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História pública na América Latina: mediações do passado demandas sociais e tempo presente | Estudos Ibero-americanos | 2021
Sobre o discurso vergonhoso de Bolsonaro na OUN | Charge: Laert | Chargeonline.com.br Disponível no Blog da KIKACASTRO
Sob a expressão história pública, reúnem-se múltiplas iniciativas em favor do redimensionamento do saber histórico (produção compartilhada e ampliação dos públicos da história), observando-se as mediações do passado e as demandas sociais no tempo presente. A história não é aprendida e assimilada somente por meio da educação formal; isto significa que praticá-la requer uma ação problematizadora no debate público, de maneira responsável e integrada, para uma história participativa. A história pública, por meio das discussões sobre os usos e os abusos do passado, abarca questões socialmente vivas que catalisam significações, teóricas e práticas, sobre a memória social em perspectiva transnacional: a diversidade de públicos da história; o impacto social e público da produção acadêmica em história; a interface entre história pública e divulgação científica; os debates públicos sobre patrimônio material e imaterial; o impacto das novas mídias sobre as estratégias de produção e de publicização da história; os procedimentos da história diante de celebrações, comemorações e memoriais; os cruzamentos entre história pública e história oral para uma história participativa; o entrecruzamento da história com áreas de conhecimento aplicado, como o jornalismo, o cinema, as relações públicas, a gestão de organizações, o turismo; a relação entre história e literatura em múltiplos âmbitos de narrativa histórica: as biografias, os testemunhos, a ficção histórica. Os caminhos da história pública na América Latina, para além de fronteiras físicas e disciplinares, estão sendo traçados. As experiências que transitam entre a documentação, a construção de conhecimentos e sua ampla disseminação fortalecem, a cada passo, esse movimento. Peça a peça, a história pública se monta em um amplo quebra-cabeças – com interstícios e amplos mapas, na medida em que evidencia os ecos e as entranhas da produção e reprodução da vida cotidiana, social, cultural e política de cada um e de cada comunidade. Leia Mais
Ensino de História e Tempo Presente | Tempo e Argumento | 2021
História e Memória estão no centro de muitos debates atuais. O interesse pelo passado, expresso em mídias, na teledramaturgia, em temas e títulos de séries e filmes oferecidos pelas plataformas de streaming e em revistas especializadas no trato com o passado, alcança as discussões políticas. Os debates sobre o currículo de História, na Educação Básica e no Ensino Superior, convivem com as disputas por memória1 e com as demandas por outras perspectivas nas abordagens históricas. A rede mundial de computadores tem sido um espaço pródigo em formulações revisionistas que recusam os parâmetros e os procedimentos da pesquisa histórica2.
A História Ensinada ocupa o centro desse debate político, pois, é considerada um espaço poderoso na transmissão de uma compreensão da vida social e de uma narrativa sobre os fatos sociais. Não por acaso, este debate e aquelas disputas e sugestões revisionistas coexistem com os questionamentos sobre a liberdade de ensinar e a defesa de uma Escola livre de ideologias e com manifestações de estranhamento a abordagens relativas à cultura afro-brasileira, às questões de gênero, ao trato da Ditadura Civil-Militar e suas violências e, sobretudo, à crítica abalizada pela crítica histórica. Leia Mais
Guerras e conflitos em escala global no Tempo Presente | Tempo e Argumento | 2021 (D)
Muitos historiadores que se dedicam a estudos e pesquisas no campo da história militar e da história das guerras e conflitos, concordam que existe após 1945, uma ausência de grandes guerras no mundo ocidental, o que fez com que a relação guerra-Estado se transformasse, mas não que os conflitos deixassem de acontecer; em essência, a sua existência é garantida pela manutenção de forças armadas, de uma indústria bélica consolidada, de grupos armados de feição ideológica, religiosa ou simplesmente de estrutura privada (sem qualquer relação com os mercenários da década de 60 que percorreram as savanas da África subsaariana), e por disputas territoriais de pequena e média escala, mas nenhum conflito global ainda que limitado.
Entende-se que, atualmente, a natureza, a vontade de fazer a guerra e suas razões sofreram considerável modificação, muito embora a existência de ódios ligados a nacionalismos antigos ainda se façam presentes.
Grande parte dos conflitos anteriores a 1975 foram guerras de libertação coloniais contra antigas metrópoles europeias, bem como estavam também ligadas ao período conhecido como Guerra Fria; as mais sangrentas delas aconteceram no Sudeste Asiático, no Oriente Médio e na África, esta última com países recém-emancipados que vivenciaram os primeiros anos de sua independência divididos pelo sectarismo que se desdobrou em guerra civil, e guerras assimétricas, e projetou-se para além do período com uma forte disputa ideológica. Questões ideológicas também nos remetem à América Latina, cuja tensão da Guerra Fria, gerou conflitos silenciosos imersos em um obscurantismo que ainda é perturbador nos dias atuais
A distinção clássica entre guerras internacionais e guerras civis também se tornou ineficaz. Os conflitos que anteriormente eram qualificados como civis existiram ocultamente como uma força em potencial por anos, até décadas, antes de se tornarem internacionais, como o caso da Síria e Ucrânia, que são bem atuais, todos caracterizados pela presença de combatentes não estatais e pelo não cumprimento de regras supostamente vigentes nos conflitos entre Estados. Tais guerras afetam principalmente países cujas estruturas institucionais perderam sua legitimidade por não conseguirem mais garantir o controle de seus espaços, ou pela ação limitada e ineficaz de suas forças coercitivas.
Outros são resultados diretos de construções coevas à Segunda Guerra e pelos desdobramentos subsequentes ao conflito mundial como a questão entre palestinos e israelenses, cuja dificuldade tem levado o Estado israelense à condução da segurança do território através da força para exercer o monopólio da violência legitimamente pautada em um discurso etnocrático.
Nesse cenário, o Estado também levou ao limite o processo de inovação tecnológica em termos de segurança e defesa, no esforço de demonstrar sua superioridade militar. Esse enorme investimento em tecnologia de defesa em tempos de paz exerceu um enorme impacto sobre o caráter da guerra, o que levou a novas formas de lutar, caracterizadas por conflitos de baixa intensidade, com diferentes projeções, com envolvimento de diferentes forças que compõem o Estado, unidades de elite, forças especiais e suas oponentes, incluindo forças guerrilheiras e organizações paramilitares, grupos com evocações político ideológicas ou religiosas e, mais recentemente, instituições empresariais de segurança militar.
As doutrinas militares também sofreram mutação, adaptaram-se com o passar dos anos, superaram as questões ideológicas da Guerra Fria mas, em essência, continuam a servir aos interesses do Estado, e ao nacionalismo vivo que as compõe.
Nos dias atuais, um conflito raramente começa com uma declaração formal de guerra e raramente termina com um tratado que põe fim à violência da noite para o dia, mas no apagar das luzes da década de 80, esse último fenômeno foi vislumbrado na África austral e seus desdobramentos se fazem sentir até hoje.
Fazer a paz é um esforço de longo prazo, porque significa redesenhar os laços sociais e reconstruir o Estado, ou seja, refundar as instituições públicas e reinventar a capacidade de convivência. A compressão desses desdobramentos nos remete também a uma outra guerra, que embora não se relacione diretamente ao mundo bélico, representa um esforço pela manutenção da vida humana e do meio ambiente.
Talvez a nossa maior indagação seja como essas forças que compõem paradoxalmente a vida humana têm atuado ao longo dos anos, e como parte da sociedade não tem consciência suficiente para entender a gravidade da guerra, parafraseando um notório historiador militar1, ao afirmar que, se os homens, realmente, soubessem mais sobre sentido das lições do passado militar, eles não se engalfinhariam com tanta frequência em guerras que, mesmo quando não são catastróficas, não trazem qualquer resultado positivo para os adversários; portanto, eles invariavelmente não se destruiriam tanto. O que aconteceu com as sociedades, com o Estado e com as instituições que as compõem, as forças armadas, e sua relação com a guerra são o objeto dos estudos aqui apresentados. Eles propõem uma compreensão razoavelmente abrangente sobre esse difícil percurso da história do homem na segunda metade do século XX.
Este dossiê procura entender a evolução dos conflitos ocorridos no mundo, particularmente os que se desdobraram pós Segunda Guerra, os que passaram pela Guerra Fria e os que se tornaram efetivos pós Guerra Fria.
O dossiê inicia os seus trabalhos com o fechar das cortinas da Segunda Guerra mundial, com um tema ainda em expansão no campo da história social e se relaciona com a construção simbólica de um esporte popular no Brasil, e no mundo, e que tem uma forte representação durante o conflito. Assim, Vágner Camilo Alves e Adriano de Freixo nos apresentam O Futebol em Tempos de Conflito: os grandes clubes do Rio de Janeiro e a Segunda Guerra Mundial (1942-1945).
No texto seguinte, nos deslocamos para a Argentina, onde temos o trabalho de Maria Valeria Galvan, que em seu artigo Diplomacia cultural socialista en la Argentina y el problema de la identidad nacional desde una perspectiva estatal. Repercusiones de la propaganda de los países socialistas en las políticas represivas locales de los años 50 (1953-1961), discute sobre a questão da identidade nacional na Argentina a partir da ação do Estado, frente à expansão da propaganda de ideias socialistas, e a consequente repreensão do governo argentino nos anos 50 do século XX.
Paulo Fagundes Visentini traça um amplo balanço historiográfico dos conflitos na Ásia e na África, em um processo de transição da independência para a Guerra Fria no texto intitulado Conflitos afro-asiáticos “quentes” da guerra fria: da revolução à guerra (anos 1970 e 1980). No artigo, o autor observa que processualmente tais conflitos estiveram intimamente associados e marcaram profundamente a História Mundial Contemporânea.
Timothy Stapleton, em seu artigo The Creation and Early Development of the Zimbabwe Defense Forces (ZDF) 1980-93 (A Criação e o Desenvolvimento Inicial das Forças de Defesa do Zimbábue (ZDF) 1980-93), apresenta-nos o processo da organização das Forças de Defesa do Zimbabué (ZDF) após a sua independência na década de 1980. O texto mostra como conselheiros britânicos tentaram manter um padrão ligado às tradições inglesas e como foram suplantados por assessores norte-coreanos que ajudaram a criar um exército fortemente politizado.
Os embates decisivos entre Angola, Cuba contra Unita e África do Sul, e a dimensão simbólica da batalha de Cuito Cuanavale, representado pela construção e interpretação de sua narrativa pela historiografia militar, são objetos discutidos por Johny Santana de Araújo em A batalha de Cuito Cuanavale 1987-1988: a guerra pela sua memória.
Domício Proença Júnior, Eugenio Diniz e Marcus Lessa, apresentam um percurso histórico sobre as unidades de tanques de combate da ex-URSS e dos EUA, através do texto A trajetória das divisões pesadas da URSS e Rússia e dos EUA ao início e ao final da Guerra Fria. O estudo tem uma perspectiva comparativa, tendo como enquadramento o momento da Guerra Fria na Europa.
A difícil relação entre palestinos e israelenses é a tônica de Conflito, discriminação e segregação na Palestina ocupada: etnocracia como síntese teórica possível, de Fábio Bacila Sahd, que por meio de uma revisão bibliográfica, analisa as práticas de segregação na Palestina ocupada por Israel, a partir de ideias como o nacionalismo, o colonialismo e o capitalismo, tomando o conceito de etnocracia, para mostrar como pragmaticamente Israel exerce sua política de ocupação na região.
Ainda no Oriente Médio, Marcos Alan S. V. Ferreira apresenta-nos Refugiados e a Guerra Civil Síria: análise e perspectivas sobre o acolhimento na Turquia, um panorama da guerra civil na Síria e a difícil problemática do amparo às vítimas civis do conflito na Síria, junto aos países vizinhos, especificamente a Turquia.
Dentro de uma perspectiva ultra contemporânea, Rupturas conceituais de segurança e meio ambiente no antropoceno: os nexos securitários em formação desde o pós-guerra fria, de Hermes Andrade Júnior e Ana Paula Brandão, mostra como a dinâmica do meio ambiente é vista com uma dimensão estratégica, observando o risco ecológico, a partir do pressuposto de “novas” ameaças em um cenário de hostilidades latentes herdadas de guerras do século XX.
Fernando da Silva Rodrigues e Augusto W. M. Teixeira Júnior, no artigo Entre a guerra, a doutrina e a tecnologia: um histórico da evolução doutrinária do Exército dos Estados Unidos (1959-2017), nos mostram como, evolutivamente, a doutrina militar do Exército dos Estados Unidos foi continuamente sofrendo modificações desde a época da Guerra Fria até os dias atuais, e como adaptou-se em diferentes momentos ao longo de 59 anos para atender as diferentes demandas, que se apresentaram àquela força. Em A guerra de Nagorno-Karabakh: as disputas em torno dos conceitos de ‘vítima’ e ‘genocídio’ no tempo presente, os autores Heitor Loureiro e Pedro Bogossian trabalharam a ideia de memória e sua relação com os conceitos de vítima e genocídio dentro da disputa histórica entre Armênia e Azerbaijão pela região de Nagorno-Karabakh.
Tomaz Paoliello, apresenta artigo intitulado Uma genealogia das empresas militares e de segurança privada: a trajetória da empresa DynCorp frente à formação do “mercado da força” nos Estados Unidos No qual apresenta o surgimento e fortalecimento das forças militares privadas como um fenômeno paralelo ao moderno Estado-nação; o estudo dedica sua atenção à trajetória de uma dessas organizações, mostrando toda a dimensão de sua atuação. São 12 artigos escritos por autoridades que nos ajudam a compreender como esse difícil processo que compõe as guerras e conflitos, se processaram e se processam atualmente, com rupturas e permanências ao longo de 70 anos, e com desdobramentos incrivelmente atuais. Os organizadores acreditam que os trabalhos aqui apresentados possam trazer à comunidade de estudiosos desses temas e à sociedade, de um modo geral, um entendimento ainda que limitado da evolução da guerra como um fenômeno da sociedade da qual fazemos parte.
Organizadores
Johny Santana de Araújo. Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do Departamento de História, do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Teresina, PI – BRASIL lattes.cnpq.br/6182725298799980. johnysant@gmail.com
Nuno Severiano Teixeira – Doutor em História pelo European University Institute (EUI). Professor da Universidade NOVA (Lisboa). Investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). Lisboa – PORTUGAL. fcsh.unl.pt/faculdade/docentes/nst/nst@fcsh.unl.pt.
ARAÚJO, Johny Santana de; TEIXEIRA, Nuno Severiano. Dossiê – Guerras e conflitos em escala global no Tempo Presente. Tempo e Argumento. Florianópolis, v.13, n.32, p.1-7, [jan. / abr.] 2021. Acessar publicação original.
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Covid-19, Sociedades e Tempo Presente / Cadernos do Tempo Presente / 2020
Vivemos tempos terríveis. Tempos sombrios, dias entristecidos. Em várias partes do Mundo, ruas, avenidas e praças desertas, escolas fechadas, hospitais lotados. O advento da pandemia de covid-19 promoveu mudanças bruscas na rotina de diferentes povos. De repente, até mesmo ritos fúnebres precisaram ser modificados. A resposta a um mal comum, no entanto, foi diversificada.
Como se cada país pretendesse, às pressas, encontrar uma saída, teve início uma corrida desenfreada por vacina, por paliativos e medicamentos. Junto com tal esforço, uma série de informações desencontradas ascendeu também. Uma inesperada onda negacionista se manifestou e procedimentos de profilaxia foram menosprezados por líderes políticos em diferentes lugares. O pedido por isolamento social, a necessidade de manter distância e proteger a si para também salvar os outros foi ridicularizada, atacada e inesperadamente desobedecida a partir de discursos inflamados de chefes de Estado como Donald Trump e Jair Bolsonaro.
A covid-19 se configura como o maior desafio à humanidade nas primeiras décadas do Século XXI. Em meio à tragédia, um grupo de intelectuais se coloca para oferecer reflexões iniciais sobre os desdobramentos da pandemia pelo Globo. O dossiê aqui apresentado reúne contribuições de pesquisadores de diferentes lugares: da Argentina à Alemanha, da Espanha ao Oriente Médio, chegando ao Brasil, o dossiê contém reflexões de pesquisadores, eles mesmos testemunhas, sobre a história em movimento de uma tragédia mundial.
Abrindo a edição, Karl Schurster e Michel Gherman nos provocam com a pergunta: Como Lidar com os Fascismos Hoje? Os autores analisam as práticas discursivas e o agir político dos variados tipos de fascismo no tempo presente. Refletindo sobre a instrumentalização política da pandemia, e partindo da crise das instituições democráticas e do avanço de políticas da chamada direita radical, Schurster e Gherman buscam compreender quais as características desse “novo” fascismo e como ele se desenvolve, utilizando para isso o campo teórico clássico e contemporâneo e a metodologia comparativa. O itinerário do texto os leva a problematizar categorias como conspiração, negacionismo, negação da alteridade, guerra permanente e disseminação do ódio como fundamentais para o “novo” fenômeno político e histórico.
Em seguida, Francisco Carlos Teixeira da Silva analisa de que maneira a “novilíngua bolsonarista”, em clara inspiração Orwelliana, se aplica à covid-19, empacotada num mesmo molde de padronização que já vinha se aplicando à caracterização da homossexualidade e da pobreza. Normalizando a violência e naturalizando o desumano, a novilíngua bolsonarista é utilizada no cotidiano de tortura e violência sofridas pelos “judeus” do bolsonarismo e na construção do perfil do líder da extrema-direita brasileira. Sendo assim, observa o autor, a partir da violência dispensada aos homossexuais e estabelecendo um padrão, é construído o paradigma para a morte por covid-19 no Brasil.
Lorena López Jáuregui propõe um glossário da pandemia de covid-19 a partir da língua alemã. A autora procura explicar o contexto germânico nos últimos quatro meses, refletindo sobre a crise instalada na Alemanha, lembrando que o país está em estado de emergência nacional desde março de 2020, devido à pandemia. Jáuregui léxico discute como a crise expressa a reação social local a esse problema global e nela as palavras tornam-se, então, uma expressão em mutação.
Emmanuel-Claude Bourgoin Vergondy, Óscar Ferreiro Vázquez e Ramón Méndez González abordam a Espanha diante da pandemia de covid-19, contemplando a evolução da situação de emergência, bem como as repercussões em diferentes áreas da sociedade. Em seu texto, o trio de pesquisadores observa como a comunidade internacional reagiu de maneira irregular, acreditando que algo assim não seria mais possível no século XXI, o que deixou claro que nenhum país está adequadamente preparado para ameaças biológicas fora das estruturas conhecidas.
No artigo El Consejo de Cooperación de Estados Árabes del Golfo en el marco de la pandemia de COVID-19: cooperación sanitaria versus tensiones en el ámbito político, Ornela Fabani levanta como problema a situação do surgimento da pandemia de covid-19 como uma nova ameaça, de natureza não tradicional, que coloca em xeque a segurança dos Estados do Golfo. Fabani analisa a resposta do bloco ao surgimento do surto do novo coronavírus. Bruno Sancci analisa a agenda política e econômica de uma Argentina em crise, desafiada pelo novo coronavírus. Conforme Sanci, a quarentena e o momento que vivem os argentinos agem como catalisadores das tendências relacionadas à própria estrutura da sociedade argentina.
Fechando o dossiê, Ian Kisil Marino, Pedro Telles da Silveira e Thiago Lima Nicodemo, refletem sobre os impactos das tecnologias digitais nas formas de arquivamento contemporâneo e apresentam a perspectiva de atuação elaborada no âmbito do projeto Memória Covid-19 Brasil, através do trabalho conjunto dos integrantes do Centro de Humanidades Digitais IFCH-UNICAMP e do projeto DéjàVu, da mesma instituição.
Por fim, Liliane Costa Andrade oferece a resenha do livro “O Cinema vai à Guerra”.
Em tempos de pandemia, os Cadernos do Tempo Presente se apresentam para colaborar no esforço de entender a tragédia. Vivemos tempos terríveis, sim. Os textos aqui contidos significam o esforço em oferecer interpretações, sugerir caminhos e, de alguma forma, poder nos ajudar para que a travessia por dias tão tristes seja um pouco menos dolorida.
Os Editores.
Editores. [Covid-19, Sociedades e Tempo Presente]. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, v.11, n.1, 2020. Acessar publicação original
História Ambiental e Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2019
Em ensaio recente, Christof Mauch (2019) propõe a “esperança lenta” como caminho para construir leituras otimistas e alternativas sobre as “histórias assustadoras” do presente, tais como a mudança climática, as migrações, as violências e as extinções. Longe de negar as crises contemporâneas, o autor sustenta que precisamos de narrativas esperançosas que possam contribuir ou, pelo menos, acenar para futuros alternativos.
Acreditamos que as proximidades e possibilidades de interligação da História Ambiental e da História do Tempo Presente oferecem algumas dessas narrativas esperançosas. Elas nos contam sobre longos processos de mudança, sobre práticas não contemporâneas que permanecem no cotidiano, sobre saberes ambientais, controvérsias, atitudes e relações entre humanos e mundo natural. Elas permitem explorar a memória das relações de humanos e não humanos e a percepção das consequências que as escolhas do passado têm criado para as expectativas contemporâneas de futuro.
Foi essa visão de proximidade da História Ambiental com a História do Tempo Presente que nos motivou à construção do presente Dossiê da Revista Tempo & Argumento. A acolhida da proposta foi rápida, provocativa e instigante, o que pode ser observado nos artigos da edição.
Elenita Malta Pereira, em A construção da ética do convívio ecossustentável pelo ambientalista José Lutzenberger (1971-2002) discute a construção de uma perspectiva peculiar de relação entre humanos e mundo natural ao longo da trajetória de militância ambientalista do engenheiro agrônomo brasileiro José Lutzenberger, intelectual polêmico e de influência no debate público das questões ambientais no Brasil pós-ditadura militar.
No artigo Industrialização e crise ambiental: a representação do desastre nuclear em vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch, Alfredo Ricardo Silva Lopes e Rauer Ribeiro Rodrigues discutem os embates contemporâneos da crise ambiental e dos modelos industriais a partir de um dos maiores desastres radioativos da história, explorando, simultaneamente, possibilidades e limites das relações entre História e Literatura no tempo presente.
Gabriel Lopes e André Felipe Cândido da Silva, em O Aedes aegypti na historiografia: reflexões, controvérsias e perspectivas, buscam refletir sobre as diferentes abordagens que têm sido realizadas acerca do mosquito Aedes aegypti, as ecologias ligadas ao longo processo de coevolução do inseto e da espécie humana. O ponto de partida é a leitura de uma epidemia de dengue sem precedentes na cidade do Rio de Janeiro em 1986.
De parque a APA: uma análise do processo de recategorização de parte do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, SC, de Jackson Alexsandro Peres, discute ressignificações de uma unidade de conservação que ocupa aproximadamente um por centro do território do estado de Santa Catarina, Brasil.
Marco Armiero e Leandro Sgueglia, em Wasted Spaces, Resisting People. The politics of waste in Naples, Italy analisam mobilizações sociais e injustiças ambientais na periferia de Nápoles, pontuando a criação de novos commons, novas instituições e guarnições sociais ou comunitárias, desenhando alternativas para desastres ecológicos urbanos como o desafio da contaminação tóxica ou do lixo.
Andrés Ernesto Francel Delgado, em Historia de la arquitectura y el urbanismo en bicicleta, Ibagué, Colombia, 2015-2017, trabalha com a implementação de uma metodologia de aprendizagem de arquitetura urbana e de leitura da transformação das cidades por meio da cultura ciclista como uma nova urdidura da cidade contemporânea.
Eunice Sueli Nodari e Zephyr Frank discutem, no artigo Vinhos de altitude no Estado de Santa Catarina: a firmação de uma identidade, uma história recente da vitivinicultura no estado de Santa Catarina, discutindo os territórios que trabalham com os, assim denominados, “Vinhos de Altitude”. No artigo fica evidente que a vitivinicultura não pode ser percebida, de forma idílica, vinculada a pequenos agricultores, e sim, como uma commodity econômica e cultural, que envolve um universo de atores humanos e não humanos.
Jo Klanovicz e Maíra Kaminski da Fonseca, em Tempo Presente e História Ambiental: a contemporaneidade do desastre do Césio-137 (Goiânia, mais que 1987), discutem a presença contemporânea da temporalidade do desastre radiológico de Goiânia, Brasil, em 1987. A partir da articulação entre História do Tempo Presente e História Ambiental, o artigo estabelece continuidades e rupturas em narrativas traumáticas estabelecidas a partir do acontecimento e suas repercussões no presente.
Já Samira Perucchi Moretto e Marlon Brandt, em Das pequenas produções à agroindústria: suinocultura e transformações na paisagem rural em Chapecó, SC, analisam os desdobramentos em torno da criação dos suínos, a partir da segunda metade do século XX no oeste de Santa Catarina e suas ligações com transformações ambientais regionais.
Todas as contribuições apresentam, além dos seus respectivos temas, o desafio de relacionar História do Tempo Presente e História Ambiental do ponto de vista teórico-metodológico. A grande acolhida do dossiê, materializada pelos artigos brasileiros e de pesquisadores internacionalmente reconhecidos na área de História Ambiental, expressa o desejo de convergência e de intercâmbio de experiências e de desafios apresentados pela História do Tempo Presente.
Referência
MAUCH, Christof. Slow Hope: Rethinking Ecologies of Crisis and Fear. RCC Perspectives: Transformations in Environment and Society, 2019, no. 1.
Eunice Sueli Nodari
Jo Klanovicz
(Organizadores)
NODARI, Eunice Sueli; KLANOVICZ, Jo. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.26, 2019. Acessar publicação original [DR]
Direitos Humanos: História e Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2019
Direitos Humanos: História e tempo presente [1]
Assinalando a recente celebração dos setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Revista Tempo & Argumento disponibiliza novo dossier onde se reúnem artigos que captam realidades históricas e da atualidade da Argentina e do Brasil, observadas pela perspetiva da problemática dos Direitos Humanos. Construídos com diferentes metodologias e ferramentas teóricas, estes artigos apontam para duas dinâmicas que possuem a sua própria historicidade: uma, a do alargamento da consciência coletiva acerca da importância da preservação daqueles direitos, verificada em comportamentos de distintos grupos sociais; outra, a do aprofundamento de uma atitude de vigilância sobre os factores que compromentem os Direitos Humanos, quer se manifestem potencialmente, quer se verifiquem em situações de facto.
Os episódios aqui tratados envolvem agentes históricos (figuras do judiciário, polícias, vítimas, ativistas) e ambientes (uns burocratizados, outros sociais, outros ainda virtuais) bastante diferenciados, onde, através de distintas posições profissionais-culturais e de práxis formais e informais, se aborda a reivindicação de direitos e a sua adjudicação. Em mais do que um artigo, o leitor é confrontado com o tratamento de questões como a memória, as reações emocionais e a criatividade na construção de soluções de problemas. No seu conjunto, os autores apontam para a demonstração de que cursos alternativos de acção existem e justificam como os mesmos alcançam legitimidade, lidando com interesses, com cristalizações no ambiente político ou com conflitos. Dois aspetos emergem destas várias composições que me parecem ser úteis a um desenvolvimento futuro da reflexão historiográfica no âmbito da problemática dos Direitos Humanos. Por um lado, a necessidade de se inquirir qual o lugar da negociação e da gestão dos interesses, constatadas nas formas de interação dos vários agentes, os quais sempre confrontam, em qualquer processo analisado, o investigador com uma multiplicidade de ideias, normas de comportamentos e motivações sobre a lei [2]. Por outro lado, a importância de explorar o que se pode chamar de incerteza institucional nos regimes analisados e de como essa condição afecta tanto recursos como capacidades, mobilizados em defesa de certas posições, acabando por determinar a distribuição do poder na política e na sociedade. Esta também pode ser uma via para compreender a complexidade do real e desconstruir a imagem simplificada e recorrente do sistema e da administração de justiça latino-americana como ineficaz, inconsequente e enfeudada a sectores políticos.
Uma forma possível de atender a estes aspectos é retomar para reflexão, como já alertou Samuel Moyn, o ponto de que os direitos humanos dependem de discursos e estruturas jurídicas (e do próprio direito internacional) e não de códigos morais e sentimentos, sob pena de não se estar a construir uma história dos Direitos Humanos, mas uma história do ativismo, da militância ou do humanitarismo. É importante que os estudos nesta temática concorram para clarificar qual(is) é(são) o(s) locus da autoridade legal, bem como quais são as leituras transportadas sobre a estrutura legal, isto é, quais são as visões legais produzidas nas construções que orientam a ação judicial, policial, militar ou nas lutas associadas à justiça transicional, ou ainda nas lutas pela conservação de modelos de justiça antitransicionais.
Este desafio afigura-se tão mais importante quanto o campo de pesquisa sobre os Direitos Humanos tem vindo a ser profusamente explorado nas várias comunidades científicas, um pouco por todo o globo, inclusive no mundo não ocidental, que lidam com normatividades e credibilidades diferenciadas desses direitos, consoante os contextos nacionais ou continentais onde estão inseridas. Na historiografia, influenciada pelos resultados de outras ciências sociais, regista-se que este campo de pesquisa conhece uma grande ebulição, numa tendência que já apresenta uma duração considerável, se atendermos a que na década de 1990 eram reduzidos os estudos sobre Direitos Humanos [3]. Ao longo dos últimos vinte anos, nos Estados Unidos da América mereceram amplo desenvolvimento aspectos como a metodologia dos estudos históricos de Direitos Humanos, a (re)invenção ou progressão dos direitos humanos na sequência do final da II Guerra Mundial e da terrífica experiência do Holocausto, da Guerra Fria e do pós-Guerra Fria. Na Europa, historicizaram-se as campanhas humanitárias associadas aos grandes conflitos bélicos ou às migrações em larga escala, discutiram-se diplomacias e políticas para os Direitos Humanos de vários Estados nacionais e de organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas, bem como as conexões entre as políticas de ambos, relacionando-as com o aprofundamento de conteúdos da vida democrática ou com os comportamentos de intelectuais e de forças políticas. Nesta linha, recentemente, surgiram pesquisas sobre o ínicio da propagação da cultura dos Direitos Humanos entre as oposições dos regimes ditatoriais e como tal serviu ao seu questionamento sobre a manutenção dos impérios coloniais, ou como, nos povos que aspiravam à autodeterminação e à independência, os dirigentes projetaram esses designíos além das comunidades locais e os fundaram num universalismo e na busca de direitos fundamentais reconhecidos na lei internacional.
A problemática dos Direitos Humanos tem vindo ainda a insinuar-se em produções historiográficas com objetos de estudo tradicionalmente orientados para outros problemas. Um exemplo encontra-se na própria história militar, que apesar de ocupada com estratégia e geopolítica, desenvolvimentos técnicos e científicos, lideranças militares e políticas, tem vindo a considerar a linguagem e a aplicação dos direitos humanos quando se debruça sobre tópicos como prisões e prisioneiros de guerra [4]. Também nos estudos sobre o comportamento das polícias ou dos chamados “movimentos sociais” se encontram variadíssimos contributos para o debate em torno dos direitos humanos, habitualmente percepcionados como ideia (s) que se ajusta aos imaginários dos atores, concorrendo para legitimar um tipo de moral e / ou para orientar as ações de grupos sociais. Na América Latina, têm dominado os estudos sobre as violações dos Direitos Humanos cometidas durante as ditaduras e os conflitos armados internos, ou mais recentemente sobre os processos judiciais contra os responsáveis pela perpetração dessas violações, designadamente sobre as interações de juízes, promotores e advogados.
A riqueza inesgotável deste campo de pesquisa é susceptível de gerar disputas sobre a forma de fazer uma história dos Direitos Humanos, merece, todavia, que se evitem armadilhas nesta “nova era da democracia”, para usar uma expressão do historiador e filósofo francês Marcel Gauchet, onde “se reivindicam direitos mais do que deveres, no quadro de egoísmos mais do que da universalidade, em que os direitos do homem servem hoje para tudo. Sobretudo, paradoxalmente, para negar os direitos do homem universal”, em favor de uma “concepção individualista e privatista de direitos singulares, que se presta a todos os desvios possíveis” [5].
Notas
1. Nesse texto optou-se por manter a grafia da língua nativa (Língua Portuguesa – Portugal).
2. Ezequiel A. González-Ocantos, Shifting Legal Visions. Judicial Change and Human Rights Trials in Latin America, Cambridge University Press, New YorK, 2016, pp. 27-30.
3. Samuel Moyn, “Substance, Scale, and Salience: The Recent Historiography of Human Rights” in Annual Review of Social Science, n.º 8, 2012, pp. 124-134.
4. Sybille Scheipers, Prisoners in War, Oxford: Oxford University Press, 2010; Arnold Kramer, Prisioners of War. A reference handbook, Westport: Praeger, 2008.
5. “Marcel Gauchet: “Que faire des Droits de L’Homme?”. Entretien réalisé par Valérie Toranian et Jacques de Saint Victor in Revue des Deux Mondes, 2018, pp. 17-18.
Referência
MAUCH, Christof. Slow Hope: Rethinking Ecologies of Crisis and Fear. RCC Perspectives: Transformations in Environment and Society, 2019, no. 1.
Paula Borges Santos – Instituto de História Contemporânea da NOVA FCSH
(Organizadora)
SANTOS, Paula Borges. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.27, 2019. Acessar publicação original [DR]
Terra e território no Brasil e América Latina: Sujeitos sociais, memória histórica e políticas públicas no tempo presente / Tempo e Argumento / 2019
Nas últimas décadas os estudos relativos à temática da história rural no Brasil e na América Latina demonstram uma trama de relações diversificadas, complexas e conflitivas acerca das experiências de ocupação de terra; das disputas pelo acesso, uso e posse da terra; das práticas e direitos de propriedade; do conjunto de resistências individuais – cotidianas e silenciadas – e coletivas; das diferentes formas de se relacionar com a terra, o território e o meio ambiente e das distintas concepções de direito1 . Neste universo conflitivo, multifacetado e desigual, nosso objetivo era receber artigos para compor este dossiê com pesquisas que abordassem a vitalidade do mundo rural no tempo presente e suas raízes históricas.
Buscamos, originalmente, privilegiar as narrativas dos próprios sujeitos, problematizando suas práticas a partir de novas fontes e metodologias, sobretudo as entrevistas orais. Além de estudos que contemplassem revisões acerca de historiografias tradicionalmente construídas sobre os sujeitos do campo, na tentativa de romper com a suposta homogeneização do campo e suas relações com o âmbito urbano. Neste ínterim, diferentes sujeitos sociais, a saber: indígenas, quilombolas, sem-terra, extrativistas, pequenos agricultores e grandes proprietários rurais disputam pela posse da terra e, no caso dos primeiros, por um local de trabalho, vida e moradia. Assim, o questionamento ao Direito, e, ainda, a compreensão dele como um meio para se alcançar a justiça e o exercício da cidadania, aliado à organização em movimentos sociais, apontam a reconfiguração desses sujeitos. Sinaliza, igualmente, a busca de novas representações sociais, a elaboração de políticas públicas e de leis específicas e os rearranjos e conflitos em torno delas.
A partir deste escopo, este dossiê busca contribuir com o debate no âmbito da história rural, em diálogo com a Antropologia, Geografia, Sociologia e o Direito a partir de uma perspectiva histórica, acerca das disputas pelo uso e posse da terra, da manutenção dos modos de vida, dos processos de resistência e pelo direito à(s) memória(s) dos diferentes grupos sociais do Brasil e da América Latina. Nesse sentido, as contribuições que recebemos e selecionamos superaram as nossas expectativas originais, somando sete artigos de autores provenientes de instituições da Argentina, Brasil, Chile e Polônia. São abordadas temáticas heterogêneas, trazendo problemáticas e aspectos transversais, que contemplam a diversidade dos sujeitos do campo na contemporaneidade – como camponeses ou produtores rurais, indígenas, famílias e imigrantes –; a questão da terra e dos territórios materiais e imateriais; o papel de setores e de poderes intermediários; a importância da memória na construção da história ambiental regional, da educação, do direito e da cultura e, ainda, o papel do Estado na elaboração e / ou na ausência de políticas públicas.
Em Echar raíces en tierra fértil. Producciones, domesticidad y memorias de familias rurales en la colonización tardía argentina (medianos de siglo XX), de Celeste De Marco (CONICET, Argentina), aborda-se o tema da colonização rural durante o governo peronista na Argentina (1946-1955) a partir da análise de casos presentes na região metropolitana sul de Buenos Aires: colônia “17 de octubre / La Capilla”, no município de Florencio Varela e na colônia “Justo José de Urquiza”, no município de La Plata (esta, capital da província de Buenos Aires). O objetivo central da pesquisa é reconstruir o papel dos sujetos sociais durante o processo de colonização agrícola, das famílias colonas principalmente italianas e japonesas, por meio da discussão das práticas produtivas e da vida doméstica familiar, com a adoção de uma perspectiva analítica centrada nas experiências de gênero. Para isso, utilizam-se fontes oficiais, jornal e principalmente entrevistas semi-estruturadas que congregam informações sobre as memórias familiares que, nas palavras de De Marco, “contribuyen a rescatar la importancia socio-productiva de figuras soterradas en el orden de las representaciones”, durante os períodos de fundação e de consolidação das colônias periurbanas desde os princípios da década de 1980.
No artigo Doblemente desaparecidos: servicio militar, pobreza y represión en la frontera patagónica durante la última dictadura argentina, baseado na pesquisa doutoral de Ayelen Mereb (UBA, Argentina), se revisita o caso de Héctor Inalef, primogênito e suporte econômico de uma família mapuche dedicada às atividades rurais na comunidade de El Bolsón, localizada na Patagônia argentina, desde a sua prisão durante o governo ditatorial no ano de 1976, até sua “aparición con vida” na cidade de Viedma, capital de Río Negro, trinta e oito anos depois, em 2014. A partir de uma perspectiva centrada na micro-história e na historia oral, se utilizam documentos, entrevistas e testemunhos particulares e familiares enquadrados nos estudos de memórias sobre passados traumáticos na Argentina e América Latina, manifestados na violência estatal de natureza política e de classe em “clave local, rural y mapuche”, diante das reivindicações familiares, étnicas e das tentativas de reparação oficial até os dias atuais.
O artigo de Alcione Nawroski (Universidade de Varsóvia), A educação na sociedade rural e o curso agrícola para rapazes brasileiros na Polônia (1918-1938), aborda a experiência de intercâmbio de três jovens na Polônia, considerando o número expressivo de agricultores entre a população polonesa no Brasil no início do século XX. O pano de fundo dessa discussão é a existência de um relativo atraso no campo, estendendo-se para o campo educacional, o qual impedia que esse grupo social alcançasse novas e melhores condições de vida e trabalho em território brasileiro. A análise de Nawroski ocupa-se basicamente de jornais poloneses, destacando que o governo brasileiro não possuía o mesmo compromisso com a educação, se comparado ao polonês.
Atual, necessário e quase em tom de denúncia, o trabalho Trajetórias diásporicas indígenas no Tempo Presente: terras e territórios Atikum, Kamba e Kinikinau em Mato Grosso (do Sul), de Giovani José da Silva (Unifap), discute o processo de invisibilização das referidas etnias. Trabalho de natureza interdisciplinar, sobretudo pelas lentes da Antropologia e do Direito, articula as trajetórias diaspóricas e os processos de territorialização ocorridos na história dos Atikum, Kamba e Kinikinau que, em pleno século XXI, ainda lutam por uma visibilidade que garanta respeito aos direitos que lhes têm sido negados sistematicamente. O artigo destaca, ainda, as diferentes percepções e concepções acerca da terra e do território.
O artigo Gamonalismo y redes de poder local en el Nordeste Antioqueño (Colombia) 1930-1953, de Diana Henao Holguin (Universidad do Chile), por sua vez, apresenta parte da pesquisa doutoral da autora, centrada no processo de denúncia e apropriação de terras baldias e nos conflitos derivados dessas ações na região de Antioquía, Colômbia, durante o período de 1930-1953. O recorte temporal coincide com a modernização liberal do Estado, a qual culminou com a centralização e o fortalecimento do Estado colombiano. Neste marco, H. Holguin estuda o caciquismo antioquiano e suas particularidades nos distritos de Cisneros e Yolombó, contrastando-0s, assim, com outros no âmbito andino, como Equador e Peru, munida de diversos documentos de natureza local-regional. A hipótese da autora – em uma zona de fronteira como a que estuda, de colonização tardia, se comparada com as áreas centrais colombianas – é que o referido sistema político “va a encarnar distintas facetas”, incluindo tanto a coação e exploração camponesa, possibilitando o avanço dos proprietários, como estratégias de intermediação com autoridades e distintas esferas de poder territorial, uso de meios legais em seu próprio benefício, construindo, assim, redes pessoais e clientelistas para canalizar votos para os partidos tradicionais.
Já o trabalho de Temis Gomes Parente (UFT) e Cícero Pereira da Silva Júnior (UFPA), intitulado De estrada líquida à jazida energética: os sentidos do rio Tocantins na memória oral dos ribeirinhos, por meio da metodologia em História Oral, reflete sobre as relações estabelecidas e experienciadas entre os ribeirinhos e o rio Tocantins, nas duas dimensões, materiais e imateriais. O elemento inovador do artigo é o estreito diálogo com a Antropologia, apropriando-se da noção de dádiva de Marcel Mauss, com o intuito de ressignificar a(s) narrativa(s) dos ribeirinhos acerca do rio e do seu entorno.
No auge das experiências participativas sobre conflitos socioambientais nos últimos anos na América Latina, Consultas comunitarias en Argentina: respuestas participativas frente a mega-proyectos, de Lucrecia Soledad Wagner (Universidad Nacional de Cuyo, Argentina), estuda as consultas comunitárias sobre projetos de mineração a céu aberto nas comunidades de Esquel e Loncopué, nas províncias patagônicas argentinas de Chubut e Neuquén respectivamente, “considerando que el término comunidad resulta el más pertinente para definir los procesos sociales que se generaron en torno a la conflictividad ambiental, en especial en Argentina”, com reconhecida horizontalidade. Mediante a análise de documentos escritos, imagens e realização de trabalho de campo, a autora examina as motivações que impulsionaram o desenvolvimento dessas consultas, o seu impacto social e a criação de uma institucionalidade ambiental, sustentando, conforme suas palavras, que foram “las comunidades locales las que recurrieron a la normativa existente para respaldar su derecho a ser parte del proceso de toma de decisiones que afectarían su lugar de vida” em substituição ao cumprimento da legislação vigente sobre conflitos ambientais por parte das autoridades executivas e legislativas do Estado, oportunizando a gestão de um espaço de participação direta.
Para finalizar, gostaríamos de agradecer as / aos autoras / es – únicos e últimos responsáveis pelas opiniões, posicionamentos ideológicos e / ou conclusões de seus artigos – por suas valiosas contribuições para o dossiê e, ao comitê editorial da revista, por sua eficiência e acompanhamento durante todo o processo de construção. Desejamos que este dossiê possa contribuir para o aprofundamento dos temas e problemas aqui tratados, assim como para o avanço do trabalho conjunto e a aproximação entre as historiografias e as disciplinas humanas e sociais de nossos países.
Boa leitura!
Notas
1. Para América Latina e outras latitudes pode ser consultado, entre outros, Serrão, J. V., Direito, B., Rodrigues, E. & Münch Miranda, S. (eds) (2014) Property Rights, Land and Territory in the European Overseas Empires. Lisboa: CEHC-IUL. Congost, R., Gelman, J. & Santos, R. (eds.) (2017) Property Rights in Land. Issues in social, economic and global history. London & New York: Routledge. Motta, M. & Piccolo, M. (Org., 2017), O Domínio de outrem. Posse e propriedade na Era Moderna (Portugal e Brasil), Vol. 1, São Luís: EDUEMA, Guimarães: Nósporcatudobem. Motta, M. & Piccolo M. (Org., 2017), O Domínio de outrem. Propriedades e direitos no Brasil (Séculos XIX e XX), Vol. 2, São Luís: EDUEMA, Guimarães: Nósporcatudobem. Barcos, MF., Lanteri, S. & Marino, D. (2017) Tierra, agua y monte. Estudios sobre derechos de propiedad en América, Europa y África (siglos XIX y XX). Buenos Aires: Teseo
Rose Elke Debiasi – Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: elkedebiazi@gmail.com
Sol Lanteri – CONICET-UBA, Instituto Ravignani, Buenos Aires, Argentina. E-mail: sol_lanteri@conicet.gov.ar
DEBIASI, Rose Elke; LANTERI, Sol. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.28, 2019. Acessar publicação original [DR]
Tempo Presente, história oral e imagens / Territórios & Fronteiras / 2019
Este dossiê da revista T&F reúne artigos que apresentam reflexões de historiadores e historiadoras que lidam com a “história oral” e com a linguagem visual, sejam elas vestígios visuais como imagens fotográficas ou imagens narrativas que dependem do testemunho escrito e da memória e que, por isso mesmo, não deixam de se articular com os documentos escritos. Os artigos contemplam temas das pesquisas desenvolvidas pelas autoras e autores e nos oferecem debates metodológicos sobre o corpus documental utilizado como referência. Destacam-se, nessa linha, a metodologia que escolhem e valorizam passagens das entrevistas orais, temáticas ou histórias de vida, e das imagens visuais, como fotografias, assim como de outros documentos que registram eventos significativos na vida dos entrevistados e dos acontecimentos analisados. Do tecido narrativo que constitui o texto dos artigos emergem histórias, trançadas como experiências pela memória e testemunhos.
Não poderíamos deixar de assinalar, que há um especial interesse em vários artigos do dossiê em explorar algumas possibilidades de análise do tempo presente e instigar os leitores ao diálogo. Ao debaterem questões que não se circunscrevem apenas à especificidade dos temas abordados, oferecem uma rica contribuição para a análise da história recente do Brasil, em especial, eventos relacionados à memória da ditadura militar e dos movimentos sociais e políticos do período da redemocratização do país.
O dossiê abriga temas, pesquisas e abordagens historiográficas bastante diversas e inovadoras. Assim, suscitam leituras e reflexões que se apresentam imprescindíveis à produção do conhecimento histórico. Nessa trilha, o artigo “Uma garota propaganda para o império: o caso de Rosinha na Exposição do Porto de 1934”, de Franco Santos Alves da Silva, apresenta um estudo acerca da relação entre etnia e gênero no contexto específico da 1ª Exposição Colonial Portuguesa de 1934, através da análise de imagens fotográficas. Argumenta o autor que a utilização da fotografia e de outras imagens visuais não deve ter cunho ilustrativo. Em seu texto, as imagens são indiciárias, possibilitam múltiplos olhares e provocam estranhamentos, já que trazem “à baila imagens que eram elas mesmas inseridas e produzidas em uma conjuntura que gerava e perpetuava as relações de gênero / colonialismo / etnia durante o recém reformulado projeto colonialista do Estado Novo Português”.
Em seu artigo, “O futuro do passado no tempo presente: memórias e narrativas amazônicas nas encruzilhadas do tempo”, Erinaldo Cavalcanti utiliza relatos de memória para refletir sobre a história do tempo presente. Neste escopo, analisa entrevistas orais com trabalhadores e trabalhadoras rurais, afetados pela experiência da Guerrilha do Araguaia, realizadas na cidade de Xambioá / TO, para o projeto de pesquisa “História Oral e Narrativas Amazônicas”. Sublinha a importância da memória histórica numa dimensão política. As reflexões sobre tempo, memória e história são, segundo o autor, imprescindíveis à escrita dos relatos orais na produção textual.
O artigo de Pablo Porfírio, “Memória de imagens de trabalhadores rurais: marchas das Ligas Camponesas, Pernambuco, 1960”, com base nas fotografias produzidas no início dos anos 1960, focaliza as manifestações políticas de trabalhadores rurais, integrantes das Ligas Camponesas, em Pernambuco. Reflete com acuidade a produção das imagens, de forma a apreender discursos e práticas que criminalizam as ações dos trabalhadores e, sobretudo, nos discursos oficiais e na imprensa, desqualificam as iniciativas de resistência. Para o autor, as fotografias analisadas constituem “uma memória de imagens que oferece novas narrativas sobre o Golpe-civil militar de 1964”.
Em “Imagens depois da catástrofe: outras memórias do desenvolvimento no Vale do São Francisco”, Elson de Assis Rabelo se detém sobre as imagens visuais produzidas em desenhos do artista juazeirense Antônio Carlos Coelho de Assis. As imagens dão acesso a camadas diferentes de temporalidade e de experiências de espaço do rio São Francisco, nos anos 1980. Além disso, aparecem implicadas às práticas de cunho desenvolvimentista direcionadas para o “interior do Brasil”, especialmente aquelas que se baseavam na agricultura irrigada das zonas semiáridas e na exploração do rio São Francisco como recurso natural. O autor dialoga, também, com outros vestígios documentais, como notícias de jornal e o material produzido pelo Movimento de Defesa do São Francisco, que lutava contra a degradação ambiental daqueles espaços. Pauta-se pelo diálogo entre as memórias individuais e o cenário político do período, a partir do recorte sobre as manifestações artísticas e a preservação do meio ambiente.
Os irmãos Daniel e Guilherme dos Santos Fernandes, iniciam seu texto, “Imagens e palavras na escritura da narrativa etnofotográfica: notações metodológicas”, destacando o uso de imagens nas pesquisas antropológicas, especialmente na obra Balinese Character (1942), e os trabalhos pioneiros no Brasil no uso das imagens fotográficas a partir das expedições do Marechal Rondon. Para os autores deste artigo, a antropologia visual e a utilização de uma narrativa etnofotográfica -sem desmerecer o risco da subjetividade na escolha de imagens no registro imagético pelos etnógrafos -possibilitam o registro de uma realidade que ultrapassa os traços culturais isolados e potencializam a memória singular da cultura como discurso narrativo.
O artigo “História e acontecimento: imagens narrativas no relato oral de uma liderança dos trabalhadores rurais de Rondon do Pará”, de Regina Beatriz Guimarães Neto e Airton dos Reis Pereira, utiliza o relato oral de memória de uma líder rural, Maria Joel da Costa (Joelma), que descreve a violência cometida contra os trabalhadores rurais no Pará, em especial, o assassinato do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará. O testemunho é social e estabelece relações com outras experiências, além disso, ao elaborar o “relato de si”, a narrativa testemunhal se torna indiciária. Para a autora e o autor, as imagens narrativas presentes nos relatos orais, em especial no testemunho de Joelma, são inseparáveis de sua dimensão visual e ressignificam, no fluxo da narrativa, os acontecimentos históricos.
Já Gerardo Necoechea Gracia, em seu artigo, “De enfermedades, historias y lecturas: imágenes narrativas de cultura obrera”, seleciona passagens de uma entrevista realizada a uma mulher que recorda sua infância em um povoado mineiro do norte de México. Analisadas, em detalhe, as imagens narrativas que emergem do relato o ajudam a refletir sobre a cultura da classe trabalhadora e suas transformações. Neste texto, o autor indaga sobre o significado e a importância das imagens narrativas para a compreensão dos relatos orais, que convertem imagens em recordações comunicáveis, em narrativas.
Em “Uma leitura sobre as novas configurações migratórias: análise no / do tempo presente em narrativas orais e de jornais”, os autores Leandro Baller e Jorge Pagliarini Junior tecem importantes considerações e análises sobre “migrações” para áreas de fronteira, sobretudo sobre os movimentos de retorno. Tomaram como base duas pesquisas que problematizam as migrações do Sul do Brasil, particularmente do Paraná, para o Paraguai e, em outra direção, para a Amazônia. Apresentam reflexões sobre a memória e narrativa, na configuração social das migrações no tempo presente.
No artigo, “Realismo maravilhoso e circularidade cultural: crença no invisível atordoa o pensamento? (Região Bragantina-PA)”, Ipojucan Dias Campos e Danilo Gustavo Silveira expõem diferentes narrativas de universitários da UFPA, em Bragança e Capanema, a respeito de histórias de “lendas”, “folclores”, “superstições”, “crendices”. Enredos que misturam a vida real, o trabalho e o cotidiano, com o imaginário e o extraordinário do sobrenatural e na interface entre as culturas “popular” e “erudita.
Nas páginas escritas por Magno Michell Marçal Braga e César Martins de Souza, em seu artigo “Transamazônica: terra, trabalho e sonhos”, que se alimentaram de diferentes fontes documentais, narrativas e fotografias, os autores nos apresentam as narrativas de alguns migrantes que se fixaram em terras amazônicas, além de discursos oficiais a respeito da construção da rodovia Transamazônica. Diante de uma produção discursiva e imagética, celebrativa dos feitos governamentais, justificava-se a ocupação humana e econômica da região amazônica, através da transposição de populações do Nordeste e do Sul do Brasil.
Em “Exorcizando o Passado: experiências de trabalhadores migrantes escravizados na Fazenda Brasil Verde / PA”, Cristiana Costa Rocha narra a trajetória de trabalhadores rurais migrantes do Piauí contratados pelo “gato” Meladinho para trabalhar no sul do Pará. Dois são os personagens principais do trabalho de Cristiana, José Pitanga e Luiz Sincinato, escravizados, no ano 2000, na fazenda Brasil Verde, fazenda que entre meados da década de 1980 até o ano 2000 foi alvo de sucessivas denúncias em relação ao uso de trabalho escravo.
No último texto do dossiê, “Da assistência patronal à disciplina da vida e trabalho operário: narrativas, imagens e denúncias do passado”, Marcelo Góes Tavares, usa como fonte principal Memória da vida e do trabalho, documentário dirigido e produzido por Celso Brandão, e, também, relatos de memórias de operários têxteis alagoanos. Por meio de alguns fotogramas e relatos orais o autor tece uma rica paisagem polissémica sobre as políticas de assistência, gestão do trabalho, sobrevivência e resistência, tendo como cenário principal a vila operária de Fernão Velho e a Fábrica Carmen, nomeada até 1943 de Companhia União Mercantil.
Agradecemos imensamente a dedicação dos autores e autoras que compuseram este dossiê. Tivemos o privilégio de contar com um grupo de historiadoras e historiadores de enorme rigor e profissionalismo. Nesse sentido, não se furtaram em atender as sugestões críticas dos pareceristas, enriquecendo os textos e contribuindo de forma decisiva para novas abordagens historiográficas. Em “tempos difíceis” a nossa melhor resistência política é o rico diálogo em nossa área de conhecimento e no campo interdisciplinar: “tudo o que nos alenta, renova nossas forças!
Pere Petit – Graduação em Geografia e História pela Universitat de Barcelona. Mestrado em História de América Contemporânea pela Universidad Central de Venezuela. Doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorado na Universidad de Salamanca-Espanha. Docente dos Programas de Pósgraduação em História Social da Amazônia (Belém / UFPA), Linguagens e Saberes na Amazônia (Bragança / UFPA) e História (Marabá / Unifesspa). Presidente da Associação Brasileira de História Oral (ABHO). E-mail: petitpere@hotmail.com
Regina Beatriz Guimarães Neto – Doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas (1996). É professora Adjunto IV do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: reginabeatrizg@gmail.com
PETIT, Pere; GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.12, n.1, jan / jul, 2019. Acessar publicação original [DR]
Tempo presente: História, Educação e Educação Histórica / Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino / 2018
O nosso objetivo com o dossiê, Tempo presente: História, Educação e Educação Histórica, foi apresentar aos nossos leitores trabalhos acadêmicos que podem trazer o Presente à reflexão enquanto temporalidade histórica e objeto de interesse historiográfico, com as perspectivas e abordagens temáticas e metodológicas suscitadas. Atendendo ao nosso chamado, pesquisadoras e pesquisadores, de diferentes origens geográficas, agraciaram-nos com estes trabalhos que nos dão a dimensão da importância dos estudos e discussões nos campos da História, História da Educação e Educação Histórica.
O texto, Entre consciência histórica e narrativa mestra: a identidade na narrativa de jovens graduandos em história da cidade de Ponta Grossa, Paraná, de Giuvane de Souza Klüppel e Luís Fernando Cerri apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa: O país e o mundo em poucas palavras: narrativas de jovens sobre seus pertencimentos – implicações para o ensino de Ciências Humanas. Os pesquisadores aplicaram questionários qualitativos a estudantes de diferentes níveis de ensino na cidade de Ponta Grossa – faixa etária entre 12 e 24 anos – para conhecer suas narrativas sobre “a história do seu país” e sobre “o desenvolvimento da democracia”. Os dados, produzidos pelos 277 questionários aplicados, foram analisados com o auxílio de softwares que tornaram possível sistematizar, em formato de gráfico, dados como: frequência no uso de determinados termos, com potencial para desvelar sentidos de conjuntos discursivos. A análise foi realizada à luz de reflexões teóricas sobre Consciência Histórica, baseada nas pesquisas do historiador Jörn Rüsen; e sobre Narrativa Mestra, com base no trabalho de Mario Carretero e Floor Van Alphen. As reflexões dos autores nos apresentam elementos para melhor compreender os processos de construção de narrativas sobre a nação e o mundo por parte de jovens de diferentes idades e em diferentes etapas de escolarização. Também nos possibilitam compreender sobre os sentidos que eles atribuem às inter-relações entre passado, presente e futuro na construção de suas narrativas em temas como identidade nacional e democracia / convivência democrática.
Maryana Gonçalves Souza e Antonieta Miguel, em A docência em Guanambi durante a ditadura militar: uma análise sobre o Colégio Luiz Viana Filho, investigam as características dos professores e permitem discutir sobre instrução, formação docente e composição escolar do referido Colégio, sob o recorte temporal da ditadura militar brasileira. Segundo as autoras, a ditadura militar foi uma forma de governo que interferiu diretamente em diversos públicos e, em razão de os docentes terem sido um dos principais agentes de combate ao regime, o trabalho docente pode se tornar uma fonte de pesquisa sobre esse período histórico. As autoras apresentam o resultado da pesquisa em que fizeram o cruzamento entre os dados bibliográficos sobre a História da Educação, instituições escolares e corpo docente com a documentação do arquivo da instituição, seguida da catalogação das fontes. A partir da análise dos documentos, em particular das instituições escolares da cidade de Guanambi, Estado da Bahia, as pesquisadoras esboçam um panorama do campo educacional brasileiro no período ditatorial.
O terceiro texto que compõe este dossiê é de autoria de Polliana Moreno dos Santos e se intitula: Religiosos e a «não-violência ativa» na memória mediatizada dos 50 anos do golpe civil-militar no Brasil (1964-1985). A autora aborda questões que possibilitam o diálogo da História do Tempo Presente com a História Pública. Discute, com propriedade, a participação de religiosos na resistência contra a Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Apresenta como eixo a memória mediatizada presente na série jornalística “Silêncios da Ditadura” exibida pelo jornal SBT Brasil, considerando o contexto da justiça de transição no Brasil e os estudos da História do Presente. O episódio analisado é a Operação Gutemberg, organizada pelos militares com o objetivo de controlar a missa em memória do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nos porões do DOI-CODI, evitando, destarte que se transformasse num ato político. Esta cerimônia religiosa foi realizada por três figuras importantes da resistência à Ditadura: o rabino Henry Sobel, o arcebispo Dom Evaristo Arns e o reverendo Jaime Nelson Wright. A disputa de narrativas, tão característica dessa História, fez-se relevante por revelarem os contextos nos quais cristãos, ou não, estiveram envolvidos, construindo uma memória mediatizada. A autora sinaliza que, cada vez mais, é importante aceitar os desafios de disputar memórias e narrativas da História.
Fruto de sua pesquisa de mestrado, o artigo de Vânia Muniz dos Santos, Orientando crianças, jovens e adultos: ações da Bahia na promoção da Educação Moral e Cívica durante o regime militar, faz algumas considerações sobre ações impostas no Estado da Bahia, durante o Regime Militar, no que concerne à organização da Coordenação de Educação Moral e Cívica – COMOCI / BA –, responsável, no âmbito estadual, por coordenar e fiscalizar as ações desenvolvidas nas instituições escolares na disciplina Educação Moral e Cívica. Através da análise de documento, que elucidam a forja das políticas educacionais pelo Conselho Estadual de Educação, o texto traz elementos para a reflexão sobre a importância desta disciplina escolar para atingir os propósitos do regime ditatorial.
E, para finalizar, contamos com o artigo A área de estudos sociais no uso dos estudos dirigidos no ginásio vocacional Oswaldo Aranha (SP, 1962- 1964), colaboração de Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato. A autora apresenta as múltiplas apropriações dos docentes da área de Estudos Sociais do uso dos Estudos Dirigidos na cultura escolar da mencionada instituição educativa de 1962 até o golpe de 1964. Chamando a atenção para a importância da discussão sobre o conceito de cultura escolar e de como este conceito pode ser ampliado para outras análises, a exemplo da cultura escolar vocacional de 1964, que transformou a disciplina Estudos Sociais em área, quando passou a enfrentar novos dilemas a ponto de se produzir uma nova cultura escolar. Para tanto, a autora recorta seu estudo no período inicial da Ditadura Civil Militar, 1962 até 1964. De forma responsável, a autora faz usos de fontes como relatórios, planejamentos e práticas educativas dos professores de Estudos Sociais, que são analisadas metodologicamente de forma qualitativa sustentada pela noção de apropriação cunhada por Roger Chartier (1988; 2002). A autora organiza o texto em duas seções, na primeira, analisa os Estudos Dirigidos nos planejamentos da cultura escolar vocacional em uma sociedade democrática; e, na segunda parte, analisa essa mesma prática registrada nesse conjunto de fontes escolares docentes do ano 1964, quando se forja uma nova cultura escolar. Os resultados possibilitam perceber as inquietações docentes ao refletirem sobre esses saberes voltados para uma sociedade brasileira democrática.
A História nos diz muito sobre a sociedade contemporânea, desde as suas prioridades e de seus valores até sobre comportamentos e atuações dos diversos grupos sociais que a compõe. A História do Tempo Presente reafirmou, no século XX, que testemunhos históricos são fonte histórica legítima, a história contemporânea pode ser objetiva, a memória oral não é mais problemática que a escrita, a função política da História em formar cidadãos pode partir de fatos de passados recente como remotos e, finalmente, o compartilhamento do tempo histórico do historiador com aqueles que fazem a história pode ter um lado positivo, visto que o historiador deve dividir “(…) com os que fazem a história, seus atores, as mesmas categorias e referências. (…) a falta de distância, ao invés de um inconveniente, pode ser um instrumento de auxílio importante para um maior entendimento da realidade estudada (…). (CHARTIER, 1993 apud FERREIRA, 2000, p.10).
Referências
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria Manuela Galhardo. Lisboa, Portugal: DIFEL, 1988.
______. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade / UFRGS. 2002
FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. Cultura Vozes, Petrópolis, v.94, n.3, p.111-124, maio / jun., 2000.
Celia Santana Silva – Doutora em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Professora da Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias, Campus XVIII / Eunápolis. E-mail: celiasantanauneb@gmail.com
Luciana Oliveira Correia – Doutora em Educação pela Universidad de Alcalá. Professora da Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas, Campus VI / Caetité. E-mail: lcorreia@uneb.br
SILVA, Celia Santana; CORREIA, Luciana Oliveira. Apresentação. Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino. Caetité, v.1, n.2, jul. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]
Reflexões teóricas e narrativas históricas no Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2018
E a história hoje…
O dossiê – Reflexões teóricas e narrativas históricas no tempo presente – reúne artigos que se dedicam a um duplo-esforço: o de pensar o mundo contemporâneo, e isso a partir da preocupação com a diferença, ou ainda, com todo e qualquer modo de ser ou perspectiva que venha despontando, com especial destaque para as discussões que articulam narrativas históricas no tempo presente. Em linhas gerais, se trata do que temos chamado de uma tendência (ou giro) ético-política no interior da teoria da história, da história da historiografia, da disciplina em geral.
A qualidade específica da disciplina história é a de constituir compreensões acerca de passados, no entanto, o que temos percebido é que temos tido nas últimas décadas um interesse crescente por parte de historiadores e historiadoras em (também) pensar problemas próprios ao nosso presente, o que tem sido feito a partir de uma abertura temporal capaz de reconhecer passados que não passaram, irrupções e insurgências, bem como usos e apropriações do passado. Neste sentido, podemos dizer que esse interesse está diretamente relacionado com algo mais geral, com o próprio horizonte histórico atual, com suas demandas, pontos de saturação e problemas contemporâneos.
Tais demandas e intervenções têm se constituído a partir de uma forte tensão com o que podemos chamar, de um lado, democratização, e, por outro lado, certo conservantismo comprometido com uma perspectiva mais homogênea e mesmo tradicional da realidade. Uma tensão, precisamos sublinhar, que se constitui a partir de uma intimidade significativa de certo caráter técnico do saber, ou ainda, com um modo de ser e um ritmo marcado pela necessidade constante (algumas vezes sem sentido) de produção e produtividade com fins nem sempre qualitativos.
Desse modo, se, por um lado, o nosso horizonte histórico está num momento crítico, decisivo, o que temos, por outro, é uma preocupação mais geral e crescente no interior das humanidades em participar desse momento crucial, especialmente a partir de um cuidado especial com isso, que é a diferença, e com a democratização. Nesse contexto, a disciplina história tem se esforçado e tem tido um papel expressivo a partir de um diálogo profundo com a filosofia, literatura, antropologia etc., re-tematizando insistentemente determinados passados e se esforçando no sentido de constituir atmosferas próprias à retenção da tensão no interior do espaço público.
No que pese a desqualificação do exercício de reflexão histórica, parece fundamental abrirmos o tempo atual às múltiplas temporalidades, desnaturalizar o presente, acenar para novas abordagens e problemas do contemporâneo. Este dossiê é um exercício de imersão nesse campo de disputas. A partir da reflexão de historiadoras e historiadores, convida ao debate sobre os limites e potencialidades da narrativa histórica no tempo presente.
Ao propormos este dossiê para a revista Tempo e Argumento, não esperávamos pelo número de quase 40 artigos submetidos. A partir da avaliação ad hoc, selecionamos 11 textos. Acreditamos que são representativos da diversidade teórica e metodológica da história em tempos recentes, assim como da possibilidade de intervenção nas questões que afligem as humanidades, e a história em particular.
Esperamos que os leitores não deixem os artigos caírem na vala comum das milhares de produções científicas que circulam na internet, ou seja, que leiam, critiquem e debatam entre colegas e alunos. Que se posicionem sobre as reflexões propostas e, com isso, intervenham nas discussões do nosso tempo.
Marcelo de Mello Rangel
Rogério Rosa Rodrigues
(Organizadores)
RANGEL, Marcelo de Mello; RODRIGUES, Rogério Rosa. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.10, n.24, 2018. Acessar publicação original [DR]
Tempo Presente e Fotografia / Tempo e Argumento / 2016
Tempo Presente – Fotografia / Tempo e Argumento / 2016
O historiador François Bédarida afirmou que a história do tempo presente (HTP) exige de seus colegas de ofício um cuidado redobrado para que não corra o risco de tudo julgar, visto que a narrativa produzida “se define tanto em relação a um futuro quanto em relação a um passado”.1 Ainda que toda narrativa histórica implique um posicionamento ético e político, ao analisar acontecimentos do presente, os riscos de interferir no seu curso acentuam‐se consideravelmente. O manejo de um instrumental destinado a selecionar, interpretar e construir narrativas sobre histórias abertas, ou ainda em desenvolvimento, torna a história do tempo presente singular. Especialmente ao deparar‐se com o questionamento à suposta imparcialidade no trabalho do historiador, alvo de frequentes controvérsias, inclusive entre os próprios representantes da área.
No momento em que esta edição de n. 17 (2016) vem a público, encontra acirrado debate, especialmente nas redes sociais, a exemplo do posicionamento assumido pela categoria de forma ampliada e identificada como “Historiadores pela Democracia”.2 Historiadores especializados nas mais diversas áreas buscaram interpretar o atual cenário político brasileiro, entre os quais Marcos Napolitano, Rodrigo Patto Sá Mota, Sidney Chalhoub e Hebe Mattos. Perry Anderson da University of California (UCLA) e James Green da Brown University, também acionaram os instrumentais da história para analisar a recente crise brasileira. Analisar e interpretar não significa reconstituir ou resgatar os fios dos acontecimentos em curso. Implica, antes de tudo, verificar estruturas de longa e de recente duração presentes na conjuntura atual. Não significa, tampouco, determinar o que realmente aconteceu, mas, conforme a bela expressão criada por Bédarida, erguer moradias provisórias. Historiadores do futuro poderão acioná‐las, reformulá‐las e até contestá‐las, mas não poderão afirmar que os historiadores se calaram ou foram coniventes com os crimes e injustiças cometidos no seu tempo
Como bem registrou Walter Benjamin acerca do avanço do fascismo europeu, o assombro diante dos acontecimentos recentes não é filosófico, visto que não surpreende quem acompanha e analisa o papel que as ideias conservadoras desempenharam, e desempenham, na manutenção do status quo de grupos que angariaram os maiores privilégios econômicos e políticos ao longo da história. A criminalização dos movimentos sociais, a corrupção na política, a violência policial, a homofobia, o feminicídio, o conluio das tradicionais classes conservadoras para barrar os avanços políticos e sociais conquistados remontam a outros tempos, persistem e se travestem de novidade. Nestas reflexões sobre o passado do país, o que antes soava como exceção há muito é regra.
Como saldo da relatada experiência dos historiadores, ao se arriscar a analisar o tempo presente, encontra‐se a contraposição à tentativa de homogeneização do discurso midiático, protagonizada por parte do jornalismo brasileiro, retirando sua primazia sobre a narrativa dos recentes fatos nacionais. Talvez por isso articulistas de jornais como o Estadão3 e a Folha de S.Paulo4 se tenham manifestado de forma tão contundente contra a chamada “rede” de historiadores, na tentativa de (des)qualificar tal forma de atuação, adjetivando‐a com termos como “formação de quadrilha”, “organização em bando”, ou ainda “alinhamento ideológico totalitário”. Se alguma lição fica aos profissionais da área quanto ao momento crítico em que estamos mergulhados, é que a história do tempo presente deixa de ser considerada apenas um alargamento do campo, e impõe‐se como dever. A Revista Tempo e Argumento junta‐se aos colegas na manifestação contra o atual golpe político no Brasil e soma‐se aos editoriais da Revista Brasileira de História5 e Revista História, Ciências, Saúde ‐ Manguinhos6 em favor da democracia no país.
O dossiê “Tempo presente e fotografia” integra nesta edição 10 artigos assim tematizados, seguidos de 3 textos de demanda contínua, 2 resenhas e 2 entrevistas. Destaca‐ se que a revista ampliou sua base de dados na indexação a Thomson Reuters, junto às demais já vinculadas. Apresenta como novidade também a inclusão da primeira entrevista em vídeo neste periódico.
João Cabral de Melo Neto aponta em versos a maneira como passamos a observar o mundo através das lentes, como traço de distinção em determinado momento, quando declara
Meus olhos têm telescópios
espiando a rua Espiando minha alma
longe de mim mil metros7
O ato fotográfico identifica sob diversos aspectos o tempo presente, definindo esta forma do olhar como experiência individual e coletiva, memória e significação histórica. A câmera como testemunho dos campos de concentração nazistas observados por George Rodger e Henri Cartier‐Bresson, na análise de Erika Zerwes, ou no requintado universo de percepção estendido aos aspectos sensoriais da pesquisa científica que tentou retratar o sonoro, conforme constatou Marcelo Téo, são expressões do tratamento mais conceitual sobre a fotografia apresentado neste dossiê. Seguido das reflexões de Charles Monteiro ao definir, como via de percurso, o fotojornalismo como linguagem e possibilidade de formação discursiva junto a outras imagens. Ainda na esfera deste campo de atuação, a contribuição de Ana Mauad no estudo de caso tematizado pelo “quebra‐quebra” do Centro do Rio de Janeiro em junho de 1987, na cobertura dos jornais e produção do fato histórico. O uso político das imagens fotográficas revela‐se no texto de Pedro Ernesto Fagundes, na análise dos acervos dos órgãos de repressão no Brasil, tematizado pela Campanha pela Anistia. A Revista O Cruzeiro Internacional, enquanto veículo também precursor na prática do fotojornalismo, é apresentada enquanto construção imaginária acerca do pan‐americanismo no artigo de Marlise Meyrer. Cenários, paisagens urbanas e monumentos integram outros 3 textos deste dossiê, a exemplo dos trabalhos de Franco Sánchez, Patrícia Silva e Priscila Grecco, ao observarem e analisarem distintas circunstâncias históricas documentadas pela fotografia na chamada “Nueva Argentina”, “Manaus Moderna” e na Cidade do México, respectivamente. O dossiê finaliza com o uso das fotografias da ditadura civil‐militar no Brasil presente nos livros didáticos, em circulação de 1990 a 2015, conforme texto de Carolina Etcheverry.
Na sequência, os artigos de Maria Claudia Badan Ribeiro e Thiago Nunes Soares dão destaque também ao posicionamento político como análise. As redes políticas de solidariedade na América Latina, conforme identificação do título, indicam a existência de contatos e relacionamentos estendidos como parte do movimento revolucionário brasileiro de repercussão no exterior, envolvendo o acolhimento ao exílio diante dos conflitos resultantes da luta armada, dando a perceber a confluência estendida à América Latina, África e Europa. A anistia no Brasil voltou a ser tematizada nesta edição, desta vez em Recife, através das inscrições nos muros e espaços públicos ampliados, identificadas como “escritas citadinas”, alvo da repressão policial por serem consideradas subversivas. O texto de Misael Corrêa atenta para a reflexão sobre as “brigas de galo”, enquanto estudo de caso de prática recorrente na cidade de Florianópolis / SC, ampliando a discussão sobre a história do esporte, das cidades e das sensibilidades.
Sob o título “Ditadura civil‐militar, cassações políticas e História em Chapecó”, Gustavo Silveira resenhou o livro de Claiton Marcio da Silva, voltado ao estudo das especificidades políticas do município catarinense. Paula Franco apresenta a resenha sobre a produção audiovisual “Orestes”, em suporte DVD, lançada em 2015, no diálogo com o clássico texto da tragédia adaptado.
Ao final desta edição, as entrevistas. Sob o título “Existe história oral em América Latina?”, resulta a transcrição da entrevista realizada com o Prof. Gerardo Necoechea (Instituto Nacional de Antropologia e História da Cidade do México), em resposta às questões apresentadas pelas doutorandas do PPGH / UDESC, Célia Silva, Yomara Fagionato e Lisandra Barbosa Pinheiro, registro que se deu na ocasião da participação do entrevistado no II Seminário Internacional História do Tempo Presente, em outubro de 2015. Em 13 de novembro de 2015, a Profa. Míriam Hermeto (PPGH / UFMG) foi entrevistada pela Profa. Márcia Ramos de Oliveira (PPGH / UDESC), atividade compartilhada com o Daniel Saraiva e Luciano Py de Oliveira (doutorandos também vinculados ao PPGH / UDESC), que deu continuidade ao Minicurso “A Canção Popular Brasileira: Documento para a Pesquisa e o Ensino da História” apresentado na FAED / UDESC.
Como no clique da fotografia, fica aqui um breve registro da divulgação científica na expectativa de que provoque outras reflexões. Desejamos a todos e a todas uma boa leitura!
Márcia Ramos de Oliveira
Rogério Rosa Rodrigues
Editores‐Chefes
OLIVEIRA, Márcia Ramos de; RODRIGUES, Rogério Rosa. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.8, n.17, 2016. Acessar publicação original [DR]
História e Tempo Presente: Desafios e Perspectivas / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2014
É com satisfação que faço esta apresentação da Revista editada pelos discentes da pós-graduação, empreendimento meritório dos jovens pesquisadores em História do programa do curso de História da Faculdade de Ciências Humanas, do qual sou egresso, tendo tido o prazer e oportunidade de cursar nele o mestrado, lá nos idos dos anos iniciais de sua criação e implantação. Espaço nobre de publicização dos exercícios intelectuais de construção de habilidades em teoria e metodologia e suas interfaces com universos empíricos, registros possíveis e contingentes do vivido pelos grupos humanos tomados em referência.
Neste número da revista, mais um desafio, o Tempo Presente, com ele o delineamento de perspectivas para a construção de abordagens históricas contidas numa temporalidade tensionada por dilemas específicos, contidos muitas das vezes, e que comporta, dentre muitos outros dilemas da crítica histórica, o da relação do pesquisador com o objeto, do qual, às vezes é co-partícipe, contemporâneo…
Para tais dilemas, talvez seja pertinente fazer uso, de uma quase metáfora. Com o movimento, ou o fenômeno de uma boiada. Esta, quando em movimento, quando está “passando”, muita coisa específica sobre ela pode estar obscurecida pela poeira, ou pelo barro da estrada, como: os tons das pelagens dos bois, quantos são? Quem são os homens da comitiva, etc. Da mesma forma, depois de “passada” a boiada, será difícil saber o número de bois pelas suas pegadas, quiçá as pelagens dos bois, ela já passou, e os peões da comitiva já estarão em outras paragens. Para ambas as temporalidades da boiada, os graus de dificuldade em acessar a sua “veracidade” se equivalem, guardadas as diferenças de antes e depois, e, se se quiser das memórias sobre ela, daqueles que a viram passar ou que ouviram falar sobre ela.
Nesse sentido, todos nós somos filhos do século XX, acabamos por escrever e pensar sobre coisas, objetos e processos históricos do próprio tempo em que vivemos e em alguns casos experienciamos. E, como afirma Eric Hobsbawn, no capítulo O Presente Como História, da coletânea Sobre História, “falo como alguém que atualmente tenta escrever sobre a história do seu próprio tempo e não como alguém que tenta mostrar o quanto é impossível fazer isso”, ou seja, tal exercício é mesmo um exercício de produzir história e não de gastar muito tempo em diletantismos sobre sua eficácia ou validade em termos de conhecimento histórico. Evidentemente, tal exercício não pode passar ao largo da crítica histórica, de modo que ao tratarmos “sobre o nosso próprio tempo, é inevitável que a experiência pessoal desses tempos modelem a maneira como os vemos, e até a maneira como avaliamos a evidência à qual todos nós, não obstante nossas opiniões, devemos recorrer e apresentar”. Por fim uma ressalva importante, qual seja, a constatação de uma experiência pessoal, com alguma pertinência para a história, nunca tem a dimensão idiossincrática. Ela só poder ter importância histórica, na medida em que, via de regra, a experiência individual de vida também é uma experiência coletiva.
Assim este número da Revista Eletrônica História em Reflexão, ao apresentar sob a forma de Dossiê sobre História e Tempo Presente, o faz através de: uma entrevista; alguns artigos e uma resenha e, notas e apontamentos de pesquisa sobre a Ditadura Militar no Sul de Mato Grosso.
A primeira parte consta de uma entrevista, realizada com o historiador Carlos Fico, que, em oportunidade recente ministrou conferência na Faculdade de Ciências Humanas sobre o golpe militar de 1964, tema de suas últimas pesquisas, momento em que concedeu a referida entrevista as pesquisadoras Ilsyane e Suzana. Tratando do assunto em voga, em função, inclusive, dos debates e embates que vem ocorrendo em torno dos trabalhos e possíveis resultados da Comissão Nacional da Verdade, o que deve resultar na ampliação da disponibilização de fontes para pesquisas sobre o regime militar no Brasil.
A América do Sul como prioridade: a política externa do governo Lula / PT (2003- 2010), mais do que uma história do tempo presente, uma história “quente”. O artigo contextualiza a política externa do Brasil para a América do Sul durante o governo Lula. Com isso, ao compará-la com o governo anterior, utilizando-se do método comparativo avalia as possíveis contribuições na direção de uma aproximação com os demais países do continente, em sua possível eficácia para com a estabilidade política, maior troca comercial, desenvolvimento social e de infraestrutura. O autor utiliza-se como base empírica de documentos do Ministério das Relações Exteriores em contraponto com a revista Veja, o maior semanário do país.
O artigo Elite Política de Passo Fundo / RS entre 1945 e 1964: do local ao regional, procura apresentar algumas considerações sobre os políticos daquela cidade que passaram a atuar em um plano regional e nacional num período de redefinição das forças políticas do país (1945 -1964). Analisa as características comuns, os mecanismos de ascensão, manutenção, reprodução e reconversão dos integrantes de uma elite política local e suas redes de influência e de sociabilidades políticas no contexto regional, bem como os valores compartilhados e a visão de mundo desse grupo, identificando seu perfil, revelando, além de afinidades culturais, interesses que articulam seus objetivos e metas políticas e / ou econômicas.
No campo da história cultural, e tendo como objeto a música, o artigo Entre O Morro e a Cidade: a composição da naturalidade do samba, a autora constrói uma contextualização acerca da inovação tecnológica do sistema de gravação elétrico, no ano de 1927, e como este fenômeno contribuiu para uma efervescência musical na cidade do Rio de Janeiro, especialmente no que diz respeito à canção popular. Os compositores de samba se empenharam em unir letra e melodia para serem gravadas em disco. A partir do limiar da década de 1930, gradativamente a linguagem musical dos sambas começou a adquirir uma “naturalidade” que se caracterizou, entre outros aspectos, num maior vínculo entre a canção e o intérprete. Tal fenômeno desdobrou-se e produziu uma maior “notoriedade do samba” dentre as demais canções populares na então capital republicana, concomitante ao desenvolvimento do rádio e do mercado de discos.
No artigo As Guerras de Reagan: ascensão do conservadorismo e os desdobramentos da política externa dos EUA na Era Reagan (1981 -1989), o autor discute o momento da ascensão conservadora nos EUA, entre fins da década de 1970 e início dos anos 1980, que culminou na Era Reagan. Discute ainda os desdobramentos de tais perspectivas na política externa do governo de Ronald Reagan, buscando assim, um enfoque nas perspectivas militaristas e intervencionistas que pautaram a doutrina Reagan e no acirramento das disputas com a URSS.
Aproximando-se de uma história econômica o artigo: Vias de comunicação e meios de transporte no sul de Santa Catarina 1850 –1950, discute a inserção das vias de comunicação e dos meios de transporte na região sul de Santa Catarina entre 1850 e 1950. Privilegia duas modalidades de transporte dentro de quatro tipos de iniciativas: a) o projeto fracassado da Estrada de Ferro Dom Pedro I e a construção da Estrada de Ferro Don a Tereza Cristina; b) a navegação marítima a vapor, representada pela Companhia Catarinense de Navegação a Vapor e pela Empresa Nacional de Navegação Hoepcke, e navegação fluvial, evidenciando o projeto do canal de navegação entre Laguna e Porto Alegre. Na peculiaridade dos transportes no sul de Santa Catarina materializou-se o modelo geral do sistema de transporte no Brasil, cuja marca foi a “lentidão”.
Contribuição significativa, o artigo A Construção da Identidade Nacional Brasileira: necessidade e contexto, muito embora divergente no que se refere à dimensão temporal do Dossiè, está adequado ao espírito da revista, no sentido de contemplar trabalhos de pós-graduandos. Este artigo analisa o processo de construção da identidade nacional brasileira, no século XIX, ressaltando a sua posição estratégica, em meio a uma crise política presente no Brasil do pós-independência, abordando a situação política que suscitou a alguns intelectuais do período a pensarem a questão do estatuto da jovem nação, elencando e elegendo elementos e dados referenciais para representar aquela identidade pretendida.
As considerações historiográficas, como uma contribuição no âmbito da escravidão no Brasil, em especial um universo singular, qual seja a atividade de resistência à escravidão no Estado brasileiro do Maranhão, são apresentadas sob o título Por Esses Campos e Caminhos: resistência à escravidão em Alcântara – MA e apresentam os resultados de análise de documentos investigados em cartórios da cidade de Alcântara, os quais podem ser uma contribuição no processo de configuração de áreas de quilombos e quilombolas.
Na seção de Resenhas, a análise da obra de Silvia Maria Fávero Arend, Histórias de abandono: infância e justiça no Brasil (década de 1930). Florianópolis: Editora Mulheres, 2011. Aborda o problema da infância e da juventude nas primeiras décadas do século XX na cidade de Florianópolis, resultante de pesquisa a partir de documentação produzida pelo Juizado de menores na cidade de Florianópolis, estado de Santa Catarina. Pesquisa iluminada pelas problemáticas contemporâneas, como toda pesquisa histórica marcada pelas tendências do campo. O problema do abandono de crianças naquele período circunscreve-se no contexto de famílias migrantes que buscam alternativas de sobrevivência naquela cidade.
Na ultima seção, numa atitude de inovação, porque modalidade inédita nesta revista, Excertos e Apontamentos de Pesquisa, trazemos as Notas sobre a Ditadura Militar no Sul de Mato Grosso: ação, reação e repressão, aborda acontecimentos ocorridos no sul do estado de Mato Grosso logo após o golpe de 31 de março de 1964, quando então iniciou-se o período conhecido como ditadura militar. Período de grande embate político e ideológico, momento em que o país posicionou -se ao lado dos Estados Unidos, e no combate ao comunismo, no confronto bipolar imposto pela Guerra Fria. Este período, marcado pela forte repressão aos movimentos de resistência ao regime em todas as regiões do país. As notas apresentadas pela autora, dá visibilidade do fenômeno na região sul de Mato Grosso, fazendo ver o apoio de setores da sociedade civil, e ações policiais com prisões e perseguições a políticos e à sociedade de modo geral.
José Carlos Ziliani – Professor UFGD.
Dourados / MS / Brasil – Inverno chuvoso de 2014.
ZILIANI, José Carlos. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 8, n. 15, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]
Tempo presente: usos na produção e no ensino de história / Aedos / 2014
A História do Tempo Presente tem sido centro de debates na produção historiográfica do século XX. Inicialmente, no momento da construção da História enquanto disciplina científica no século XIX, os acontecimentos recentes foram marginalizados como objeto de uma produção que restringia-se a análise e a narração dos fatos em períodos distantes, a partir de uma documentação escrita oficial, sem riscos de sofrerem influências de testemunhos vivos, que não viesse a ferir o objetivismo pretendido pelos historiadores daquela época.
Os Annales, nos anos 30 do século XX, no interior de uma série de outras modificações, alteraram o estatuto das fontes primárias ampliaram as possibilidades de pesquisa e instituíam a história-problema; no entanto, ainda manteve-se o receio quanto ao presente. Era temeroso enfrentar a fronteira entre a história e a memória, entre o estudo de um passado afastado e silencioso e um presente vivo e ativo.
Os fatos pós-II Guerra Mundial e a intensidade daquilo que Nora (1979) chamou de “produção do acontecimento” proporcionada pelos meios de comunicação de massas levaram a necessidade de rever a questão do presente como objeto entre os historiadores. Ainda que enfrente algumas resistências e não haja consenso quanto a uma definição conceitual, a produção historiográfica que contempla a análise dos fatos recentes e a utilização de testemunhos vivos como método para o estudo da história tem crescido e se legitimado perante os profissionais da história.
Desta forma, convidamos os pesquisadores a estabelecerem neste número um profícuo debate sobre os usos do tempo presente nos trabalhos históricos como objeto e como método de análise histórica, bem como dialogar sobre as possibilidades e limitações da mesma para o ensino de história na educação básica. Portanto, o Tempo Presente – suas questões, suas interpretações e seus usos – é o foco deste dossiê.
Sugerimos como tópicos para este número: o debate historiográfico com relação as possibilidades do tempo presente; usos do tempo presente como método e objeto de pesquisa; história do tempo presente e ensino de história: os desafios e as potencialidades em sala de aula.
Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.6, n.15, 2014. Acessar publicação original [DR]
O ensino de História e o tempo presente / História Hoje / 2013
A noção de que História é sinônimo de passado faz parte do senso comum há muito tempo. A noção de que passado é um tempo muito antigo, um tempo que já passou e que está, digamos assim, “morto”, também faz parte desse mesmo senso comum. E isso continua ocorrendo, a despeito de os historiadores profissionais terem integrado a seu campo de reflexão, de maneira forte e irreversível, o tempo no qual eles próprios vivem e participam, bem como o tempo que vivem “indiretamente”, na medida em que são inúmeras as “testemunhas” que, muito vivas, a ele se referem. Portanto, cada vez mais, os historiadores recebem demandas da sociedade para refletir sobre um tempo que “ainda não passou”, cujos atores sociais estão vivos e opinando, com a autoridade de quem “viu e viveu” aquilo que aconteceu. Crescentemente e internacionalmente, esse tempo que está “próximo” e mobiliza em variados sentidos – políticos, jurídicos, sociais, emocionais – as sociedades ganha lugar na narrativa histórica. Leia Mais