Del hogar a las urnas. Recorridos de la ciudadanía política femenina. Argentina, 1946-1955 | Adriana María Valobra

Adriana María Valobra é doutora em História pela Universidad Nacional de La Plata e professora desta mesma universidade. Pesquisadora do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Cientificas y Técnicas), ela ganhou vários prêmios, dentre eles um da Academia Nacional de História, em 2000, e outro da Secretaria de Direitos Humanos Bonaerense, em 2005. Diferente da maioria dos/as doutoras/es, Adriana é de origem muito humilde; foi criada em uma casa de aluguel, onde moravam várias famílias que compartilhavam o mesmo banheiro e a mesma cozinha. Com certeza, foram as dificuldades que ela enfrentou desde criança que a influenciaram em sua forma de fazer história. Cheia de paixão na pesquisa, a autora reconhece, no início de sua obra que não compreende outra forma possível de escrever que não seja com essa “fogosidade efusiva”; seu livro é uma mostra dessa entrega total, não deixando detalhe sem analisar, nem questionar. Adriana é uma pesquisadora que, além de possuir uma rica formação, teve uma enriquecedora experiência de vida, que ela bem soube aproveitar. Seus alunos aprendem a cada dia que para ser bem-sucedido na profissão de historiador/a, não é preciso ter origem em uma família de classe média intelectual; é só querer muito, gostar de história e ter muita dedicação. Leia Mais

Mujeres en la sociedad argentina. Una historia de cinco siglos – BARRANCOS (REF)

BARRANCOS, Dora. Mujeres en la sociedad argentina. Una historia de cinco siglos. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2007. 351 p. Resenha de: VÁZQUEZ, María Laura Osta. Uma síntese da história das mulheres na Argentina. Revista Estudos Feministas v.17 n.3 Florianópolis Sept./Dec. 2009.

Dora Barrancos viveu a experiência do exílio no Brasil, durante a ditadura militar argentina (entre os anos de 1976 e 1983), onde teve contato com o movimento feminista e com o campo da história pela primera vez. No ano de 1985 fez o mestrado em Educação na Universidade Federal de Minas Gerais. Desde 1986, Barrancos é investigadora do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas – CONICET. Em 1993 fez o doutorado em Ciências Humanas, na área de História, na Universidade Estadual de Campinas. é professora em várias universidades argentinas e diretora do Instituto Interdisciplinar de Estudos de Gênero – IIEG, da Faculdade de Filosofia e Letras, da Universidade de Buenos Aires. Como historiadora, Dora Barrancos dedica-se a estudar a agência feminina e o feminismo na Argentina.1

“Mujeres em la sociedad argentina” faz parte da coletânea História Argentina, dirigida pelo historiador José Carlos Chiaramonte. Essa coletânea busca chegar a um público que exceda ao universitário, mas que o compreenda. As obras são sínteses que “prescindirão da erudição comum dos trabalhos profissionais” (p. 351). é importante esclarecer isso, já que a obra utiliza informações oriundas de textos já publicados, sem dar as referências e sem problematizá-los. Além disso, ao final do livro há um guia bibliográfico para cada capítulo, realmente uma historiografia das mulheres argentinas. As fontes são constituídas de livros, capítulos de livros e artigos pertencentes aos anos 1980, 1990 e 2000.

A autora faz uma síntese substanciosa da história das mulheres argentinas durante cinco séculos. Historiograficamente, poderíamos localizá-la na linha da história das mulheres, já que toda a obra está destinada a visualizar o agir feminino. “Este libro es uma contribución para repensar los acontecimientos de nuestro pasado a la luz de los aportes, mas viejos y más nuevos, del trayecto ya efectuado por la historia de las mujeres” (p. 13). Seu propósito não é problematizar o caminho historiográfico feito pela história das mulheres, mas continuar os passos de visualização da mulher na história.

Durante toda a obra, vários tópicos vinculados às mulheres se vislumbram transversalmente: vida cotidiana (lugar das mulheres no núcleo familiar e na sociedade), legislação, trabalho, educação, direitos políticos e sexualidade. Em cada capítulo a autora tenta contextualizar temporalmente cada aspecto mencionado da vida das mulheres.

A obra, composta de sete capítulos, começa a partir da vida das mulheres indígenas nos séculos XVI e XVII, nas distintas comunidades pertencentes às atuais regiões argentinas. Comunidades incas, guaranis, mapuches e mocovíes deixam entrever timidamente alguns espaços de participação feminina, principalmente, no papel destinado a conectar o mundano com o sagrado. Muitas mulheres portadoras de papéis ritualistas ou fetichistas tiveram lugares destacados naquelas comunidades. Entretanto, a autora destaca que dificilmente poderiam influenciar nas decisões de poder. Ilustra, também, as vivências das primeiras espanholas que chegaram, algumas delas destacaram-se por sua valentia, capazes de estar à frente de batalha e dirigir expedições durante muitos meses.

No Capítulo 2 a obra fala sobre a vida das mulheres durante a época colonial e sua participação na vida política da revolução. Assinala a autora que foi nesse período que se começou a exaltar a maternidade como um valor primordial. As mulheres que não seguiram os valores esperados foram duramente julgadas pela sociedade e, muitas vezes, encarceradas em conventos de freiras para serem disciplinadas. São “mujeres movilizadas, convencidas de sus actos políticos mas alla de las influencias de padres y maridos” (p. 83), afirma Barrancos.

O Capítulo 3 está temporalmente localizado na segunda metade do século XIX, desenvolvendo também os mesmos tópicos: vida cotidiana, política, direitos, trabalho, educação e sexualidade. Apresenta o refinamento dos costumes das mulheres da classe alta argentina, influenciada pela imigração europeia e impregnada da experiência da industrialização, das revoltas dos proletários e das primeiras feministas. A autora dá destaque para o projeto educativo proposto por Sarmiento, no qual as mulheres teriam um lugar primordial como educadora e como beneficiária da educação. Com o impulso da educação para ambos os sexos, surgiram também as primeiras universitárias. No ano de 1885 foi formada a primeira farmacêutica.

O Capítulo 4 reproduz o despertar feminista, anarquista e socialista na Argentina da primeira metade do século XX. Socialismo e feminismo, anarquismo e feminismo, esses entrecruzamentos se produziram, muitas vezes, na hora de apresentar projetos de lei vinculados à proteção infantil e das mulheres no trabalho. São dessa época, também, os primeiros projetos de lei relativos ao voto das mulheres (1919, apresentado pelo deputado Radical Rogelio Araya) e ao divórcio (1902). No caso do anarquismo e do feminismo, sua vinculação se deu mais quanto aos princípios antipatriarcais e a favor da liberdade dos corpos das mulheres para controlar a gravidez. Nesse período surgiram os primeiros congressos de feministas a favor da igualdade dos direitos civis e políticos. Terão importante atuação na luta pelo voto feminino a uruguaia radicada na argentina Maria Abella de Ramirez e a italiana Julieta Lanteri.

O Capítulo 5 descreve os passos dados pelo peronismo em relação às mulheres, que tiveram pela primeira vez a participação política no governo e uma entrada massiva no mundo laboral. Entretanto, destaca a autora que os valores peronistas relacionados às mulheres eram muito conservadores e paradoxais. Barrancos assinala claramente a contradição de Eva Perón, que, por um lado, reivindicava que o lugar das mulheres era no lar, junto a seus filhos e marido, e, por outro, solicitava apoio político para difundir o peronismo, enviando-as pelo interior da Argentina e afastando-as de suas famílias. O peronismo foi muito contraditório em relação às mulheres, devido ao poder que a Igreja Católica exerceu. Assim, por um lado, pulularam as associações femininas: em 1947 aprovaram o voto para as mulheres e foi reformulado o Código Civil. Entretanto, o projeto de divórcio foi rejeitado. A imagem das mulheres refletida em Eva Perón era a de esposa submetida à autoridade do homem e a de mãe por excelência.

Nos últimos capítulos, Barrancos localiza o feminismo da segunda onda na Argentina, no meio das revoluções de esquerda e da posterior ditadura militar. A década de 1960 marcou o começo da feminização das universidades, principalmente nas faculdades de Filosofia, História, Letras, Sociologia, Educação, Psicologia, Odontologia, Química e Farmácia, mas mostra como essa feminização se deu somente nas matrículas, já que o corpo de professores seguiu sendo até a década dos 1990, em sua maioria, masculino. Os costumes e os valores tiveram certa liberalização, as jovens sentiram mais liberdade em seus relacionamentos e saídas noturnas. O corpo feminino encontrou maior mobilidade, foi mais exibido pelo surgimento da minissaia e das novas danças e protegido da gravidez pelas pílulas. Porém, tanto o governo militar quanto as facções de esquerda limitaram seu uso por meio de políticas populacionistas. Em 1968 foi aprovada uma reforma no Código Civil que estabeleceria que nenhum dos cônjuges poderia administrar os bens do outro, estabelecendo-se, assim, a administração separada de bens dentro do casamento. Outra reforma importante do Código foi o estabelecimento do divórcio por mútuo consentimento. O feminismo da segunda onda esteve refletido em numerosas agrupações, como o Movimento de Libertação das Mulheres – MLM, o Centro de Investigação e Conexões sobre a Comunicação Homem- Mulher – CIC, a União Feminista Argentina – UFA, o Movimento de Libertação Feminina – MLF, a Associação pela Libertação da Mulher Argentina – ALMA, o Movimento Feminista Popular – MOFEP, o Centro de Estudos Sociais da Mulher – CESMA, entre outras. Com respeito às mulheres na guerrilha, a autora descreve seu perfil: em sua maioria eram menores de 30 anos e pertencentes a setores urbanos. Os Montoneros tinham um código moral estrito que estabelecia sanções para aqueles que fossem infiéis a seu cônjuge.2

Barrancos expõe que as violações das mulheres produzidas durante a ditadura militar, as condições de parto que viveram na cadeia e os sequestros dos recém-nascidos aumentaram a vitimização das mulheres. Afirma que, para elas, foram “infligidos repertórios mais amplos de suplício” (p. 253) do que para os homens. As mulheres, segundo Barrancos, sofreram mais do que os homens. Baseia essas afirmações nas obras das autoras argentinas Pilar Calveiro – Política y violência. Una aproximación a la guerrilla de los años 70 (2005) – e Ana Longoni – La figura del traidor en los relatos acerca de los sobrevivientes de la represión (2007). No Colóquio Internacional Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul, realizado em maio de 2009, em Florianópolis, foi questionada em várias oportunidades essa ideia de “vitimização” das mulheres na tortura militar. Ver as mulheres torturadas como frágeis, débeis e vítimas em contraposição com a visão do torturador, visto como viril, forte e homem, apenas aumenta a divisão polarizada entre o feminino e o masculino, em vez de contribuir para uma análise menos tendenciosa. Pressupor que as mulheres sofreram mais na tortura pode esconder a experiência masculina.

A autora se pergunta “que hubiera pasado si la sensibilidad de las mujeres – su aguzado auscultamiento de la realidad y su cuota de sensatez acerca de los caminos de la política – hubieran tenido mas voz y mas poder em las organizaciones armadas” e responde “Tal vez muchos errores y horrores hubieran podido haberse evitado” (p. 255). Nessa frase e durante toda a obra, a autora nos revela sua concepção, por vezes, essencialista com respeito às mulheres. Parte da ideia de que existe um ser feminino “sensível”, com maior capacidade de visualizar a realidade e mais paixão e que foi mais vítima das torturas.3 O termo “gênero” é utilizado pela autora muitas vezes, mas sempre em substituição ao termo “sexo”. Como o título da obra diz, Dora Barrancos fez uma grande síntese da história das mulheres, partindo de uma ideia de mulheres definida por seus genitais.

A autora descreve o surgimento das Mães da Praza de Maio e das Avós, reafirmando sua legitimidade como protagonistas na busca da memória dos familiares perdidos: “Só as mães, nenhum outro intermediário, podiam levar de modo conseqüente e infatigável o rito de pedir, reclamar, inquirir a forças incomensuravelmente potentes […]” (p. 268, tradução nossa). A respeito dessa legitimidade pelos vínculos de sangue, Elizabeth Jelin questiona se os familiares seriam os únicos agentes capazes de procurar a memória perdida, já que isso limita a sua construção: “Es como si en la esfera publica del debate, la participación no fuese igualitária sino estratificada de acuerdo a la exposición pública del lazo familiar”.4

Dora Barrancos, no correr de sua obra, critica a desigualdade com que a historiografia tem trabalhado os homens em relação às mulheres como objeto de estudo. Segundo ela, sua obra procurou reduzir essa desigualdade, tornando visíveis as mulheres. Porém, ao não problematizar a diferenciação sexual e conceber os homens e as mulheres como seres essencialmente diferentes, com caracteres diferenciados na forma de ser, o que faz é continuar a desigualdade e o contraste que critica. Torna visíveis as mulheres, mas de forma dicotômica com respeito aos homens.

Notas

1 MUJERES Y GéNERO EM AMéRICA LATINA, 2009.
2 Sobre as mulheres na guerrilha armada a partir de uma perspectiva de gênero, ver Cristina Scheibe WOLFF, 2007, p. 19-38.
3 Com respeito a essas caracterizações das mulheres, ver p. 254-255 e p. 329.
4 Elizabeth JELIN, 2007, p. 45.

Referências

JELIN, Elizabeth. “Víctimas, famliares y ciudadanos-as. Las luchas por la legitimidad de la palabra”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 29, p. 37-60, jul./dez. 2007.         [ Links ]

MUJERES Y GÉNERO EM AMÉRICA LATINA. Dora Barrancos: biografía. Fragmentos de una biografia. Disponível em: http://www.lai.fuberlin.de/es/e-learning/projekte/frauen_konzepte/projektseiten/frauenbereich/barrancos/index.html. Acesso em: 23 jun. 2009.         [ Links ]

WOLFF, Cristina Scheibe. “Feminismo e configurações de gênero na guerrilha: perspectivas comparativas no Cone Sul, 1968-1985”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 54, p. 19-38, 2007.         [ Links ]

María Laura Osta Vázquez – Universidade Federal de Santa Catarina.

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