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Venezuela no Tempo Presente / Boletim do Tempo Presente / 2013
Com enorme satisfação apresentamos o Dossiê “A Venezuela no Tempo Presente” da Revista Eletrônica Boletim do Tempo Presente, uma publicação do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, financiada pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) através do projeto “Caminhos da Integração Sul-americana”. Os artigos e as resenhas desse número demonstram, de forma sucinta, a produção historiográfica sobre a Venezuela produzida no Brasil, realizada por docentes e discentes de distintas Instituições de Ensino.
Entre 1999 e 2013, a política sul-americana foi marcada pela onipotente presença de Hugo Chávez (1954-2013). O carismático líder venezuelano liderou um processo transformador que influenciou os demais países sul-americanos, fosse pelo apoio ou pelo repúdio as suas propostas.
Com Chávez, a democracia participativa e “protagônica”, a integração da América Latina, o Socialismo do Século XXI, o antineoliberalismo e o anti-imperialismo passaram a fazer parte do vocabulário político da região no início deste século. Com isso, movimentos sociais e partidos políticos de esquerda tiveram em tais bandeiras os referenciais para suas lutas contra os poderes estabelecidos em seus países.
Além disso, Hugo Chávez colocou a Venezuela no centro da geopolítica mundial. O país deixou ser reconhecido internacionalmente apenas pelo petróleo, pela beleza de suas praias caribenhas e por suas mulheres (vide os títulos do país nos concursos de Miss Universo!). As posturas internacionais de Chávez e da sua diplomacia, que não se limitaram à defesa da integração sul-americana, chegando a questões de interesse internacional, que fizeram com que o país se tornasse um ator central em inúmeros debates globais.
O fortalecimento da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o repúdio às intervenções norte-americanas no Afeganistão e Iraque, as críticas às posturas israelenses com os palestinos, a defesa global do meio-ambiente, entre outros, consistiram em exemplos da ação externa venezuelana durante a presidência “do Comandante”.
Destacaram-se, também, os enfrentamentos aos líderes de países considerados imperialistas por Chávez. O seu discurso na ONU em janeiro de 2007, no qual chamou o ex-presidente norte-americano George W. Bush de “Diabo” e as provocações ao rei espanhol Juan Carlos durante a Cúpula Ibero-Americana em novembro do mesmo ano, que gerou a reação do monarca espanhol com a frase “Por que no te callas?”, se tornaram os principais exemplos do estilo irônico e provocador utilizado pelo ex-presidente venezuelano na relação com os líderes de países considerados imperialistas.
Internamente, Chávez implantou medidas e realizou propostas que influenciaram partidos políticos e movimentos sociais de países latino-americanos. A defesa da democracia participativa, a refundação nacional por meio de Assembleias Constituintes e o novo socialismo entusiasmaram ativistas políticos de outras nações, principalmente, da Bolívia e Equador, que viram em Chávez a sua grande referência.
Durante o seu governo, a Venezuela mudou socialmente em razão da efetiva distribuição de renda, como veremos nos artigos dessa edição, e fortaleceu a sua democracia. Em 2013, 87% dos venezuelanos apoiam a democracia, índice que era de 60% em 1998, ano em que Chávez foi eleito, segundo relatório do Latino Barômetro divulgado em novembro de 2013.[i]
Os últimos meses foram marcados pela inércia do governo de Nicolas Maduro, que transpareceu a sensação de paralisia pelos efeitos da crise econômica e pela apertada vitória contra Henrique Caprilles nas eleições de abril de 2013. A proposta de Lei Habilitante indicada pelo presidente e aprovada em novembro último pelo parlamento materializou o desejo do governo Maduro de fortalecer a capacidade de intervenção estatal em áreas consideradas estratégicas. Com isso, o presidente venezuelano poderá governar por decretos durante 12 meses em questões referentes à corrupção e na área econômica.[ii]
Cremos que a Lei Habilitante marcou uma primeira diferença entre os estilos de Chávez e Maduro. O primeiro, provavelmente, buscaria um referendo popular para a aprovação dessa lei, haja vista que a oposição ao governo bradou nos últimos meses que o chavismo estava perdendo força.
Ao invés de realizar uma consulta popular, que em um cenário de vitória fortaleceria a presidência, o governo institucionalizou o debate, aprovando-o no parlamento de maioria psuvista. Com isso, Maduro perdeu a oportunidade de demonstrar a possibilidade de existência de um “chavismo sem Chávez”, algo que de certa forma se desenhou nas eleições municipais de 08 de dezembro. Esta foi marcada por mais uma vitória eleitoral do chavista Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) com aproximadamente 49% dos votos contra 40% da Mesa da Unidade Democrática (MUD), liderada pelo ex-candidato presidencial Henrique Caprilles.[iii] O presente número da Revista Boletim do Tempo Presente debate a Venezuela de Hugo Chávez e as possíveis continuidades do fenômeno do chavismo. Sem dúvida, o presidente ingressou na lista dos grandes líderes políticos latino-americanos e já tem seu nome gravado na história da região, o que faz com que a análise das causas e implicações do fenômeno seja necessária para os que acompanham o Tempo Presente da América Latina.
Esta edição é composta por onze artigos de professores de diversas Instituições de ensino do Brasil e da Venezuela. Conta também com resenhas de dois livros e de um filme, além dos perfis de Nicolas Maduro e Diosdado Cabello, duas das principais lideranças do chavismo após o falecimento de Chávez.
A revista está organizada em cinco seções. Na primeira, apresentamos as contribuições dos professores André Coelho, Claudia Wassermann e Wagner Pinheiro. Esses artigos debatem a instabilidade institucional na América Latina ao longo do século XX e uma das expressões desse fenômeno: a ascensão de lideranças políticas que personificam sujeitos políticos coletivos.
Os artigos desta parte tratam, ainda, das razões que tornaram Hugo Chávez a expressão das insatisfações políticas dos venezuelanos com o Pacto de Punto Fijo, que estabeleceu os parâmetros da democracia venezuelana entre 1958-1998. Para eles, a transformação de Chávez em mito político decorreu, entre outras causas, do apoio ao protagonismo popular por meio da democracia participativa. Neste sentido, Chávez contribuiu para o fortalecimento das instituições democráticas venezuelanas ao reinventar o agir político venezuelano.
A segunda seção é composta por artigos dos professores Felipe Ador, Mariana Bruce e Wallace Moraes, que se dedicam a exemplificar duas questões chaves para refletirmos o chavismo: a democracia participativa e a proposta do socialismo do século XXI.
Nos artigos de Mariana Bruce e Felipe Ador, observamos a construção da democracia participativa, elemento fundamental para a proposta do socialismo do século XXI. Para ambos, a demanda por participação era uma bandeira do movimento social antes da eleição de Chávez em 1998. O grande mérito do presidente foi, assim, apoiar a sua implantação após a eleição. As análises da democracia participativa ocorreram nos artigos a partir dos estudos, respectivamente, dos Consejos Comunales e da implantação da democracia participativa no Município venezuelano de Torres, no Estado Lara.
Já Wallace Moraes apresenta uma análise da democracia participativa e do socialismo do século XXI. O autor discorre sobre as principais políticas públicas do chavismo e a proposta do socialismo do século XXI, comparando-a com outras vertentes do socialismo. Além disso, ele aponta duas possibilidades de interpretação para o chavismo: o seu caráter legalista e a definição de capitalismo de las calles para o fenômeno em razão das reformas sociais do governo em consonância com as reivindicações populares.
A terceira parte traz os artigos das professoras venezuelanas Maria Hernandez Barbarito e Francis Lopes e do professor Vicente Neves. Os seus textos refletem sobre a dependência venezuelana em relação à exploração de petróleo, as disputas internas em torno do controle da exploração desse hidrocarboneto e o seu uso pela diplomacia venezuelana para o desenvolvimento da integração latino-americana. É dada uma especial atenção à proposta chavista da Alianza Bolivariana das Américas (ALBA), que propõe um modelo de integração de laços solidários e cooperativos, diferenciado dos que predominam na América Latina.
A quarta seção é dedicada ao debate das políticas externa e de defesa da Venezuela de Chávez. O artigo do professor Leonardo Valente discute a política externa de Chávez, demonstrando as rupturas e continuidades em relação à política externa do país na segunda metade do século XX. Segundo ele, a política externa de Chávez não rompeu com aspectos da diplomacia venezuelana puntofijista, tais como: fortalecimento da OPEP, independência na política externa e defesa da integração latino-americana.
Já o texto do professor Ricardo Cabral, também incluído nessa seção, tem como ponto central a questão da política de defesa de Hugo Chávez. Para tal, o autor analisa as transformações nas Forças Armadas, as dinâmicas de integração e segurança sul-americanas. Além disso, há uma abordagem sobre os principais contenciosos dos venezuelanos com os seus vizinhos sul-americanos.
Por fim, a quinta seção está dividida em resenhas e perfis. Há resenhas dos livros “El Código Chávez” e “Todo Chávez: De Sabaneta al socialismo del siglo XXI” que retratam momentos relevantes do chavismo, a análise do filme “Ao Sul da Fronteira”, do cineasta Oliver Stone, e os perfis de dois dos principais nomes do chavismo pós Chávez, Nicolas Maduro e Diosdado Cabello.
Boa Leitura!
Notas
[i] Informe Latino Barômetro 2013. Disponível em: http://www.latinobarometro.org/latNewsShow.jsp Acesso: Nov/2013. [ii] Revise el contenido de la Ley Habilitante. Disponível em: http://www.el-nacional.com/politica/Contenido-Ley-Habilitante_0_283171683.html Acesso: Nov/2013. [iii] Sobre os resultados preliminares das eleições municipais de 08 de dezembro, ver: Venezuela: partido de Maduro vence eleições municipais, mas perde terreno para oposição. Disponível em:http://oglobo.globo.com/mundo/venezuela-partido-de-maduro-vence-eleicoes-municipais-mas-perde-terreno-para-oposicao-11009697 Acesso: Dez/2013 e 10 curiosidades numéricas que dejó el 8-D. Disponível em:http://www.ultimasnoticias.com.ve/noticias/actualidad/politica/10-curiosidades-numericas-que-dejo-el-8-d.aspxAcesso: Dez/2013.Rafael Pinheiro de Araujo