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Espaços urbanos e territórios simbólicos / Varia História / 2003
O dossiê Espaços urbanos e territórios simbólicos reúne artigos que discutem as transformações e apropriações que as cidades sofrem ou sofreram continuamente. Os atos de construção, reformulação, reapropriação e demolição são constantemente realizados pelos seus habitantes conferindo aos espaços urbanos, sempre em transformação, uma teia de novos significados. As cidades se por um lado se apresentam como uma das faces da modernidade, por outro, podem ser vistas como uma sucessão de ruínas que se acumulam no tempo.
Roberta Marx Delson, em seu artigo Versailles em Guaporé: a evidência visual do passado glorioso de Vila Bela de Goiás, discute, a partir de duas fontes iconográficas tardias, as evidências de um projeto urbanístico monumental que norteou a construção da cidade de Vila Bela no período colonial, mas que as transformações posteriores do espaço urbano apagou completamente, inclusive da memória.
Nos primeiros tempos da construção de Belo Horizonte, entre 1894 e 1897, o antigo arraial do Curral De I Rei caiu por terra e a Comissão Construtora da nova capital promoveu uma verdadeira revolução urbana. O artigo de Anna Karina Castanheira Bartolomeu analisa o conjunto de fotografias realizadas na época e que constitui o acervo do Gabinete Fotográfico da Comissão Construtora. Segundo a autora, as lentes dos fotógrafos capturavam as imagens de uma cidade moderna em construção acelerada e cujas fotografias corriam o Brasil alardeando o sucesso do empreendimento.
Regina Helena Alves da Silva aborda a reatualização pelos modernistas paulistas do imaginário bandeirante associado à cidade de São Paulo. As múltiplas imagens fragmentadas que nascem de suas penas visam contrapor às novidades modernizadoras que vinham de fora uma identidade nacional a partir de valores intrínsecos à cultura brasileira, recuperando a identidade bandeirante como mola propulsora do ser nacional. Assim, a cidade de São Paulo, que então passava por várias transformações urbanas, é lida no duplo signo da tradição colonial e dos elementos do sonho moderno e civilizado.
Por fim, fechando esse dossiê sobre os espaços urbanos e seus territórios simbólicos, no artigo Segregação e artimanhas nas cidades contemporâneas, Denise Bernuzzi de Sant’Anna sugere alguns conceitos capazes de intensificar o debate e as problematizações sobre as experiências de criação em megalópoles como é o caso de São Paulo. Se de um lado, a vivência nos espaços urbanos contemporâneos tende a segregar a diferença, por outro lado, é possível identificar inúmeras experiências de resistência e criação, sem no entanto cair no risco de tornar essas experiências em templos de veneração.
Em O lugar da América na história: história natural, estado de natureza, objeto de cobiça dos homens, Vera Chacham remonta os discursos de Voltaire e de Buffon a respeito do aparecimento do homem, em particular do homem americano. Ao situar o lugar das populações americanas na história e na natureza, o discurso iluminista dos naturalistas europeus do século XVIII representa a América como um lugar inferior, propício à manifestação da superioridade européia, um antiexemplo de civilização, posto que ali se assiste a uma história da barbárie dos civilizados.
O estudo da população forra da freguesia de São José do Rio das Mortes, nos séculos XVIII e XIX, em seus aspectos quantitativos e qualitativos é o desafio dos historiadores Douglas Cole Libby e Afonso de Alencastro Graça Filho. Tomando como ponto de partida fontes seriadas, especialmente o rol dos confessados da localidade, e completando-as com outras mais esparsas, como cartas de alforrias, testamentos, registros de batizados e óbitos, cartas de sesmarias, entre outros, o artigo busca reconstruir o universo dos forros da localidade, sua composição, e as formas de acesso à liberdade. Por fim, as trajetórias individuais de duas mulheres alforriadas servem como contraponto ao conjunto massivo de dados levantados pelos autores, iluminando vários dos aspectos sugeridos pelos documentos inventariados.
Roberto Carlos dos Santos analisa as posturas municipais que acompanharam o processo de urbanização da cidade de Patos de Minas em fins do século XIX para assim desvendar o discurso higienista e moralizador das autoridades municipais. O discurso do poder, produzido de forma autoritária, tende a excluir os pobres e marginais, responsabilizando-os pela corrupção da ordem idealizada para o espaço da urbe que se modernizava.
O Fausto caipira: Joaquim Macedo Bittencourt e as faces da modernização urbana em Ribeirão Preto na Primeira República (1911-1920), de Rodrigo Ribeiro Paziani, analisa o discurso do médico e prefeito da cidade, Joaquim Macedo Bittencourt, que reflete as intervenções e projetos de modernização urbanos ocorridas no período republicano, refletindo os laços entre a política e o poder privado da elite cafeeira.
Júnia Ferreira Furtado
Regina Helena Alves da Silva
(Organizadoras)
FURTADO, Júnia Ferreira; SILVA, Regina Helena Alves da. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.19, n.30, jul., 2003. Acessar publicação original [DR]