História Pública: as faces de Clio no cotidiano da sociedade | Faces de Clio | 2022

Luis Inacio Lula da Silva Imagem DW

Luís Inácio Lula da Silva | Imagem: DW

Ser pesquisador/a no Brasil nunca foi uma tarefa fácil. O país, que tradicionalmente sempre formou seus doutores no exterior, somente promoveu a alfabetização ampla e gratuita na segunda metade do século XX, sendo que as camadas de menor poder aquisitivo só tiveram real acesso às Universidades Federais há pouco mais de dez anos por meio, principalmente, da implementação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como forma de ingresso a esses espaços até então reservados às elites. Segundo dados disponibilizados pela Casa Civil (2014, online), em 2004, “20% mais ricos representavam 55% dos universitários da rede pública e 68,9% da particular”. Esse dado impressionante só é sobreposto por outro ainda também exposto no texto: “acesso de estudantes pobres à universidade pública cresce 400% entre 2004 e 2013”.

As razões deste feito brasileiro estão intimamente associadas ao cenário político que, naquele momento, tinha como chefe da república um operário: Luís Inácio Lula da Silva. Ou somente, Lula. Integrante do Partido dos Trabalhadores, durante sua gestão (2003-2011) a maior parte da população brasileira teve acesso não só a bens de consumo, devido à valorização do real e tantas outras políticas econômicas, como também pode viver dignamente com acesso a saúde e educação de qualidade. Durante seu governo, conforme dados do Instituo Lula (2019, online), foram criadas 18 universidades federais e 173 campus universitários, sendo que de 2003 a 2014 o número de discentes passou de 505 mil para 932 mil. Leia Mais

Estado, sociedade, culturas políticas e economia no longo século XIX brasileiro | Vozes, Pretérito & Devir | 2022

A organização do dossiê Estado, sociedade, culturas políticas e economia no longo século XIX brasileiro é parte do esforço coletivo de um grupo de pesquisadores vinculados ao Grupo de Pesquisa Política, Sociedade e Economia do Brasil no longo século XIX, cadastrado no Diretório de Pesquisa do CNPQ. O referido grupo, que é formado por docentes e pesquisadores de cursos de Graduação e Pós-graduação de diversas regiões do país, escolheu como uma das suas estratégias de ação a criação de espaços institucionais de discussão e divulgação de pesquisa historiográfica, e tem como foco temporal o longo século XIX brasileiro.

Assim, a intenção do presente dossiê na Revista Vozes, Pretérito e Devir é a de acolher artigos que expressem o resultado de pesquisas articuladas dentro e fora do Grupo de Pesquisa e que, partindo de diversas matrizes teóricas e documentais, desenvolvam trabalhos de cunho historiográfico relacionados aos quatro campos de investigação propostos. Igualmente é necessário enfatizar as disposições das relações entre Estado e sociedade, a vida política, as interações sociais entre os indivíduos, as práticas discursivas, os grupos institucionalizados, a economia política, o processo econômico, os projetos de sociedade e a natureza conflituosa dessas relações. Tudo isso no transcorrer do longo século XIX no Brasil, entendido aqui como o período que abarca as últimas décadas do século XVIII até as primeiras décadas do século XX, tempo que compreende a crise colonial, o processo de independência e a construção da nacionalidade brasileira. Leia Mais

Religião e Sociedade | Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade | 2021

A Revista Eletrônica Cordis está publicando seu Volume 1, número 26, primeiro semestre de 2021. Esta é uma Edição Especial da revista por se tratar de uma temática debatida no “I Simpósio Internacional de Estudos Pós-Graduados em História das Religiões: Estado e Igreja em Debate, realizado no segundo semestre de 2020 de forma virtual, uma iniciativa da pós-graduação lato sensu da Universidade Cruzeiro do Sul e sua Diretoria de Ensino a Distância (DEA), em parceria com o Núcleo de Estudos de História Social da Cidade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (NEHSC da PUC-SP). Os artigos, pesquisas e resenha deste número está em sintonia com as inquietações que esta temática vem provocando na sociedade, portanto o título para esta edição é Religião e Sociedade.

Os docentes e pesquisadores que enviaram seus artigos atuam em Instituições de Ensino Superior e Núcleos de Pesquisa do Brasil e do Estrangeiro (Argentina, Chile e Polônia), acumulando experiências em pesquisas e debates com participação em eventos nacionais e internacionais em seus países. Os autores tem formação em diferentes cursos de graduação e pós-graduação, no Brasil e no Estrangeiro, sendo especialistas nas áreas de Ciências Humanas e Sociais, atuantes em suas áreas de especialidade: História, Antropologia, Ciências Sociais e Teologia, o que contribuirá bastante para o debate/conhecimento sobre a temática proposta para esta edição da Cordis, pois Religião e Sociedade foram analisadas em suas múltiplas faces, percorrendo caminhos que passam pela religiosidade popular, pela arte, pela política e pelas teorias e metodologias da História das Religiões, ou seja, as abordagens teóricas, os métodos e as fontes são bastante amplas e colaboram para problematizar nossa proposta temática, e que são também pertinentes aos objetos de estudos dos pesquisadores aqui reunidos com suas reflexões consistentes e instigantes. Leia Mais

Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 28
Rancho na região da serra do Caraça, MG, Spix e Von Martius, 1817-1820 | Imagem: JLLO |

É com satisfação que publicamos a segunda parte do dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia. Os artigos selecionados tratam das interfaces entre o poder, as culturas políticas e a sociedade, a partir de perspectivas teórico-metodológicas que focalizem as rupturas, as permanências, os antagonismos e as ambivalências historicamente tecidas nas múltiplas formas de relações sociais entre as elites e as camadas populares no Brasil durante o século XIX, nas mais diversas dimensões do poder e seus reflexos na sociedade e na economia. Atualizações e ressignificações do local e do regional diante das injunções produzidas pela dinâmica do global, assim com os processos e as tramas que singularizam as histórias do local e regional, em suas demissões social, econômica e de poder são também contempladas.

O primeiro artigo que abre o Dossiê, de Francivaldo Alves Nunes, intitulado na gigantesca floresta de metais: O Engenho Central São Pedro do Pindaré e os debates sobre a lavoura maranhense no século XIX, nos remete a implantação dos engenhos centrais como solução para o processo de modernização da atividade açucareira em fins do século XIX, tendo como palco a província do Maranhão. Em diálogo com a historiografia, o autor demonstra o quanto o otimismo presente na imprensa e nos relatórios dos presidentes de província em relação a essa inovação produtiva contrastava com as dificuldades e os obstáculos encontrados para sua realização, tais como a falta do concurso do capital externo para atender aos seus vultosos custos, o conflito de interesses entre produtores de cana e o Engenho central e a ausência de inovação na atividade agrícola.

Já o artigo Ofícios mecânicos e a câmara: regulamentação e controle na Vila Real de Sabará (1735-1829), de Ludmila Machado Pereira de Oliveira Torres, analisa a ação de reguladora exercida pela Câmara municipal de Sabará no território sub sua jurisdição e na ausência de corporações com essas funções em Minas Gerais, em fins do período colonial e início do Imperial. Nessa direção, a autora procede à verificação da eficiência deste poder público em regulamentar o trabalho mecânico por meio da realização de exames dos candidatos aos ofícios, proceder às eleições de juízes de ofício, tabelar preços e conceder licenças à categoria. Por outro lado, o texto ainda se detém no universo dos ofícios mecânicos na região, na maior ou menor presença de escravizados no seu meio e na relação desses trabalhadores com a instituição que os fiscalizava e regulava.

No texto de Jeffrey Aislan de Souza Silva, “Nunca pode, um sequer, ser preso pela ativa guarda”: a Guarda Cívica do Recife e as críticas ao policiamento urbano no século XIX (1876-1889), temos a abordagem de um aparato policial criado na capital de Pernambuco com a dupla função de combater a criminalidade e disciplinar a população. Nele é investigada a lei que criou essa força pública em seus diversos aspectos, como também a sua estrutura hierárquica, funções e os requisitos para o ingresso na corporação Além disso, o autor discute a eficácia e comportamento desse aparato de segurança, que mereceu uma avaliação nada lisonjeira dos seus contemporâneos na imprensa.

Com o título Gênero, raça e classe no Oitocentos: os casos da Assembleia do Bello Sexo e do Congresso Feminino, Laura Junqueira de Mello Reis pesquisa dois jornais na Corte, A Marmota na Corte e O Periódico dos Pobres, que possuíam seções especificamente dedicas às mulheres, e que tinham como seus principais colaboradores homens. Ao longo do artigo discutem-se os assuntos e as abordagens constantes nesses impressos do interesse de suas leitoras, como matrimônio, adultério, maternidade e emancipação feminina, entre outros. A perspectiva teórico-metodológica da autora busca realçar a questão de gênero sempre levando em conta a condição racial e de classe das mulheres a que os dois periódicos almejavam cativar e orientar, no caso as mulheres brancas, alfabetizadas e da elite.

O trabalho Arranjos eleitorais no processo de eleições em Minas Gerais na década de 1860, de Michel Saldanha, versa sobre importante temática política que cada vez mais vem merecendo a atenção da historiografia: as eleições. Embora as eleições sejam um assunto sempre referido nos trabalhos sobre a histórica política do Império, só recentemente vimos surgir inúmeras pesquisas que têm como seu objetivo particular o processo e a dinâmica eleitoral em diversos momentos e espaços do Brasil oitocentista. A autora se debruça sobre as eleições em Minas Gerais, na década de 1860, com um intuito de discutir as estratégias informais e formais utilizadas pelos candidatos e partidos para obtenção de sucesso nas urnas. Neste sentido, a difícil feitura da chapa de candidatos, a busca de aproximação dos dirigentes políticos com o seu eleitorado e a qualificação dos votantes estão entre as práticas eleitorais analisadas.

Educação e trabalho: a função “regeneradora” das escolas nas cadeias da Parahyba Norte é o título do artigo Suênya do Nascimento Costa. Nas suas páginas, são abordadas as práticas pedagógicas no Brasil do século XIX direcionadas à população carcerária, em sua maioria constituída de pessoas de origem humilde, no intuito não só de discipliná-las, mas também instruí-las sobre os valores dominantes que deveriam reabilitar os indivíduos criminosos para o convívio social, especialmente através do trabalho, em conformidade as ideias em voga no século XIX.

O artigo de Paulo de Oliveira Nascimento, intitulado Até onde mandam os delegados: limites e possibilidades do poder dos presidentes de província no Grão-Pará e Amazonas (1849 – 1856), versa sobre o executivo provincial cujos titulares, na qualidade de representantes do governo central, buscavam impor a orientação dos gabinetes às diversas partes do Império nem sempre com sucesso. No território do Amazonas o autor explora as dificuldades enfrentadas pelos presidentes para administrar um conflito antigo em particular, o que envolvia o religioso e diretor da Missão de Andiras e as autoridades locais pelo controle dos indígenas.

O estudo sobre a instância de poder provincial é também o assunto do artigo Instituições entre disputas de poder e a remoção dos párocos em Minas Gerais, de Júlia Lopes Viana lazzarine, que aborda a interferência dos presidentes de província no Padroado Régio, tida como supostamente prevista no Ato Adicional. Como aconteceu frequentemente por todo o país à época da Regência, a extrapolação das atribuições de poder na esfera províncias, prevista naquela lei descentralizadora, terminou por conflitar diversas instâncias político-administrativas. Em Minas Gerais não foi diferente. No caso discutido, ocorreu o embate, de um lado, entre o governo provincial e a Igreja; e de outro, entre a Assembleia Provincial e a Câmara dos deputados.

O artigo de Rafhaela Ferreira Gonçalves, Contornos políticos em torno dos processos cíveis de liberdade na zona da mata pernambucana: a denúncia de Florinda Maria e o caso dos pardos Antônio Gonçalves e Bellarmino José (1860-1870), discuti como base documental os processos cíveis, que constam na atualidade como fontes valiosas para a compreensão da luta dos escravizados pela liberdade. Por meio da análise de um deles, a autora consegue muito bem desvendar as estratégias encontradas pelos escravizados para se valerem do sistema normativo dominante a seu favor nos tribunais. A ação de liberdade escolhida pela autora para apreciação não poderia ser melhor. Trata-se do caso de uma liberta que engravidou de seu antigo senhor e depois viu seus filhos, nascidos do ventre livre, serem vendidos pelo pai como se fossem cativos.

Manoel Nunes Cavalcanti Junior, em A Revolta dos Matutos: entre o medo da escravização e a ameaça dos “republiqueiros” (Pernambuco-1838), investiga uma revolta da população livre e pobre do interior, na região da Zona da Mata e Agreste, que teve como estopim um decreto do governo interpretado pelos populares como uma medida visando escravizá-los. Na sua abordagem o autor investiga o levante em dupla perspectiva. Primeiro, no contexto do conflito intra-elite no período regencial , quando a boataria sobre o cativeiro da população foi atribuída pelas autoridades aos inimigos do governo, os chamados Exaltados, os quais procuraram aliciar para o seu lado os habitantes do interior tidos à época como “ignorantes” e de fácil sedução. Segundo, procurando compreender a revolta a partir das motivações próprias da gente livre e pobre do campo, que era a que mais penava com o recrutamento militar e tinha razões de sobra para desconfiar de tudo que vinha das elites e do Estado.

O trabalho O julgamento do patacho Nova Granada: embates diplomáticos entre Brasil e Inglaterra no auge do tráfico atlântico de escravizados nos anos de 1840, de Aline Emanuelle De Biase Albuquerque, nos remete à questão da repressão ao comércio negreiro e dos envolvidos nesse negócio ilícito, arriscado e lucrativo. Por meio de um processo crime que durou anos e que não condenou ninguém, a autora desvenda o conluio entre o governo brasileiro e os traficantes, os desacordos entre as autoridades britânicas e brasileiras no caso, assim como quem eram os integrantes dessa atividade mercantil proibida desde 1831. Na sua apreciação, aspectos interessantes da logística e da organização do tráfico são também revelados, como o tipo de equipamento encontrado nas naus que seguiam para África ou de lá retornavam, e que era considerado prova da atividade negreira, independe da presença de cativos na embarcação.

A imprensa no período de emancipação do Brasil de Portugal, no momento de definição dos rumos da nação que se pretendia construir, consta como temática do artigo O Reverbero Constitucional Fluminense e as interpretações do tempo no contexto da Independência (1821-1822), de João Carlos Escosteguy Filho. Nesse sentido, o autor expõe e problematiza a compreensão do tempo e da trajetória histórica do Brasil e das Américas presentes nas páginas da folha em tela, cujos propósitos eram o de influenciar o debate público e os rumos políticos do país.

Amanda Chiamenti Both, em seu trabalho Imediatos auxiliares da administração: o papel da secretaria de governo na administração da província do Rio Grande do Sul, estuda a secretaria de governo provincial, de grande importância para as presidências, mas ainda pouco explorada pela historiografia. Em meio à substituição frequente de presidentes, o artigo demonstra a relativa permanência dos indivíduos indicados para o posto de secretário da presidência no Rio Grande do Sul, além de explorar quem eram seus titulares, como se dava sua escolha e quais as suas atribuições. Suas conclusões apontam para a posição estratégica desse funcionário para o desejado entrosamento entre os presidentes e a sociedade local.

O texto de Ivan Soares dos Santos encerra o dossiê, intitulado Uma trama de fios discretos: alianças interprovinciais das sociedades públicas de Pernambuco (1831-1832). Ele retoma os estudos de duas importantes associações federais por um viés diferenciado daquele geralmente presente na historiografia sobre o período regencial. Neste sentido, o autor procura explorar e realçar as estratégias políticas construídas pelos liberais federalistas de Pernambuco para além das fronteiras da sua província, no intuito de fortalecê-los como grupo em luta pelo o poder.

Em vista dessas considerações, convidamos todos os interessados na produção histórica recente, inédita e de qualidade à leitura deste dossiê dedicado ao Brasil oitocentista.

Cristiano Luis Cristillino

Suzana Cavani Rosas

Maria Sarita Cristina Mota


CRISTILINO, Cristiano Luís; ROSAS, Suzana Cavani; MOTA, Maria Sarita Cristina. Apresentação. CLIO: Revista de Pesquisa Histórica. Recife, v.39, p.1-6, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [IF].

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Catástrofes, crises e respostas políticas e sociais | Antíteses | 2021

Ao longo dos séculos, as sociedades humanas buscaram entender e explicar as manifestações violentas da natureza que se abatiam sobre elas sob as mais diversas formas (secas, chuvas intensas e tempestades, inundações, sismos, erupções, pragas, epidemias). Durante muito tempo, também, as explicações fornecidas estiveram integradas em cosmologias ou narrativas que correspondiam a tipos de crenças mágicas ou religiosas que, ao mesmo tempo que davam um sentido ao cosmos e procuravam aliviar a ansiedade das sociedades antigas face à sua vulnerabilidade, legitimavam uma determinada ordem política e social.

No Ocidente europeu, foi sobretudo a partir do período renascentista que se assistiu ao emergir de novos discursos acerca da origem dos fenómenos naturais, ainda que a narrativa dominante permanecesse associada a visões religiosas ou mágicas — para não dizer supersticiosas: basta pensar na multiplicação de interpretações negativas, associadas ao Diabo, dos flagelos naturais e no número de processos por feitiçaria (HILDESHEIMER, 1990; MANDROU, 1968) — do mundo e também ao aumento de registos relativos à ocorrência desses mesmos fenómenos. A este respeito, importa saber se o crescimento verificado em relação aos registos correspondeu a uma efectiva maior frequência dos mesmos — pensemos, por exemplo, nos efeitos da Pequena Idade do Gelo, que alguns textos deste dossiê focarão —, a uma maior curiosidade pré-científica ou a um eventual uso político desse tipo de manifestações. Em suma, trata-se de uma questão heurística de crítica das fontes e da sua colocação em contexto, sendo certo que a sua distribuição é bastante assimétrica. Leia Mais

Violencia y Sociedad | Artificios – Revista Colombiana de Estudiantes de Historia | 2020

El presente dossier, Violencia y Sociedad, fue pensando originalmente a finales del 2019, sin tener en cuenta las condiciones de violencia actual por las cuales atraviesa Colombia. Hasta el 25 de agosto de 2020, han ocurrido 33 masacres, más de 20 en el octavo mes del año e, incluso, tres en tan solo 24 horas en diferentes departamentos. Estas cifras demuestran que la violencia en el país es algo vivo, actual y álgido. Mucha de la opinión popular gira en torno a recordar la coyuntura presente frente al periodo más difícil del Conflicto armado en Colombia, 1998-2002, cuando, al igual que ahora, se presentaba una sangrienta lucha por territorios, hegemonías, ideologías, etc.

Entender las diferentes morfologías que ha tomado la violencia en Colombia es complejo. Las formas, motivos, lugares, actores, etc., han ido cambiando y/o evolucionando en otras estructuras. Así, si bien la periodización en torno a la violencia es algo que levanta muchas discusiones. Podemos situar una violencia sistemática a partir de 1948, comenzando a visibilizarse, en los sectores urbanos, a principios de la década del 60. Esto nos lleva a considerar que la sociedad colombiana actual ha crecido y vivido en la violencia. Claramente, la afección de ella es mas directa y ruin para algunos; para otros meramente simbólica. Pero ello no invalida la huella imborrable que ha dejado aquel fenómeno en la sociedad en general. Leia Mais

História da Saúde e suas relações com a sociedade | Revista Hydra | 2020

Temos o grande prazer de apresentar mais um número de nossa revista discente do programa de pós-graduação da Universidade Federal de São Paulo. Apesar de todos os ataques que a pesquisa, as universidades e o serviço público de qualidade brasileiro vêm sofrendo nos últimos anos, a Hydra se fortalece. Indicativo disto é a grande quantidade de artigos submetidos para este número. Por isso, agradecemos todos e todas que submeteram os seus trabalhos, apesar dos nossos pesares.

Este número, em atenção aos problemas que surgiram com a pandemia em que vivemos, propôs um dossiê que dialogasse a história da saúde e com a nossa sociedade de maneira ampla. Entendemos que o problema em questão pode e deve ser debatido entre diversas áreas, mesmo que em uma revista acadêmica de História. Dessa forma, ficamos satisfeitos em receber artigos de pesquisadores de diversas áreas como arquitetura, direito, serviço social e saúde. Além disso, deve ser ressaltado o grande número de artigos escritos por pesquisadoras, um grande feito e que serve de esperança em meio a tantos retrocessos. Leia Mais

Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2020

A Revista Clio abre este número com a primeira parte do Dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia, que traz artigos voltados às interfaces entre o poder, as culturas políticas e a sociedade, a partir de perspectivas teórico-metodológicas que focalizem as rupturas, as permanências, os antagonismos e as ambivalências historicamente tecidas nas múltiplas formas de relações sociais entre as elites e as camadas populares no Brasil durante o século XIX, nas mais diversas dimensões de envolvimentos do poder e seus reflexos na sociedade e na economia. A inserção da esfera micro na dimensão macro, as atualizações e ressignificações do local e do regional diante das injunções produzidas pela dinâmica do global, como também apreender os processos e as tramas que singularizam as histórias do local e regional, e o espaço de negociação estabelecido pelos seus atores sociais instituídos nacionalmente. As práticas políticas, a cultura do clientelismo, a organização social e econômica, bem como a inserção e participação das famílias livres e pobres em meio ao universo escravista. As relações e articulações políticas, e econômicas, bem como o perfil dos movimentos sociais, entre os diversos atores, são fundamentais para entender a participação e o protagonismo político de diversos grupos de elite e das camadas populares no “longo século XIX”.

Os cinco primeiros artigos tratam do mundo rural no XIX, a partir do debate sobre o trabalho e as políticas de colonização. Abre esse bloco o artigo de Júlia Leite Gregory, Esquecidos, desclassificados e sem razão de ser? Revisitando a historiografia para localizar o pobre no mundo rural, que traz uma importante análise historiográfica sobre o universo das famílias de trabalhadores livres no meio rural nos séculos XVIII e XIX. Gregory focou sua investigação nos trabalhos que discutem as trajetórias e experiências dos lavradores na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, e mostra os avanços da historiografia em torno deste vasto grupo, que numericamente era maior do que o universo de trabalhadores escravos, mas que ainda apresenta várias lacunas em torno de temas importantes para a compreensão de um grupo complexo e heterogêneo, e que ainda constituem um campo “em aberto” às investigações dos historiadores.

Ainda sobre o universo das famílias livres e pobres do mundo rural no oitocentos, temo o segundo artigo de autoria de Leandro Neves Diniz, intitulado A política de mão de obra no Império brasileiro: da conturbada unificação à precarização do trabalho livre, que discute a precarização do trabalho livre na Paraíba após o fim do tráfico internacional de escravos na década de 1850. Diniz parte da análise do impacto das revoltas regenciais sobre o universo do trabalho livre, especialmente nas relações estabelecidas entre os pequenos lavradores e os grandes proprietários. A desarticulação do tráfico internacional tem destaque na análise de Leandro Diniz, que mostra que o fim da alternativa de renovação das senzalas, mesmo que pela obtenção ilegal de escravizados, criou uma série de ameaças aos libertos, além do direcionamento das políticas de estado para a solução da “crise de braços” para a contratação de imigrantes europeus, relegando-se a um segundo plano os lavradores livres e pobres nacionais. Um cenário que contribuiu para a precarização do trabalho livre no Brasil da segunda metade do século XIX.

As dinâmicas do mundo do trabalho e a superexploração de trabalhadores rurais são o tema do terceiro artigo do dossiê, de autoria de Christine Paulette Yves Rufino Dabat, intitulado Ópio e açúcar: o capitalismo e suas drogas na superexploração dos trabalhadores rurais (Índia e Brasil, séculos XVIII-XIX). Dabat realiza uma investigação comparativa entre o Brasil e Índia no “longo século XIX”, permitindo ao leitor uma boa experiência metodológica da história conectada, tão em voga em Portugal na atualidade. Nesse artigo são analisadas as cadeias produtivas do açúcar e do ópio e o impacto desses produtos no universo do trabalho. Esses dois produtos distintos em suas propriedades e efeitos foram utilizados na expansão na expansão industrial e colonial da Grã-Bretanha: o ópio para enfraquecer os trabalhadores chineses frente às imposições coloniais inglesas, o açúcar como fonte de energia para os trabalhadores na indústria.

Ainda em torno do debate sobre a questão da mão de obra e a colonização no Brasil oitocentista, temos em seguida o artigo de Marcos Antônio Witt, intitulado Projetos de desenvolvimento para o Brasil: imigração, colonização e políticas públicas, que analisa os projetos de imigração no Império do Brasil articulados com as mesmas políticas em curso nos países vizinhos, especialmente a Argentina, o Chile e o Uruguai. Witt discute esses projetos de colonização mostrando as suas várias faces: da questão da mão de obra às teses do “branqueamento”. Além disso, Witt inova o debate ao analisar os limites desses projetos no Brasil oitocentista, especialmente no caso da imigração alemã no sul do Brasil. As políticas imperiais em torno da imigração encontraram barreiras de origens diversas, que frearam os projetos do Império em torno da colonização europeia.

No processo de colonização o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas teve, a partir de 1860, um papel central. No quinto artigo dessa coletânea, Pedro Parga em seu trabalho intitulado O funcionamento da Diretoria de Agricultura e as solicitações de adiamento de prazo para medição entre 1873 e 1889, discute as políticas e o papel do órgão na promoção da colonização. Parga discute a atuação desta repartição nas solicitações de adiamento do prazo de medição e demarcação de terras e também na aplicação das leis agrárias oitocentistas. A investigação desses mecanismos permitiu uma análise dos interesses de grupos específicos articulados em tonos do Estado Imperial.

Em seguida temos um bloco de trabalhos voltados à História Política do Brasil Império. No sexto capítulo temos o artigo de Kelly Eleutério Machado Oliveira intitulado O tempo da província”: revisão bibliográfica crítica da política imperial no Brasil oitocentista, no qual analisa a abordagem historiográfica das províncias e das assembleias provinciais no debate sobre a construção do Estado nacional. Oliveira parte da discussão da obra de Francisco Iglésias sobre a Província de Minas Gerais que, para a autora, criou um divisor de águas na historiografia ao privilegiar a esfera da província na investigação. A partir da obra “Política econômica do governo provincial mineiro (1835-1889)” Kelly Oliveira percorre as obras herdeiras do legado de Francisco Iglésias, debatendo as correntes historiográficas formadas a partir das pesquisas em torno das administrações provinciais.

Em seguida temos o sétimo artigo, intitulado Rupturas e Continuidades na Assembleia Constituinte de 1823: a autoridade do monarca e o lugar do poder local, de autoria de Glauber Miranda Florindo, no qual analisa a estruturação do Estado brasileiro a partir da primeira constituinte do Brasil. Florindo parte da discussão da Constituinte de 1823 no que diz respeito ao debate em torno das administrações dos municípios e províncias. O autor mostra os caminhos percorridos em torno das reformulações das esferas municipais e provinciais, e como elas se apresentavam no debate em torno do pretendido equilíbrio dos poderes no arranjo monárquico-constitucional brasileiro. Glauber Miranda Florindo destaca em seu trabalho uma continuidade discursiva e prática, de alguns elementos oriundos do estado português antes da Constituição de 1822, a base da formação do Estado brasileiro. Florindo mostra as continuidades dos elementos basilares da velha ordem colonial na Constituinte do Brasil de 1823.

Sérgio Armando Diniz Guerra Filho, é o autor do nosso oitavo artigo, intitulado As Câmaras e o Povo: a crise antilusitana de 1831 no interior da província da Bahia, no qual analisa os acontecimentos políticos ocorridos no interior da província da Bahia que tiveram como pano de fundo a crise antilusitana de 1831. Guerra Filho centrou a sua análise na atuação das câmaras municipais, especialmente àquelas do recôncavo baiano, região de grande importância econômica e política para a Bahia. O autor trata das tensões e conflitos políticos ocorridos nestas localidades, demonstrando o impacto dos acontecimentos protagonizados pelos de setores populares nas deliberações das câmaras. Ainda discute a atuação política do povo em geral nesse processo, além dos posicionamentos das autoridades frente aos movimentos rebeldes de 1831 na Bahia.

Seguindo no debate sobre a política no Estado Imperial, o nono artigo cognominado O Visconde da Parnaíba e a construção da ordem imperial na Província do Piauí de autoria de Pedro Vilarinho Castelo Branco, no qual analisa a trajetória de Manuel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba, um dos personagens centrais da História do Piauí Oitocentista. Castelo Branco investigou a trajetória de vida do visconde, da sua construção a partir dos seus horizontes de expectativas no final do século XVIII, no Piauí. O autor mostra que, apesar das adversidades e das barreiras iniciais impostas pelos limites das suas redes de relações sociais, Manuel de Sousa Martins teve a oportunidade de utilizar as ferramentas de ascensão social presentes nas sociedades colonial e imperial, para si e sua parentela: poder, honra, prestígio social e patrimônio. Pedro Vilarinho Castelo Branco discute ainda a longevidade do visconde frente ao Governo Provincial do Piauí (1823-1843), mostrando várias faces da história política do Império na trajetória do Visconde da Parnaíba.

Amanda Barlavento Gomes é a autora do décimo artigo do dossiê, cognominado Negócios de família: políticos, traficantes de escravizados e empresários pernambucanos no século XIX. Gomes analisa a trajetória do comerciante pernambucano de grosso trato Francisco Antonio de Oliveira e seu filho Augusto Frederico de Oliveira, negociantes que aturam em diversos ramos do comércio e também no tráfico atlântico de escravizados. A autora mostra que em função da proximidade da Lei Antitráfico de 1831, eles diversificaram as suas atividades a partir de investimentos modernos de capitais e na fundação de empresas, contando com articulações políticas importantes dentro e fora do Império do Brasil. Amanda Barlavento Gomes analisou a atuação política desses personagens, que ocuparam os cargos de vereador e deputado geral, mostrando os mecanismos através dos quais eles defenderam os seus interesses familiares, especialmente a partir de suas redes de relações sociais com políticos e comerciantes, o elemento central para o sucesso financeiro da família.

Encerra esse bloco de trabalhos voltados à História Política o artigo de André Átila Fertig e Guilherme Gründling, intitulado Dos campos de batalha à Corte imperial: a relação entre os militares Visconde de Pelotas e Marquês do Herval através de suas correspondências (1869-1879). Fertig e Gründling abordam a trajetória política dos militares sul-rio-grandenses José Antônio Correa da Câmara (Visconde de Pelotas) e Manoel Luís Osório (Marquês do Herval) na segunda metade do século XIX, especialmente as suas articulações após a Guerra do Paraguai. Os autores investigaram as correspondências trocadas entre eles, tecendo uma interessante análise do fenômeno histórico do ingresso de militares no sistema político nas últimas décadas do Império do Brasil.

O décimo segundo artigo do dossiê é de autoria de Carlos Alberto Cunha Miranda, intitulado Médicos e engenheiros no Recife oitocentista: higienismo, implantação de projetos arquitetônicos e de serviços urbanos. Carlos Miranda analisa alguns aspectos dos saberes médicos na cidade do Recife, na perspectiva de implantação de um urbanismo higiênico no século XIX. Neste trabalho foi mostrado que o alto índice de epidemias e de insalubridade dos lugares públicos passou a preocupar os médicos, engenheiros e autoridades governamentais que, a partir daí, procuraram intervir no espaço urbano, nos novos prédios públicos, nos serviços de abastecimento de água e no saneamento, com o objetivo de modernizar a cidade e diminuir o perigo das epidemias que assolavam a Província de Pernambuco, especialmente a cidade do Recife no século XIX. Miranda discute a influência dos médicos e engenheiros nas construções de novas edificações e na implementação de serviços urbanos.

Encerra o Dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia o artigo de Vandelir Camilo, intitulado Homem de cor: as performatividades de um “mulato” frente ao racismo Doutor José Mauricio Nunes Garcia Junior (1808-1884). Camilo analisa a trajetória de vida de José Mauricio Nunes Gracia Junior, um homem de cor que, apesar das adversidades do racismo no XIX e ciente das suas estratégias de sobrevivência naquele meio, logrou a formação na Academia Médico Cirúrgica em 1831, e ainda alcançou a docência Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e na Academia de Belas Artes. Vandelir Camilo traz uma perspicaz análise de temas como a liberdade e cidadania no Brasil Império a partir deste estudo de caso.

Cristiano Luís Christilino – Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professor adjunto na Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: christillino@hotmail.com ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0002-9683-2885

Suzana Cavani Rosas – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professora associada na Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: suzanacavani@uol.com.br ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0001-5528-0909

Maria Sarita Cristina Mota – Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente é Investigadora Integrada do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia. E-mail: Sarita.Mota@iscte-iul.pt ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0002-1705-3999


CHRISTILINO, Cristiano Luís; ROSAS, Suzana Cavani; MOTA, Maria Sarita Cristina. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.38, n.2, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (II) / Vozes Pretérito & Devir / 2020

[Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (PARTE – II) ]. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.11, n.2, 2020. Acessar dossiê [DR]

Relações Étnicas: Racismo, Educação e Sociedade / Revista Trilhas da História / 2020

Em 2019, a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas, sediou o evento intitulado Simpósio Multidisciplinar de Relações Étnicas: Racismo, Educação e Sociedade. O evento fora construído por várias mãos, na tessitura de práticas e diálogos entre cursos de licenciatura do campus, especialmente os cursos de História, Geografia e Pedagogia, representados por docentes e discentes comprometidos / as com a educação para as relações étnico-raciais. Além dos temas candentes para o debate das relações étnico-raciais, o encontro foi bem sucedido por conseguir reunir vozes negras e indígenas protagonizando os diálogos estabelecidos nas mesas redondas, simpósios temáticos, lançamentos de livros e atividades culturais. Eventos desta natureza têm como justificativa a urgência da produção de um novo estradar da universidade, desenhando bifurcações necessárias entre a educação e a luta antirracista.

Uma busca no Google de eventos acadêmicos ocorridos em novembro de 2019 possivelmente aponte para muitos outros lugares e entidades que realizaram atividades voltadas à semana da Consciência Negra naquela conjuntura. Provavelmente também o crescimento do número de pesquisas, ações e projetos a extrapolar a efeméride, seja uma realidade e uma conquista de que nos sentimos parte e que devem ser comemoradas. No entanto, passado um ano, perscrutando um olhar retrospectivo, concluímos que estamos longe de empreender uma alteração efetiva no estado de coisas e no cenário de violência que o racismo estrutural engendra. Ao adentrarmos o ano de 2020, pudemos constatar, não sem tristeza e indignação, que os passos são ainda muito curtos, apesar de tão necessários.

Marcado pelo advento da pandemia do novo Coronavírus, o ano de 2020 escancarou o racismo estrutural e aprofundou a chaga do negacionismo. Logo nos primeiros meses da conjuntura pandêmica, o mundo assistiu ao levante estadunidense em reação ao assassinato de George Floyd, um homem negro morto por um policial branco, em 25 de maio, na cidade de Minneapolis, em mais uma das abordagens violentas das instituições policiais sobre as populações negras, mas que, naquela ocasião, fora filmada e exposta nas mídias globais. Homens e mulheres de todo o planeta assistiram ao terrível assassinato daquele cujas últimas palavras foram: “eu não consigo respirar”. O fato foi corretamente lido pela sociedade como violência racista e a repercussão se politizou, fazendo emergir dali o movimento mundial intitulado “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam). Demonstrar que a abordagem policial difere a partir de marcadores de cor, evidenciando que a sociedade é amplamente racializada, foi um objetivo trilhado pelo movimento, apesar de persistirem visões negacionistas teimando em retrucar pelas redes que “todas as vidas importam”, numa tentativa de apagamento do racismo como causa estrutural da morte de Floyd. Não é exagero dizer que a sensibilização estadunidense frente a este fato pode ter abalado o destino das eleições presidenciais dos Estados Unidos, uma vez que a resposta do líder máximo do executivo naquele momento não destoava da onda negacionista e mesmo não se distanciava de grupos de supremacia branca naquele país.

Aqui no Brasil, os primeiros sinais de que a epidemia também seria uma tragédia racializada vieram antes e foram, respectivamente, a notificação da primeira morte por Covid-19, no país, de uma empregada doméstica, e a evidente negligência do Estado contra os povos indígenas no combate à disseminação do vírus entre as comunidades. O Instituto Socioambiental apontou para essa omissão argumentando que o Estado inclusive ajudou a espalhar a doença entre os povos originários, por meio de profissionais da saúde que levaram o vírus para aldeias, como também pelo silêncio sobre garimpeiros e grileiros que aumentaram as invasões na Amazônia durante a pandemia e, ainda, pelo fato de indígenas terem de buscar o auxílio emergencial nas cidades.[1]

Em maio de 2020, uma operação policial resultou na morte de uma criança de 14 anos, dentro de sua casa, em São Gonçalo, Rio de Janeiro. João Pedro era mais um garoto negro, morador do complexo de favelas do Salgueiro, e sua morte expôs a terrível tradição da abordagem policial onde se concentram os pobres e negros das periferias que, como afirmava Carolina Maria de Jesus, constituem o “quarto de despejo” da sociedade.

Pouco tempo depois, em 02 de junho, fomos surpreendidos com o desfecho de uma tragédia a ser evitada se nosso povo pudesse se libertar da sua própria história, superando as dores e desigualdades infligidas, sobretudo, nas intersecções de raça, gênero e classe. Naquele dia, na cidade de Recife, morreu o menino Miguel ao cair da altura do nono andar de um prédio. Sua morte foi definida pela ONU como decorrente do racismo sistêmico, pois Miguel era uma criança negra e estava sozinho naquele andar por conta da negligência da patroa de sua mãe. A mãe de Miguel, Mirtes Souza, mulher negra, havia saído para passear com o cachorro da patroa. Assim como a sua própria mãe, era empregada doméstica e não pode contar com o direito ao isolamento social preconizado pela Organização Mundial da Saúde – OMS.

Djamila Ribeiro, ao refletir sobre o fato, expôs sua relação inegável com um passado colonial que teima em se reproduzir. Em texto publicado em 09 de julho no Jornal A Folha de São Paulo, a filósofa afirmou que era preciso atentar para algo insistentemente invisível, “o serviço doméstico em meio à pandemia, a hierarquização de vidas. A patroa que faz as unhas, enquanto Mirtes Souza, empregada doméstica, passeia com o cachorro”. Para esta autora, Miguel “provou uma experiência comum para pessoas negras no país: ser uma presença indesejada, uma chateação preta no momento de vaidade da família branca”. Mas, como compreender que a queda e morte de uma criança é resultado de racismo? O que é preciso reconhecer por detrás do elenco de fatos imediatos daquele 02 de junho como fios invisíveis e históricos que colocam o menino Miguel, de apenas cinco anos, naquele elevador, cujos botões foram apertados pela patroa branca, primeira-dama de um município que tampouco ela residia?

Na época dos fatos foram ventiladas as noções de racismo estrutural e sistêmico em algumas reportagens e programas de repercussão que visavam explicar os acontecimentos a partir de leitura sociológica apontando que o racismo não se resume a práticas individuais, conscientes e isoladas, de aviltamento direto contra homens, mulheres e crianças lido a partir de marcadores raciais erigidos em processos de colonização eurocentrados. Um dos autores que se fez presente no debate público foi Silvio de Almeida, para quem o racismo é estrutural e também institucional, pois nossas ações e comportamentos “são inseridos em um conjunto de significados previamente estabelecidos pela estrutura social. Assim, as instituições moldam o comportamento humano, tanto do ponto de vista das decisões e do cálculo racional, como dos sentimentos e preferências”.

Apesar da repercussão destes e de outros casos, que incluiu até um movimento pela derrubada de estátuas e monumentos colonialistas ao redor do mundo, as dores da família de Floyd, de João Pedro e de Miguel, bem como os debates trazidos às superfícies das mídias e redes sociais não foram suficientes para produzir uma fissura sistêmica ou estrutural que interrompesse o ciclo histórico de violência infligida aos povos subalternizados e marcados pela negritude dos seus corpos.

Ao completarmos um ano de nosso evento, às vésperas do Dia da Consciência Negra de 2020, João Alberto Freitas, de 40 anos, foi tratado como criminoso, espancado e morto por seguranças no estacionamento de uma unidade do supermercado Carrefour em Porto Alegre. Seu crime: ser negro no Brasil. Mas, igualmente, como ocorreu com os tristes exemplos que elencamos acima, não foi dito a Beto que ele pagava com a vida por sua negritude, pois o racismo que impele as instituições a detratarem e destruírem pessoas negras só pode ser percebido pelo escancaramento do absurdo que se pensaria caso o evento ocorresse inversamente, com pessoas brancas. Só parece possível produzir alguma consciência e educação das relações étnico-raciais que superem as estruturas racistas quando o conjunto da sociedade assumir essa tarefa e, sobretudo, as pessoas brancas admitirem sua importância na luta antirracista, quando forem capazes de presumir seus privilégios invisíveis como serem tratados / as como pessoas sem previamente serem suspeitas. Grada Kilomba, em entrevista à já citada Djamila Ribeiro, alertou que “as pessoas brancas não se veem como brancas, se veem como pessoas. E é exatamente essa equação, ‘sou branca e por isso sou uma pessoa’ e esse ser pessoa é a norma, que mantém a estrutura colonial e o racismo”.

Os casos de violências tão terríveis como estes ocorridos após o nosso evento tensionam nossa própria esperança. Além das mortes decorrentes do racismo estrutural, que foram em número maior do que podemos supor aqui, também os casos de preconceitos e prejuízos produzidos pela omissão no combate ao racismo, e mesmo por sua reprodução, projetam cotidianamente os brancos / as ao centro e os negros / as e indígenas às margens. Basta lembrarmos do caso da entrevista da cofundadora do Nubank, Cristina Junqueira, ao programa Roda Viva (TV Cultura) do último 19 de outubro, em que afirmou, sobre contratar pessoas negras a partir de políticas afirmativas, que o banco não poderia fazê-lo pois não dá para “nivelar por baixo”.

Estas dinâmicas se beneficiam do silenciamento e da normatização e mantêm engrenagens muito antigas que, a despeito da centenária resistência, dos aquilombamentos e retomadas, das emancipações individuais e das pequenas conquistas legais, asseveram o fosso social que persiste e se desnudou ainda mais com a pandemia. A doença foi pior e, de fato, mais letal para aqueles e aquelas que já são atravessados pela chaga do racismo. A publicação do GT de Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), fundamentada na perspectiva de que a OMS, “concebe o racismo como um dos determinantes sociais do processo de adoecimento e morte”. Os autores / as consideram que “os desdobramentos da pandemia da Covid-19 numa sociedade estruturada pelo racismo penaliza grupos vulneráveis, especialmente entre pessoas negras, está diretamente relacionado à policrise sanitária, social, política, econômica, moral, crise na globalização e os fluxos migratórios etc”.

Produzir mudança que salve vidas implica uma tarefa de arco revolucionário e, na educação, uma radicalidade emancipadora. Com efeito, a denúncia e o anúncio, sejam eles viralizados pelas câmeras e redes que hoje podem contribuir com a desnaturalização da violência racial, seja na reunião de pessoas dispostas a dar um passo em outra direção, isto é, na direção da luta antirracista, é o trabalho de formiguinha a que temos de nos comprometer nas nossas rotinas de trabalho, estudos, nos almoços de família, nas rodas de conversas, no chão das escolas, de forma coletiva, perene e intransigente. É neste compromisso que trazemos e apresentamos o Dossiê Relações étnicas – Racismo, Educação e Sociedade.

Como já salientamos, sua proposta nasce do Simpósio Multidisciplinar de Relações Étnicas, mas ganha novo fôlego ao revisitarmos as experiências do ano que decorreu de lá pra cá, com a pandemia da Covid-19 e do racismo. Se alcançamos, na época, o bonito objetivo de construir um espaço pluralmente atravessado por olhares decoloniais, narrativas indígenas, vozes negras de homens e mulheres, estéticas diversas, em ações potentes e resistentes na denúncia das várias formas de opressão que marcam a nossa sociedade, como também de (re)existências a demarcar a educação como instrumento de luta e vivida / produzida pela ação humana no tempo, agora, compreendemos que o dossiê alimenta o anseio de manter vivo este espaço como marco de luta e esperança. Os textos, assim como o simpósio, também se constituem numa treliça interdisciplinar e trazem esta dimensão de enfrentamento aos muitos racismos, como os vividos nos espaços escolares, mas ainda em outros lugares da sociedade e a envolver sujeitos diversos, como negros e negras, indígenas e ciganos.

O texto Cabelo crespo, corpo negro na luta cultural por representação afirmativa da identidade negra, da historiadora e militante negra, Celia Regina Reis da Silva, apresenta densidade teórica e trabalho com as fontes na abordagem de uma temática de suma importância para o Dossiê ao estudar o corpo negro e o cabelo crespo, em vista da discriminação vivida por crianças, adolescentes e jovens, tanto no espaço escolar quanto em outros lugares da sociedade. Mas apresenta também o seu reverso, ou seja, as múltiplas manifestações culturais da juventude negra de São Paulo, especialmente das periferias, na denúncia desta situação e na apresentação, vivência e (re)existência de outras práticas que implicam a valoração das vidas negras, na sua mais ampla acepção. Ao discutir essas questões no ambiente escolar, a autora denuncia como a escola acaba por ser este lugar de segregação e racismo se não problematiza-los em suas raízes e efetivar práticas antirracistas em seu cotidiano. Desse modo, o texto é um alento para pensarmos questões fundamentais na apreensão das múltiplas formas de luta, especialmente na abordagem do corpo e do cabelo negros e na criatividade das periferias na reinvenção de outras práticas que vão de encontro à violência contra pretos e pretas.

O texto A lei 10.639 / 2003 e o Programa Nacional da Biblioteca na Escola do ano de 2013: Como a temática étnico-racial tem sido tratada pelo programa dez anos após a sua implementação, de Felipe Lima e Jaqueline Santa Bárbara, traz uma temática muito relevante para a Educação e a História, ao abordar a forma como os negros e negras vem sendo retratados na literatura infantil, especialmente como se constitui (ou se nega) a identidade negra, a partir da análise de livros disponibilizados pelo PNBE / 2013, dez anos após a Lei 10.639 / 03. Desse modo, ao entrevistar duas professoras que trabalham com o ciclo fundamental e analisar 60 livros enviados para as escolas brasileiras, os / as autores / as abordam uma discussão fundamental acerca das questões étnico-raciais e do trabalho desenvolvido em sala de aula.

O texto ‘E se fosse o contrário?’ Djonga e Fanon: um diálogo sobre racismo e alienação, de Fábio Silva Sousa e Rogério Leão Ferreira, ao trabalhar duas linguagens diferenciadas (um autor e um videoclipe), traz uma contribuição necessária para a análise do racismo e das formas de opressão que marcam a sociedade no Brasil e em outras partes do globo. Ao discutir Frantz Fanon e sua obra “Pele negra, máscaras brancas”, e o Rapper Djonga, numa linguagem explícita e até direta, por vezes, ao confrontar-se com a alienação do negro, o texto problematiza a quem favorece a identificação com o branco e nos aponta caminho para superarmos o racismo impregnado em nosso tecido social.

O texto Entre o sul e o norte de Mato Grosso: doenças, conflitos e a exclusão da liberdade (séculos XVIII e XIX), de uma das autoras desta apresentação e de Rafaely Zambianco Soares Sousa, discute temas como doenças, conflitos e a exclusão da liberdade na história dos negros e negras escravizados entre o norte e sul de Mato Grosso. Ainda que não se refira diretamente à temática das relações étnico-raciais, possibilita a compreensão de um cenário em que imperavam doenças e insalubridades no Brasil Oitocentista, em particular incidindo sobre a vida dos negros e negras, escravizados e libertos. Contrapondo-se às mazelas que marcaram mais de 350 anos de escravidão temos também, nesta história, o desejo e a busca pela liberdade, como expõe uma das fontes de 1872, em que liberdade, vida, doença e morte se entrelaçaram pelos caminhos e arredores do Cuyabá. Ao conhecermos o passado suas lições nos ensinam a necessidade do combate ao racismo no presente, em todos os lugares em que ele se estrutura, pois, comumente, a sua história é a de permanência da injustiça, da Colônia ao século XXI, mas também de muitas lutas ao longo do tempo.

O texto O ‘Nobre educador’ da Bahia: trabalho, cidadania e sociabilidades, de Sivaldo dos Reis Santos, ao discorrer sobre a trajetória do professor negro Elias de Figueiredo Nazareth, que fora docente e diretor da Escola Normal da Bahia, contribui com novas análises podendo dar visibilidade historiográfica aos trabalhadores negros que vivenciaram momentos sociais de tensão e mudanças entre o fim do século XIX e começo do XX. Apresentando fontes da Hemeroteca Digital Brasileira como jornais, revistas e relatórios de autoridades públicas na área da educação, da segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX, o texto propõe uma ruptura sobre aquilo que Chimamanda Adichie chamou de “uma história única”, que comumente naturaliza um lugar específico para determinados sujeitos nas narrativas da história e que pode ser tensionada com pesquisas que desvelem a agência de homens e mulheres a se desviarem desses lugares atribuídos arbitrariamente, e não sem resistências coletivas e individuais, evidentes nestas obras.

A interpretação acerca dos Suruí / Aikewara e a Guerrilha do Araguaia: memórias de uma história em movimento, dos autores Andrey Minin Martin e Iolanda de Araújo Mendes, evidencia pesquisa empírica, especialmente na produção das fontes orais. Ao narrar as memórias da guerrilha do Araguaia, os autores dão conta de explicitar os marcos de memória impressos pela ditadura militar, assim como a reconstrução do direito moral à terra e, inclusive, à reivindicação à expansão de seus limites. Ao contribuir para a história indígena, o texto explicita a proximidade com a temática do racismo, porque também esses grupos, os povos originários, vivem na pele, no corpo, na carne, a violência que marca a nossa história, do passado ao tempo presente. Reconstituir uma história de lutas e uma reivindicação de memórias é fundamental para não deixar que estas histórias sejam silenciadas, especialmente no contexto da ditadura civil-militar.

Marcio Edovilson Arcas e Ademilson Batista Paes, em A invisibilidade / camuflagem cigana: uma análise sobre a representação dos ciganos no olhar do Gadje (não-cigano) apresentam uma reflexão basilar para a análise da representação dos ciganos na Literatura e em outras fontes trabalhadas em sala de aula. Os autores problematizam como o mito construído em torno dos ciganos desvela a inexistência da alteridade face a esses povos, prevalecendo interpretações centradas na discriminação, intolerância, racismo e violência. Diante disso, a invisibilidade dos ciganos é apontada e denunciada pelos autores, fazendo-nos entender o quanto o racismo também se estrutura na negação da diferença e no desconhecimento de outros grupos sociais.

Este Dossiê, ao sistematizar reflexões de diferentes grupos, com autorias de diferentes áreas, apontando para o quanto nos constituem enquanto um mosaico carregado de belezas, ambiguidades, contradições, pode contribuir para a humanização desses temas, mas mais que isto para a percepção de que nos constituímos das diferenças que devem ser valorizadas positivamente na acepção mais ampla da palavra, fazendo com que o antirracismo seja a tônica de nossas ações, dos nossos compromissos com a vida, com as histórias e memórias de George Floyd, João Pedro, Miguel e Beto, de Marielle Franco e de tantas outras…, na relação dialógica da teoria e práticas imbricadas e constituídas de gente em sua diversidade.

Nota

1. Sobre tais argumentos e para acompanhar o programa de observatório do instituto frente à pandemia nos povos indígenas, acesse https: / / covid19.socioambiental.org /

Maria Celma Borges

Mariana Esteves de Oliveira


BORGES, Maria Celma; OLIVEIRA, Mariana Esteves de. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.10, n.19, jul. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (PARTE I) / Vozes Pretérito & Devir / 2020

No dia 12 de fevereiro de 2020, enquanto estávamos às vésperas da publicação deste Dossiê, intitulado Sociedade Cultura e Trabalho: diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural, completou quinze anos do assassinato da Ir. Dorothy Stang, em Anapu, na Prelazia do Xingu, no Pará, em 12 fevereiro de 2005, morta com seis tiros em uma emboscada por contrariar interesses de grupos poderosos empenhados na devastação da floresta amazônica e expulsão das populações tradicionais. Dorothy, natural de Dayton, Estado de Ohio, Estados Unidos, no dia 07 de junho de 1931, teve sua trajetória pastoral e social associada aos direitos ambientais e às causas dos trabalhadores rurais nos confins da Amazônia. Trabalhadores rurais migrantes, especialmente do Nordeste, em condições de trabalho escravo, povos tradicionais e indígenas, enfrentam um contexto de exploração e poder do latifúndio na Amazônia. Dados do IBGE (2006) apontam o Brasil como um dos países que possuem estruturas fundiárias mais concentradas no mundo, a maioria sob o controle hegemônico do agronegócio nacional. Por sua vez, os conflitos no campo e luta pela terra avançam e se perpetuam pelos confins do Brasil com aumento do número de mortes, expulsões, torturas e ameaças, compilados e divulgados anualmente pela Comissão Pastoral da Terra – CPT. O assassinato da Ir. Dorothy endossa o cenário de violência e assassinatos de lideranças rurais.

A concentração fundiária que impende o acesso à terra por milhares de trabalhadores rurais como o avanço da grande fronteira livre, mantém famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais aprisionadas à condições históricas de exploração na terra e vulneráveis à migração para o trabalho forçado / escravo, prática contínua transmitida a gerações sucessivas. Nesse sentido, tomamos para o debates sobre o Mundo Rural a percepção de suas fronteiras fluídas, para além da sua compreensão política uma fronteira de muitas e diferentes coisas, como enumera José de Sousa Martins: “fronteira de civilização (demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo, sobretudo, fronteiras do humano” (2014, p.11).

Diante desse quadro, e atentos que a problemática entorno da terra, trabalhadores e fronteiras deve ser pensada desde diferentes ângulos, sociológicos, antropológicos, culturais, econômicos e históricos, provocamos a realização de um Colóquio com posterior produção de Dossiê homônimo, no sentido de elaborar reflexões sobre a questão, repensar os modos de vida e trabalho no Mundo Rural como também estimular o desenvolvimento de ações voltadas para esse campo. Este dossiê é resultado do esforço dos pesquisadores das áreas de História, Ciências Sociais e Pedagogia, reunidos em torno das atividades do Núcleo de Documentação e Estudos em História, Sociedade e Trabalho – NEHST da Universidade Estadual do Piauí – UESPI.

Os artigos selecionados para o Dossiê e Seção de Artigos Livres, foram apresentados em comunicações orais do Colóquio no qual foram reunidos pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento provenientes de diferentes IES, da região Nordeste do país. Os autores / as entrecruzam diferentes formas de lidar com a pesquisa, desvelam fronteiras fluidas entre as disciplinas e apresentam possibilidades de análise das vidas de sujeitos históricos específicos: migrantes, trabalhadores, rurais e urbanos, escravizados e indígenas em contextos e temporalidades diversos.

No artigo intitulado Entre bons patrões e trabalhadores obedientes? Terra, trabalho e resistências em Miguel Alves / Piauí. (1950-1990), Marcelo Aleff de Oliveira Vieira e Eurípedes Antônio Funes, analisam as relações sociais estabelecidas entre trabalhadores rurais e proprietários de fazendas de Miguel Alves. Teresina, município situado na região Meio Norte piauiense, cenário de múltiplas disputas e tensões no campo.

Em A seca de 1888 / 1889 e seus efeitos na província do Piauí representada no periódico A Imprensa, Marcus Pierre de Carvalho Baptista, Francisco de Assis de Sousa Nascimento e Elisabeth Mary de Carvalho Baptista, a partir de pesquisa bibliográfica e documental hemerográfica, por meio do periódico A Imprensa, evidenciam elementos impostos no contexto da seca à população da província: morte do gado, das plantações, aumento de preço de alimentos e, notadamente, a migração de pessoas de províncias próximas, acarretando outros problemas.

Helane Karoline Tavares Gomes em Etnicidade e mobilização indígena: estratégias de reivindicação e demarcação das áreas indígenas no Estado do Piauí (2000-2018), analisa as estratégias utilizadas no processo de reivindicação ao acesso à terra pelos povos indígenas do Piauí entre 2000 a 2018. O estudo sobre as mobilizações sociais indígenas associadas à construção das etnicidades e reconhecimento da história desses sujeitos inaugura uma nova página da história indígena do Estado.

Em Migrações Ceará- Piauí (1940-1970): Elucidando algumas razões para migrar à luz de narrativas orais, Lia Monielli Feitosa Costa apresenta estudo acerca dos movimentos migratórios do Ceará para o Piauí, no período de 1940-1970, tendo como veículo de ideias e aportes teóricos o testemunho oral de trabalhadores campesinos. Segundo a autora, o deslocamento de trabalhadores cearenses pode ser entendido através do estudo da formação das tendências dos fluxos migratórios, cujas redes de sociabilidade foram delineadas com lastro na década de 1930, período no qual projetos pessoais e coletivos sofreram influência a partir de experiências de migração em direção ao Piauí, que persistiram ao longo das décadas seguintes.

No artigo, A seca de 1979 através do cotidiano dos trabalhadores de Bocaína, Picos- PI (1979-1996) as autoras, Cristiana Costa da Rocha e Milena de Araújo Leite analisam a partir da documentação relacionada ao projeto de construção da Barragem de Bocaína e das narrativas orais, situações que evidenciem as relações de trabalho estabelecidas no contexto dessa obra considerando os conflitos, salários, carga horária, condições de trabalho, e os equipamentos utilizados por esses trabalhadores.

Em A Repartição Especial de Terras Públicas na Província do Piauí (1858-1860): política, burocracia e mediação de conflitos, Cássio de Sousa Borges apresenta a atuação da Repartição Especial de Terras Públicas na Província do Piauí, entre os anos de 1858 e 1860. Mobilizada sua criação pelo Decreto Imperial nº 1318 de 30 de janeiro 1854, que regulamentou a execução da Lei de Terras de 1850, a criação desta repartição pública, com sede em Teresina, foi a primeira experiência de gestão fundiária das terras do Piauí após o fim do sistema colonial de sesmarias.

Em “Era liberto e hoje privativamente é captivo”: Ação de liberdade na cidade de Teresina em 1860, Talyta Marjorie Lira Sousa Nepomuceno estuda as demandas judiciais acerca dos processos de liberdade, demonstrando a relação conflitante entre os senhores e escravizados e a interferência do Estado no processo de negociação. A autora toma como fontes para o estudo os registros das cartas de alforria nos Livros de Notas e Ofícios do Cartório de 1º Ofício de Notas da cidade de Teresina; os relatórios de Presidente de Província; e uma ação de liberdade registrada na Secretária de Segurança Pública da Província do Piauí em 1860.

Em O Vínculo com a Terra e as Diferentes Categorias de Trabalhadores Rurais Livres no Piauí Oitocentista, Ivana Campelo Cabral, dialoga sobre sociedade rural no Piauí oitocentista marcada pela presença de sujeitos diferenciados em decorrência das funções que desempenhavam e a posição jurídico-social que ocupavam. Assim, a autora apresenta e caracteriza cada uma das categorias, expondo suas semelhanças, diferenciações e as atividades desenvolvidas por cada uma destas.

No artigo intitulado Pensamento ecológico de Gilberto Freyre na obra nordeste sob o olhar da história ambiental, Daniela Fontenele Rocha e Francisco Gleison da Costa Monteiro analisam como Gilberto Freyre na obra Nordeste, publicada em 1937 pela editora José Olympio discute temáticas semelhantes à História ambiental, e suas contribuições para estruturação desse campo de saber constituído na década de 1970. Para tanto, os autores levaram em consideração a análise do contexto de produção da obra e do conhecimento que proporcionou a escrita do autor. Tais proposições os induziram a buscar indícios para mapear a formação de Freyre e as articulações travadas, com autores e correntes, no âmbito de suas influências na produção textual e a ensaiar o pensar ecológico como ponto nodal de sua composição textual.

Alcebíades Costa Filho, Francisco Rairan dos Santos Vilanova e Salania Maria Barbosa Melo, no artigo intitulado O cultivo de alimentos em áreas do leste do Maranhão: Um olhar para o município de Matões, refletem sobre a cultura de gêneros alimentícios que se instalou nos municípios do leste maranhense no século XVIII, correlacionada com a pecuária, atividade econômica considerada pela historiografia como de fundamental importância na ocupação do território.

No artigo (Re)Configurações das Imagens do Sertão no Cinema Brasileiro, José Luís de Oliveira e Silva no sentido de pensar a construção imagética do sertão no cinema brasileiro, propõe uma reflexão mais ampla sobre a relação entre o fazer historiográfico e os usos de narrativas ficcionais, não para hierarquizar ou opor uma à outra, mas como forma de perceber os modos como a ficção extrapola os aspectos da temporalidade vivida, habilitando-se a materializar, de forma imaginativa, os possíveis não realizados da história.

Em O movimento dos trabalhadores sem teto e a luta pelo direito à cidade em Recife, Igor de Meneses Silva, Jennyfer Annemberg Burlamaqui das Neve e Jully Gardemberg Burlamaqui das Neves abordam luta do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Recife, tendo como objetivo analisar as dificuldades encontradas e as ações estratégicas que podem ser adotadas pelo movimento na luta pelo reconhecimento do direito à moradia digna na capital de Pernambuco.

Em Reforma Trabalhista, precarização do trabalho e imperativos do capital, André Conceição de Sousa e Patrícia Soares de Andrade analisam alguns pontos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467 / 17) no que diz respeito a flexibilização do trabalho. Segundo os autores a reforma trabalhista ampliou as possibilidades de flexibilização do trabalho, seja através da terceirização, trabalho em regime parcial ou mesmo intermitente, buscando atender a interesses de instituições internacionais e nacionais, respondendo também aos imperativos da acumulação de capital.

Yasminn Escórcio Meneses da Silva e Marcelo de Sousa Neto no artigo intitulado Sob o Signo das Águas e do Esquecimento: trabalho feminino e modernização dos espaços sob olhar das lavadeiras de roupas (Teresina, década de 1970) utilizam a História Oral para compreender a atividade das lavadeiras de roupas na cidade de Teresina na década de 1970, para tanto consideram o constante aumento de mulheres nas margens dos rios na execução da tarefa, como parte dos resultados da intensa migração que se tornou frequente nos anos que sucederam o chamado período do “milagre econômico” dos governos militares, ampliando o número de pessoas sem renda e sem perspectivas nas capitais brasileiras em busca de melhoria de vida.

Na Seção Especial do Dossiê, Maurício Fernandes faz uma abordagem filosófica no artigo intitulado Tecnologia e Ruralidade: Considerações a partir da Tese da Colonização de Jürgen Habermas. O autor discute a problemática do avanço tecnológico no campo tendo como recorte norteador a teoria comunicativa de Jürgen Habermas, e dentro desta, mais precisamente, a tese da colonização. Nesse sentido, analisa o conceito de colonização utilizado por Habermas, que fornece elementos enriquecedores para uma compreensão do atual quadro de desenvolvimento do campo, bem como, uma compreensão dos problemas que envolvem os usos da tecnologia no âmbito do campo.

A edição está dividida em duas partes, além do Dossiê na seção de Artigos Livres os autores analisam fenômenos históricos, sociais, políticos e culturais da história e cultura regional, a partir de múltiplos objetos; ainda assim, aponta perspectivas que se desenrolam no tempo presente e tal é a complexidade que as envolvem que nos contentamos em ser Ciência e não fazer exercícios de natureza profética.

Antonio Alexandre Isídio Cardoso – UFMA

Cristiana Costa da Rocha – UESPI

José da Cruz Bispo de Miranda – UESPI

Robson Carlos da Silva – UESPI

Salania Maria Barbosa Melo – UESPI / UEMA

Teresina, maio de 2020


CARDOSO, Antonio Alexandre Isídio; ROCHA, Cristiana Costa da; MIRANDA, José da Cruz Bispo de; SILVA, Robson Carlos da; MELO, Salania Maria Barbosa. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.11, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

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A História vai ao público: universidade, sociedade e o negacionismo | Revista Hydra | 2019

A Revista Hydra tem a alegria de tornar pública mais uma de suas edições, reafirmando seu compromisso com a divulgação de pesquisas científicas da área de humanidades. Essa preocupação tem ainda mais urgência em nosso tempo presente. Esse tempo, em que tudo corre mal e as inseguranças aumentaram, tornou imperativo que a ciência precise provar o seu valor diariamente diante de um ataque constante e calculadamente destruidor por parte do próprio Governo deste país.

Os cortes orçamentários e a diminuição dos números de bolsas para as pesquisas de pós-graduação, as tentativas de controlar internamente as Instituições de ensino e pesquisa e as calúnias lançadas, ao que parecem, fazem parte de um mesmo propósito: enfraquecer essas instituições, que são sólidas e democráticas, diante da sociedade de modo que os questionamentos por elas levantados não ofereçam nenhum risco imediato. É o caso de negar, de forma autoritária e sem dados de contra prova, as informações apresentadas pelo Inpe sobre o crescimento do desmatamento. E de acusar, sem provas, as Universidades Públicas de fugirem de seu papel ao manterem vínculos irregulares com determinados tipos de plantações. Uma acusação tão vergonhosa que é até mesmo difícil descrevê-la neste texto. Leia Mais

Catolicismo, poder e sociedade / Faces de Clio / 2019

Com muita satisfação, a Revista Faces de Clio lança o dossiê Catolicismo, poder e sociedade (Julho – Dezembro de 2019). O presente arquivo reúne artigos de historiadores e cientistas da religião sobre as relações do catolicismo para com as instituições políticas e sociais em diferentes contextos históricos, considerando não apenas os espaços oficiais ou teológicos da Igreja Católica, mas também as suas manifestações não oficiais ou populares.

Visando facilitar a difusão dos nossos artigos, damos início a uma nova fase da Revista, que agora se integra ao novo Portal de Periódicos da Universidade Federal de Juiz de Fora. Com nosso novo site (OJS 3), teremos todo o fluxo editorial administrado na plataforma, facilitando a comunicação entre autores, editores, pareceristas e leitores.

Iniciamos este número com o artigo de João Antônio Fonseca Lacerda Lima, que analisa a importância das cerimônias católicas nos vários âmbitos dos bispados do Maranhão e do Pará, desde a sua instalação até o modo de seleção dos clérigos nas dioceses. Assim, mediante o estudo da “pompa e circunstância”, o autor demonstra o lugar da Igreja e dos eclesiásticos naquela sociedade.

Em seguida, temos o artigo de Júnior Cesar Pereira, “Lágrimas no púlpito A morte de D. Pedro III na parenética de Teodoro de Almeida”, que explora a relação entre a esfera do político e do religioso a partir da oratória sagrada, entendida com prática cultural. No texto, o autor procurou demonstrar como a morte de Dom Pedro III foi refletida no púlpito, a partir da análise de um sermão pregado pelo padre Teodoro de Almeida (1722-1804).

Nívea Mendonça, doutoranda em História Social pela Universidade Federal Fluminense, analisa o processo de entrada de pessoas na Ordem Terceira do Carmo em Vila Rica e em Mariana. De acordo com a autora, tal processo era extremamente criterioso e, somente ao final de todas as etapas, os noviços eram reconhecidos como Irmãos Terceiros da Ordem do Carmo.

No artigo intitulado “A Igreja Católica e o Movimento de recatolização no início do século XX”, Allan Fernandes discorre sobre a Igreja Católica no contexto político das décadas de 1920 e 1930. No texto, o autor relaciona o movimento de Recatolização no Brasil, a crise dos anos 1920, a ascensão de Vargas ao poder com os Levantes comunistas de 1935.

O texto de Pedro J. Silva Reis, Mestre em história contemporânea pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nova de Lisboa, retoma o debate em torno da problemática da observação do comportamento político dos católicos produzido no âmbito da historiografia francesa, confrontando e equacionando as vantagens e desvantagens do universo crente contemporâneo.

No artigo intitulado “O Social Catolicismo e a sua atuação no meio rural na segunda metade do século XX no Brasil”, Nilmar Carvalho analisa a atuação da Igreja Católica no meio rural brasileiro, na segunda metade do século XX, sobretudo em relação à reforma agrária. A pesquisa está circunscrita aos eventos que ocorreram entre os anos de 1950 e 1964 e analisa os documentos eclesiais e bibliografias sobre o assunto.

Leiliane Louise Lucena da Costa, por sua vez, investiga por meio de cartas e rabiscos deixados por suicidas nos processos policiais de 1920 e 1952, a busca pelo perdão do pecado cometido contra si mesmo. O suicídio, tema tabu e hodierno para sociedade, é trabalhado na perspectiva da Igreja Católica, que com o desenvolvimento da medicina e áreas afins, fez rever algumas de suas doutrinas e passou a permitir o cumprimento de todos os rituais necessários para encomendar o enterro destes sujeitos.

Ainda no século XX, o artigo “Orientando o voto católico sul-rio-grandense: a LEC (Liga Eleitoral Católica) e a propaganda político-partidária veiculada na imprensa escrita em 1950” tem como objetivo compreender a influência da Igreja Católica por meio dos ditames apregoados pela Liga Eleitoral Católicos (LEC) na propaganda político-partidária do Partido Social Democrático (PSD) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) veiculada nos jornais Correio do Povo e Diário de Notícias.

Finalizando a sessão do dossiê temático, trazemos o artigo de Rita Suriani Lamas, que apresenta uma revisão bibliográfica sobre a atuação da Igreja Católica durante o governo ditatorial militar brasileiro, entre as décadas de 1960 e 1980. Ao longo do texto, a autora analisa documentos oficiais emitidos por órgãos ligados à Igreja, examinando as transformações ocorridas no clero brasileiro relativas às posturas adotadas frente às ações dos militares no poder.

Quanto aos artigos livres, iniciaremos com as contribuições do historiador Aguiomar Rodrigues Bruno, que no artigo intitulado “Por tudo que é vivo morre: a morte negra numa freguesia do Recôncavo da Guanabara, Rio de Janeiro (Séc. XVIII)”, o autor analisou as representações e as práticas do bem morrer católico entre os indivíduos forros da freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu, no Recôncavo da Guanabara, ao longo do século XVIII.

Adentrando na segunda metade do século XIX e início do século XX, o Professor Doutor Antônio Gasparetto Junior explora as manifestações culturais da comunidade germânica em Juiz de Fora, município que recebeu elevado número de imigrantes alemães e em muito se destacou pelas manifestações culturais e profissionais que os mesmos empreenderam na cidade. Por meio de fontes provenientes de suas antigas associações, o autor avalia a relevância que elas tiveram para a proteção dos germanos na região.

Finalizando os artigos da revista, Geovano Chaves, professor de história do IFMS, apresenta o artigo intitulado “O cinema polonês nos trilhos da História: As 200 crianças do Doutor Korczac de Andrej Wajda”. Ao longo do texto, o autor analisa as afinidades entre política e religião através do cinema, refletindo sobre os aspectos do antissemitismo no território polonês. No artigo, o autor analisa o filme “As 200 crianças do Doutor Korczac” com o objetivo de exemplificar alguns “trilhos” da história da Polônia.

Agradecemos a todos(as) membros da equipe editorial, ao conselho consultivo, aos pareceristas, aos autores(as), que participaram ativamente da construção deste dossiê, e aos leitores que prestigiarão o nosso trabalho.

Ana Paula Dutra Bôscaro – Doutoranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: anapaulaboscaro@gmail.com

Bárbara Ferreira Fernandes – Doutoranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: barbaraffernandes@outlook.com

Jorge William Falcão Junior – Doutorando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: williamfalcaojr@gmail.com


BÔSCARO, Ana Paula Dutra; FERNANDES, Bárbara Ferreira; FALCÃO JUNIOR, Jorge William. Editorial. Faces de Clio, Juiz de Fora, v.5, n.10, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Política, Cultura e Sociedade: temas e abordagens do Brasil Contemporâneo / Projeto História / 2019

O número 66 da Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pósgraduados em História, da PUC / SP, traz a público o dossiê “Política, Cultura e Sociedade: temas e abordagens do Brasil Contemporâneo”. Não se trata apenas de publicar pesquisas que abordem a Ditadura Civil-Militar (1964- 1985) e as lutas de resistência à opressão, mas também olhar o passado atento à delicada situação política pela qual atravessa o Brasil no presente, em quem velhos fantasmas que pareciam habitar o passado ressurgem, ameaçadores. Mais do que nunca, é preciso revisar o passado recente, que ainda não terminou de passar. Os autores e as autoras deste número desvelam e iluminam vários aspectos da vida brasileira, enriquecendo o debate público da história mais recente. A eles e a elas, os editores da revista e os organizadores do número agradecem.

A capa desta edição da Projeto, vale dizer, foi selecionada justamente para transmitir a tensão política vivida no Brasil durante os anos finais do regime militar. Trata-se de uma fotografia da Passeata dos Cem Mil, pela Avenida Rio Branco, Candelária e Palácio Tiradentes, na cidade do Rio de Janeiro. Da manifestação, organizada por entidades estudantis, participaram intelectuais, artistas e trabalhadores sindicalizados e milhares de estudantes. Publicada no jornal Última Hora, em 27 de junho de 1968, ao reportar a manifestação do dia anterior, a foto registra aquela que foi a última grande manifestação popular contra a ditadura que logo se enrijeceria, com a decretação do Ato institucional número 5 (AI-5), em dezembro daquele ano.

Abrimos o dossiê com o artigo dos professores Luiz Antonio Dias (PUC-SP) e Rafael Lopes de Sousa (UNISA-SP), intitulado A greve da Volkswagen (1979): o despertar do novo sindicalismo e os métodos de controle da vida operária, no qual os autores analisam as resistências dos trabalhadores da fábrica automobilística frente à ditadura civil-militar. No artigo, contextualizam o desenvolvimento da crise econômica do final dos anos 1970 e começo dos 1980, a fim de compreender a consolidação de um novo sindicalismo. Com isso, partindo dos acontecimentos que culminaram na greve dos metalúrgicos do ABC de 1979, esclarecem “as redes de informações e controle criadas pela empresa para vigiar e punir os operários”. Além disso, os autores buscam jogar luz sobre “a lógica de apoio e cooperação desenvolvida entre agentes públicos e privados” ainda no contexto da greve.

Em seguida, reproduzimos o artigo Entre aplausos e denúncias: as entidades de advogados gaúchos e a instalação da ditadura civil-militar (1964-1966), de Dante Guimaraens Guazzelli. Nele, o autor busca demonstrar como os advogados do Rio Grande do Sul, logo no início do regime civil-militar, em 1964, apresentavam posturas ambivalentes em relação à quebra da legalidade constitucional, ora apoiando ora se opondo ao sistema político. O artigo leva os leitores a compreender a complexidade da instalação da ditadura no país.

Como terceiro artigo do dossiê, apresentamos o texto do professor Pedro Henrique Pedreira Campos (UFRRJ), intitulado Ditadura, interesses empresariais, fundo público e “corrupção”: o caso da atuação das empreiteiras na obra da hidrelétrica de Tucuruí. O artigo discute os projetos dos empresários entre as décadas de 1970 e 1980 envolvidos em escândalos de corrupção. Partindo de uma reflexão teórica sobre o tema da corrupção, o autor problematiza a ocorrência desses casos durante o regime militar e trabalha, mais especificamente, analisando a atuação de empreiteiras na obra da usina hidrelétrica de Tucuruí (1975-1984), no estado do Pará. A hipótese do autor aponta para disputas entre o “fundo público para acumulação de capital e busca de maiores taxas de lucro” como uma explicação viável para se compreender o uso de práticas ilegais pelas empresas e estreitar relações com o Estado.

Já no artigo Estratégia discursiva da ditadura civil-militar brasileira (1964- 1985): a legitimação através da escola, assinado pela professora Rosimar Serena Siqueira Esquinsani (UPF-RS), propõe-se a discussão da escola como um dos meios empregados pela ditadura para operacionalizar o discurso que exaltava o patriotismo, o patrulhamento ideológico, o recurso à autoridade e a politização das datas cívicas, sempre no sentido de legitimar a ditadura. A autora parte de uma metodologia analítico-reconstrutiva, ao utilizar como fonte para embasar sua análise doze livros didáticos adotados nas escolas brasileiras entre 1964 e 1985. A pesquisa demonstra o empenho dos agentes do Estado em legitimar a ditadura, por meio do uso das escolas e dos conteúdos dos livros didáticos.

Na sequência, o artigo de Gustavo Bianch Silva problematiza a relação da Universidade Federal de Viçosa com a política econômica e o plano de desenvolvimento adotados durante a ditadura militar no Brasil. Segundo o autor “o modelo de modernização da agricultura ambicionado na universidade […] teve grande convergência com a concepção da modernização econômica elaborada pelos militares em seus governos”. A hipótese levantada pelo autor indica que o ponto de interlocução entre a universidade e a política de desenvolvimento dos distintos governos das décadas de 1970 e 1980 teria facilitado, por parte das lideranças acadêmicas, uma postura de adesão ao regime

O professor Reginaldo Cerqueira Souza (Unifespa-PA), no artigo Guerrilha do Araguaia: violência, memória e reparação, problematiza o movimento de resistência armada contra a ditadura organizado por militantes de esquerda do Pará, Maranhão e Tocantins, durante a Guerrilha do Araguaia (1972-74). Com base nas teorias da literatura de teor testemunhal e da psicanálise, empregando os conceitos de “trauma”, “repetição” e “esquecimento”, o artigo busca compreender as razões por trás do esquecimento social acerca da guerrilha no estado do Pará, o aumento da violência nessa região e a negação às vítimas do Estado o direito de reparação e memória.

No artigo intitulado História, Cultura e identidade: olhares sobre comunidades quilombolas no estado do Amapá, Elivaldo Serrão Custódio (UNIFAP), Silvaney Rubens Alves de Souza (UNIFAP) e Maria das Dores do Rosário Almeida (UnB), abordam o debate acerca da reforma agrária ligado ao processo de resistência política dos movimentos negros organizados desde a década de 1980. No artigo, os autores contextualizam a longa trajetória de luta pela sobrevivência dessas comunidades tradicionais, remanescentes de quilombos, ainda distantes das políticas públicas das ações afirmativas.

Para encerrar o dossiê escolhemos o artigo Rompendo fronteiras: movimentos e imprensa de direitos humanos no Cone Sul (1970 / 1980), de Heloísa de Faria Cruz, professora do Departamento de História da PUC-SP. Nele, a autora analisa uma série de publicações produzidas por entidades de defesa dos direitos humanos veiculados entre os anos de 1970-80 em países como Chile e Argentina. Seu objetivo é refletir acerca da atuação dessas entidades, bem como sobre a cultura política de resistência aos regimes ditatoriais vigentes nos países do Cone Sul, demonstrando como se constituiu a rede de movimentos em defesa dos direitos humanos, destacando a importância dos circuitos de comunicação que a sustentaram.

No espaço dedicado aos artigos livres, o texto Os institutos disciplinares, a legislação sobre menoridade e a formação de setores estatais especializados em assistência a menores em São Paulo (1900-1935), assinado por Sérgio C. Fonseca e Felipe Ziotti Narita, discute a institucionalização de setores especializados na gestão de serviços públicos de assistência social para menores em São Paulo, entre o início do século XX e a década de 1930. A partir de textos jurídicos, relatórios oficiais e impressos publicados pelos serviços de assistência, o artigo busca analisar os meandros dos dispositivos estatais no âmbito do desenvolvimento socioeconômico e demográfico. Evidenciam-se no texto, as “ramificações institucionais em diálogo com a formação de serviços de saúde, a profissionalização da assistência aos pobres e a legislação referente a protocolos judiciais e policiais destinados ao governo da população”, como apontam os autores.

O segundo artigo livre Releituras do Contestado: O reino místico dos pinheirais, de Wilson Gasino, e a crítica à história oficial, do professor Claécio Ivan Schneider (UNIOESTE) busca problematizar as relações entre história e a literatura na construção do romance O reino místico dos pinheirais, publicado por Wilson Gasino, em 2011. Para o autor, o romance pode ser lido como “um instrumento de denúncia contra aqueles que construíram e compactuaram com interpretações preconceituosas da história, […] e estigmatizaram milhares de sertanejos que até hoje lutam por sua terra, por sua cidadania, enfim, pelos seus direitos humanos”.

O volume traz ainda duas resenhas. O primeiro texto, Brasil, mostra tua cara, mais ligado à temática do dossiê é uma apreciação crítica de Victor Gustavo de Souza sobre o livro Sobre o autoritarismo brasileiro, publicado por Lilia Moritz Schwarcz e lançado em 2019. Em linha com o projeto editorial da revista, marcado pela pluralidade e abertura aos mais diversos temas, a segunda resenha abre espaço para história de São Paulo de fins do século XVIII. Em Um olhar renovado sobre a história dos capitães-generais de São Paulo: o governo de Martim Lopes Lobo de Saldanha (1775-1782) José Rogério Beier debate o livro de Lorena Leite, “Déspota, tirano e arbitrário”: o governo de Lobo de Saldanha na Capitania de São Paulo (1775-1782), também lançado em 2019.

A Projeto História interessada em valorizar pesquisas de jovens pesquisadores há muitos anos mantém Notícias de Pesquisas, espaço que tem o objetivo de valorizar a produção de pesquisas em andamento. Este volume traz a pesquisa de Thays Fregolent de Almeida, intitulada Modernos bandeirantes, antigos interesses: a Expedição Roncador-Xingu e a conquista da fronteira oeste (1938-1948). A autora investiga a Expedição Roncador-Xingu (1943- 1948) como parte da campanha Marcha para o Oeste, importante investimento político realizado pelo Estado Novo (1937-1945). No texto, os conceitos de “fronteira econômica” e “fronteira política” são articuladas com a apropriação do bandeirantismo como símbolo.

O volume 66 da revista se encerra com a entrevista que o investigador Marcos Antônio Batista da Silva realizou com o professor e pesquisador Bruno Sena Martins (CES) – Universidade de Coimbra. No texto são problematizadas questões relativas à difusão da cultura científica, a colonização, o racismo, as políticas de ação afirmativa e sustentabilidade. Bruno Sena Martins é investigador do Centro de Estudos Sociais, cocoordenador do programa de doutoramento Human Rights in Contemporary Societies, e docente no programa de doutoramento em Pós-colonialismos e cidadania global.

É parte do esforço editorial da Projeto História: Revista do Programa de Estados Pós-graduados em História da PUC / SP criar espaços para que pesquisadores de outras universidades, de diferentes regiões do Brasil e de outros países possam contribuir com suas pesquisas.

Esperamos que os leitores apreciem criticamente os trabalhos selecionados, e que possam ter recepção fértil, gerar novas pesquisas e outras inquietações.

Alberto Luiz Schneider – Professor do Departamento de História da PUC / SP

Márcia Juliana Santos – Doutora em História (PUC / SP). Professora de História da Escola Móbile


SCHNEIDER, Alberto Luiz; SANTOS, Márcia Juliana. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v.66, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Patrimônio e Sociedade: as várias faces de um debate | Revista Historiar | 2019

Liquidação

A casa foi vendida com todas as lembranças

todos os móveis todos os pesadelos

todos os pecados cometidos ou em via de cometer

a casa foi vendida com seu bater de portas

com seu vento encanado sua vista do mundo

seus imponderáveis

por vinte, vinte contos.

Carlos Drummond de Andrade. Boi Tempo.

A casa anunciada no poema de Carlos Drummond de Andrade lido acima, foi vendida por apenas vinte contos. A preço de liquidação. No entanto, algo muito sensível chama nossa atenção: nós não conseguimos dimensionar o tamanho da construção, no entanto, a grandeza da casa parece estar numa dimensão para além da pedra e cal. Porque a casa vendida está cheia de lembranças. Está cheia de móveis, mas também de pesadelos, de pecados do presente e do futuro. A casa não está vazia, certamente, da dimensão humana que a habitou um dia. A casa, pelo que entendemos da poesia, tem um peculiar bater de portas, causa de um vento encanado, mas também abre uma vista para o mundo, sendo, por isso mesma, parte invisível do imponderável de cada dia e de cada existência, e que nesse sentido não pode ser medida apenas pelo preço vendido. Leia Mais

Experiências Autoritárias: Política, Instituição e Sociedade / Faces de Clio / 2018

A Revista Faces de Clio, periódico discente vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, publica, com grande satisfação, a sua 8ª edição com o dossiê temático Experiências Autoritárias: Política, Instituição e Sociedade. Contamos nesta edição com quinze trabalhos de pesquisadores: nove artigos relacionados à temática do dossiê e seis artigos livres.

A organização desta publicação foi realizada com o objetivo de integrar pesquisas que abordam o conceito de autoritarismo enquanto corrente do pensamento político ao longo da história mundial a partir do século XX. A proposta, portanto, foi de reunir trabalhos com enfoques em regimes políticos, eventos, personalidades, intelectuais, ideias ou instituições que experienciaram essa ideologia ou forma de governo. A ideia é problematizar as participações sociais vivenciadas nesses regimes.

Regimes autoritários, na tipologia dos sistemas políticos, conforme nos esclarece o Dicionário de Política1, são aqueles que privilegiam a autoridade governamental, reduzem o consenso e concentram o poder político em apenas uma pessoa ou órgão, posicionando secundariamente as instituições representativas. Por esse motivo, excluem ou reduzem a participação do povo no poder e empregam meios coercitivos. Ideologias autoritárias são aquelas que negam a igualdade dos homens, colocam em destaque o princípio hierárquico e defendem formas de regimes autoritários e personalidades autoritárias.

O autoritarismo foi uma característica presente no pensamento político alemão do século XIX com Carl Ludwig Haller; Friedrich Stahl e Heinrich Treitschke. Na primeira metade do século XX, Charles Maurras encabeçou o movimento de extrema direita da Action Fran-çaise na França da III República. A partir da Primeira Guerra Mundial novas correntes políticas e ideológicas emergiram representando a crise do sistema liberal com novas formas de se compreender a realidade. Partindo de questionamentos sobre o liberalismo, desenvolveram-se correntes ideológicas autoritárias. Depois da Segunda Guerra Mundial e de duas consequências, entretanto, o autoritarismo encontrou-se frente a uma realidade fechada para lançar suas profundas raízes2.

A partir disso, estudiosos acreditavam que a ideologia autoritária não teria futuro. Ao contrário, nossa conjuntura política atual nos demonstra um ressurgimento e uma readaptação aos novos tempos. Deste modo, a organização deste dossiê temático responde a algumas das prioridades e tendências atuais e nos ajuda a empreender uma análise crítica e apropriada desse passado político recente.

O artigo de Álvaro Ribeiro Regiani, A Recepção do Holocausto na América: os artigos de Hannah Arendt na Partisan Review e a elaboração de Origens do Totalitarismo, interpreta alguns ensaios de Hannah Arendt publicados na revista literária Partisan Review entre 1944 e 1954. Seu objetivo é estabelecer uma conexão entre esses textos e os temas centrais apresentados em Origens do totalitarismo (1951). Além disso, o seu intuito é compreender as considerações de Arendt sobre o cotidiano, a tradição e a filosofia da história para indicar o sentido que atribuiu à crise política e moral do século XX, que se iniciou com o sistema totalitário.

Trabalhadores Rurais e Movimentos Reivindicatórios no Regime Militar: greve nos engenhos da zona canavieira de Pernambuco – 1979, de Cristhiane Laysa Andrade Teixeira Raposo, trata das experiências trabalhistas coletivas no mundo dos engenhos e usinas da zona canavieira de Pernambuco através das paralisações e mobilizações trabalhistas do final da década de 1970. Para tal abordagem, a autora utiliza prontuários arquivados pelo DOPS de Pernambuco, processos trabalhistas e registros na imprensa local e nacional sobre a paralisação no campo. A intenção é refletir sobre a organização dos trabalhadores rurais, suas reivindicações por espaços de luta e a repercussão legal do movimento com a primeira Convenção Coletiva do Trabalho no campo em meio ao regime autoritário instaurado com o golpe civil-militar de 1964.

O artigo intitulado Repressão ao Parlamento: as cassações de mandatos dos arenistas paraibanos em 1969, de Dmitri da Silva Bichara Sobreira, analisa o processo de cassação do mandato e dos direitos políticos dos membros da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), secção Paraíba, no ano de 1969, através das atas do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e de jornais locais. O objetivo é investigar os motivos que levaram a ditadura a expurgar membros de sua base aliada.

Em Definindo o Fascismo: comparando análises e interpretações, Gustavo Feital Monteiro analisa duas obras sobre a história do fascismo: A anatomia do fascismo, de Robert Paxton, e Fascistas, de Michael Mann. Através da comparação das interpretações, o autor busca identificar quais os pontos entre as duas obras que se assemelham e quais se diferem. A análise crítica dos textos em questão permite a percepção de questões complexas voltadas à compreensão do fascismo, além das diferenças entre perspectivas analíticas deste tema tão complexo.

O Antiliberalismo de Alberto Torres e Andrés Molina Enríquez: a formação do pensamento autoritário no Brasil e no México em princípios do século XX, de Jorge Eschriqui Vieira Pinto, tem como proposta a análise de uma corrente de pensamento autoritário no Brasil e no México a partir do entendimento e da reflexão das ideias de Alberto Torres e Andrés Molina Enríquez. Ambos, nas primeiras décadas do século XX, esforçaram-se na reflexão de suas respectivas sociedades nacionais e elaboraram um projeto de política nacional para a promoção do desenvolvimento e a construção de uma unidade nacional por meio de uma ação efetiva de um governo central forte.

O artigo As Resistências à Organização Corporativa Portuguesa: a perspectiva regional do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, de Jorge Mano Torres, propõe-se a esclarecer aspectos sobre o Estado Novo português, que criou um aparato para o regime corporativo, como o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência. O INTP possuía funções de coordenação e controle sob a organização corporativa lançada a nível nacional e regulava o trabalho e a previdência. Desse modo, esse texto procura analisar as dificuldades / constrangimentos para a implementação da organização corporativa sindical e patronal no olhar dos delegados distritais do Instituto.

Rafael Athaides, com seu artigo Liderança Carismática e Mobilização Afetiva na Ação Integralista Brasileira: a “fascinação do predestinado” no Paraná (1935), procura analisar a liderança carismática de Plínio Salgado na Ação Integralista Brasileira, observando seus aspectos afetivos. Para isso, a fonte utilizada é o jornal A Razão, pertencente ao movimento no Paraná. É uma documentação de caráter regional / local que revela os níveis de devoção carismática tanto em aglomerações urbanas, quanto em lugares longínquos.

No trabalho Nacionalismo, Educação e Conflitos Religiosos Durante o Período Estadonovista no Rio Grande do Sul, Rodrigo Luis dos Santos analisa os conflitos políticos que que envolveram os campos educacionais e religiosos no Rio Grande do Sul, entre os anos de 1937 e 1945, permeados pelo pensamento e discurso nacionalista impetrado pelo regime do Estado Novo. Para tanto, seu recorte espacial se dará no município de Novo Hamburgo, localizado próximo da capital do estado, Porto Alegre.

Já o artigo La Dictadura Perfecta: una analisis de las estrategias de permanencia del régimen priista en México, Romulo Gabriel de Barros Gomes empreende uma análise a respeito do Partido Revolucionário Institucional (PRI) no México. O autor discute aspectos que levaram o governo do PRI a mergulhar nos eixos mais profundos da vida cotidiana dos cidadãos mexicanos. Também, reflete sobre a permanência do partido no poder durante décadas, a partir do uso da violência e controle ideológico através do discurso da imprensa e da difusão de material cinematográfico erótico influenciando, pois, a dinâmica cultural deste país. Assim, o artigo analisa o impacto cultural de tais ações no âmbito das relações cotidianas do referido país.

Quanto aos artigos livres, iniciaremos com as contribuições da historiadora da arte Clara Habib de Salles Abreu. Em seu artigo Da “Mimese” na Antiguidade à “Imitatio” Renascentista: Reflexões Sobre O Conceito De Imitação Na Teoria Da Pintura, Clara levanta uma discussão acerca dos usos dos conceitos de imitação e imagem, presente desde os debates filosóficos da antiguidade clássica, entre os renascentistas, como: Leon Battista Alberti, o escritor Aretino e o gramático Fabrini.

A respeito das questões de gênero, raça e justiça, Ceudiza Fernandes de Souza expõe em Trajetórias E Experiências De Gênero, Racialização e Liberdade no Âmbito Judicial do Pós-Abolição os resultados de sua recente pesquisa sobre um caso criminal ocorrido em Oliveira de Minas Gerais, em 1983. O evento está relacionado a Narciza da Conceição, uma ex – escrava.

Em seu artigo Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e o Personalismo na Memória sobre a Revolução de 1930, o historiador Danyllo Di Giorgio Martins da Mota explica, tomando como base textos de Aurino Morais, como os mitos que envolveram o referido momento político ajudaram a afirmar a imagem de Antônio Carlos no cenário político mineiro.

Tendo como fundamento as contribuições de Peter Burke no trato das imagens enquanto fontes históricas, Lorenzo Silva Ortiz tece apontamentos acerca das composições e posições sociais da Nova Espanha em seu artigo Castas y Posición Social: Un Cuadro de Mestizaje como Reflejo del Poder en la Sociedad Novohispana del Siglo XVIII.

Para esboçar respostas à pergunta lançada em seu título Relação Brasil – França no Oitocentos: Fruto de uma Empatia Cultural ou de um Projeto de Hegemônia, a historiadora Thalita Moreira Barbosa utiliza como aporte teórico as contribuições de Raymond Willians sobre cultura e materialismo.

Finalizamos esta edição com a apresentação dos resultados das pesquisas de Yobani Maikel Gonzales Jauregui, que parte de uma abordagem comparativa para investigar a questão do matrimônio entre escravos, haja vista a legislação canônica em seu artigo La Legislación Canónica y el Matrimonio de Esclavos en la América Española y la América Portuguesa.

Agradecemos a todos os pesquisadores que confiaram na Revista Faces de Clio e enviaram artigos para serem publicados. Indubitavelmente, para nós é uma grande honra receber trabalhos concernentes às diversas e importantes temáticas advindas de distintas regiões do Brasil e do exterior.

Agradecemos aos professores pareceristas, membros de nosso Conselho Consultivo, que, gentilmente, dedicaram tempo nas análises dos artigos.

Agradecemos à nossa equipe do Conselho Editorial por toda dedicação e empenho neste trabalho junto conosco ao longo do semestre. Vocês são peças-chave para o êxito da revista.

Notas

1 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário de política I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998

2 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário de política I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998

Daniela de Miranda dos Santos

Jorge William Falcão Junior


SANTOS, Daniela de Miranda dos; FALCÃO JUNIOR, Jorge William. Editorial. Faces de Clio, Juiz de Fora, v.4, n.8, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão e sociedade em espaços lusófonos / Ponta de Lança/2018

O mundo lusófono, considerado como um todo, cruza mares e continentes. Constituído por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal e Timor Leste, este mundo transnacional e cosmopolita inclui atualmente cerca de 250 milhões de falantes do português. O estudo do espaço cultural criado pela adoção da língua portuguesa ainda carece de pesquisas acadêmicas multi e interdisciplinares amplas e a partir de várias perspectivas. Atualmente, essa lacuna tem sido suplantada pela realização de estudos que procuram mostrar a lusofonia a partir de uma perspectiva globalizante que une diferentes regiões desse imenso espaço. Leia Mais

As crenças e suas articulações com a política e a sociedade / Revista Brasileira de História das Religiões / 2017

Caro (a) leitor (a)!

“As crenças e suas articulações com a política e a sociedade” é tema da edição inaugural da Revista Brasileira de História das Religiões em 2017. Será possível desconsiderar a articulação entre estes três conceitos, sem que isto se apresente de forma danosa à história escrita e a história vivida?

Os artigos que compõe este número nos apontam alguns caminhos para iniciarmos esta reflexão! Renata A. Siuda-Ambroziak, em “Religião e liderança política no Brasil na virada do século XIX e XX – o caso do Padre Cícero”, nos apresenta um exemplo do político notável e de um santo popular, com o lugar de sua atividade religiosa e política transformado há muito tempo em destino de peregrinações e santuário popular importante.

O segundo artigo, escrito por Nadia Maria Guariza, “Modelos para leigas e religiosas: os livros do padre Júlio Maria De Lombaerde (1878-1944)”, artigo analisa alguns livros do padre Júlio Maria De Lombaerde, missionário belga que veio ao Brasil em 1902 e desenvolveu parte dos seus trabalhos na cidade de Manhumirim (MG), até a sua morte em 1944.

Anaxsuell Fernando Silva, em “Da teologia da Libertação à libertação da teologia: a biografia de um intelectual protestante”, discute o percurso intelectual de Rubem Alves no que tange à sua singularidade – de teólogo da libertação a cronista do cotidiano e escritor de contosinfantis.

“Entre o sacerdócio e a pesquisa histórica: a trajetória de Padre Luiz Sponchiado na Quarta Colônia de imigração italiana-RS” de autoria de Juliana Maria Manfio e Vitor Otávio Fernandes Biasoli, objetiva compreender como Padre Luiz Sponchiado atuou e articulou suas ações nos campos político e cultural em prol da construção de uma “identidade italiana na Quarta Colônia”.

Ana Rosa Cloclet da Silva e Marcelo Leandro de Campos, no artigo “Entre contextos e discursos: a biografia de Samael Aun Weor e o gnosticismo colombiano” examinam alguns episódios da trajetória do esoterista colombiano Samael Aun Weor como estudo de caso, relacionando o caráter apocalíptico e radical de sua doutrina espiritualista com o quadro de violência política e desesperança produzidos pelos anos de guerra civil na Colômbia na metade do século XX e seus impactos no campo espiritualista, a nível de representações e imaginário.

O sexto artigo, “O Caboclo Eduardo e a Festa do 7 de Janeiro em Itaparica, Bahia” de Milton Moura busca reconstituir o perfil histórico do Caboclo Eduardo, fundador do grupo Os Guaranys, que desde 1939 vem participando da Festa de Independência de Itaparica, na Baía de Todos os Santos, aí desempenhando um papel singular.

Em “A estatuária funerária no Brasil: um olhar indagador sobre as imagens de Jesus Cristo nos cemitérios brasileiros”, Maria Elizia Borges e Maristela Carneiro analisam as representações artísticas de Jesus Cristo encontradas em um conjunto de cemitérios de cidades brasileiras de pequeno e médio porte, discutindo seu papel como uma iconografia devocional.

Joana Bahia e Caroline Vieira, por meio do artigo “Performances artísticas e circularidades das simbologias afro religiosas” pensam as performances artísticas ligadas à música e à dança como manifestações culturais capazes de irradiar símbolos dos cultos afro-brasileiros, evidenciando como sua circularidade nos permite compreender esse espaço e tempo de trocas de experiências sobre negritude.

A penúltima contribuição, “Abençoada cura: poéticas da voz e saberes de benzedeira” de Lidiane Alves da Cunha e Luiz Carvalho Assunção adentra no aspecto mágico / religioso dos saberes das benzedeiras e o papel da palavra enquanto elemento de cura, que se faz presente e se performatiza nas palavras das benzedeiras, que não podem ser ensinadas à esmo sob pena de perder sua “força”.

Por fim, “A busca espiritual de viajantes à Índia: filosofia e prática de um estilo de vida” de Cecilia dos Guimarães Bastos ao pesquisar um tipo de peregrino que viaja à Índia, apresenta suas vivências segundo a noção de projeto, uma tentativa consciente de dar sentido à experiência e que é elaborada com base na memória como visão retrospectiva e organizada de uma trajetória e biografia.

Contamos, ainda, com a resenha de duas obras. Santo de cemitério: a devoção ao Menino da Tábua (1978-1994), feita por Carolina Cleópatra da Silva Imediato; e História, ciência e medicina no Brasil e América Latina (séculos XIX e XX), realizada por Mateus Tatsch de Mello.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Vanda Serafim

Editora RBHR


SERAFIM, Vanda. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.9, n.27, jan. / abril, 2017. Acessar publicação original [DR]

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África e Brasil: Saúde, sociedade e meio ambiente (séculos XV- XXI) / Mnemosine Revista / 2016

O dossiê temático África e Brasil: saúde, sociedade e meio ambiente (séculos XVIII-XXI) reuniu artigos e resenhas contendo informações, descrições e análises resultantes de pesquisas e estudos relacionados com Brasil e África, particularmente, os países africanos de língua oficial portuguesa: Angola, Cabo Verde e Moçambique. O presente dossiê contempla análise e interpretação das realidades sanitárias, sociais e ambientais na África e no Brasil.

Acervos bibliográficos, bases de dados e de documentação disponíveis na atualidade, possibilitaram variadas abordagens, tendo por base uma diversidade de objetivos de investigação e com características tipológicas de fontes documentais similares, como relatos de viajantes, militares, religiosos e administradores coloniais, obras literárias, iconografia, noticiário e reportagens da imprensa, relatórios médicos dos serviços de saúde, dados técnicos, diários, memórias e autobiografias.

As novas e futuras abordagens multidisciplinares, como a história ambiental, história mundial, a história das ciências, da saúde e das doenças, a antropologia médica e a etnobotânica, entre outros campos disciplinares, encontram espaços de atuação que possibilitam a obtenção e a ampliação do conhecimento de conjunto e comparado, monográfico e temático, empírico e teórico, nacional, regional e global de grande elenco de fenômenos e processos sociais relacionados à saúde humana e às doenças, sobretudo aquelas de incidência em áreas tropicais, à vida social e material e do meio ambiente na África e no Brasil.

Os dez artigos que integram o dossiê África e Brasil: saúde, sociedade e meio ambiente (séculos XVIII-XXI) oferecem assim uma diversa amostra da amplidão deste panorama acessível aos leitores interessados e aos pesquisadores em variados campos das artes, das ciências e humanidades.

A autoria dos trabalhos também espelha essa grandeza, diversificada procedência institucional, disciplinar, investigativa e geracional. Ela traduz a complexidade e o potencial que as abordagens integradoras e multidisciplinares comportam no âmbito do estudo da história, da saúde e das doenças, do meio ambiente em escala nacional e continental. Procurou-se alcançar e houve êxito no equilíbrio numérico e espacial dos textos.

Em cinco deles os objetos de estudos estão referidos ao continente africano. Em todos eles há o esforço em compreender os desafios que se abrem neste século e o quanto estes são devedores de imagens, interpretações, informações e representações do passado. Os momentos anteriores ao colonialismo europeu, à sua presença e legados no continente africano, as disputas sob a Guerra Fria e, logo, as novas angústias e esperanças sob a globalização dos mercados e da cultura no século XXI. Tomados em suas respectivas escalas nacionais, territórios étnicos e mesmo continental, os artigos trazem à tona aspectos relevantes, dados e informações inéditos e originais, empenho interpretativo, fecundas perspectivas analíticas e metodológicas e a proposição de questões para o debate intelectual, científico, cultural e político no tocante às trajetórias e os destinos coletivos na África e no Brasil.

História e evolução da epidemia da infecção por VIH em Angola, de Maria Helena Agostinho (Angola), Aspectos da história da malária em Moçambique no período colonial, de Emília Virginia Noormahomed (Universidade Eduardo Mondlane / Moçambique) e Virgílio Estolio do Rosário (Universidade Nova de Lisboa / Portugal), Imperialismo, colonialismo, guerra civil e crise identitária: violência contra crianças acusadas de feitiçaria em Angola, de Andréa Pires Rocha (Universidade Estadual de Londrina) e José Francisco dos Santos (Universidade Federal do Oeste da Bahia) e Literatura e ideologia colonialista: Júlio Verne e a conquista científica da África, de Carlos Eduardo Rodrigues e José Henrique Rollo (Universidade Estadual de Maringá), Cabo Verde e a luta pela água. Uma discussão sobre meio ambiente e estrutura agrária, de Dora Shellard Corrêa (Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco), oferecerem apetitoso caleidoscópio das imbricações entre condição individual e social, de um lado, e, de outro, as perspectivas da razão, de seus instrumentos e de suas instituições na ânsia de controle e de mudança social em espaços e territórios secularmente submetidos à ação dos grupos e das sociedades humanas na África. Este conjunto de análises recobre um tempo longo na história social africana.

O segundo conjunto, igualmente formado por cinco artigos, concentra atenção em situações regionais e nacionais do Brasil. Acoplado a ele, o artigo de Jean Luiz Neves Abreu (Universidade Federal de Uberlândia), Doenças e climas dos trópicos do Império Português: Brasil e África (séculos XVIII-XIX), cumpre estimulante papel de preâmbulo, articulação e transição de espaço e tempo, África e Brasil, alargando o horizonte analítico para o futuro que virá: a construção dos estados e das sociedades nacionais. São os estudos sobre A dengue no Brasil: políticas públicas, neoliberalismo e aquecimento global – uma confrontação inevitável (1990- 2010), de Roger Domenech Colacios (Universidade Estadual Paulista), “A fisionomia do Rio Grande do Sul” nos anos de 1930: a natureza pelo olhar do padre Balduíno Rambo, de Daniel Porciúncula Prado e Zuleica Soares Werhli (Universidade Federal do Rio Grande), Haikais fotográficos: representações de natureza nas imagens de Haruo Ohara (Londrina, 1930-1950), de Richard Gonçalves André (Universidade Estadual de Londrina), O fenômeno da mortandade de peixes na imprensa brasileira (1870-1930), de Ramiro Alberto Flores Guzmán (Universidade Estadual Paulista). Uma vez mais, agora na costa ocidental do Atlântico, indivíduo e sociedade, cultura e poder, ser humano e natureza, estão fortemente ligados em contraditórias e singulares articulações fenomênicas e conferem relevância, distinção e originalidade ao conhecimento histórico das realidades observadas, esmiuçadas e explicadas nestes artigos.

A sua disposição em sequência espacial alternada não impossibilita a apreensão deste fio condutor e de identidade do dossiê. Ele surgiu espontaneamente e pode ser identificado com nitidez na leitura dos artigos, tornando -se indisfarçável ainda que sob a manta de temas, objetos, períodos, documentação e localização histórica. Há duas resenhas que completam este dossiê África e Brasil: saúde, sociedade e meio ambiente (séculos XVIIIXXI) e apontam outros elementos diretamente referidos à identidade e unidade temática daquelas pesquisas.

A Rede Internacional de Pesquisa História e Saúde, organizada em Goiás, em outubro de 2013, responsável pela compilação destes artigos agradece a generosa colaboração das autoras e dos autores, bem como aos editores de Mnemosine, pela oportunidade de leitura, difusão e promoção dos estudos reunidos pelo dossiê.

Paulo Henrique Martinez (Faculdade de Ciências e Letras de Assis / Universidade Estadual Paulista / Brasil)

Virgílio Estolio do Rosário (Instituto de Higiene e Medicina Tropical / Universidade Nova de Lisboa / Portugal)

Philip J. Havik (Instituto de Higiene e Medicina Tropical / Universidade Nova de Lisboa / Portugal)


MARTINEZ, Paulo Henrique; HAVIK, Philip J.; ROSÁRIO, Virgílio Estolio do. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.7, n.2, abr. / jun., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Política e sociedade na América Latina | Revista Hydra | 2016

É com imenso prazer e orgulho que apresentamos este primeiro número da Revista Hydra, periódico discente nascido, inicialmente, do desejo dos alunos ligados ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele vem à luz para nos mostrar que, apesar de ainda jovem, o curso de História da Unifesp – assim como toda a Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH) -, às vésperas de completar uma década de existência, começa a frutificar na produção intelectual e acadêmica de suas primeiras turmas de formados, tanto na graduação quanto na pós-graduação.

A organização de um periódico discente cumpre o papel fundamental de criar uma janela que se abre para o mundo e conecta a produção do curso ao cenário historiográfico mais amplo. Em contrapartida, é uma forma pela qual o exterior pode visualizar partes dos espaços interiores. Nesse sentido, desvela-se um conjunto discente preocupado em divulgar sua produção acadêmica, construir diálogos com outros pesquisadores e universidades, criticar continuamente seu próprio ofício e refletir sobre as questões urgentes do passado e do presente. Nada mais proveitoso do que isso! Leia Mais

História, Educação e Sociedade / Cadernos do Tempo Presente / 2016

Esta edição dos Cadernos do Tempo Presente traz consigo textos livres e um dossiê, intitulado História, Educação & Sociedade. Para nossa revista, ter a oportunidade de abrigar coletâneas de textos produzidos por pesquisadores vinculados à Pós-Graduação é privilégio. Estamos contentes pela adesão dos estudiosos que compõem esse dossiê e esperamos contar com a mesma confiança de outros pesquisadores. Nossa revista está sempre aberta a propostas de blocos temáticos.

Ao mesmo tempo, a contínua colaboração de autores que individualmente submetem seus artigos ao nosso periódico permanece fundamental para a existência dos CTP, sobretudo depois do grave problema decorrente do nosso “sumiço” temporário da plataforma Qualis Capes. Problema que esperamos ver resolvido no setembro que se inicia.

Entre os textos que antecedem ao dossiê, o primeiro é de Luiz Alberto Ribeiro Rodrigues, cujo objetivo é estudar a gestão escolar nos sistemas municipais e estadual de educação em Pernambuco, caracterizando suas concepções e práticas. Para isso utilizou como aporte teórico os conceitos de gestão escolar democrática e autonomia nas perspectivas pedagógica, administrativa e da gestão financeira, além de elementos da teoria da administração existente na prática de gestão escolar. Como metodologia utilizou da pesquisa participante e análise de políticas públicas. Sendo assim, procurou compreender e problematizar aspectos técnicos, políticos e estratégicos da gestão escolar.

Ainda na área de políticas públicas e gestão democrática, mas com foco nas escolas da rede estadual de ensino de Alagoas, Luciene Amaral da Silvae Inalda Maria dos Santos investigam a presença de indicações de gestores dentro deste processo. Ou seja, as autoras identificam as falhas no sistema democrático de gestores escolares no estado e na sua Legislação. Para esta pesquisa utilizaram do método qualitativo em um estudo de caso, mais especificamente em três escolas, para apresentar como a participação da sociedade civil no Conselho Escolar e suas medidas ainda possuem deficiências no estado de Alagoas.

Mudando o foco para as Ciências Sociais a partir dos Estudos Culturais, José Cristian Góes faz uma reflexão teórica dos conceitos de identidade e dispositivos, observando seus entrelaçamentos. Para tal, Góes entende identidade como uma construção social presente no cotidiano. Ao passo que adota as ideias de Michel Foucault sobre dispositivos como uma ferramenta política utilizada nas relações de poder. Assim, o autor tenta pensar as configurações contemporâneas e globalizantes das identidades.

Em seguida, temos um dossiê sobre História, Educação & Sociedade, composto por sete artigos produzidos por pesquisadores de diferentes instituições. Abrindo os trabalhos, Ana Paula Leite Nascimento e Maria Helena Santana Cruz fazem um estudo sobre a relação entre escola e juventude. Trabalhando com a ideia de cultura a partir das culturas juvenis das escolas, as autoras discutem os desafios do diálogo entre os sujeitos escolares e contribuem com referências teóricas para entender manifestações e estilos da vida juvenil.

Já em uma abordagem mais voltada para a História Econômica e marcante influência do conceito marxista de lutas de classes, Jailda Evangelista do Nascimento Carvalho e Sônia Meire Santos Azevedo de Jesus analisam a contradição entre o avanço de políticas públicas na Educação Superior e o fechamento das escolas no campo em Sergipe. Observando o contexto neoliberal do agronegócio e as transformações que esse sistema causou na vida camponesa, elas refletem sobre como este cenário causou danos na educação dos camponeses.

No texto seguinte, com o propósito de abordar a construção de conhecimento nas redes, Maria Conceição da Silva Linhares observa como nestes espaços se processa a interação entre sujeitos e o meio. Desta forma, a autora reflete sobre as conexões entre os indivíduos e os contextos socioculturais que estão inseridos e a forma como os percebem. Para isto, utilizada as ideias da relação dialógica como princípio de formação e a metáfora do conhecimento como fluxo de comunicação e interação. Isso para evidenciar como conceitos, saberes e contextos se interconectam através de uma rede.

Continuando no tema sobre TICs, Socorro Aparecida Cabral Pereira trabalha com a formação de professores e a sua inserção no contexto digital. Para isso, utiliza o paradigma educacional emergente proposto por Maria Cândido Moraes e as narrativas dos bolsistas de Iniciação a Docência (PIBID) como campo de reflexão teórica. São utilizadas as ideias de cibercultura, interatividade e colaboração narrativas para entender como ocorre a inserção destes indivíduos no ciberespaço.

O terceiro artigo do dossiê é de autoria de Flávia Lopes Pacheco, cujo trabalho reflete sobre as relações entre educação e cultura popular. A autora entende que a educação possui um caráter emancipador capaz de transformações sociais e de combate ao domínio sobre povo. Sendo assim, neste texto são analisadas essas concepções por meio da educação popular fora dos espaços escolares com a criação de projetos com tais fins. Neste cenário, Pacheco adota principalmente as ideias de Paulo Freire na elaboração destas iniciativas.

Finalizando o dossiê, os dois últimos artigos tratam-se de textos na área da linguagem, abordando sobre o ensino de inglês. O primeiro, de Aline Cajé Bernardo, trabalha com o conceito de identidade no processo de ensino e aprendizagem do inglês. Seu objetivo é analisar como as interações dos alunos com os estrangeiros contribuem para a ressignificação das identidades e influencia na aprendizagem do novo idioma. Nesta abordagem a autora entende que a compreensão da língua é uma pratica social. Como aporte teórico-metodológico utilizou da Teoria da Relação com o Saber de Bernard Charlot e realizou entrevistas com estudantes do ensino fundamental aplicando questionários.

Encerrando a coletânea, Rodrigo Belfort Gomes investiga o método direto para o ensino de inglês. Criado no século XIX com o advento dos estudos fonéticos e instituído no Brasil em 1931, este método priorizava a oralidade. Em seu texto, Gomes analisa a lei que instituiu o referido método e a sua recepção por parte dos professores, observando as possíveis reações aos métodos da gramática e da tradução.

Após o dossiê, temos a resenha de Diego Leonardo Santana Silva sobre a obra “A informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada” de James Gleick.

Desejamos a todos uma ótima leitura!

Os Editores


Editores. [ História, Educação e Sociedade]. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n.23, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Movimentos Sociais e Sociedade / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2013

O ano de 2013 foi especial para a Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR). No seu sétimo ano de existência, o periódico conquistou a classificação no estrato B3 do Qualis Periódicos / Capes (área de História). Essa conquista é fruto de muito trabalho, seriedade e esforço coletivo dos editores – discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH / UFGD) – e dos membros do Conselho Editorial e Consultivo da Revista.

Ao longo de sua existência, a REHR tem se consolidado como um meio relevante na interlocução de pesquisas no âmbito da História e das Ciências Humanas em Mato Grosso do Sul, e no cenário brasileiro. Destacam-se autores e autoras de Instituições de todo o Brasil e, recentemente, de outros países, que contribuem com seus trabalhos. Em todas as suas “chamadas de trabalhos”, a REHR tem recebido uma quantidade considerável de artigos e resenhas, sendo estes de qualidade digna de nota. O interesse e confiança dos pesquisadores e pesquisadoras em publicar no periódico evidenciam sua qualidade e credibilidade.

Nessa perspectiva, é com enorme alegria e satisfação que apresentamos a XIII Edição da REHR, cujo dossiê é “Movimentos Sociais e Sociedade”. A proposição do dossiê se justifica pela relevância da temática e quantidade de pesquisadores que se dedicam a compreender os caminhos e descaminhos dos movimentos sociais, suas relações com os meandros do social, político, econômico e cultural, bem como as diversas experiências dos sujeitos que compuseram / compõem e deram / dão vida a esses grupos. Também, a importância do dossiê se expressa pelo fortalecimento da linha de pesquisa do PPGH / UFGD, intitulada “Movimentos Sociais e Instituições”.

Nesta edição, expressamos os nossos sentimentos e pesar com o falecimento do professor John Manuel Monteiro que, com seus pensamentos e ideais, se tornou uma referência para os estudos sobre os povos indígenas no Brasil. O professor John Monteiro faleceu no dia 26 de março de 2013, vítima de um acidente de trânsito na Rodovia dos Bandeirantes / SP. Era docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reconhecido nacional e internacionalmente por suas pesquisas na área de história indígena. Em sua homenagem, publicamos a crônica do professor José Bessa, intitulada “John, um Negro da Terra”. A REHR se solidariza e estende os desejos de conforto e afeto à família do saudoso professor John Manuel Monteiro.

Abrindo o dossiê “Movimentos Sociais e Sociedade” está o artigo do professor mexicano Carlos Antonio Aguirre Rojas, intitulado O que são os Movimentos Antissistêmicos? [1] . No trabalho, Rojas nos brinda com um instigante texto no qual se preocupa em apresentar sua concepção daquilo que se convencionou chamar de “movimentos sociais antissistêmicos”. Para tanto, inicialmente, analisa as diversas possibilidades de protesto social e a enorme pluralidade das formas e manifestações sociais, que, inclusive, é um claro sinal da imensa dificuldade para caracterizar e definir com mais precisão as suas variadas facetas. Para Rojas, após a revolução cultural de 1968, houve a emergência dos chamados “movimentos antissistêmicos” que expandiram as ações dos “movimentos anticapitalistas”, alcançando pontos que iam além da luta contra a exploração econômica, o Estado e a cultura capitalistas. Os “movimentos antissistêmicos” trouxeram para a pauta de reivindicações elementos como a herança das sociedades de classe, o patriarcado e o machismo, a exploração irrefreada da natureza, além da divisão entre o trabalho manual e intelectual. Assim sendo, os “movimentos antissistêmicos” passaram não apenas a afrontar o sistema capitalista, mas igualmente estenderam sua luta contra outros dois sistemas que o sustentam, quais sejam: o sistema de organização social dividido em classes sociais antagônicas, e segundo, usando um termo de Marx, contra o sistema do reino da “escassez natural”, ou o predomínio do “reino da necessidade”.

Em Multitudes Ambientalistas en Lucha Contra los Agrotóxicos, os pesquisadores argentinos Cecilia Carrizo e Mauricio Berger recuperam, a partir de entrevistas e análise de documentos, três experiências de luta contra pesticidas nos últimos cinco anos em Córdoba, uma das principais províncias produtoras de soja da Argentina, identificando em cada caso, a pluralidade de saberes e práticas em jogo. Assim, recuperam as noções de Multidões e Justiça Ambiental, para contribuir com a autocompreensão das lutas como políticas e a reflexão sobre o anacronismo de seguir chamando sociais as práticas que, fora do sistema político representativo, resistem ao modelo dos agronegócios.

“Nascemos Assim!”: o movimento LGBT brasileiro e o perigo da estratégia essencialista (1978-2012) é o título do trabalho de Tiago da Silva Ferreira. O autor propõe um debate em torno das estratégias que o movimento LGBT brasileiro vem traçando para combater a discriminação sofrida pela população cuja sexualidade diverge da norma heterossexual. Dessa forma, interessa particularmente o foco que o movimento tem dado, especialmente nos últimos anos, ao que chama de argumento biológico. Ou seja, a estratégia de apregoar a aceitação da diferença sexual pela via da naturalização. Recorre a uma breve reconstituição histórica sobre o discurso acerca da homossexualidade a partir do século XIX, passando pela constituição do moderno movimento gay brasileiro em 1978 até chegar ao contexto atual. O trabalho almeja demonstrar o perigo de despolitização que a aposta na naturalização das sexualidades representa para este importante movimento social contemporâneo.

Fabiano Coelho, em Experiências de Pesquisa: reflexões sobre o MST e a construção de representações sobre os presidentes brasileiros (1984-2006), salienta que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde sua criação, esteve presente e atuante em diversos momentos da história do Brasil, como no final da Ditadura Militar, no processo de “abertura política” do país e na consolidação das eleições diretas para presidente, a partir de 1989. Nesse período, o Movimento se projetou como oposição e resistência aos presidentes, representando-os como conservadores, elitistas e “inimigos” da reforma agrária. Por ora, apresenta reflexões iniciais de pesquisa sobre as representações do MST face aos presidentes brasileiros, entre os anos de 1984 e 2006, sendo eles de José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, e Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do Jornal Sem Terra. Destaca também a importância do Jornal Sem Terra como um instrumento político, utilizado pelo MST para elaborar e publicizar representações sobre os presidentes no período delimitado.

O trabalho de Fernando Perli, intitulado O Internacionalismo em Questão: rede de solidariedade em jornais e cadernos do MST (1984-1986), reflete que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se definiu mediante estratégias políticas que articularam um movimento social com abrangência nacional. Nos debates que arregimentaram movimentos sociais rurais de várias regiões do Brasil, os meios de comunicação do MST contribuíram para intensificar contatos, experiências e identidades políticas. O artigo analisa, a partir dos jornais e cadernos do MST, a construção de uma rede de solidariedade que colocou em pauta, num período de definições organizativas do Movimento, o internacionalismo da luta pela terra.

Cláudia Delboni, em Os novos Atores Sociais: a formação do acampamento de Sumaré II no Estado de São Paulo (1980), realiza algumas considerações teórico-metodológicas sobre a participação das mulheres na consolidação do acampamento de Sumaré II, que ocorreu na década de 1980, no município de Sumaré / SP. Os anos de 1980 foram marcados pela eclosão de diversos movimentos, que trouxeram para o cenário político novos atores sociais. O artigo é fruto de sua dissertação de mestrado, que na qual se utilizou da História Oral de Vida para analisar categorias de análise que instrumentalizaram na compreensão da temática, tais como cidadania e identidade.

No artigo Caminhos para a Emancipação em Tempos de Globalização: transformação social e economia solidária, Hermes Moreira Jr. discute as possibilidades da Economia Solidária como proposta de renovação das teorias críticas ao status quo conservador, no intuito de encontrar novos caminhos e novas agendas para a emancipação social e as consequentes possibilidades de transformação da realidade.

Marcos Alan S. V. Ferreira, em seu artigo Violação dos Direitos Humanos em Nome da Segurança Estatal: considerações sobre os eventos de abril de 2003 em Cuba, analisa as violações dos direitos humanos promovida pelo governo cubano em 2003. Nesse sentido, atenta o olhar para a onda repressiva promovida pelo governo cubano em março e abril de 2003, que resultou na aplicação da pena de morte a três sequestradores e na prisão de 75 opositores de Fidel Castro. Esses atos cometidos por Cuba tiveram forte repercussão internacional, com protestos expressados por personalidades de destaque, como os escritores ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez e José Saramago.

O artigo Concepções e Experiências da Educação Popular no Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor – IAJES, da autora Mariana Esteves de Oliveira, discute o tema da Educação Popular a partir de algumas experiências vividas por movimentos sociais ligados a uma instituição católica na cidade de Andradina / SP, como representativas das práticas de resistência a partir do ano 1970 até meados dos anos 1990. Seus conceitos, seus teóricos, suas matrizes discursivas se encontram com experiências vivenciadas por homens e mulheres que se puseram em luta a partir das discussões empreendidas no bojo desta Educação Popular propugnada pelo educador Paulo Freire e por teólogos da libertação. Dessa forma, as conquistas e contradições dos grupos conformam, em muito, na própria construção das classes populares na América Latina e contribuem para a reflexão que ilumine os caminhos e descaminhos de uma educação que na atualidade se mostra esquizofrênica e inoperante, incapaz de envolver a juventude e incentivá-la a construir um novo horizonte social, uma nova utopia.

Encerrando o Dossiê, André do Nascimento Corrêa, em Sociedade Agrária: hierarquia entre os criadores de gado vacum de Caçapava (1821-1850), analisa as características socioeconômicas do universo agrário de Caçapava, província do Rio Grande do Sul, na primeira metade do século XIX. As principais fontes empregadas são os inventários post mortem e o período abordado estende-se entre 1821 e 1850. Realizou-se, também, um diálogo bibliográfico com estudos sobre História Agrária. O autor investiga a concentração de terras e animais nas mãos de poucas pessoas. Entretanto, ao lado desse pequeno grupo concentrador de recursos, havia uma miríade de pequenos produtores, muitos também senhores de escravos. Assim, sinaliza para um universo social mais complexo do que aquele geralmente descrito nas obras que tratam do contexto local no período abordado.

Na sessão de artigos livres, Adriana Gomes em A Criminalização do Espiritismo no Código Penal de 1890: as discussões nos periódicos do Rio de Janeiro, discute a importância dos periódicos que circulavam na capital federal na segunda metade do século XIX: o Jornal do Commercio, O Apóstolo e o Reformador – para a inserção da Doutrina Espírita, a sua divulgação, ataque e a defesa diante da criminalização de algumas de suas práticas no Código Penal de 1890. Nos discursos divergentes e com tons diferenciados dos periódicos, cada um dos grupos em discussão, tinha um objetivo muito claro: transformar os seus discursos em mecanismos de compreensão e legitimação de suas ideias. E com discursos “legítimos”, buscavam convencer o leitor que os seus argumentos eram os mais coerentes em contraposição aos argumentos do discurso do outro.

José Augusto Ribas Miranda é autor do artigo “El Ambiente que se Respiraba en Nuestro Campo, Era la Conviccíon Íntima del Triunfo de Nuestras Armas”: fotografias de efetivos Militares como construção imagética da superioridade bélica do Chile na Guerra do Pacífico (1879-1884). No trabalho, analisa a construção imagética da superioridade bélica chilena na Guerra do Pacífico em fotografias de efetivos militares, presentes no Album Grafico Militar de Chile, de 1909. Por meio da análise das fotografias, realizadas por Eduardo Clifford Spencer, discute como tais imagens atuam como agentes de construção de uma ideia de superioridade bélica chilena para os próprios nacionais, em obra posterior ao conflito.

No artigo Hetáira e o Sympósion: relações de gênero em banquetes na Atenas do V e IV século a. C., Juliana Magalhães dos Santos salienta que para compreender as relações sociais tecidas em consonância com a dinâmica de banquetes (symposia), é preciso atentar para algumas particularidades sobre a festividade e seus participantes. Identificada como figura recorrente em banquetes, as hetáirai (cortesãs) são elementos importantes para apontar as trocas específicas ocorridas durante os banquetes. Nessa perspectiva, indica a sua dinâmica neste espaço de frequência e suas relações afins, além de analisar este circunscrito espaço de trânsito e ação. Como parte importante para a apreciação do tema, é apresentado um breve comentário sobre a sua expressão imagética e as concepções e considerações a respeito de estudos de gênero que tentam compor um olhar sobre o feminino na História e em particular sobre as cortesãs na Atenas do século V e IV a.C.

Em O Caso de Claudia de Quinta e Magna Mater sob a perspectiva dos estudos do Feminino e da Religião Romana, Pedro Paulo Rosa, reflete que Magna Mater, deusa de origem antiga da região da Frígia, está presente nas festividades públicas e femininas do mês de abril em Roma. Os romanos domesticaram a versão antiga dessa deusa – Cibele – e a trouxeram para a cidade de Roma, no contexto histórico da II Guerra Púnica (no final do III a.C.). Nesse sentido, Magna Mater vem suprir o papel de grande mãe dos romanos, bem como se destina não apenas aos rituais religiosos femininos, isto é, de matronas romanas, mas também é uma deusa urbana, que abrange os magistrados, os equestres, e grande parte da população romana. É geral e particular. Feminina, quando se destina à Claudia Quinta e a outras ricas matronas, uma ordem social sagrada; e masculina, quando também representa e salvaguarda o jovem futuro homem de Estado.

Memórias e Raízes: os alicerces da Faculdade de Direito do Piauí (1930-1935) é o título do artigo dos autores Eduardo Gefferson Silva Ferreira e Marcelo Leandro Pereira Lopes. No trabalho, recuperam a memória da Faculdade de Direito do Piauí, o contexto histórico-político e social de sua instalação, e investigam também os atores envolvidos no processo de sua implantação, compreendendo porque sua implantação foi tardia. Também reflete sobre a influência da Faculdade de Recife e da Revolução de 1930 na sua formação, e ainda apresenta o projeto curricular da instituição. Através de pesquisa documental, discute o longo caminho para a abertura da primeira faculdade de Direito do Piauí e percebe sua importância na formação de uma nova camada burocrática.

Otávio Erbereli Júnior, em seu artigo Do Populismo “Clássico” ao Neopopulismo: trajetória e crítica de um conceito, tem como foco central a crítica de Angela de Castro Gomes à utilização dos conceitos de populismo e neopopulismo na caracterização de determinados períodos da vida política brasileira, notadamente 1930-1964. Pelo fato desta historiadora ter por inspiração teórica a História dos Conceitos, achou por bem reconstituir o trajeto de crítica à tradicional História das Ideias, bem como expor as principais formulações acerca do populismo com os quais Castro Gomes irá dialogar e rejeitar. Por fim, expõe sua proposta de adoção do termo trabalhismo em substituição ao populismo.

Ao finalizar a XIII edição da REHR, apresentamos a resenha de dois livros: Cuba e a Eterna Guerra Fria: mudanças internas e política externa nos anos 90, do autor Marcos Antonio da Silva, resenhada por Claudio Reis; e Daniel Rincon Caires resenhou a obra O Epaminondas Americano – trajetórias de um advogado português na Província do Maranhão, cujos autores são Yuri Costa e Marcelo Cheche Galves.

Desejamos agradáveis e proveitosas leituras. Aventurem-se no universo das palavras.

Nota

1. O trabalho foi traduzido pelos pesquisadores André Dioney Fonseca (Doutorando em História – USP) e Eduardo de Melo Salgueiro (Doutorando em História – UFGD), a quem a REHR agradece a gentileza e colaboração.

Fabiano Coelho – Editor

Dourados / MS, Inverno de 2013.


COELHO, Fabiano. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v.7, n. 13, jan. / jun., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Com planisférios, atlas, cartografia com paisagens e manuscritos produzidos na Europa em tempos modernos nascia uma nova forma de representar espaços políticos com temáticas voltadas para as ocupações humanas e seus territórios, integrando populações e fronteiras. Na busca por imagens para explicar as partes que formam o globo terrestre, foi possível dar ideia sobre uma unidade envolvendo continentes, ilhas, oceanos, pessoas e culturas distintas. Rotas e caminhos marítimos ligaram sociedades de Norte a Sul e de Leste a Oeste com participação de múltiplos canais de informação. A rota marítima para as Índias encontrada por Vasco da Gama, em 1497, foi possível graças ao esforço de muitos conhecimentos, incluindo o do navegador e piloto muçulmano Ahmed ibn Majib, com quem ele saiu de Malindi, na costa oriental da África para chegar a Calicut (Thrower, 2002: 73). Ao contrário, portanto, da ideia de uma cartográfica moderna como resultado de estudos e ações de apenas homens europeus, ela resulta de conhecimentos de diferentes povos e culturas que passaram a ser registradas por conquistadores, corsários e cientistas dos tempos de Colombo e Cabral. Uma cartografia da soma de conhecimentos resultantes de relações antigas e modernas, constituídas por formas de ocupar e representar espaços e ações humanas incluindo formas de diferentes partes do mundo.

As descrições narrativas de conquistadores, pilotos e escrivães, entre outros, partiram de observações sobre a natureza e seus habitantes e passaram a fazer parte das mudanças ocorridas no mundo moderno europeu envolvendo os espaços alcançados com navegações pelos oceanos. A carta de Pêro Vaz de Caminha sobre o “descobrimento do Brasil” é um exemplo sobre uma das primeiras narrativas enviadas ao rei Dom Manuel, em Portugal, para dar conhecimento sobre os feitos da expedição liderada por Pedro Álvares Cabral. Sendo o rei o leitor principal a quem se destina a carta escrita em 1500, Caminha constrói texto informativo sobre a viagem, os nativos, os animais e a flora que encontra, descrevendo o que vislumbra com poucas dúvidas. O eixo central escolhido pela Revista Clio para os dois volumes de 2012, com dossiê Fronteiras e Sociedade, permitiu a reunião e seleção de artigos e resenhas para divulgar alguns dos mais recentes trabalhos de pesquisadores no campo da história social e política que reportam diferentes períodos da história. Trata-se de artigos de pesquisadores com exercício de análise sobre espaços e territórios com suas fronteiras e paisagens que se utilizam de diferentes áreas do conhecimento como o da história, o da antropologia e o da geografia.

Seguindo as diretrizes de M. Santos e J. B. Harley, entre as quais um território representa espaços e sistemas de objetos que podem ser lidos como textos, o segundo volume do dossiê Fronteiras e Sociedade se inicia com seis artigos dedicados a diversas realidades espaciais e temporalidades: Stephanie Caroline Boechat Correia se debruça sobre a África centro-ocidental no séc. XVII, em “Nas fronteiras da cristandade: as missões como baluartes dos impérios europeus na África centro-ocidental”; Christine Rufino Dabat investiga a atuação do engenheiro francês Henrique Milet em “A produção de açúcar nas fronteiras da modernidade: o percurso de Henrique Augusto Milet (Pernambuco, século XIX)”; algumas facetas dos conflitos entre indígenas e a sociedade colonial / nacional em áreas de fronteira do Nordeste brasileiro podem ser encontradas em “Nas fronteiras da sociedade envolvente: políticas indigenistas na província da Bahia nos anos de 1820 e 1860 – comarcas do sul e extremo oeste”, de André de Almeida Rego, e em “Do litoral aos sertões de Ararobá de Pernambuco: fronteiras, poder local e sociedade na América portuguesa (1762-1822)”, de Alexandre Bittencourt Leite Marques; Jonas Moreira Vargas, por sua vez, investiga “Os charqueadores de Pelotas, o comércio de carne-seca e as suas propriedades na fronteira com o Uruguai (século XIX)”; e Patrícia Genovez, Vagner Valadare e Thiago Santos se debruçam sobre “Entre as fronteiras do poder, do cotidiano e da narrativa: a experiência da realocação da ‘nova’ Itueta”.

Na secção dedicada aos artigos livres temos cinco estudos que tratam de várias questões relacionadas à história da África – “Moçambique e o fim do tráfico atlântico no século XIX”, de Diego Zonta – e do Brasil: “Coerção e controle: a educação superior no Brasil durante a ditadura civil-militar (1964-1988)”, de Jaime Valim Mansan; “A Gênese da Editoração Protestante no Brasil: o circuito de difusão das publicações (1830-1920)”, de Micheline Reinaux de Vasconcelos; “Memórias trajadas: roupas e sentimentos no diário íntimo de uma prostituta”, de Ivana Guilherme Simili; e “A Zona da Mata Pernambucana e a Serra Gaúcha: apontamentos sobre a estrutura fundiária em meados do XIX”, de Cristiano Luís Christillino.

Este número da Clio conta ainda com duas resenhas: Tissiano da Silveira resenha a obra “O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (c.1822 – c.1853)”; já a obra coletiva “Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô”, é resenhada por Edson Silva.

A organizadora externa seus agradecimentos a todos aqueles que colaboraram para a consecução deste volume.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.2, jul / dez, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Os artigos recolhidos neste volume são resultado do trabalho de organização e edição de professores da gestão 2012 e 2013 da Pós-Graduação em História, em continuação aos esforços dedicados por editores, conselheiros e pareceristas ad hoc em edições anteriores, desde 1973. A seleção feita para este volume, cujo dossiê intitula-se Fronteiras e Sociedade, apresenta textos de historiadores nacionais e internacionais organizados em duas secções de artigos e ainda uma secção de resenhas.

A opção de organizar um dossiê com tal temática obedeceu a uma dupla preocupação. De um lado, abrir-se para um debate que permitisse transitar pela história e as áreas disciplinares que lhe são afins com mais abertura e profundidade. De outro, possibilitar que estudos historiográficos possam refletir acerca da formação das diversas fronteiras que nos cercam: na sociedade, na política, na cultura, na economia.

Na secção Artigos do Dossiê os temas referem-se à história da América Latina e à história do Brasil. Com reflexões sobre a escravidão no Caribe, Sidney W. Mintz apresenta o artigo “A escravidão e a ascenção de campesinatos” e Izaskun Álvares Cuartero, o artigo “De españoles, yucatecos e indios: La venta de mayas a Cuba y la construcción imaginada de una nación”. Sobre populações em fronteiras na America do Sul, o dossiê apresenta quatro artigos: o de Maria Cristina Bohn Martins “As Missões de Pampas e Serranos: Uma experiência de fronteira na Pampa argentina”; o artigo de José Luis Ruiz-Peinado Alonso, “Entre aguas e fronteras de la Amazônia”; o artigo de Elizabeth Zamora Cardozo, intitulado “Mundos de Frontera: La frontera norte de México y La frontera Colombo-venezuelana. Una Mirada”; e o artigo “Navegação e Limites: Peculiaridades de uma província fronteiriça”, de Ana Claudia Martins dos Santos.

Compõem ainda o dossiê, um artigo que aborda questões relativas aos sertões nordestinos, de Maria Ferreira, “Conexões e Fronteiras de uma Rede de Sociabilidades: Sertão de Pernambuco – 1840-1880”; e outro sobre parte da história dos anos 30, “As várias fronteiras de um líder: Juarez Távora, o Norte e a construção do herói no imediato pós-30”, de Raimundo Hélio Lopes.

Na secção dedicada aos artigos livres apresentam-se cinco estudos, que tratam de várias questões relacionadas à história do Brasil: “A Arte das Corporações de ofícios: As irmandades e o trabalho no Rio de Janeiro colonial”, de Mônica Martins; “Autonomia e Separatismo” de Maria Beatriz Nizza da Silva; “Quando brigam as comadres sabem-se as verdades. Elite provincial e as origens do Partido Parlamentar de 1853”, de Suzana Cavani Rosas; “Os protocolos das modernizações urbanas na história recente da cidade do Recife”, de Luís Manuel Domingues do Nascimento; “Uma cidade (in)civilizada: elite, povo comum e viver urbano em Campo Grande (décadas de 1960-70)”, de Nataniél Dal Moro; e “História e educação: o processo civilizador em Norbert Elias”, de Severino Vicente da Silva e Claudefranklin Monteiro Santo.

Este número traz ainda três resenhas: “La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática”, por Diego Omar da Silveira e Isabel Cristina Leite, “‘Foi assim que conheci meu avô…’: Autobiografia da criança que nascerá para ser carpinteiro”, por Ivaneide Barbosa Ulisses e, finalmente, “O Mundo em 2050: Como a Demografia, a Demanda de Recursos Naturais, a Globalização, a Mudança Climática e a Tecnologia Moldarão o Futuro”, por Ana Maria Barros.

Agradecemos a todos os colaboradores que contribuíram com este volume, especialmente à Professora Christine Rufino Dabat e aos estudantes José Marcelo Ferreira Marques Filho e Raíssa Orestes Carneiro, que juntos traduziram o texto do Professor Sidney W. Mintz.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.1, jan / jun, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Os artigos recolhidos neste volume são resultado do trabalho de organização e edição de professores da gestão 2012 e 2013 da Pós-Graduação em História, em continuação aos esforços dedicados por editores, conselheiros e pareceristas ad hoc em edições anteriores, desde 1973. A seleção feita para este volume, cujo dossiê intitula-se Fronteiras e Sociedade, apresenta textos de historiadores nacionais e internacionais organizados em duas secções de artigos e ainda uma secção de resenhas.

A opção de organizar um dossiê com tal temática obedeceu a uma dupla preocupação. De um lado, abrir-se para um debate que permitisse transitar pela história e as áreas disciplinares que lhe são afins com mais abertura e profundidade. De outro, possibilitar que estudos historiográficos possam refletir acerca da formação das diversas fronteiras que nos cercam: na sociedade, na política, na cultura, na economia.

Na secção Artigos do Dossiê os temas referem-se à história da América Latina e à história do Brasil. Com reflexões sobre a escravidão no Caribe, Sidney W. Mintz apresenta o artigo “A escravidão e a ascenção de campesinatos” e Izaskun Álvares Cuartero, o artigo “De españoles, yucatecos e indios: La venta de mayas a Cuba y la construcción imaginada de una nación”. Sobre populações em fronteiras na America do Sul, o dossiê apresenta quatro artigos: o de Maria Cristina Bohn Martins “As Missões de Pampas e Serranos: Uma experiência de fronteira na Pampa argentina”; o artigo de José Luis Ruiz-Peinado Alonso, “Entre aguas e fronteras de la Amazônia”; o artigo de Elizabeth Zamora Cardozo, intitulado “Mundos de Frontera: La frontera norte de México y La frontera Colombo-venezuelana. Una Mirada”; e o artigo “Navegação e Limites: Peculiaridades de uma província fronteiriça”, de Ana Claudia Martins dos Santos.

Compõem ainda o dossiê, um artigo que aborda questões relativas aos sertões nordestinos, de Maria Ferreira, “Conexões e Fronteiras de uma Rede de Sociabilidades: Sertão de Pernambuco – 1840-1880”; e outro sobre parte da história dos anos 30, “As várias fronteiras de um líder: Juarez Távora, o Norte e a construção do herói no imediato pós-30”, de Raimundo Hélio Lopes.

Na secção dedicada aos artigos livres apresentam-se cinco estudos, que tratam de várias questões relacionadas à história do Brasil: “A Arte das Corporações de ofícios: As irmandades e o trabalho no Rio de Janeiro colonial”, de Mônica Martins; “Autonomia e Separatismo” de Maria Beatriz Nizza da Silva; “Quando brigam as comadres sabem-se as verdades. Elite provincial e as origens do Partido Parlamentar de 1853”, de Suzana Cavani Rosas; “Os protocolos das modernizações urbanas na história recente da cidade do Recife”, de Luís Manuel Domingues do Nascimento; “Uma cidade (in)civilizada: elite, povo comum e viver urbano em Campo Grande (décadas de 1960-70)”, de Nataniél Dal Moro; e “História e educação: o processo civilizador em Norbert Elias”, de Severino Vicente da Silva e Claudefranklin Monteiro Santo.

Este número traz ainda três resenhas: “La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática”, por Diego Omar da Silveira e Isabel Cristina Leite, “‘Foi assim que conheci meu avô…’: Autobiografia da criança que nascerá para ser carpinteiro”, por Ivaneide Barbosa Ulisses e, finalmente, “O Mundo em 2050: Como a Demografia, a Demanda de Recursos Naturais, a Globalização, a Mudança Climática e a Tecnologia Moldarão o Futuro”, por Ana Maria Barros.

Agradecemos a todos os colaboradores que contribuíram com este volume, especialmente à Professora Christine Rufino Dabat e aos estudantes José Marcelo Ferreira Marques Filho e Raíssa Orestes Carneiro, que juntos traduziram o texto do Professor Sidney W. Mintz.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.1, jan / jun, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Com planisférios, atlas, cartografia com paisagens e manuscritos produzidos na Europa em tempos modernos nascia uma nova forma de representar espaços políticos com temáticas voltadas para as ocupações humanas e seus territórios, integrando populações e fronteiras. Na busca por imagens para explicar as partes que formam o globo terrestre, foi possível dar ideia sobre uma unidade envolvendo continentes, ilhas, oceanos, pessoas e culturas distintas. Rotas e caminhos marítimos ligaram sociedades de Norte a Sul e de Leste a Oeste com participação de múltiplos canais de informação. A rota marítima para as Índias encontrada por Vasco da Gama, em 1497, foi possível graças ao esforço de muitos conhecimentos, incluindo o do navegador e piloto muçulmano Ahmed ibn Majib, com quem ele saiu de Malindi, na costa oriental da África para chegar a Calicut (Thrower, 2002: 73). Ao contrário, portanto, da ideia de uma cartográfica moderna como resultado de estudos e ações de apenas homens europeus, ela resulta de conhecimentos de diferentes povos e culturas que passaram a ser registradas por conquistadores, corsários e cientistas dos tempos de Colombo e Cabral. Uma cartografia da soma de conhecimentos resultantes de relações antigas e modernas, constituídas por formas de ocupar e representar espaços e ações humanas incluindo formas de diferentes partes do mundo.

As descrições narrativas de conquistadores, pilotos e escrivães, entre outros, partiram de observações sobre a natureza e seus habitantes e passaram a fazer parte das mudanças ocorridas no mundo moderno europeu envolvendo os espaços alcançados com navegações pelos oceanos. A carta de Pêro Vaz de Caminha sobre o “descobrimento do Brasil” é um exemplo sobre uma das primeiras narrativas enviadas ao rei Dom Manuel, em Portugal, para dar conhecimento sobre os feitos da expedição liderada por Pedro Álvares Cabral. Sendo o rei o leitor principal a quem se destina a carta escrita em 1500, Caminha constrói texto informativo sobre a viagem, os nativos, os animais e a flora que encontra, descrevendo o que vislumbra com poucas dúvidas. O eixo central escolhido pela Revista Clio para os dois volumes de 2012, com dossiê Fronteiras e Sociedade, permitiu a reunião e seleção de artigos e resenhas para divulgar alguns dos mais recentes trabalhos de pesquisadores no campo da história social e política que reportam diferentes períodos da história. Trata-se de artigos de pesquisadores com exercício de análise sobre espaços e territórios com suas fronteiras e paisagens que se utilizam de diferentes áreas do conhecimento como o da história, o da antropologia e o da geografia.

Seguindo as diretrizes de M. Santos e J. B. Harley, entre as quais um território representa espaços e sistemas de objetos que podem ser lidos como textos, o segundo volume do dossiê Fronteiras e Sociedade se inicia com seis artigos dedicados a diversas realidades espaciais e temporalidades: Stephanie Caroline Boechat Correia se debruça sobre a África centro-ocidental no séc. XVII, em “Nas fronteiras da cristandade: as missões como baluartes dos impérios europeus na África centro-ocidental”; Christine Rufino Dabat investiga a atuação do engenheiro francês Henrique Milet em “A produção de açúcar nas fronteiras da modernidade: o percurso de Henrique Augusto Milet (Pernambuco, século XIX)”; algumas facetas dos conflitos entre indígenas e a sociedade colonial / nacional em áreas de fronteira do Nordeste brasileiro podem ser encontradas em “Nas fronteiras da sociedade envolvente: políticas indigenistas na província da Bahia nos anos de 1820 e 1860 – comarcas do sul e extremo oeste”, de André de Almeida Rego, e em “Do litoral aos sertões de Ararobá de Pernambuco: fronteiras, poder local e sociedade na América portuguesa (1762-1822)”, de Alexandre Bittencourt Leite Marques; Jonas Moreira Vargas, por sua vez, investiga “Os charqueadores de Pelotas, o comércio de carne-seca e as suas propriedades na fronteira com o Uruguai (século XIX)”; e Patrícia Genovez, Vagner Valadare e Thiago Santos se debruçam sobre “Entre as fronteiras do poder, do cotidiano e da narrativa: a experiência da realocação da ‘nova’ Itueta”.

Na secção dedicada aos artigos livres temos cinco estudos que tratam de várias questões relacionadas à história da África – “Moçambique e o fim do tráfico atlântico no século XIX”, de Diego Zonta – e do Brasil: “Coerção e controle: a educação superior no Brasil durante a ditadura civil-militar (1964-1988)”, de Jaime Valim Mansan; “A Gênese da Editoração Protestante no Brasil: o circuito de difusão das publicações (1830-1920)”, de Micheline Reinaux de Vasconcelos; “Memórias trajadas: roupas e sentimentos no diário íntimo de uma prostituta”, de Ivana Guilherme Simili; e “A Zona da Mata Pernambucana e a Serra Gaúcha: apontamentos sobre a estrutura fundiária em meados do XIX”, de Cristiano Luís Christillino.

Este número da Clio conta ainda com duas resenhas: Tissiano da Silveira resenha a obra “O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (c.1822 – c.1853)”; já a obra coletiva “Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô”, é resenhada por Edson Silva.

A organizadora externa seus agradecimentos a todos aqueles que colaboraram para a consecução deste volume.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.2, jul / dez, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Inquisição, Poder e Sociedade / Politeia: História e Sociedade / 2011

Por 285 anos, entre 1536 e 1821, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Portugal foi responsável pela perseguição a mais de 40 mil pessoas em todo o império luso, que compreendia terras da metrópole, ilhas do Atlântico (Açores, Madeira, Cabo Verde, São Tomé), várias regiões da África (a costa ocidental, do Marrocos ao Cabo da Boa Esperança, além de Angola e Moçambique), o Brasil, localidades na Índia (Goa, Cochim) e no extremo Oriente (Macau, Malaca, Nagasaki). Homens e mulheres foram investigados e condenados por crimes contra a fé (judaísmo, maometismo, protestantismo, molinismo, deísmo, libertinismo, críticas aos dogmas etc.) ou contra os costumes e a moral cristã (bigamia, sodomia, feitiçaria, solicitação). As sentenças, em sua maioria lidas publicamente em autos-de-fé, variavam de acordo com o grau de gravidade imputado pelos juízes inquisidores aos delitos cometidos. Cerca de dois mil indivíduos foram condenados à morte na fogueira e a um número muito maior foram impostas penas como a obrigação de ouvir missas, o açoite, o degredo, o confisco dos bens, o uso de hábito penitencial, a prisão perpétua, dentre outras. A documentação resultante desses procedimentos adotados pelo Tribunal do Santo Ofício de Lisboa – processos inquisitoriais e de habilitações, correspondências enviadas e recebidas, denúncias e confissões, cadernos do promotor, de nefandos e de solicitantes etc. – se constitui em registros valiosos para pesquisadores de diversas áreas das ciências humanas pois, a partir dela, é possível, como nos lembra Maria do Carmo Jasmins Dias Farinha, estudar temas relacionados a conflitos sociais, dificuldades econômicas, movimento marítimos, produção literária, censura, arquitetura urbana, toponímia, dentre outros aspectos da vida social dos territórios submetidos ao domínio lusitano.

Apresentamos ao público da Revista Politeia o dossiê Inquisição, poder e sociedade, composto por seis artigos de pesquisadores brasileiros que, a partir da investigação do acervo documental dos cartórios inquisitoriais, se ocupam da história do Santo Ofício português e, especificamente, das ações desta instituição no Brasil entre os séculos XVI e XVIII. O conjunto de textos apresentado é uma importante contribuição para a compreensão da Inquisição portuguesa, de sua dinâmica, funcionamento e historiografia. Reunimos aqui episódios que contam um pouco da história da América portuguesa: alguns trabalhos exploram aspectos relacionados ao cotidiano, às práticas e ideias de coletividades, como os judeus e cristãos-novos que se deslocaram para terras brasileiras; outros se dedicam a acompanhar a trajetória de indivíduos singulares que foram, de algum modo, atingidos pela Inquisição – homens célebres, como Antônio Vieira, ou obscuros, como um certo João de Moraes Montesinhos ou, outro, Alexandre Henriques, moradores da Bahia e das Minas Gerais – que, denunciados, atravessaram o Atlântico, se apresentaram ao Tribunal do Santo Ofício e conheceram os cárceres de Lisboa. Alguns artigos se concentram nas relações de poder que se afirmavam por meio das ações relacionadas à Inquisição – o papel de visitadores e familiares, os denunciantes que agiam motivados pelo desejo de atingir adversários políticos –; outros focam as tentativas do Santo Ofício em controlar a conduta moral e as práticas culturais de homens e mulheres submetidos à Coroa portuguesa.

O primeiro artigo, escrito por Angelo Adriano Faria de Assis, professor de História do Brasil Colonial da Universidade Federal de Viçosa, intitulado “Menorá de mil braços: variações do criptojudaísmo no mundo português” discute a sobrevivência da fé judaica após o decreto real que, em 1497, determinou a expulsão dos judeus de Portugal e, a seguir, a conversão compulsória ao cristianismo daqueles que permaneceram nas terras do reino. Angelo Assis destaca alguns processos inquisitoriais que tiveram por motivação denúncias contra pessoas acusadas de práticas identificadas com a crença judaica, como o respeito ao shabat, as restrições alimentares, o jejum em datas significativas do calendário judeu, as bênçãos e orações etc. O texto adota como ponto de partida a importância da menorá – um candelabro de vários braços, que ostentavam velas que deveriam ficar permanentemente acesas – no mobiliário dos templos judaicos para ressaltar as estratégias adotadas por várias famílias de cristãos novos com o intuito de assegurar a continuidade das práticas religiosas e culturais que lhes conferiam identidade. Assim como as chamas da menorá deveriam se mostrar sempre acesas, também estes cristãos novos se imbuíram da missão de manter permanentemente acesa a chama da fé, mesmo nos momentos em que esta crença foi transformada em ato herético e passível de perseguição e condenação pelos inquisidores do Santo Ofício.

“Terceira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil: Capitanias do Sul, 1627-1628” é o segundo artigo desse dossiê, de autoria de Ana Margarida Santos Pereira, doutoranda da Universidade de Amsterdã. O texto aborda um dos mecanismos pelos quais a Inquisição se fazia presente nos diferentes territórios, mesmo os mais distantes, do império português: a visitação. O Brasil foi alvo de uma primeira visitação em fins do século XVI, ocasião em que o visitador percorreu cidades da Bahia e de Pernambuco. Uma segunda visitação do Santo Ofício se faria presente em terras da Bahia em 1618. A terceira visitação, que se efetiva nos anos de 1627 e 1628, foi a primeira que alcançou as “partes” do Sul, atingindo localidades como o Rio de Janeiro, São Paulo, São Vicente, Santos e Vitória. Essa visitação, embora tenha se constituído em objeto de estudos por José Gonçalves Salvador e Lina Gorenstein, ainda é pouco conhecida e divulgada pelos pesquisadores da Inquisição. A abordagem de Ana Margarida Pereira, tomando como exemplo paradigmático a figura de Luís Pires da Veiga, o personagem principal da terceira Visitação, trata de diferentes aspectos relacionados à atuação dos visitadores: as pompas e solenidades que, em cada localidade, deveriam ser oferecidas ao visitador, os procedimentos adotados para o recebimento de denúncias e confissões, as penalidades impostas aos acusados, dentre outros. A autora enfatiza certa ambiguidade inerente à figura do visitador: pelas pompas que o acompanham e pela autoridade para ditar sentenças, ele é, indiscutivelmente, uma figura de poder; porém, é uma figura que pode ter este poder questionado pelas elites locais – moradores transformados em alvos da ação do visitador poderiam encaminhar à Inquisição denúncias contra o que fosse julgado como “abusos” do agente inquisitorial; em sentido contrário, o visitador também poderia ser alvo de denúncias por “complacência” (permitir que seus acompanhantes viajassem em companhia de “mancebas”, manter contatos demasiado amistosos com cristãos-novos, travar conversações com mulheres mundanas etc.). A autora destaca ainda que a visitação também oferecia, a seus agentes, a oportunidade de realização de negócios privados: visitadores aproveitavam as viagens a diferentes partes do reino luso para adquirir escravos, ouro e outras mercadorias de valor, o que implicava o aprofundamento dos contatos com mercadores que, não raro, eram cristãos-novos.

“Bernardo Vieira Ravasco e a Inquisição de Lisboa”, de autoria de Marco Antônio Nunes da Silva, professor de História Moderna da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, é um artigo construído a partir dos “cadernos do Promotor” da Inquisição portuguesa do século XVII. Na hierarquia burocrática inquisitorial, o promotor era o responsável pela apresentação das acusações contra os denunciados por práticas contra a fé e contra a Igreja. Em seus cadernos eram reunidas denúncias oriundas tanto das visitações como de denúncias formais apresentadas por diferentes agentes do poder até delações apresentadas por correspondências simples, encaminhadas por pessoas de condição obscura. A maioria destas denúncias jamais se transformou em processo inquisitorial; algumas foram objeto de investigações que não acarretaram a constituição de processo, outras sequer foram investigadas, delas restando apenas os registros no “caderno do Promotor”. Dentre as várias denúncias que figuram nestes cadernos, Marco Antônio da Silva se detém na análise daquelas que mencionam um personagem relevante na cena política da Bahia – e do Brasil – colonial: Bernardo Vieira Ravasco, que, durante 57 anos, ao longo do século XVII, ocupou o cargo de secretário do Estado do Brasil, imediatamente abaixo do Governador Geral. O autor, a partir destas anotações dos “cadernos”, analisa o papel desempenhado pela Inquisição em meio às intensas disputas pelos postos de prestígio e poder no Estado colonial. Bernardo Vieira Ravasco, além de ter sido secretário do Estado e ter se tornado alvo de investigações por parte da Inquisição, teve o seu nome envolvido em episódios relacionados a uma conspiração contra o próprio Governador Geral e ao assassinato do alcaide de Salvador; Bernardo Ravasco era, ainda, irmão do célebre Antônio Vieira, personagem também citado nos “cadernos do Promotor”, de intensos e conhecidos conflitos com a Inquisição de Lisboa.

Ainda numa incursão pelo século XVII e tendo como personagem central um membro do clero luso-brasileiro, “Ventura e desventuras de um mercedário sodomita em Belém do Pará pós-Filipino”, do professor Luiz Mott da Universidade Federal da Bahia, trata da vida material e do cotidiano de um convento na Amazônia portuguesa. Dentre os milhares de processos inquisitoriais que ajudam a compor o formidável acervo do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Luiz Mott concentra sua atenção em um, constituído contra o prelado e comendador do convento da Ordem de Nossa Senhora das Mercês (Real, Celestial e Militar Ordem de Nossa Senhora das Mercês e Redenção dos Cativos) em Belém, no ano de 1656. Denunciado por praticar o “abominável” crime de sodomia, Frei Lucas de Souza seria preso, interrogado, encaminhado para o Tribunal do Santo Ofício de Lisboa, amargaria 14 meses no cárcere e seria, finalmente, condenado a dez anos de degredo nas galés de Sua Majestade. Este processo – além de outros analisados, que envolvem acusações contra os supostos amantes de Frei Lucas de Souza – serve para o autor analisar a trajetória da Ordem de Nossa Senhora das Mercês em territórios da América portuguesa, as disputas pelos postos superiores no interior das ordens religiosas, além dos elementos que caracterizavam a vida cotidiana e os códigos de comportamento e conduta dos homens e mulheres aos quais a Igreja ambicionava orientar e vigiar.

O quinto artigo, intitulado “‘Sapatos ao mato’: o sentimento de ‘um triste homem que vem preso’ pelo Santo Ofício” é resultado de uma pesquisa desenvolvida por Suzana Maria de Sousa Santos Severs, professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Suzana Severs também se dedica a um processo particular para, a partir dele, lançar novas luzes sobre o funcionamento da Inquisição portuguesa em terras coloniais. A autora destaca a trajetória de um indivíduo destituído de qualquer notoriedade, morador da capitania de Minas Gerais, negociante e cristão novo, filho, irmão e cunhado de negociantes e cristãos novos que, acusado de criptojudaísmo, seria preso e encaminhado aos cárceres da Inquisição em Lisboa, onde permaneceria por nove meses até a definição de sua pena. Suzana Severs concentra sua atenção em um documento, escrito pelo próprio punho do denunciado, no qual este apresenta detalhes de sua viagem, sob a custódia de um Familiar do Santo Ofício, desde as Minas de Ribeira do Carmo – atual cidade mineira de Mariana –, onde morava, até o porto do Rio de Janeiro, quando seria embarcado nas galés rumo a Lisboa. O objetivo do acusado, ao redigir tal documento, era, claramente, o de denunciar os abusos, os maus-tratos e os sofrimentos de que foi vítima enquanto sob a guarda do Familiar designado para escoltá-lo até o Rio de Janeiro; para a autora, tal documento cumpre o relevante papel de resgatar os sentimentos e a subjetividade de um prisioneiro e, ao mesmo tempo, revela detalhes que conferem uma dimensão profundamente humana às ações e expectativas dos homens – agentes do Santo Ofício ou personagens a ele submetidos – que viveram em épocas e territórios controlados pela Inquisição.

O último texto que compõe este dossiê, “Movido pela loucura ou pela fé: trajetória de Alexandre Henriques”, de autoria dessa organizadora, apresenta a saga de um cristão novo, português, que chega ao Brasil no início do século XVIII com destino a Minas Gerais, com pretensões de enriquecer por meio da mineração, e retorna a Portugal como prisioneiro do Santo Ofício, dando entrada no Palácio dos Estaus em março de 1735. Antes de ser encaminhado à prisão de Lisboa, porém, Alexandre foi recolhido e permaneceu internado, considerado louco, no Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Salvador. Os documentos inquisitoriais relativos a este personagem mostram a sua condição principal: tratava-se de um desviante, de um indivíduo que manifestava enunciados incompatíveis com a ordem afirmada pela hierarquia eclesiástica. E as hesitações das autoridades inquisitoriais face às tentativas de classificação deste indivíduo – louco ou herético? – revelam um dos traços essenciais da Inquisição: a busca pela afirmação da ordem mediante a perseguição, o banimento e a aniquilação do outro, do diferente.

O presente dossiê reúne, portanto, diferentes trabalhos relativos à presença e atuação dos agentes do Santo Ofício português, sobretudo suas ações em diversas partes da América portuguesa, em especial na Bahia. Não pretende exaurir qualquer um dos aspectos abordados ao longo dos ensaios, mas simplesmente contribuir para um melhor entendimento dessa instituição e, acima de tudo, colaborar e incentivar novas pesquisas nesta área.

Agradeço à Diretoria Executiva da Revista Politeia pela oportunidade e possibilidade de reunião desses ensaios. E agradeço, especialmente, os / as articulistas que, generosamente, concordaram em divulgar seus relevantes trabalhos de pesquisa por meio deste dossiê o qual tive a honra de coordenar.

Grayce Mayre Bonfim Souza – Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) Doutora em História Social pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) E-mail: graycebs@yahoo.com.br


SOUZA, Grayce Mayre Bonfim. Apresentação. Politeia: História e Sociedade. Vitória da Conquista , v.11, n. 1, 2011. Acessar publicação original [DR]

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A sociedade no século XX / Revista Brasileira de História & Ciências Sociais / 2009

O século XX pôs em movimento experiências sociais, culturais e políticas em quantidade e velocidade nunca experimentada anteriormente pela humanidade. Em nenhum outro momento da história os homens foram tão impactados por seus próprios atos e pelas conseqüências (im)previstas destes.

A indústria do século XX liberou forças produtivas em escalas nunca imaginadas, utilizando-se de recursos naturais de forma vertiginosa, com pouca ou nenhuma preocupação com a sustentabilidade. Mudanças profundas nas relações de e no trabalho tiveram implicações marcantes sobre a subjetividade e sociabilidade humana. O “modelo” fordista de produção, em meio a um processo de urbanização crescente, contribuiu decisivamente para emergir simultaneamente um modo de consumo insustentável e a massificação de diferentes expressões da vida, do trabalho ao lazer. O século XX não havia terminado e este padrão de desenvolvimento entra em declínio dando lugar a novos arranjos organizacionais e tecnológicos no mundo do trabalho. Tais transformações juntamente com as políticas de corte neoliberais, que retornam a cena na década de 1970, fragilizaram ainda mais o trabalho frente ao capital, trazendo inseguranças muito agudas para os trabalhadores. O desemprego, que ainda hoje assombra a contratualidade social, é a conseqüência mais visível, de um conjunto de transformações profundas em curso.

Em outro plano o século XX revela um complexo menu de experiências políticas tais como diferentes manifestações do socialismo e democracias capitalistas, nacionalismos, fascismo, nazismo, ditaduras militares na America Latina, levantes anticoloniais, assim como movimentos sociais diversos.

Mesmo contendo experiências políticas nefastas, comparativamente a outros momentos da história pode-se dizer que foi um século de ampliação dos valores democráticos e dos direitos sociais. Vale registrar, também, as conquistas realizadas pelas mulheres e a instituição de direitos fundamentais para as crianças. Mas, simultaneamente o século XX foi o mais violento da história humana com duas grandes guerras mundiais e dezenas de ininterruptos conflitos civis e entre nações. Acredita-se que mais de 100 milhões de pessoas tenham perdido a vida nestes conflitos.

Assistimos igualmente, ao longo do século, a uma vertiginosa torrente de inventos e descobertas que mudaram a vida biológica, social e subjetiva de imensos contingentes humanos. A mecânica quântica, as viagens espaciais, os antibióticos, os transplantes, a televisão, a lâmpada, a telefonia, computadores e inúmeros eletrodomésticos, são alguns exemplos. Por outro lado, o século XX ainda não havia chegado a sua metade e Walter Benjamim (1892-1940), em uma de suas Teses sobre a Filosofia da História, vale-se de uma pintura do suíço Paul Klee (1979 -1940), o Angelus Novus, para interrogar os horrores produzidos pelo progresso e a forma desorientada pela qual nos dirigimos ao futuro.

Por tudo que até agora referimos o que mais me chama a atenção no século XX é a grande quantidade de paradoxos que a experiência humana pôs em movimento.

Para as ciências humanas o século XX foi incrivelmente profícuo, não apenas em razão do acelerado processo de institucionalização de suas disciplinas, mas, sobretudo pelos avanços produzidos em relação a alguns postulados do Iluminismo e do Positivismo. Embora este embate epistêmico e social ainda esteja em curso dentro e fora das universidades, ganham força no final do século XX os empreendimentos teóricos e empíricos que procuram: i. superar antinomias tais como sujeito / objeto, material / ideal, sociedade / individuo; ii. descentrar o sujeito iluminista; e iii. mostrar que as ciências humanas não produzirão os meios para um conhecimento e controle integral das ações humanas e que a contingencia e o risco, em maior ou menor grau, é verdade, sempre estarão presentes.

Em outro artigo lembrei de uma frase de Tristão de Ataíde que diz : “o passado não é o que passou. É aquilo que fica do que passou.” Nesse sentido podemos afirmar que, em alguma medida, para o bem e para o mau, o século XX ainda está entre nós e, portanto, devemos seguir levantando algumas de suas bandeiras. A ampliação e aprofundamento dos valores democráticos na sociedade e o exercício da política seguem sendo urgentes e imprescindíveis.

Fernando Coutinho Cotanda – Doutor, professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS.


COTANDA, Fernando Coutinho. Apresentação. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.1, n. 2, Dez., 2009. Acessar publicação original [DR]

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Trabalho e Sociedade nas Américas / História (Unesp) / 2006

A problemática do trabalho é uma questão central na história das sociedades americanas, desde o surgimento das primeiras civilizações, muitos séculos antes da chegada do europeu neste continente, intensificando-se com a incorporação desse novo território primeiro como colônias das coroas de Castela e Portugal e posteriormente com a Inglaterra, França e Holanda. Foram várias as soluções experimentadas para a questão da mão-de-obra, como a escravização da população nativa, a introdução do escravo africano e tantos outros sistemas de trabalho ao longo da história. Objeto de várias investigações tanto no campo historiográfico como entre pesquisadores das diversas áreas das ciências humanas, o tema vem atraindo a atenção de investigadores brasileiros e estrangeiros. Questão de extrema atualidade, tendo em vista as transformações do mundo do trabalho no século que se inicia. Foi com a intenção de aprofundar e divulgar este debate que o conselho editorial escolheu esta problemática para dar início a uma nova gestão da revista História.

Os dois primeiros artigos, embora em perspectivas diferentes, abordam a experiência da Companhia de Jesus em duas regiões da América. O primeiro do professor Fernando Torres-Londoño, estuda a questão da mão-de-obra nativa nas missões jesuítas da região amazônica. O segundo, de Beatriz Helena Domingues, analisa a experiência jesuítica entre os guaranis através de três relatos do século XVIII.

O trabalho dos professores José Manuel Serrano e Alan Kuthe analisa a implantação de estabelecimentos que ficaram conhecidos como “presídios”, ou seja, cidades fortificadas para a expansão da colonização espanhola ao longo da fronteira norte do Vice-reinado da Nova Espanha. Em região conhecida pela sua aridez e de poucos recursos econômicos, a coroa espanhola procurava com estas atividades colonizar a área e submeter os indígenas belicosos. Os autores procuram investigar em especial como se deu a busca de recursos para manutenção destes núcleos.

O artigo do professor Horacio Gutierrez analisa a utilização da mão-de-obra escrava no Paraná e sua importância junto à questão das terras na constituição de hierarquia sociais. O artigo do professor Pedro Miranda Ojeda segue o caminho da constituição do trabalho, do progresso e da modernização como valores morais que contribuíram na construção da nação mexicana. O professor Ivan de Andrade Vellasco trabalha com a formação de processos identitários e de solidariedade através da análise de um processo criminal. Ambos inseridos no contexto do século XIX.

O artigo do historiador Norberto Ferreras visa averiguar as relações entre imigração e formação da classe operária na Argentina moderna. Já o artigo de Dainis Kaperovs analisa a criação, pelo Partido Comunista, em 1925, da Coligação Operária de Santos.

Fora do dossiê participam deste número o artigo coletivo da professora Heloisa Rechel em conjunto com Ana Paula Bronizieck e Débora Ehlert, que analisa a historiografia da América Latina, publicada no periódico argentino Desarrollo Económico Revista de Ciencias Sociales, durante os anos sessenta do século passado, em especial o tema da política e do pensamento desenvolvimentista. Em outro artigo, Alexandre Mendes Cunha discute o fenômeno do clientelismo na sociedade brasileira desde um ponto de vista da longa duração.

Trabalho e Sociedade nas Américas é o tema que abre os trabalhos do novo conselho editorial da revista de História. A nova gestão assume com uma proposta de adaptar a revista para os novos tempos de nossa universidade. Assumimos também com a intenção de dar continuidade ao trabalho que já vinha sendo feito, com muita competência, de inserção maior da revista no meio acadêmico e científico brasileiro e internacional e para tanto contamos com o apoio de nossos colegas do curso de História.

Conselho Editorial


Conselho Editorial. Apresentação. História (São Paulo), Franca, v.25, n.1, 2006. Acessar publicação original [DR]

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Religião e sociedade: o espaço do sagrado no século XXI / História – Questões & Debates / 2005

Desde 2003, um grupo de pesquisadores, cujo tema central era a religião, as religiosidades e as instituições religiosas em suas mais diversas modalidades, começou a se reunir aos sábados para trocar informações, discutir teorias, abordar metodologias e explorar fontes e análises sobre o tema. No começo andávamos pela UFPR, pela PUC e por outros espaços sem nos incomodarmos com o conforto do lugar. Alguns se agregavam, outros abandonavam o grupo, até que no dia 20 de maio de 2004, num sábado pela manhã, resolvemos fundar o NÚCLEO PARANAENSE DE PESQUISA EM RELIGIÃO – NUPPER.

Com o objetivo de congregar pesquisadores para estudos e pesquisas multidisciplinares e multitemáticas em religião e suas derivações, o Nupper estabelecia uma programação composta de leituras, apresentação de trabalhos, realização de seminários, publicação de textos, entre outras atividades. Sua característica central é a pesquisa e a discussão de temáticas ligadas às instituições religiosas, religião e manifestações de religiosidades.

Ainda em 2004 realizamos o I Seminário Nacional sobre “Religião e Sociedade: o espaço do sagrado no século XXI”, com sessões de estudo e relatos de pesquisa que se estenderam por quatro meses, alternando terças-feiras no período da noite. Na continuidade, em 2005, organizamos o II seminário com o mesmo tema, concentrando suas atividades numa sexta-feira à noite e num sábado em período integral. Sentindo a demanda dos participantes e o anseio por um espaço para apresentação de pesquisas, neste ano de 2006 o III Seminário prevê a possibilidade de que um público maior apresente suas pesquisas.

Parte do resultado dessas pesquisas e das discussões está sendo agora apresentado neste dossiê. Como se pode observar, preserva-se o caráter abrangente dos temas, os quais, além das abordagens teóricas, revelam também as opções metodológicas de seus autores.

Doze pesquisadores em nove artigos nos instigam a pensar e a refletir sobre a historicidade das questões da religião e da religiosidade e suas permanências na contemporaneidade. Perpassa por estas temáticas um conceito central: O SAGRADO. Moojan Momen, no seu texto, parte da tese de que os seres humanos criam a realidade socialmente e de forma comunal, e que a estrutura social organizada hierarquicamente tem sido o padrão para os seres humanos, em especial os que vivem nas cidades. Examina as tentativas da comunidade bahá’í para mudar esta realidade e como os seus ensinamentos criticam este padrão, considerando-o responsável pela competição e agressão que atualmente afligem o mundo com doenças como guerras (devido à competição entre nações), degradação do meio ambiente (devido à competição empresarial), o domínio das elites sociais e as agressões em relação às mulheres, classes sociais inferiores e minorias étnicas. Euclides Marchi resgata algumas concepções de sagrado e procura verificar como elas se articulam com a prática da religiosidade. Ressalta que, apesar dos avanços e das conquistas da ciência, o sagrado e a religiosidade continuam presentes e se afirmam como formas de vivenciar a religião para significativa parcela da população humana. Uipirangi e Edilson mostram as diferentes abordagens sobre o protestantismo no Brasil, em especial quanto às peculiaridades de sua relação com o sagrado. Para isso, trabalham com o diálogo entre a História e as Ciências da Religião, privilegiando a abordagem de uma sociologia compreensiva, fundamentando suas idéias nas teorias de Maurice Halbwachs e Paulo Barreira. Vera Irene aborda algumas questões do universo das práticas religiosas tidas como populares e suas representações simbólicas do sagrado, dando destaque para o trânsito contínuo e intenso entre o institucional e o desclericalizado. Usa como exemplo as Folias de Reis, a Festa do Divino Espírito Santo e o Círio de Nazaré, as quais, além de revelarem um rico campo de investigação, também permitem perceber nela uma forma de expressão da fé. Roseli Boschilia elucida a aposta feita pela Igreja Católica na juventude como a camada social capaz de viabilizar o projeto reformista e como a educação constitui um mecanismo eficiente para frear os avanços da modernidade. Reflete sobre a política implementada pela Igreja Católica ultramontana na construção de um discurso em que o jovem aparece como o depositário das esperanças de sedimentação de valores e costumes, elegendo-o como um dos elementos capazes de evitar as mudanças e manter a tradição. Sylvio Gil e Sérgio Junqueira discutem, a partir de uma perspectiva histórica, a crise epistemológica do ensino religioso no contexto educacional do Brasil. Explorando o debate recente e o redimensionamento do objeto da disciplina “Ensino Religioso”, apresentam a discussão do pensamento e a análise do discurso religioso mostrando que a escola é um espaço privilegiado para a compreensão do sagrado em nossa sociedade. Agemir Carvalho e Valdinei Ferreira trazem sua contribuição por meio de um estudo que tem como objetivo identificar as raízes da cooperação entre as igrejas evangélicas de Curitiba, as quais remontam às missões norte-americanas e ao movimento unionista. Usam como exemplos desta cooperação a Sociedade Evangélica Beneficente e a Campanha Pró-Hospital Evangélico, cuja construção e sucesso no trabalho voltado para a sociedade são considerados como aspectos da identidade evangélica e como a face filantrópica e moderna dos evangélicos paranaenses. Victor Augustus nos apresenta a análise dos efeitos de sentido do discurso “Admoestações”, de Francisco de Assis, ressaltando o contexto sócio-religioso por ele vivido, o esforço para transformá-lo e o novo mundo que almejava construir na sociedade urbana medieval de sua época. Busca compreender a atualidade de Francisco, homem do século XIII, considerando-o como fundador de um discurso e como exemplo de perfeição cristã a partir de um modo de vida de pobreza voluntária e de serviço aos excluídos sociais. Névio Campos analisa a trajetória, os debates e os projetos dos intelectuais católicos leigos em torno da temática educativa à luz do contexto histórico paranaense entre os anos de 1920 e 1930. Mostra o processo de constituição do grupo, as suas interlocuções com as vertentes teóricas e filosóficas, as suas idéias e intervenções culturais, suas relações com o Estado e com os grupos políticos no cenário paranaense. Apoiando-se nos periódicos escritos e dirigidos pelo grupo, ressalta as contribuições do laicato ao projeto romanizador da Igreja Católica.

Cabe um agradecimento especial aos demais companheiros do Nupper, que colaboram para que o núcleo continue crescendo e se consolide como um espaço de pesquisa, discussão e troca de experiências. Àqueles que, embora participando ativamente de todas as atividades, não estão relacionados neste dossiê, gostaríamos de ressaltar que sua ausência é mera circunstância do acaso. Não faltarão oportunidades para que apresentem seus trabalhos.

Euclides Marchi – Membro do NUPPER


MARCHI, Euclides. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.43, n.2, jul./dez., 2005. Acessar publicação original [DR]

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Ciência e Sociedade / Revista Brasileira de História / 2001

Trazer a público uma discussão acerca das relações entre Ciência e Sociedade constituiu um desafio na medida em que se trata de temática pouco contemplada nas revistas da área de História, apesar da vigorosa e diversificada produção que vem sendo realizada pelos historiadores das ciências.

A resposta rápida, copiosa e diversificada dos autores ao tema proposto indica o acerto da escolha em termos de proporcionar um canal de debate e divulgação desses trabalhos que de hábito são publicados em periódicos das áreas específicas do conhecimento, constituindo assim uma historiografia até certo ponto “invisível” ou de difícil localização. Os artigos aqui reunidos são significativos para a compreensão das relações entre ciência e sociedade em grande abrangência analítica, pois se reportam até o século XVII, não apenas do Brasil, mas do mundo ocidental, com destaque para os estudos voltados para a Inglaterra e a França. A relevância social e científica do tema, revela-se no amplo leque de assuntos abordados em perspectiva de revisão historiográfica, em artigos cujas temáticas interligadas evidenciam o diálogo entre o conhecimento histórico e as demais ciências. Em suma, trata-se de um número especial da revista, de interesse amplo para historiadores e pesquisadores em geral.

Especificamente em relação aos autores da França, ficam registrados os agradecimentos a Laurent Mucchielli, que reuniu os artigos de Claude Blanckaert, Olivier Martin e Pierre-Henri Castel, possibilitando assim um diálogo enriquecedor com a história da sociologia e da temática do transexualismo. A formação de uma tradição durkheimiana na França, a constituição de uma Sociologia acadêmica e os embates institucionais que acompanharam essa trajetória, aqui analisados com o instrumental teórico-metodológico de Bourdieu em perspectiva crítica,possibilitam uma renovação dos estudos das relações entre História e Sociologia e abrem perspectivas inovadoras. O estudo das origens da Sociologia estatística e da Bio-sociologia delineia o percurso institucional e político da constituição da Sociologia e de suas relações com a sociedade francesa, em direção à sua autonomia enquanto disciplina. Completando esta vertente, o tema do transexualismo em perspectiva historiográfica traz importante questionamento acerca desse entrelaçamento, colocando em questão a construção dos conceitos de identidade sexual e de gênero a partir das interpretações psicanalíticas, médicas e sociológicas.

O estudo de Luís Carlos Soares integra a perspectiva analítica voltada para a Europa, com a análise das relações entre Ilustração e academias de ensino no interior da dissidência religiosa inglesa do século XVIII. Abre assim vertente inovadora ao abordar as instituições de ensino mantidas pelos não-conformistas, nas quais o ensino das novas ciências naturais alcançou um espaço privilegiado.

Os estudos sobre o Brasil abrangem os dois últimos séculos e apresentam-se bastante variados e abrangentes em temáticas, perspectivas e problemáticas. Os artigos de Maria Margaret Lopes, Lorelai Kury e Benito Bisso Schmidt colocam em discussão o cientificismo dos séculos XIX e XX, ao realizarem abordagens das missões científicas e da volumosa literatura de viagem por elas produzida, dos museus que foram constituídos para responder a esse interesse e do discurso do movimento operário, igualmente permeado pelas preocupações que estabeleciam algum tipo de nexo entre ciência e progresso, com intuitos civilizadores. Ainda uma vez, a preocupação com o percurso institucional das disciplinas, desta feita na América Latina e especificamente no Brasil, contribui para a compreensão da trajetória da Arqueologia, da Antropologia e da Paleontologia, bem como da difusão das teorias darwinistas, kardecistas e da antropologia criminal, temática também presente na abordagem da Antropotecnia feita por Claude Blanckaert a partir dos estudos de Manouvrier. Teorias raciais e biogeográficas são trazidas à discussão e analisadas em sua dimensão social e política.

Voltados para a Medicina, os artigos de James Roberto Silva e Luiz Antonio Teixeira trazem novas perspectivas. O primeiro deles, ao colocar em questão o olhar médico sobre a doença, e sobretudo sobre o paciente, aborda a constituição de rico documentário fotográfico, ainda pouco explorado pela historiografia, revelando assim um mundo de intencionalidades e subjetividades que se tornaram paradigmáticas de tais registros. O artigo sobre a transmissão da febre amarela recupera os embates sociais que acompanharam o combate à moléstia que tanto afligiu a população no final do século XIX e motivou intensos estudos na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, na qual o médico Luís Pereira Barreto teve atuação destacada.

Comunicação, ciência e tecnologia constitui o tema de dois artigos. O de Laura Antunes Maciel, que aborda a constituição do serviço telegráfico no Brasil, discute questões relevantes sobre cultura e tecnologia, recuperando experiências de modernização técnica e do papel do Estado no campo das telecomunicações. O trabalho de Ana Maria Ribeiro de Andrade e José Leandro Rocha Cardoso analisa a divulgação de ciência e tecnologia em periódicos como Manchete e O Cruzeiro que nos anos 50 constituíam importante veículo de comunicação de massa mediante fotorreportagens que ao idealizarem os construtores da ciência, contribuíram para a divulgação de uma representação estereotipada dos cientistas e para o distanciamento entre ciência e sociedade.

Com este número temático, o Conselho Editorial da Revista Brasileira de História encerra sua gestão, registrando os agradecimentos a todos os autores que enviaram suas contribuições e aos pareceristas que no decorrer desta jornada constituíram o suporte inestimável deste trabalho.


Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.21, n.41, 2001. Acessar publicação original [DR]

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