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Um feminismo decolonial | Françoise Vergès
Françoise Vergès (2020) | Imagem: Anthony Francin/Divulgação
Un féminisme décolonial, [Um Feminismo Decolonial], de Françoise Vergés, reivindica uma teoria multidimensional do movimento feminista: antirracista, antipatriarcal, anticolonial e anticapitalista. O livro também tece críticas ao movimento feminista civilizatório. Apresentado inicialmente por Flávia Rios, no texto ‘Por um feminismo radical’, traduzido por Jamille Pinheiro Dias e Raquel Camargo. A obra é construída por um prefácio à edição brasileira, da própria autora, uma introdução – “Invisíveis, elas “abrem a cidade” – e dois capítulos: “Definir um campo: o Feminismo Decolonial” e “A evolução para um feminismo civilizatório do século XXI”. O livro resulta dos estudos da autora sobre o pensamento feminista e a decolonialidade, publicado originariamente na França, em 2019, e lançado em português, no Brasil, pela Ubu Editora, em 2020.
Françoise Vergés é cientista política, historiadora, ativista e especialista em estudos pós-coloniais. Graduou-se em Ciências Políticas e Estudos Feministas na San Diego State University (1989) e tornou-se PhD em Teoria Política pela Berkeley University of California (1995) com a tese “Monsters and Revolutionaries: Colonial Family Romance and Métissage” [Monstros e revolucionários: o romance e a mestiçagem da família colonial] (Duke University Press, 1999). Vergés lecionou na Sussex University e na Goldsmiths College (Inglaterra). De 2009 a 2012, presidiu o comitê nacional francês de preservação da memória e da história da escravidão. Entre 2014 e 2018, foi titular do programa Global South(s) no Collège d’études mondiales da Fondation Maison des Sciences de l’Homme e publicou diversos artigos sobre Frantz Fanon, Aimé Césaire, abolicionismo, psiquiatria colonial e pós-colonial, memória da escravidão, processos de creolização no Oceano Índico e novas formas de colonização e racialização. Trabalha regularmente com artistas, tendo sido coautora dos documentários “Aimé Césaire face aux révoltes du monde” [Aimé Césaire em face das revoltas do mundo] e “Maryse Condé: une voix singulière” [Maryse Condé: uma voz singular] (Jérôme-Cécile Auffret, 2002; Paris Triennale, 2012). Vergé também organizou as exposições “L’Esclave au Louvre: une humanité invisible” [O escravo no Louvre: uma humanidade invisível] (Museu do Louvre, 2013), “Dix femmes puissantes” [Dez mulheres poderosas], (2013), e “Haiti, medo dos opressores, esperança dos oprimidos” (2014), ambas para o Mémorial de l’abolition de l’esclavage, de Nantes. (p.139-140) Leia Mais
Um feminismo decolonial | Françoise Vergès
De quem são os corpos violentados pelo trabalho de cuidar e limpar as cidades? Como a colonialidade se estrutura e reproduz (im)possibilidades nos corpos racializados das mulheres? Essas são algumas das inquietações que movem Françoise Vergès em sua primeira obra inédita no Brasil, intitulada Um Feminismo Decolonial (2020).
Ao ter crescido na Ilha da Reunião, departamento ultramarino francês localizado no continente africano, a autora traz as experiências de mulheres negras e racializadas para dar início à problemática central do livro: a colonialidade que se reverbera nas opressões vividas por essas mulheres. Foi sua experiência pessoal nessa Ilha, onde imperava uma ordem colonial francesa, que lhe permitiu entender a conexão entre capitalismo, racismo, sexismo e imperialismo. É nesse contexto que passa a desenvolver interesse pelas lutas emancipadoras e pôde percorrer uma trajetória anticolonial. Leia Mais
Um feminismo decolonial / Françoise Vergés
Finalmente temos no Brasil o lançamento de um dos livros da cientista política e historiadora Françoise Vergès: Um feminismo decolonial, publicado pelo Ubu Editora. A tradução chega até nós um pouco mais de um ano após o seu lançamento em francês, e se mantém completamente atual – inclusive por conta do prefácio à edição brasileira, no qual a autora recoloca suas reflexões em meio à pandemia de Covid-19. Nascida em Paris, Vergès cresceu na Ilha da Reunião, um departamento francês localizado a leste de Madagascar, no Oceano Índico, e traz a experiência da colonização francesa no ultramar para o cerne de seu pensamento crítico.
Olhando a França a partir da África, a autora questiona o feminismo civilizatório que, em sua matriz burguesa e eurocêntrica, tem disseminado discursos sobre os direitos das mulheres e a igualdade entre os sexos, sem que as verdadeiras raízes das desigualdades sejam enunciadas e enfrentadas. Esse feminismo, que reivindica melhores postos de trabalho e direitos universais, tem se mostrado interessado no sucesso profissional e libertação das mulheres brancas, de classes médias e altas, e não tem encontrado maiores obstáculos em sua inserção na lógica neoliberal – sistema econômico e de valores que transforma o feminismo em mercadoria, a diversidade em retórica empresarial e se utiliza do trabalho das mulheres e dos homens racializados no exercício das tarefas que homens e mulheres brancas, que tiveram acesso à educação formal, se negam a fazer.
O feminismo proposto pela autora se opõe drasticamente ao cenário descrito acima. Vergès defende um feminismo capaz de enxergar as trabalhadoras e os trabalhadores que o capitalismo deseja que sejam invisíveis, mas que realizam o trabalho do qual depende toda a engrenagem do sistema. A autora nos fala das mulheres que exercem as tarefas de cuidado e reprodução: a limpeza, a alimentação e o cuidado com as crianças, os enfermos e os idosos. Mulheres em sua maioria racializadas, vivendo às margens da sociedade de consumo e sendo exploradas até a exaustão de seus corpos. Como as mulheres brasileiras que trabalham como empregadas domésticas, entre elas, mais de 70% ainda não têm os seus direitos assegurados. São principalmente mulheres negras, que não recebem hora extra, que ainda dormem em “quartinhos de empregadas”, que cuidam das crianças, cozinham e limpam a sujeira para que seus empregadores se dediquem a carreiras muitas vezes mais rentáveis do que o ofício ao qual elas dedicam a vida.
O feminismo decolonial proposto por Françoise Vergès nos possibilita compreender as bases dessa hierarquia social e os mecanismos para sua contestação. Um feminismo insurgente, que denuncia as mazelas da colonização europeia, seja nas Américas, na África ou na Ásia. Que reconhece o racismo como uma invenção destes processos históricos, uma peça fundamental para a consolidação do capitalismo como um sistema internacional de divisão do trabalho a partir da noção de que os povos do Sul global e seus saberes poderiam ser usados e descartados ao gosto dos povos do Norte. Um feminismo decolonial que reivindica o reconhecimento da racialização dos corpos como uma ferramenta de dominação e o epistemicídio, ou seja, a o extermínio de saberes, crenças e culturas como uma política deliberada de apagamento de povos e suas existências.
Para um feminismo que ainda seja potência de transformação da nossa realidade, Vergès nos fala de um movimento que não apenas reivindique a igualdade entre homens e mulheres – afinal, quem são os homens e quem são as mulheres que podem ser iguais? – mas, sobretudo que possa estar engajado na luta anti-imperialista, antirracista e anti-capitalista. E as armadilhas serão muitas em nosso caminho. Como nas décadas de 1980 e 1990, quando organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas realizaram várias conferências para discutir os direitos das mulheres e das populações e entre as propostas de empoderamento das mulheres constava a difusão do microcrédito. O empreendedorismo era o código para a expansão neoliberal sobre as mulheres dos países do Sul, empobrecidas pelo colonialismo e pelo imperialismo. Expansão e lucro para os bancos, endividamento para as mulheres.
Qual o lugar dos feminismos na sociedade brasileira atual? Como as mulheres são muitas e vivem em condições muito diferentes, também os feminismos precisam ser plurais. Contudo, se torna cada vez mais necessário um feminismo que reconheça o protagonismo das mulheres que sofrem com o cruzamento do machismo, do racismo, da misoginia, da transfobia, da homofobia e da exploração de classe. Um feminismo que saiba que “(…) a democracia ocidental não nos protegerá mais quando os interesses do capitalismo forem de fato ameaçados”. (VERGÈS, 2020: 37).
Géssica Guimarães – Professora Adjunta de Teoria da História e História da Historiografia da UERJ.
VERGÉS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: UBU Editora, 2020. Resenha de: GUIMARÃES, Géssica. Humanas – Pesquisadoras em Rede. 20 jul. 2020. Acessar publicação original [IF].
Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política | Evgeny Morozov
Inicialmente vistas como instrumentos de armazenamento de dados e facilitadores de comunicação, as plataformas midiáticas e digitais tornaram-se um “emaranhado confuso de geopolítica, finança global, consumismo desenfreado e acelerada apropriação corporativa dos nossos relacionamentos mais íntimos”, conforme aponta Evgeny Morozov (2018, p. 7), autor do livro aqui resenhado. Nascido em Soligorsk, na Bielorrússia, em 1984, estudou Economia e Administração de empresas na American University in Bulgaria, atuando como colaborador em jornais como The New York Times, The Economist, The Guardian.
Primeiro livro do autor publicado no Brasil, pela Editora Ubu, Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política, reúne textos produzidos por Morozov entre 2013 e 2018 (ano da publicação original do livro, em inglês), apresentando um prefácio inédito na edição brasileira. Os nove capítulos do livro conversam entre si, mostrando o impacto no nosso cotidiano causado pela cultura dos dados e a questão do digital. Já no prefácio, Morozov cita como exemplo o caso das eleições brasileiras de 2018, no qual se deu maior peso para a viralização de mensagens propagadas no ambiente virtual acerca dos candidatos à presidência, do que para sua devida compreensão, demonstrando o poder político e o papel determinante das redes. Leia Mais