História das crianças no Brasil meridional | CARDOZO José Carlos da Silva Cardozo, Jonathan Fachini da Silva, Tiago da Silva Cesar, Paulo Roberto Staudt Moreira e Ana Silva Volpi Scott

O livro História das crianças no Brasil meridional, organizado pelos historiadores José Carlos da Silva Cardozo, Jonathan Fachini da Silva, Tiago da Silva Cesar, Paulo Roberto Staudt Moreira e Ana Silva Volpi Scott, publicado há quatro anos pela Editora Oikos em parceria com a Editora da UNISINOS, teve destaque no Prêmio Açoriano de Literatura em 2016. Agora, as Editoras supracitadas brindam o público leitor no ano de 2020 com uma segunda edição do livro em formato e-book, possibilitando uma maior circulação do conhecimento. Frisa-se, ainda, que a obra em tela é indiscutivelmente um referencial bibliográfico fundamental e determinante no campo da história social.

A obra descortina as várias histórias de pequenos indivíduos, meninos e meninas que, até então, estavam escondidos e esquecidos em documentos produzidos por adultos de múltiplas temporalidades. Tais fontes encontram-se espalhadas em arquivos de muitas regiões do Brasil, com uma presença maior da região Sul. Assim, a coletânea apresenta textos que pavimentam e pavimentarão o processo de consolidação da história da criança na América Latina. Leia Mais

As Artes de Curar em um Manuscrito Inédito de Setecentos: O Paraguay Natural Ilustrado do Padre José Sánchez Labrador (1771-1776) | Eliane Cristina Deckmann Fleck

O livro As artes de curar em um manuscrito jesuítico inédito do setecentos é fruto do trabalho de Eliane Cristina Deckmann Fleck e seus colaboradores, no âmbito do projeto “As ‘artes de curar’ em dois manuscritos jesuíticos inéditos do século XVIII”. O volume em questão constitui-se em duas partes distintas. Ocupando lugar central, está a transcrição de parte substancial da obra Paraguay Natural Ilustrado escrita pelo padre jesuíta José Sánchez Labrador, entre 1771 e 1776. Junto ao documento histórico transcrito encontra-se uma introdução, na forma de um longo artigo analítico. Esta resenha ocupar-se-á de ambos os elementos, abordando-os de forma crítica, tanto em seus aspectos formais como analíticos. Sendo assim, esta análise será composta de duas partes. Primeiro, um resumo descritivo do conteúdo da obra. Depois, uma breve análise, na qual se procurará fazer um balanço a respeito da contribuição por ela oferecida, principalmente em relação ao campo de estudos da História da Ciência. Leia Mais

Teorias da verdade – KIRKHAM (EPEC)

KIRKHAM, Richard L. Teorias da verdade. São Leopoldo-RS: Unisinos, 2003, 482 p. Resenha de: OLIVEIRA, Caroline Barroncas; GHEDIN, Evandro. Juntando as peças do quebra-cabeça: projetos de teorias da verdade. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.12, n.01, p.171-176, jan./abr, 2010.

Richard L. Kirkham1 trabalha no Departamento de Filosofia da Georgia State University, University Plaza, Atlanta, GA, USA. Também é Professor Assistente de Filosofia na Universidade de Oklahoma. Dentre suas publicações podemos citar: What Dummett says about Truth and Linguistic Competence (1989); On Paradoxes and a Surprise Exam (1991); In Progress, Tarski’s Physicalism. Esta obra resenhada foi publicada originalmente pelo MIT Press em 1992, e em 1995 outra edição foi publicada pela mesma editora. E agora, em 2003, traduzida por uma pequena editora universitária brasileira.

O livro é estruturado em dez capítulos, sendo eles: Projetos de teoria da verdade; Justificação e portadores de verdade; Teorias não-realistas; A teoria da correspondência; A teoria semântica de Alfred Tarski; Objeções à teoria de Tarski; O projeto da justificação; Davidson e Dummett; O paradoxo do mentiroso; O projeto dos atos-de-fala e a tese deflacionária. Estes capítulos, cada qual acompanhado de resumo, são com-postos por vários subcapítulos, alguns mais estendidos que outros, porém todos organizados da mesma forma.

O livro relata a existência de várias dimensões de confusão na história, tal como: imprecisão, significando a falta de clareza ao responder “o que é verdade?”; e a ambiguidade, onde algumas descrições podem ser entendidas de várias maneiras (ex: encontrar critério de verdade). A partir dessas várias dimensões de confusão, temos uma confusão quadridimensional. Davison (apud KIRKHAM, 2003, p. 15) achou a situação tão confusa que a considerou ‘fútil’.

Para se resolver esta confusão, Kirkham (2003), diz que em primeiro lugar é preciso formar um quadro das várias concepções do problema ou, uma lista das diferentes questões sobre a verdade, cada qual estabelecida com precisão e sem ambiguidade, que os vários teóricos têm tentado responder. Não se podem juntar todas as peças do quebra-cabeça a menos que se postulem três projetos diferentes: O projeto dos atos-de-fala – tenta descrever os propósitos locucionários2 ou ilocucionários3 de declarações, que pela sua aparência gramatical, parecem atribuir a propriedade da verdade a algumas afirmações. Este projeto possui duas subdivisões: Projeto do ato ilocucionário – é seguido por aqueles que estão convencidos de que as declarações em questão não têm um propósito locucionário.

Esse projeto tenta descrever o que fazemos quando declaramos algo.

Projeto assertivo – é seguido por aqueles que estão convencidos de que as declarações em questão têm sim um propósito locucionário. Esse projeto tenta descrever o que dizemos quando declaramos algo, ou seja, tenta fixar a intensão do predicado ‘é verdadeiro’. Dentro deste projeto existem duas subdivisões: Projeto da atribuição – é seguido por aqueles que estão convencidos de que a aparência gramatical de tais declarações é um guia seguro a respeito do que estamos dizendo quando fazemos. Presumivelmente, incorpora a perspectiva comum a respeito do que dizemos quando fazemos tais declarações.

Projeto da estrutura profunda – é seguido por aqueles que estão convencidos de que a aparência gramatical de tais declarações é enganadora.

O projeto metafísico – tenta identificar em que consiste a verdade, existindo três ramos deste projeto.

Projeto extencional – tenta identificar as condições necessárias e suficientes para uma afirmação, ou seja, fixar a referência do predicado ‘é verdadeiro’.

Projeto naturalista – tenta encontrar condições que, em todo mundo naturalmente possível, sejam individualmente necessárias e conjuntamente suficientes para uma afirmação ser verdadeira em tal mundo, isto é, tentam produzir uma teoria científica da verdade.

Projeto essencialista – tenta encontrar condições que, em qualquer mundo possível, sejam individualmente necessárias e conjuntamente suficientes para uma afirmação ser verdadeira em tal mundo.

O projeto da justificação – tenta identificar algumas características, possuídas pela maior parte das afirmações verdadeiras e não possuídas pela maior parte das afirmações falsas, em relação às quais a provável verdade ou falsidade de uma afirmação pode ser julgada. Assim, uma teoria que realiza esse projeto é uma que nos conta que tipo de evidência e raciocínio nos dará direito a acreditar na verdade de uma dada proposição. Fica claro que, as teorias da justificação não são teorias da verdade, isto é, elas não são sobre a verdade, mas sim, fornecem uma condição suficiente para justificarmos nossa crença numa proposição baseada em um critério prático de verdade.

Mas, para entender esses projetos faz-se necessário compreender os conceitos de extensão e intensão. Desde Gottlob Frege (1892), dizem que o significado de uma expressão tem pelo menos dois componentes: sentido e referência. O sentido de uma expressão é geralmente chamado de conotação de intensão da expressão, e a referência é geralmente chamada denotação ou extensão da expressão. A extensão de uma expressão é o objeto ou conjunto de objetos referidos apontados ou indicados pela expressão. A tentativa de produzir tal descrição não circular do conjunto de todas as coisas verdadeiras é o que se chama de projeto extensional. Quando dois termos têm extensões idênticas, dizemos que são extencionalmente equivalentes.

Assim, uma maneira alternativa de conceber o projeto extensional é pensá-lo como a busca por uma expressão extensionalmente equivalente ao predicado ‘é verdadeiro’. Duas expressões podem ser extensionalmente equivalentes e ainda não significar a mesma coisa. Isso acontece sempre que suas intensões, o outro componente do seu significado, não forem idênticas.

Dito de forma muito generalizada pelo autor, a intensão de uma expressão é o conteúdo informacional da expressão, enquanto distinto do conjunto de objetos denotado pela expressão (p.23). Portanto, embora “a estrela da manhã” e a “estrela da tarde” sejam extensionalmente equivalentes, não são intensionalmente equivalentes. A tarefa de descobrir o conteúdo informacional, a itensão é o que o autor vai chamar de projeto assertivo, sendo este uma subdivisão do projeto dos atos-de-fala.

O projeto extensional é a busca por uma expressão extensionalmente equivalente a “é verdadeiro” e o projeto assertivo é a busca por uma expressão intensionalmente equivalente a “é verdadeiro”. Kirkham (2003, p.24), afirma que a seguinte regra é universal: se dois termos são intensionalmente equivalentes, então eles são também extensionalmente equivalentes. O contrário, não é o caso.

É nesse sentido que a equivalência intensional é uma relação mais forte que a mera equivalência extensional. A conexão lógica mais forte é chamada de implicação essencial e é a expressão colocando-se a palavra ‘necessariamente’ antes da asserção da implicação meramente material.

De forma similar, uma afirmação que é verdadeira em todos os mundos naturalmente possíveis é uma verdade naturalmente necessária; logo, as leis naturais são todas as verdades naturalmente necessárias. O autor denominou a tentativa de encontrar uma sentença que seja naturalmente equivalente a “x é verdadeiro” de projeto naturalista.

Kirkham (2003) explicita que a lição geral, entre uma análise intensional ou extensional, é que alegações de equivalência material são mais difíceis de refutar que as correspondentes alegações de equivalência essencial ou equivalência intensional. O autor afirma ainda que a maioria dos filósofos, na maior parte do tempo, não deixa claro que tipos de análise estão seguindo.

O autor tenta esclarecer que as preocupações intelectuais motivam a epistemologia e por que o projeto metafísico e o projeto da justificação são importantes para o programa epistemológico. Pois, as tentativas de inverter a ordem de prioridade e definir a verdade em termos de uma noção de justificação anteriormente alcançada são: circulares; ininteligíveis; baseiam-se na alegação duvidosa de que possuímos um conceito primitivo e não-analisável de justificação ou de princípio correto de justificação, ou; são apenas maneiras metafóricas de rejeitar a verdade como um valor.

Kirkham (2003) explicita que as nossas questões sobre os portadores de verdade surgem dos nossos interesses que começa com certa escolha valorativa; nós valorizamos ter crenças justificadas, e essa escolha faz com que o ceticismo seja um problema, e resolver o problema do ceticismo nos leva ao projeto de justificação, e esse, por sua vez, exige uma solução para o projeto metafísico, e nesse ponto surge a questão a respeito de que tipo de coisa pode ser portadora de verdade ou, mais corretamente, nesse ponto postula-se que certos tipos de entidades podem ser verdadeiras ou falsas. O filósofo C.J.F.

Williams alega que não há tal coisa como portador de verdade. Kirkham (2003) argumenta que identificar o portador de verdade “correto” é uma questão de decisão e, que as objeções feitas a que se tomem ocorrências de sentenças como portadores de verdade estão baseados em suposições facilmente refutadas.

Kirkham (2003) descreve as diferenças entre as respostas Realistas e Não-Realistas ao projeto metafísico. Uma teoria Realista da verdade é que o fato em questão seja independente da mente, isto é, que nem sua existência nem sua natureza dependam puramente da existência de alguma mente, mas poderá ser considerada Realista mesmo que permita que se considere o fato, cuja existência ela inclui entre as condições necessárias para a verdade, como derivativamente dependente da mente. Já as teorias Não-Realistas não exigem tal condição, e isso segundo o autor, acaba se revelando sua maior fraqueza potencial. Uma teoria Não-Realista pura não pode realmente distinguir o conjunto das proposições ou crenças verdadeiras de nenhum outro conjunto aleatório de proposições.

É explicitada a Teoria Semântica de Alfred Tarski (1902-1983), um dos grandes lógico-matemáticos do século XX que, por volta dos seus vinte e oito anos, inventou a primeira semântica formal para a lógica dos predicados quantificados, a lógica de todos os raciocínios matemáticos. E a sua grande realização é a teoria da verdade, denominada de teoria semântica da verdade, embora Tarski prefira usar a expressão ‘concepção semântica da verdade’, a fim de denominar o que ele acredita ser a concepção da verdade que é a essência da teoria da correspondência. Assim, conforme sua própria maneira de ver as coisas, ele é um teórico da correspondência.

Para que se possa compreender a teoria de Tarski, é necessário um entendimento dos programas mais amplos a serviço ao que ele se propõe. Sob a influência da doutrina do fisicalismo4, tem como objetivo principal reduzir todos os conceitos semânticos a conceitos físicos e lógico-matemáticos e, ao fazer isso, tornar a semântica uma ciência, isto é, estabelecer o estudo da semântica como uma disciplina respeitável cientificamente. Esse objetivo obriga Tarski a rejeitar qualquer definição de verdade em que apareça um termo semântico nãoreduzido.

Sua estratégia era definir todos os conceitos semânticos, exceto satisfação, em termos de verdade. Isso, por sua vez, a verdade era então definida em termos de satisfação, e, finalmente, satisfação era definida somente em termos de conceitos físicos e lógico-matemáticos.

Finalmente, o autor encerra esta obra retornando ao projeto metafísico, especificamente ao projeto essencialista, de modo a poder fazer um exame crítico da teoria minimalista da verdade de Horwich. Horwich alega que sua teoria é tudo o que precisamos na forma de um conceito de verdade para explicar todas as coisas que qualquer teoria da verdade poderia explicar. Kirkham (2003) argumenta que um conceito mais substancial de verdade pode explicar as regras e axiomas da lógica clássica, enquanto a teoria minimalista, como Horwich reconhece, não pode. Também, reconhece que a teoria minimalista não pode explicar suas próprias partes conjuntas, e Horwich tem três argumentos que tentam mostrar que nenhuma outra teoria seria capaz de explicá-las.

O autor não faz conclusões ao final de sua obra ou de cada capítulo ou parte, como ocorre comumente. No entanto, no decorrer da obra, alguns argumentos são levantados a respeito das teorias de verdade que estão sendo analisadas e discutidas, pois afirma que, muitos teóricos da verdade têm sido negligentes em explicar que questão eles supõem estar respondendo e qual a relevância de sua resposta à questão para problemas intelectuais mais amplos.

A questão da verdade, um dos temas mais controversos e estimulantes da filosofia, cuja importância se estende aos problemas da teoria do conhecimento, da lógica, da linguística e das ciências, é esmiuçada por Kirkham.

Incluem-se as discussões de tais teorias como a correspondência, coerência, pragmatismo, semântica, performatividade, redundância, de apreciação, de verdade.

Também estão abrangidos o paradoxo mentiroso, a lógica, o campo da crítica de Tarski, a satisfação, bem como a forma como as teorias de justificação, bem compreendidas, diferem das teorias da verdade.

O livro apresenta estilo coeso, sua linguagem é objetiva e minuciosa.

No aspecto organizacional observou-se uma sistematização, o que demonstra a preocupação do autor em ser o mais esclarecedor possível. Muito embora, para leitores leigos no assunto, isso se torne uma tarefa árdua. A obra é indicada pelo autor para estudantes dos últimos anos da graduação, estudantes de pósgraduação dos cursos de Epistemologia, Filosofia da Linguagem, Lógica e Semântica, como também, filósofos, linguistas e outros. Portanto, mesmo estando voltada para a grande área da Filosofia, não se considera que a obra seja indicada apenas para os filósofos e linguistas, mas sim para todos os interessados em uma nova perspectiva teórica que viabilize uma introdução das teorias de verdade.

Por esse ponto de vista, entende-se que a teoria de verdade não trata de pseudoproblemas, não produz pseudoteorias, não é uma atividade, não pode ser reduzida a uma mera questão de linguagem. A filosofia influencia profundamente a ciência, pois sua natureza é resolver problemas, os quais se encontram fora de seu campo. O ser humano está incessantemente buscando a verdade, não se aceita as certezas e crenças estabelecidas, quer sempre ir além delas. Estamos continuamente procurando explicações, interpretações e significados para a realidade que nos cerca. Desta forma, percebemos a contribuição deste autor para o Ensino de Ciências, pois possibilita o desenvolvimento da criticidade do aluno para que possa avaliar um discurso científico, a flexibilidade, a prudência e a coerência para não colocar o conhecimento como algo estático e como verdade absoluta, uma vez que existem linhas de pensamentos divergentes.

Notas

1 Não foi encontrado nenhum elemento de sua biografia.

2 É o que dizemos (emissão de palavras em uma estrutura sintática), ou seja, nomeações, ordens, promessas, declarações, perguntas etc., ou os que querem produzir algum efeito no ouvinte, uma expressão com denotação e conotação (ABBAGNANO, 2000; MENDES, 2004).

3 O que se faz dizendo, execução (perguntamos, respondemos, informamos, mandamos, anunciamos, pronunciamos…), ou seja, afirmações com valores semânticos de verdade ou falsidade; enunciados performativos, cujo desempenho pode ser qualificado de felizes ou infelizes, falhas ou abusos e descrevem um estado de coisas, porém realiza uma ação no mundo, mais precisamente uma ação que não é normalmente descrita como um simples “dizer algo” (ABBAGNANO, 2000; MENDES, 2004).

4 O fisicalismo pode ser definido, de forma mais tosca, como a crença de que todos os conceitos intelectualmente respeitáveis podem ser definidos, no final das contas e exaustivamente, em termos dos conceitos da lógica, da matemática e da física. Assim, para assegurar que a semântica conforme-se aos ditames do fisicalismo, Tarski precisou reduzir todos os conceitos da semântica a conceitos físicos e lógico-matemáticos (KIRKHAM, 2003, p.204).

Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Caroline Barroncas de Oliveira – Graduada em Normal Superior pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Aluna do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). E-mail: carol_barroncas@yahoo.com.br

Evandro Ghedin – Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor, pesquisador e líder do Grupo de Estudo Formação de Professores da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

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O nascimento do Direito Internacional – MACEDO (FU)

MACEDO, P.E.V.B. de. O nascimento do Direito Internacional. São Leopoldo: Unisinos, 2009. (Coleção Díke). Resenha de: PÊCEGO, Daniel Nunes. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.10, n.3, p.350-351, set./dez., 2009.

O nascimento do Direito Internacional é a publicação da tese de doutoramento de Paulo Emílio Borges de Macedo, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Defendida em 2008 e qualificada com o grau máximo, em boa hora, a Unisinos, em sua coleção Díke, dirigida por Vicente Barretto (um dos membros da banca avaliadora da tese, inclusive), dedicada a temas essenciais do pensamento jurídico, edita a obra, já adaptada às recentes modificações ortográficas.

O livro trata da origem do Direito Internacional, sob a perspectiva da História do Pensamento Jurídico, comparando e relacionando as obras de dois importantes autores da Modernidade: o jesuíta espanhol e professor de Coimbra Francisco Suárez e o jurista holandês Hugo Grócio. A tese central a ser provada pelo autor é acerca da influência do jesuíta sobre a obra do holandês e do grau de profundidade em que ela se deu.

Topograficamente, o livro é dividido em cinco capítulos, além da introdução e conclusão. No primeiro deles, trata de uma genealogia do jus gentium e das relações entre o Direito das Gentes e o Direito Internacional. Ali são analisadas as concepções romana, medieval e vitoriana (de Francisco de Vitória) de jus gentium. O autor analisa a evolução do conceito, de uma posição ainda insegura entre os romanos, passando pelos fundamentais aportes de Tomás de Aquino. Finalmente, conclui pelo ineditismo da solução suareziana e grotiana que, fugindo dos perigos de um relativismo ético, concebem um direito das gentes positivo, ainda que não voluntarista.

Nos dois capítulos seguintes, Borges de Macedo passa a tratar do fundamento do direito em Suárez e Grócio. Pela leitura ficam claras as diferenças bem mais do que pontuais entre o pensamento de Suárez e de Santo Tomás, apesar de o primeiro autor ser tradicionalmente enquadrado como tomista. Na realidade, os fundamentos metafísicos e gnosiológicos de ambos são bem diversos, e a rotulação “tomista” tem se mostrado problemática (daí porque, como se sabe, alguns optem pela expressão “tomasiano”, quando se referem propriamente ao pensamento do Aquinate). De fato, Suárez possui certa visão imanentista do Direito, identificando lei e direito. Grócio, ainda que ecleticamente se fundamente nos autores estóicos, assemelha a sua doutrina àquela dos escolásticos espanhóis.

Os quarto e quinto capítulos são dedicados ao direito das gentes em Suárez e Grócio. Para o jesuíta, o jus gentium seria uma transição entre o divino e o humano, estabelecendo um mínimo ético entre povos civilizados. Segundo Borges de Macedo, a proposta suareziana, ainda que individualista, não recairia em um relativismo. No entanto, se Hugo Grócio não chegou a produzir uma teoria autônoma do jus gentium, em sua doutrina sobre a guerra justa, podem ser encontradas informações acerca do tema.

O que poderia ser dito em uma breve apreciação crítica da obra? Dentre diversos outros fatores, o livro é notável por sua erudição. Neste ponto, uma observação deve ser feita. Normalmente, quando se escreve uma obra com referências cultas há o perigo de resumi-las a meras citações vazias de conteúdo, que possuem apenas o intuito de afagar a vaidade do autor. Felizmente, não é esse o caso. As citações, inúmeras e ricas, servem para embasar a tese fundamental do livro, além das demais que vão sendo paralelamente propostas.

Com efeito, todas as citações diretas encontradas no corpo do texto em vernáculo são referenciadas na língua original nas notas de rodapé. Corretamente, o autor considerou tal procedimento de suma importância, uma vez que uma das atividades essenciais de sua pesquisa consistiu em pacientemente cotejar os originais latinos das obras de Suárez e Grócio em bibliotecas europeias. Aí está a origem da profusão das citações em latim que não chegam a dificultar a leitura do livro, seja porque constam nas notas, seja porque no corpo do texto estão devidamente traduzidas para o português.

Foram tomadas outras decisões academicamente relevantes que facilitam os estudos posteriores do leitor. Uma delas é a divisão da bibliografia em suareziana, grotiana, geral e periódicos. Dessa forma, o estudioso poderá, com maior facilidade, acessar não apenas a literatura geral sobre o tema, como também as edições de ambos os autores tratados no livro. Há também a inclusão de sínteses ao final de cada um dos capítulos, que permite ao leitor situar-se rapidamente em relação aos tópicos abordados.

Trata-se, enfim, de uma obra destinada não apenas aos especialistas em Direito Internacional e Relações Internacionais, mas também aos estudiosos da Filosofia, Teologia e da História do Pensamento. Ela comprova que tanto a Ciência quanto a Filosofia do Direito não se construíram e nem podem ser construídas isoladamente em relação aos demais conhecimentos, inclusive e, sobretudo, aos de ordem metafísica e teológica. Embora discorra sobre uma controvérsia ocorrida no passado, Paulo Emílio Borges de Macedo, ao criticar a má resolução que a matéria tem tido até os dias de hoje por parte dos especialistas, mostra a necessidade premente de se valorizar a interdisciplinariedade radical requerida pelo Direito, emudecendo aqueles que desejam tratá-lo como um ente isolado, relacionando-se, no máximo, com as ciências sociais descritivas.

Daniel Nunes Pêcego – UFRRJ – Departamento de Ciências Administrativas e Contábeis. RJ, Brasil. E-mail: dnpecego@ufrrj.br

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