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Africanizar: resistências, resiliências e sensibilidades | Revista Transversos | 2021
A Revista Transversos em sua 22a edição propõe-se em um pensamento-ação. O dossiê Africanizar: resistências, resiliências e sensibilidades. A concepção temática emerge do encontro de pesquisadoras e pesquisadores brasileiros e africanos. Ele parte dos trabalhos realizados pela linha de pesquisa África e suas diásporas do Laboratório de Estudo das Diferenças e Desigualdades Sociais (LEDDES) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em contato com a Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), a Universidade Católica de Angola (UCAN), a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).
Africanizar como movimento é um imperativo de pensar as Áfricas para longe de cristalizações e essencializações redutoras. Africanizar surge como necessidade de ouvir as vozes do continente, as quais questionam os parâmetros fornecidos a partir do viés eurocêntrico, da branquidade, do androcentrismo, do heteronormativo, das metanarrativas nacionais homogeneizantes ou dos interesses dos dominantes, sejam eles, estrangeiros ou locais. Os conteúdos dos textos apresentados apontam para os agenciamentos e os saberes dos silenciados, dos invisibilizados e daqueles que foram colocados à margem. Leia Mais
Áfricas e suas diásporas / Revista Transversos / 2017
A Revista Transversos em sua 10a edição floresce a partir de múltiplos esforços. Seiva, fibra e ritidoma1 vêm de resultados da linha de pesquisa Áfricas e diásporas negras do Laboratório de Estudo das Diferenças e Desigualdades Sociais (LEDDES), que contempla os estudos africanos, assim como, problematiza a diáspora negra a partir das manifestações políticas e culturais no Brasil.
Por obstinação, analisa-se as matrizes discursivas que definem as identidades culturais e as reinvenções da África e africanidades no Brasil a partir da Lei Federal 10.639 / 03.2 Esta edição é incensada pela atuação de autores angolanos, brasileiros, estadunidenses, que, pela diversidade dos temas, promovem a pluralidade como cariz desse dossiê. O prazer motivado pelos laços, reencontros e resistências, iluminam as diferentes histórias das Áfricas e suas diásporas. Por lá e por aqui, homens, mulheres e crianças experimentaram histórias singulares em suas trajetórias de vida.
A arte do jovem artista-historiador José Victor Raiol traduz esse sentimento de ser e espargir. A árvore da vida, um baobá estilizado, mostra a dimensão de uma África robusta, diversificada e propagadora. Enquanto, suas folhas proliferam vidas, sujeitos, discursos e experiências. O baobá e suas folhas tramam o fio condutor dessa edição: o entrecruzamento da África –com suas raízes históricas e suas vias repletas de seivas- e a heterogeneidade das diásporas com – o vento que conduz suas folhas, sua transformação e sua continuidade.
São laços que unem as duas margens do mundo afro-atlântico-americano; reencontros como formas de multiplicar os objetos de estudos; e por fim; ampla resistência. Afinal, africanos, africanas e as identidades diaspóricas lutaram os mais diversos combates em prol das suas histórias. E ainda lutam!
Logo de início, o dossiê faz um registro de solidariedade a luta dos professores, técnicos, bolsistas, discentes e da comunidade que resistem aos ataques à Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Um baobá das políticas afirmativas, em nosso país, a UERJ diasporizou seu sistema de cotas aos afrodescendentes por outros espaços do Brasil. Além disso, não podemos esquecer da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Em 2017, a UNILAB sofreu com os cortes de incentivos estudantis aos alunos dos países africanos. A partir da luta, a comunidade da UNILAB reconquistou a garantia dos estudantes de ingressar na Universidade. Em nome da Revista Transversos, obrigado por vocês existirem e resistirem. Continuemos na luta!
Esse pensamento como ação nos direciona para a produção de uma escrita da História Africana como definida por Carlos Lopes: uma pirâmide invertida. Segundo o guineense:
Uma história que se vai concentrar nas mudanças sociais, na contribuição africana, na resistência ao colonialismo e no conceito de iniciativa local. Uma História que tentará demonstrar que se a civilização ocidental bebeu no conhecimento grego, não é por acaso que Platão, Eudore e Pitágoras viveram no Egito entre 13 e 20 anos. Egito visto como uma civilização negra por excelência.3
Uma História da África feita por africanos / as e demais pesquisadores / as sensíveis as particularidades das múltiplas historicidades daquele continente. Uma narrativa ativa e altiva das singularidades das experiências africanas. Já a heterogenia das diásporas segue as pistas do Atlântico negro de Paul Gilroy em que:
No espírito do que pode ser chamado de história “heterológica”, gostaria que considerássemos o caráter cultural e as dimensões políticas de uma narrativa emergente sobre a diáspora que possa relacionar, senão combinar e unificar, as experiências modernas das comunidades e interesses negros em várias partes do mundo.4
Espalhar-se não significa manter uma identidade cristalizada e homogênea. Assim como Gilroy, os nossos estudos combatem a essencialização, que muitas vezes – nos desejos da naturalização – persistem nos estudos diaspóricos. Não se trata, exclusivamente, de entender a vida de africanos e africanas fora da África, mas de analisar o saber / conhecimento desses sujeitos hibridizar / espargir-se nas várias partes do mundo.
Com saber / sabor os artigos nos embalam e instigam. Nas pistas do baobá estilizado e o espargir de suas folhas, a 10a edição é inaugurada com o artigo de Judith Carney e Rosa Acevedo – Plantas de la diáspora africana en la agricultura del Brasil. As autoras examinam as plantas de origem africana que se tornaram fundamentais para a subsistência e economia no período da escravidão. Ao traçarem o perfil dessas plantas, analisam as distorções nas narrativas da troca colombiana, que permaneceram centradas na agência europeia. Em destaque, a ênfase colocada no conhecimento botânico africano e sua expressão em paisagens de escravidão.
Alair Figueiredo Duarte e Maria Regina Candido no artigo Será possível, na atualidade, escrever a História Antiga da África?- analisam como construir um olhar alternativo afastado da narrativa eurocêntrica hegemônica, repleto de preconceito sobre o continente africano, considerado uma sociedade primitiva sem escrita, sem passado e sem história. Com ousadia propõem um rompimento, de vez, com os estereótipos que tentam impingir a História da África.
Condições políticas da era de ouro da Dhimmah na história do Egito islâmico (séculos IX e X AD) de Alfredo Bronzato da Costa Cruz percorre o período de governo fatímida do Egito (969-1171). O texto reconstitui algumas tramas que compuseram a complexa conjuntura política do Egito e do Levante no interior do ecúmeno islâmico dos séculos IX e X AD que permitiu afirmar como o mais tranquilo e próspero período para os judeus e cristãos desde a conquista islâmica do Vale do Nilo até a Contemporaneidade.
Vivian Santos da Silva escreve sobre O Conflito Tuaregue ao norte do Mali: a geopolítica da resistência no Sahel Africano. O artigo analisa o conflito a partir da crítica da geopolítica, em que se apreende o poder e sua relação com o espaço de forma multidimensional. Por meio dessa perspectiva, a autora possibilita uma maior compreensão do complexo movimento de resistência, de insurgência e de luta pela emancipação política.
Vestígios de uma fábrica britânica em fotografias de seus trabalhadores de Rute Andrade Castro estuda a exploração britânica de recursos minerais e humanos num contexto imperialista do século XIX, em uma vila do sul da Bahia – Brasil. A partir de fotografias do empreendimento britânico, a autora adensa as possibilidades dos usos históricos daquelas imagens.
Gian Carlo de Melo Silva investiga o batismo, e sua dinâmica numa sociedade marcada pela escravidão, como uma das formas de alforrias existentes no período colonial no artigo “Dizia que forrava a dita criança”: os forros na pia batismal no Recife Setecentista.
Já em Africanas, libertas e seus filhos em narrativas de violências e outros dramas entre a escravidão e o pós-abolição no Sul da Bahia, Cristiane Batista da Silva Santos nos traz histórias de adversidades femininas vivenciadas por africanas e suas descendentes – escravizadas, libertas ou livres pobres – em situações de violência nas mais variadas formas entre as décadas finais da escravidão e período posterior a abolição.
A parceria de Alan Augusto Moraes Ribeiro e Deivison Mendes Faustino no artigo Negro tema, negro vida, negro drama: estudos sobre masculinidades negras na diáspora revisam um conjunto de estudos publicados em língua portuguesa e língua inglesa que tratam do tema masculinidades negras. Nesse processo, refletem sobre como raça, gênero, classe, etnia, sexualidade e nacionalidade foram articulados para falar sobre homens negros nessas literaturas.
O artigo Museu Afro Brasil: a querela da identidade, de Ana Carla Hansen da Fonseca, debruça-se sobre os avanços e limites do trabalho do museu na construção de memórias, identidades, na preservação do patrimônio africano, e nas formas de representação dos africanos que foram escravizados.
Mario Eugenio Evangelista Silva Brito com o artigo Uma leitura desde a diáspora sobre historiografia africana independentista: a década de 1950, os casos de K. O. Dike e C. A. Diop faz um estudo sobre a historiografia acadêmica africana (feita por africanos), enfocando as obras: Trade and Politics (1956), de Kenneth Onwuka Dike e L’Afrique Noire Précoloniale (1960), de Cheikh Anta Diop. Desta forma, o articulista expõe a especificidade dessa historiografia nos diferentes contextos de sua produção, além de debruçar-se sobre a trajetória socioespacial desses historiadores.
Em O papel da Comissão do Golfo da Guiné na segurança marítima em África, Rita Suriana Amaro Gaspar analisa a questão da segurança marítima na região do Golfo de Guiné. A partir das recomendações das Organizações das Nações Unidas à União Africana, a autora avalia de que forma a garantia da defesa e segurança da região tem sido feita tendo por orientação as diretivas do “Código de Conduta de Yaoundé”.
Abordar as representações sobre relações raciais erigidas por diplomatas estadunidenses, autoridades portuguesas, nacionalistas angolanos e militantes pelos direitos civis nos EUA é o objetivo de Raça e diplomacia: a correspondência diplomática estadunidense sobre Angola, 1960-1961 de Fábio Baqueiro Figueiredo. O autor baseia sua análise a partir das correspondências consulares estadunidense sobre Angola entre 1960 e 1961, num momento de ascensão política mundial das discussões sobre raça.
Karina Ramos em A angolanidade literária nas páginas da Revista Mensagem (1951- 1952), apresenta as propostas de construção de uma identidade cultural para Angola do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (MNIA) por meio da revista literária Mensagem – A Voz dos Naturais de Angola (1951-1952). No universo discursivo da revista Mensagem, a autora problematiza as formas de construção de uma angolanidade literária.
Encerrando o dossiê, temos o artigo Cultura, identidade e neoliberalismo na Ruanda pós-genocídio: em busca de um novo homem ruandês escrito por Danilo Fonseca. O autor estuda as propostas realizadas, no âmbito de práticas e valores culturais, pelo governo da Frente Patriótica Ruandesa após o genocídio ruandês de 1994 cometido contra tutsis e hutus moderados. Assim, analisa as mudanças nas questões que envolvem o patriotismo, a unidade nacional e o mundo do trabalho.
Na sessão de artigos livres, Victor Hugo Abril em Um estudo sobre os Governos interinos no Rio de Janeiro (séculos XVII e XVIII) esquadrinha os governadores coloniais interinos no espaço-tempo da cidade do Rio de Janeiro, c. 1680 – c. 1763. Em sua análise, privilegia os agentes nas suas trajetórias, não só no reino, como nas colônias.
Merece destaque também Other Views on the African Diaspora: An Interview / Outros olhares sobre a diáspora africana: uma entrevista com o Prof.º Robert Voeks, da Universidade da Califórnia, realizado por Gustavo Pinto de Sousa e Rogério da Silva Guimarães.
Convidamos a seguir os leitores e leitoras a descortinarem as próximas páginas. Afinal, “somos cultura que embarca”5. Enfim, que os artigos inquietem, provoquem e sejam compartilhados. Em tempos africanos e diaspóricos: desejamos caminhos abertos!
Notas
- Camada externa da casca das árvores e outras plantas lenhosas. Cuja função, entre outras, é proteger a planta. In: < http: / / dicionarioportugues.org / pt / ritidoma>.
- Atualmente, a Lei 10.639 / 03 foi reformulada pela Lei 11.645 / 08 que além dos estudos de História e Cultura Africana e Afro-brasileira também contempla a História e Cultura Indígena.
- LOPES, Carlos. A pirâmide invertida – historiografia africana feita por africanos. In: Actas do colóquio Construção e ensino da história da África. Lisboa: Linopazas, 1995. p.26
- GILROY, Paul. Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2001. p.11.
- Você Semba de Lá, Que Eu Sambo de Cá- o Canto Livre de Angola. GRES Vila Isabel, 2012.Autores: Evandro Bocão, Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e Artur Das Ferragens. Disponível em: http: / / liesa.globo.com / 2017 / por / 09-colocacoes / 2012.html
Gustavo Pinto de Sousa (UFOPA)
Rogério da Silva Guimarães (UERJ)
SOUSA, Gustavo Pinto de; GUIMARÃES, Rogério da Silva. Apresentação. Revista Transversos, Rio de Janeiro, v. 7, n.7, mai. / ago., 2017. Acessar publicação original [DR]