that inequitable life circumstances and commodity production for profit create and exacerbate the unequal sharing and protecting of what resources there are. These, Bales points out, are not natural conditions of inequality but, rather, constructed relations of power.

I found this book difficult to read, not because it lacks style or grace in its prose, nor because it lacks passion in its intentions. I found this book difficult to read because the descriptions, as Bales provides them, of the daily lives of people in five different countries (Thailand, Mauritania, Brazil, Pakistan and India), enslaved by the circuitous and complex web of the global economy, cannot be read as separate from the commodification of human lives that is the basis of advanced global capitalism. It was also difficult to read because, in exposing the template-magnified so we can see it better-of the workings of power, Disposable People illuminates both how narrow self-interest can turn human beings into fearsome monsters as well as the extent to which the corporate language and ideology of globalization has entered our shared discourse and our collective consciousness inviting us to myopia.

While Bales uses examples of particular places it would be a mistake to exoticize the economic relations he describes as peculiar to those places. He continually reminds us that those enforcing and benefiting from the free and indentured labour of others are not more monstrous than what we collectively are willing to bear. This is a point to which Kevin Bales returns again and again. In this regard, he is not pointing fingers but, rather, imploring all of us in northern and western nations, to take cognizance of the human cost of the consumerism we so often take for granted.

As hard as it is to read, more than anyone, young people, as young as senior high school students, need to read this book with the help of teachers committed to teaching for social justice. There is no question that it is only a change in ideology and practice that will turn cultures and nations toward a commitment to equity and humanity. Kevin Bales’ book gives us good reason to take this commitment seriously.

Magda Lewis, Ph.D. – Queen’s University. Kingston, Ontario.

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O espírito da dádiva | Jacques Godbout

O espírito da dádiva, obra do sociólogo canadense Jacques T. Godbout, veio esquentar ainda mais o caloroso debate acerca de questões vitais às ciências sociais. Ao seguir uma linha lévi-straussiana, em que a dádiva não encontra existência concreta, mas tão-somente efeitos disseminados na sociedade, o autor desenvolve convincentes argumentos sobre problemas modernos relacionados ao egoísmo, ao altruísmo, à violência, ao totalitarismo, à democracia e, sobretudo, às políticas públicas.

Godbout não só segue a trilha deixada por Marcel Mauss em Ensaio sobre a dádiva como também a renova, sugere uma nova interpretação. O ponto de partida de ambos os autores é justamente a premissa antro-pológica de que a vida social necessita e é constituída por mecanismos de troca. Em Mauss, essas trocas ocorrem em sintonia com uma natureza distinta das sociedades modernas, embora reconheça que determinados traços “primitivos” sobrevivam nas atuais sociedades industriais. Em Godbout, a experiência da troca se universaliza. Há, em certo sentido, uma radicalização do argumento central de seu antecessor. Leia Mais

Rioting in America – GILIE (CSS)

GILIE, Paul A. Rioting in America. Bloomington: Indiana University Press, 1996. 248p. JAMES, Joy. Resisting State Violence: Radicalism, Gender and Race in U.S. Culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996. 280p. Resenha de: LEWIS, Magda. Canadian Social Studies, v.35, n.4, 2001.

I have thought a lot about the two books under examination in this short review: Rioting in America by Paul A. Gilje and Resisting State Violence by Joy James. I have read both of them more than once and have used them in my teaching in graduate courses in Cultural Studies. The critical frameworks by which both Gilje and James approach their topic, the first through a critical historical reading and the second by way of critical race and feminist theory, is essential to the understanding of the possibilities, as well a the impossibilities, of popular movements for social transformation. This is a timely question not only from a global perspective but in the local Canadian context as well.

Both texts are eminently readable and compelling. Although they have significantly different agendas and purposes, I found each text to be an interesting and important contribution toward an understanding of, what I have come to call, the globalization of the impotence of popular political action and what one might do about it.

Rioting in America is a studied and well researched history of popular political action in the United States from its beginnings as a British Colony to the 1990s. Although its attention is focused entirely on the history of the United States, offered sometimes in great detail, I find the book useful in a Canadian context. This is particularly so in regard to my current interest in understanding the dissonance between those who are popularly called the people and those who, as a result of apparently democratic processes, claim to govern on our behalf.

Rioting is not a political form that has a significant history in contemporary Canadian popular politics. For example, when, in the fall of 1996, Mike Harris’ Conservative government began its systematic dismantling of Ontario’s public education system in preparation for what he is hoping, still, to achieve through the privatization of large segments of it, almost 300,000 people, many of them teachers, many of whom voted for Harris, marched on the Ontario Legislature. I was there. Intriguingly, the positively carnivalesque atmosphere of the event, including beclowned entertainers, had the effect of masking the seriousness of the consequences to the public education system of the proposed legislation, Bill 160.

That same fall, there were protests in the streets of Paris for similar reasons: the colonizing forces of economic globalization fuelled by neo-conservative ideologies revealed in the bureaucratic dismantling of public schooling; the pricing out of range, for the children of the disappearing average family, of post secondary education; the undermining of the health care system; and the destruction of the social infrastructure that had heretofore provided at least minimum levels of subsistence for the most economically and socially disadvantaged.

As I reflect on that day of protest and recall a carefully paced walk along the lovely boulevard avenue that leads to the seat of government, where, having arrived, we settled in for a picnic while we heard carefully worded speeches delivered from platforms erected the day before (because this was a planned for event), and which Mike Harris never heard because he wasn’t there that day (equally planned for). Police in riot gear were discreetly out of sight.

That same month, over-turned cars burned in the streets of Paris. University students, my daughter among them, and some of their professors blockaded the university buildings, angry protestors marched with fists clenched and raised, and police in Darth Vadaresque riot gear, forming a human chain complete with one-way-view face shields, blocked every side street for the entire route of the protest. Unlike my day of protest, for these demonstrators, there was no way out. Yet, ironically at the end of the day, whether in Paris or in Toronto, we all quietly went home.

Gilje’s historical accounting within a well analyzed context calls me to think about popular movements: riots, revolutions, demonstrations. What compelled me about this book is the way it raised questions for me, about the effectiveness of popular movements at a time, when, not politics, but the hidden structures of the global economy, drive political decisions and possibilities. Rioting in America makes me question the implications of the dissonance between how individuals in democratically elected governments come to occupy their positions of power, on the one hand, and, on the other hand, how these individuals come to articulate their loyalties (most often, it seems, in these days of the Multilateral Agreement on Investments (MAI) and global conservatism, not always in the best interests of those who elected them).

In Canada, the peculiarities of Euro-American democratic processes are well demonstrated at the level of the everyday where the hegemony of conservatism, also known as corporate interest, at all levels of public institution, takes precedence over the interests of individuals who, nonetheless, believe themselves to be participating in democratic processes, apparently guaranteed by the vote. Given such a peculiar turn of democratic events, it seems that history has not yet decided at what gruesome cost the fragile gains of American democracy have come (Gilje, p. xi).

In this regard, Resisting State Violence, Joy James’ brilliant, engagingly autobiographical volume, is a perfect companion piece. Through a conceptual examination of the processes of racism and sexism, she uncovers the invisible underside of democracy, as we know it. The transformation of Euro-American democracy into state violence is thus revealed. Drawing on the personal/political engagement of the intellectual/activist, James accomplishes her stated agenda: to draw together, on the one hand, critique of, and on the other hand, confrontation with state violence (James, p. 4). For the former, she provides complex conceptual frames and, for the latter, she offers suggestions for and examples of practice.

As with Gilje, what I value in James’ work is the questions she moves me to ask and the conceptual tools she offers for exploration of these questions. Ultimately I ask, what are the possibilities and impossibilities, at the turn of the millennium, of popular movements aimed at effecting collective/state practices that support the best interests of the people, set against the logic of a democratic process dependant for its success, on the participation of an uninformed or partially informed population? And what are the implications of this for what we are able or allowed to do in schools, Academic Freedom notwithstanding.

For me, as an intellectual in present day Ontario, these are not academic questions even as they are pedagogical ones. How I resolve some sense of these questions will ultimately guide strategies not only for political participation but for what we do with students at all levels of the schooling enterprise. For helping me ask these questions I thank Gilje and James.

Magda Lewis – Associate Professor, Queen’s University. Kingston, Ontario.

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Canadian Society: A Changing Tapestry – BAIN et al (CSS)

BAIN, Colin; COLYER, Jill; NEWTON, Jacqueline; HAWES, Reg. Canadian Society: A Changing Tapestry. Toronto: Oxford University Press, 1994. 284p. Resenha de: MANDZUK, David. Canadian Social Studies, v.35, n.4, 2001.

Canadian Society: A Changing Tapestry is an appealing textbook that introduces secondary school students to the social sciences, in general, and human behavior and social trends, in particular. The book is comprised of nine chapters that cover the following broad areas: the human species; social behavior; human communication; the impact of culture; social institutions; alienation and conformity; aggression and violence; social issues; and, the future. The authors introduce each of the major issues explored in these chapters with key words and terms and conclude with relevant follow-up activities that involve skills like interpreting, analyzing, communicating, and synthesizing. In addition, each of these chapters concludes with a discussion of careers in the social sciences and active learning opportunities such as debating, observation, and research possibilities.

In my mind, three of the nine chapters are particularly relevant for secondary school students; they are Chapters 5, 6, and 8 on social institutions, alienation and conformity, and social issues respectively. Chapter 5, for example, addresses social institutions such as the Canadian school system, the Canadian justice system, and the Canadian military. Teenagers’ feelings about peer groups and family influences are also explored. Chapter 6 discusses the concepts of alienation and conformity. In this chapter, the authors examine how teenagers experience alienation in school and in the workplace and the social pressures that cause them to conform. In addition, the concepts of obedience and deviance are also examined.

I believe that one of the most engaging and extensive chapters is Chapter 8, which addresses social issues. Some issues that are examined are illegal drug use, family violence, and gun control. Bain, et. al. point out that social issues like these have a variety of solutions which are frequently incompatible with one another; in other words, if one solution is adopted, the others are automatically ruled out. The authors, for example, pose the dilemma of what to do with first-degree murderers. Some people believe that they should be rehabilitated while others believe that they should be executed; therefore, because people who have been executed obviously cannot be reformed, these solutions come into direct contact with one another. The authors use this scenario to argue that, in order to solve the important social issues of the day, we must follow a structured process. They go on to describe a detailed 12-step process for solving such issues.

In step 1, Bain, et. al. explain how to translate general concerns into defined problems. In step 2 students are asked to identify alternative solutions. In step 3 the students are expected to decide among the alternatives and develop criteria for evaluating them; and, in step 4 students are asked to rank the criteria according to importance. For example, criteria such as protection of society, reforming offenders, and financial cost to society are suggested when considering what to do with people who commit serious crimes. Step 5 involves another stage of the problem solving process where students begin to collect data using strategies such as content analysis, anecdotal notes, and focus groups.

Step 6 highlights organizing data using tools such as Venn and tree diagrams, classification charts, and cross-classification charts. Step 7 encourages the predicting of consequences. Step 8 focuses on forming conclusions; and, step 9 moves into assessing conclusions. The final stages of the problem solving process, steps 10 through 12, involve preparing, presenting, and evaluating conclusions.

Although I find this extensive process to be worthwhile, I wonder if it might be too lengthy given the audience for which it is intended. In other words, my hunch as an experienced teacher is that students would still gain an appreciation of the complex nature of social issues if the process were simplified. In spite of this criticism, however, I do believe that the authors are right on the mark with this approach to introduce the social sciences to secondary students. They have tried to make this text as relevant for Canadian readers as possible and they have tried to appeal to a younger audience by integrating cartoons and other visuals such as photographs, tables, and graphs. I strongly recommend this text for secondary schoolteachers who are interested in introducing their students to the social sciences in a balanced and thoughtful manner.

David Mandzuk – Henry G. Izatt Middle School. Winnipeg, Manitoba.

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