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Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship – CASTILHO (RBH)
CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship. Pittsburgh, PA: University of Pittsburgh Press, 2016. 264p. Resenha de: SOUZA, Felipe Azevedo. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.37, n.75, mai./ago. 2017.
Eis um livro notável para os interessados nas mais recentes produções da História Política, área que vem sendo revisitada com publicações que trazem novas possibilidades de interpretação ao que, até recentemente, resumia-se às tramas partidárias e de gabinete. No caso do estudo de Celso Castilho, há a intenção de evidenciar como as jornadas abolicionistas foram, pouco a pouco, moldando o campo político institucional em um movimento de fora para dentro. Das ruas e dos teatros para os parlamentos, em dinâmicas que envolviam parcelas da sociedade tradicionalmente alijadas do sistema político formal, mediante um enredo no qual se destacam as vozes e os atos de mulheres, escravizados e libertos em meio ao coro difuso que grassou progressivamente durante as duas décadas de ativismo que antecederam o 13 de maio de 1888. Como o autor enfatiza na conclusão, “o abolicionismo fomentou a ‘política de massas’ em nível nacional”, e o objetivo da obra é justamente orientar a trajetória desse movimento em meio ao que chamou de “longa história da democracia no Brasil” (p.192).
Com a atenção voltada para a apresentação detalhada das táticas e estratégias que remodelaram as formas de manifestação e a pauta contenciosa do debate público mediante uma abordagem processualista, desfilam em suas páginas as diversas fases do movimento em um quadro a quadro que parte dos primeiros debates em torno da Lei do Ventre Livre e se estende até a disputa de memória no pós-1888. O exame desse panorama histórico repleto de manifestações e associações que envolviam milhares de pessoas é o que fundamenta a tese de que o sucesso do movimento só foi possível dado o amplo engajamento popular, granjeado com um variado repertório de mobilização política.
Esses aspectos evidenciam um fluxo de ideias alinhadas ao pensamento democrático que dava lastro conceitual ao movimento, o que de certa maneira rompe com a ideia reducionista de que o sistema político brasileiro da época era operado unicamente por um padrão de práticas que se distendiam em um círculo vicioso, limitado a reproduzir clientelismo e corrupção. Nesse aspecto o livro acabou por adicionar complexidade ao tema, mostrando que iniciativas democráticas podiam florescer mesmo em contextos políticos tradicionalmente compreendidos em torno de práticas autoritárias e arcaicas.
O livro explora o processo de mudança histórica entre o fim da década de 1860, quando os debates sobre abolição ainda encontravam resistência em meio ao establishment imperial, e meados da década de 1880, fase em que o tema se tornou a pauta mais importante dos debates nacionais. A narrativa acompanha a paulatina difusão do movimento abolicionista a partir dos debates na imprensa, da formação de clubes e sociedades, bem como as reações gestadas por essa expansão em meio a setores de proprietários de escravos, que, de maneira análoga, também passaram a se organizar, promovendo eventos e utilizando metodicamente a opinião pública por intermédio de folhas políticas.
Ainda que boa parte da pesquisa gire em torno de eventos ocorridos entre Pernambuco e Ceará, a obra faz uma análise circunstanciada das pautas e debates nacionais, tomando para isso eventuais consultas a fontes primárias do governo e mantendo estreito diálogo com ampla produção historiográfica sobre o tema. O caráter interativo das sociedades abolicionistas e o intercâmbio constante de seus membros expandem ainda mais o recorte espacial. O movimento tinha um grau de articulação complexo e não passa despercebida à análise a capacidade dos abolicionistas em repercutir fatos e estratégias ocorridos nas mais diversas províncias. A seção na qual Castilho discute o 25 de março cearense, trazendo novas perspectivas que colocam em questão a justificativa clássica de que a abolição naquela província derivou meramente de aspectos econômicos decorrentes da seca de 1877-1878, é representativa de como a preocupação do autor está mais voltada à questão da cidadania política do que a particularismos da história local.
No entanto, a escolha por escrever essa história principalmente a partir de Pernambuco não aconteceu em vão. Foi provavelmente naquela província que a luta dos abolicionistas mais fomentou debates em torno da ampliação da cidadania política e da participação popular, questão que se expressava com grande intensidade durante as eleições. Durante a década de 1880, abolicionistas vinculados ao partido liberal fizeram de suas candidaturas plataformas para que o abolicionismo tomasse a política e para que esta ganhasse as ruas, até mesmo em manifestações dirigidas aos operários, artistas, trabalhadores do comércio, caixeiros e trabalhadores do mercado, entre outros. Joaquim Nabuco e José Mariano tornaram-se os porta-vozes da causa e o fizeram com base em estratégias de divulgação que iam desde sarais em clubes, passando por eventos no Teatro Santa Isabel, até os famosos meetings, em eventos que reuniam milhares de espectadores de “todas as camadas da sociedade” (como registraram os jornais da época).
As eleições gerais da década de 1880 são analisadas uma a uma pelo autor, que explorou as disputas para mensurar a intensidade com que a pauta abolicionista se espraiava pelo terreno da política. E de fato, aqueles pleitos não eram percebidos pelos contemporâneos como uma contenda entre liberais e conservadores, mas entre abolicionistas e escravocratas. Eram projetos em disputa e, sendo assim, acabavam por preencher uma lacuna persistente nas eleições oitocentistas: davam sentido social e programático às eleições.
O projeto de política popular dos abolicionistas motivou forte reação por parte dos republicanos, que em conluio com os conservadores passaram a adotar expedientes de criminalização e de racialização como forma de deslegitimar a participação da população pobre e de cor, em um esboço do que viria a se concretizar como o projeto de cidadania política excludente que se tornou uma das dimensões mais marcantes do período pós-abolição.
Em oposição aos discursos que marginalizavam a atuação da população negra e que compreendiam escravizados e libertos em uma esfera de classificação pré-política e reativa, a perspectiva de Celso Castilho os situa como parte fundamental do movimento. Ao longo do livro encadeiam-se casos em que escravizados tomaram a frente do processo para conquistar suas alforrias ou articular suas próprias fugas do cativeiro, ações que eram facilitadas, ou até mesmo instrumentalizadas com fins de propaganda, pelo movimento abolicionista. Essas interações substanciam o argumento do livro ao demonstrar que mesmo em engenhos distantes dos centros urbanos as lutas dos abolicionistas ecoavam e fomentavam os desejos por liberdade, dando a ver o amplo alcance de circulação dos ideais políticos e de cidadania propalados pelo grupo.
Uma das novidades trazidas pelas novas maneiras de organização e manifestação engendradas pelos abolicionistas foi a inclusão das mulheres no mundo predominantemente masculino da política e da opinião pública. O acompanhamento dessa inserção é um dos pontos altos do livro. O envolvimento que começou em fins da década de 1870, com a presença constante de mulheres em atividades públicas do movimento como bazares, passeatas e peças de teatro, ganhou vigor em meados da década seguinte com a criação de sociedades formadas exclusivamente por mulheres. Associadas à premissa de que eram naturalmente caridosas, elas representavam a face filantrópica da causa e portavam-se como senhoras respeitáveis, mães, esposas e “guardiãs do lar”. Ainda que sob uma identidade de gênero tradicional, essas mulheres conseguiram romper as barreiras do mundo político e tiveram atuação bastante enérgica no movimento – estiveram à frente, por exemplo, dos comitês de liberação de bairros em Recife e lograram grande sucesso na popularização do abolicionismo.
A mais famosa dessas associações, a Ave Libertas, foi, por alguns anos, a sociedade que mais conseguiu promover alforrias na cidade. Aliás, o levantamento das muitas sociedades e suas composições é bem explorado no livro, quesito que explicita especialmente a pesquisa pormenorizada desenvolvida por Celso Castilho, que computou estimativas sobre a quantidade de liberdades conquistadas por essas sociedades em comparação com os fundos de emancipação provinciais em uma série de tabelas. Os números levantados pelo autor são certamente uma ótima contribuição para o acompanhamento progressivo da ação do movimento civil em libertar escravos, montante muito superior ao atingido pelos fundos de emancipação organizados pelos governos provinciais.
Ainda assim, com a chegada da abolição, como a última parte do livro ressalta, os líderes (homens) dessas associações acabaram sendo os mais homenageados. Mesmo que nos dias imediatamente posteriores ao 13 de maio alguns jornais tenham comemorado a abolição como uma conquista coletiva e popular, a memória que se perpetuou sobre o abolicionismo foi pouco a pouco resumindo-se a um panegírico de estadistas e figuras proeminentes. Essa memória que se começou a criar já no dia 14 de maio de 1888 ia batizando passeios públicos com nomes de figurões da política e celebrava a vitória abolicionista, ao passo que olvidava cada vez mais o papel que os escravizados e libertos desempenharam no movimento e, mais que isso, acabaram por negligenciar os debates sobre a inserção dos negros na nova ordem social.
Ao seu fim, o livro demarca a distância entre a forma com que o abolicionismo era percebido em sua vigência e a maneira como foi lembrado por muito tempo. Essa perspectiva é alcançada com sucesso ao combinar análises sobre a cultura política com os debates sobre abolicionismo, em uma simbiose onde um tema acabou por iluminar aspectos de outro, revelando nuances de um pensamento democrático em estado embrionário (e que foi vigorosamente combatido) por muito tempo ignorado pela historiografia. Nesse aspecto, o variado elenco de temas presentes em Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship é tanto uma injeção de ânimo para a revisão de temáticas em torno da cidadania política no Império, quanto uma inspiração para que historiadores e historiadoras olhem com mais cuidado para a atuação e o engajamento de setores tradicionalmente alijados dos direitos políticos.
Felipe Azevedo Souza – Doutorando em História na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Bolsista Fapesp. Campinas, SP, Brasil. E-mail: felipeazv.souza@gmail.com.
[IF]Slave Emancipation and Transformations in Brazilian political citizenship | Celso Thomas Castilho
O livro de Celso Castilho apresenta uma abordagem pouco convencional e inovadora da abolição brasileira. Centrada na província de Pernambuco, com particular ênfase no Recife, uma das cidades onde o abolicionismo mais floresceu, a análise percorre do final da década de 1860 até os anos subsequentes à abolição, fornecendo um quadro de reflexões históricas e historiográficas de grande importância para todo o Brasil.
Castilho analisa a abolição à luz das disputas políticas geradas no seio do movimento da emancipação escrava e de sua inter-relação com práticas de cidadania efetivadas no devir histórico. Assim, o estudioso concebe a crise da escravidão como um ponto de entrada para a compreensão do problema da cidadania política brasileira, algo que extravasa a marcação temporal do século 19. Para atingir esse objetivo, o historiador escrutinou dois jornais de grande circulação no Recife, ações de liberdade, peças teatrais, correspondências privadas e coleções inéditas de documentos remanescentes de associações abolicionistas.
Munido dessas fontes, Castilho mapeia a “fermentação política” entre o final da década de 1860 e a aprovação da Lei do Ventre Livre, marcada pela intensa participação popular em manifestações a favor da abolição, que se expressaram na criação de associações, na celebração de cerimônias de manumissão, na ocupação do espaço público e em encenações de peças teatrais. Segundo Celso Castilho, nada disso tolhia a autoridade dominial e, por esta razão, essas ações foram toleradas pelos proprietários de escravos. A tolerância, todavia, mudou com a aprovação da Lei de 1871, que concedeu aos escravos novas prerrogativas legais para a obtenção de liberdade. Desse momento até a abolição, em 1888, senhores e abolicionistas mantiveram-se em severa oposição e tentaram determinar os termos do fim do cativeiro, algo que ecoou no período pós-emancipação.
Dois grupos antagônicos em oposição por conta do encaminhamento da questão servil? Até aqui, nada de novo. A inovação do trabalho de Castilho consiste no espaço dado ao embate entre os abolicionistas pernambucanos e os senhores de escravos daquela região, que, contrariamente ao que já se pensou, resistiram, como muito bem mostra o autor, até os últimos momentos na defesa da manutenção da ordem escravista. No desenvolvimento do livro, salta aos olhos do leitor a dinâmica de lutas políticas em torno da emancipação, ocorrida no Recife, que colocou em embate grupos sociais pró-emancipação e pró-escravidão. Uma das consequências desse tipo de análise para a compreensão histórica é o reconhecimento de que o fim da escravidão brasileira não foi um processo pacífico, mas sim fortemente marcado por um duríssimo conflito ideológico e social. De fato, essa noção atravessa todo o livro e faz com que seu autor lance luz não apenas sobre a mobilização dos abolicionistas, mas igualmente sobre a ação dos proprietários de escravos, algo ainda pouco desvelado pela historiografia brasileira.
É na relação conflituosa entre defesa e condenação do escravismo que Castilho consegue retirar elementos capazes de demonstrar que, nos últimos vinte anos do Império, houve transformações de fundo na cidadania política brasileira. As estratégias de manifestação dos abolicionistas, ao tomarem as ruas ou levarem o problema da escravidão para palcos de teatro, atraíam os diversos estratos da sociedade (inclusive libertos e mulheres), e não apenas uma restrita parcela dela. Desse modo torna-se possível constatar que o movimento abolicionista teve um forte caráter popular e, ao permitir o engajamento político do povo, mudou o exercício da cidadania política no Brasil. Desde jovens estudantes (alguns inclusive começaram sua carreira política na defesa da abolição) até antigos escravos, todos passaram a ter uma chance de participar nos rumos políticos e sociais do país. Tal prática política extrapolava muito as condições necessárias para o exercício do voto e as limitadas perspectivas de ascensão social e aquisição de direitos civis garantidas aos africanos libertos e aos seus filhos pela Constituição de 1824.
A agência escrava ocupa igualmente um lugar de relevo no livro. Ao perquirir os arquivos remanescentes do Clube Abolicionista e da Nova Emancipadora, associações abolicionistas do Recife, o historiador constatou que os escravos tiveram intensa participação no processo de emancipação. Por meio do pecúlio, oficializado desde 1871, os cativos contribuíam sobremaneira com o valor corresponde à compra de sua liberdade. Com efeito, os escravos tipicamente manumitidos pela primeira associação, as mulheres, chegavam a custear quase 70% do valor de suas alforrias. Além disso, os escravos, também na sua maioria as mulheres, peticionavam ao governo pela sua liberdade ou pediam empréstimos para comprá-la.
A açucarocracia escravista também se organizou, mas sem a participação dos setores populares da sociedade. De modo a defender seus interesses, em 1872, criou a Sociedade Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco, “a primeira vez que os fazendeiros se mobilizaram politicamente como ‘fazendeiros’”. Contudo, vale mencionar que, possivelmente, essa não foi a primeira mobilização dos fazendeiros pernambucos enquanto grupo político. Em 1871, seguindo de perto seus pares do Vale do Paraíba, que enviaram representações ao parlamento imperial contra o ventre livre, os senhores de Pernambuco também endereçaram ao legislativo, pela via peticionária, sua oposição à emancipação escrava. Os proprietários pernambucanos chegaram a organizar dois Congressos Agrícolas, em 1878 e 1884, para discutirem os rumos econômicos da região. No primeiro, inclusive, a grande preocupação foi em como utilizar o trabalho dos ingênuos.
Ligando a análise regional à macropolítica imperial, Celso Castilho ainda demonstra como a abolição da província do Ceará, em 1884, impactou tanto o movimento abolicionista quanto os senhores de Pernambuco. No primeiro caso, houve um adensamento da participação popular e, no segundo, uma maior organização e um repensar da ação dos proprietários de escravos. De fato, foi nesse contexto que surgiu a primeira associação exclusivamente feminina, a Ave Libertas, e que as fileiras do partido republicano engrossaram. Mas não apenas: o auxílio a fugas de escravos para o Ceará, que já tinha áreas libertas desde 1883, tornou-se uma realidade premente. Tudo isso teve grande repercussão nas eleições, também em 1884, dos deputados ao Parlamento. Realmente, os candidatos manejaram do inicio ao fim da campanha os temas emancipacionistas.
Na esteira dos acontecimentos na província vizinha, os proprietários de escravos passaram a se organizar em clubes agrícolas e estruturam o segundo Congresso Agrícola do Recife. Nele, a grande preocupação dos senhores foi evitar que o radicalismo cearense se enraizasse em Pernambuco. Assim, eles se dedicaram a diminuir publicamente a importância do movimento cearense de tal forma a subvalorizar a participação popular. Na lógica dos senhores de engenho de Pernambuco, o abolicionismo havia se tornado um delírio.
Num salto qualitativo de análise, que nos permite a compreensão geral do livro, Celso Castilho demonstra que a abolição, cada vez mais intensa e com maior participação popular no decorrer da década de 1880, também animou as preocupações políticas dos fazendeiros quanto à manutenção da ordem social. Em Pernambuco isso se deu, sobretudo, por conta da ação do Clube Cupim, que até 1888 auxiliou na fuga de escravos em direção ao Ceará . A aceleração da abolição, que ocorria na frente de seus olhos, implicava a erosão da secular influência política dos senhores de engenho pernambucanos. Reavaliando as suas estratégias, os fazendeiros da região passaram a anunciar, no final de 1887, manumissões condicionais aos seus escravos, isto é, os cativos teriam a liberdade garantida mediante a prestação de serviços aos senhores durante certo intervalo de tempo.
A tentativa, por parte açucarocracia, de manutenção da ordem era apenas um prelúdio da ação que eles tomariam no pós-emancipação. A antiga elite escravista, junto aos setores republicanos, ao encetarem o golpe que culminou com a proclamação da República, construiu uma narrativa própria da abolição em que evocaram o caráter parlamentar do fim da escravidão e evitaram a memória do engajamento político popular. Não permitir que uma ampla participação do povo, agora adensado pelos escravos libertos em 1888, interferisse novamente nos destinos do país passou a ser o mote desse grupo. Assim, a construção da memória da abolição teve um intenso caráter ideológico e pautou a reformulação da estrutura política brasileira no advento da República. Nas palavras de um contemporâneo, dirigidas na última eleição do Império a um adversário que se opunha à participação popular na política: “Ele sempre tolerou a escravidão e agora ele quer uma ditadura sobre o branco proletário e sobre o descendente do escravizado, porque isso de governo não é para todos, mas só para quem é fidalgo, rico, e ainda hoje tem saudades dos bons e bucólicos tempos das senzalas e dos eitos para os quais quer fazer a pátria voltar” (p.189).
Por fim, vale salientar a falta de um exame mais detido acerca da economia e da demografia açucareira da província pernambucana na segunda metade dos oitocentos. Castilho não menciona que, a despeito da concorrência cubana, as exportações pernambucanas de açúcar mais do que dobraram entre 1860 e 1880. Assim, apesar de não representar o primeiro produto da pauta exportadora do Império, a importância da produção açucareira e, portanto, de seus produtores não era desprezível naquele momento. No que diz respeito à mão de obra empregada na produção de açúcar em Pernambuco, que mesclava livres e escravos, o historiador, a despeito de citar alguns dados demográficos, não fornece ao leitor qual a proporção do braço escravo em relação ao livre. Algumas estimativas sugerem que, em 1872, havia cinco trabalhadores livres para cada escravizado nas plantations açucareiras da região. Dado o avanço abolicionista na década de 1880, essa proporção favorável aos livres certamente aumentou. Já se argumentou, inclusive, que, em virtude do avanço do trabalho livre, a abolição praticamente não afetou a produção daquela província. Esses dados, sugerindo que a Pernambuco do final do século XIX tinha uma pujante economia com o concurso cada vez menor do trabalho escravo, reforçariam a conclusão de Castilho de que a elite agrária da região, mais do que lutar contra o fim da escravidão, tinha um projeto de manutenção da ordem que o movimento abolicionista colocava em perigo.
Bruno da Fonseca Miranda – Departamento de História da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: bruno.fonseca.miranda@gmail.com
CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian political citizenship. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2016. Resenha de: MIRANDA, Bruno da Fonseca. Novas perspectivas para o estudo da abolição brasileira: cidadania e ação senhorial. Almanack, Guarulhos, n.15, p. 360-365, jan./abr., 2017.