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Cartografias da cidade (in)visível: setores populares, cultura escrita, educação e leitura no Rio de Janeiro imperial – VENÂNCIO et al (RHHE)
VENÂNCIO, Giselle; SECRETA, Maria; RIBEIRO, Gladys. Cartografias da cidade (in)visível: setores populares, cultura escrita, educação e leitura no Rio de Janeiro imperial. Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2017. Resenha de: SILVA, Giuslane Francisca da. Revista de História e Historiografia da Educação. Curitiba, v. 2, n. 5, p.234-239, maio/agosto de 2018.
A obra Cartografias da cidade (in)visível: setores populares, cultura escrita, educação e leitura no Rio de Janeiro imperial é organizada por Giselle Venâncio, Maria Secreta e Gladys Ribeiro. Está dividida em duas partes e é composta por um total de onze textos escritos por pesquisadores de instituições distintas.
Cada texto traz abordagens inovadoras, visto que resgatam aspectos da cidade do Rio de Janeiro, muitas vezes relegados pelos pesquisadores, ao mesmo tempo em que desconstroem a ideia de que as camadas populares estavam distanciadas ou mesmo excluídas do mundo letrado. Para tanto, “cartografar um Rio de Janeiro ainda invisível” (SECRETO; VENANCIO, 2017, p. 9) constitui o objetivo central da obra.
A partir de fontes como os periódicos, os autores mostram que muitos populares na cidade do Rio de Janeiro Imperial tinham acesso à cultura escrita. Ampliando os sujeitos de suas pesquisas, os autores demonstram que escravos, forros, migrantes pobres, estiveram de alguma forma expostos a cultura escrita. É possível conjecturar que casos assim podem ter ocorrido em outras cidades também.
O livro está dividido em duas partes, a primeira delas, “Usos populares da leitura e escrita”, reúne quatro textos em torno dessa temática. A segunda parte, “Práticas educativas de populares no Rio de Janeiro oitocentista”, agrega um total de sete artigos. Para uma melhor explicitação do livro como um todo, realizo uma breve análise de cada um dos textos.
No primeiro texto, “Em primeira pessoa”, de Giselle Venancio, a autora vai analisar a carta que a liberta, Maria Rosa, escreveu à Princesa Isabel na ocasião de seu aniversário quando era comum alforriar alguns escravos. A carta assinada por Maria Rosa solicitava à Imperatriz que interviesse junto à Câmara Municipal para que sua filha, Ludovina, que era mãe de três filhos, fosse alforriada. Os dados que a autora levantou demonstram que escravos e libertos eram alfabetizados e não muito raro investiam também na formação de seus filhos.
No segundo capítulo, “Posta em cena: educação moral e estética e heterogeneidade social e teatro oitocentista”, cujas autoras são María Secreto e Viviana Gelado, a abordagem recai sobre o letramento popular e/ou negro na cidade do Rio de Janeiro, a partir de um ângulo não muito casual: o teatro, visto como mecanismo de educação moral e estética do público carioca.
Segundo as autoras, não sendo o escravo doméstico e especialmente o urbano, almejado pela cidade das letras, via no teatro a chance de depreender uma moral pragmática, assim como também lições de retórica e boas maneiras que “poderiam coadunar para desobstruir o improvável caminho da ascensão social dentro dos limites jurídicos impostos” (SE-CRETO; GELADO, 2017, p. 44-45).
Em “Saber ler, contar e poupar: reflexões entre economia popular e cultura letrada no Rio de Janeiro, 1831/1864”, de Luiz Saraiva e Rita de Cássia Almico, os autores partem de um consenso da historiografia brasileira, o de que as camadas mais baixas da sociedade teriam tido acesso limitado ao mercado financeiro, além do que a baixa circulação financeira teria restringido os trabalhadores pobres e escravos dos conhecimentos mais “sofisticados no âmbito da economia e de uma monetarização crescente” (SECRETO; GELADO, 2017, p. 49), a exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro no decorrer do século XX. Partindo desse ponto, os autores apresentam evidências de um maior protagonismo das camadas populares em atividades ligadas aos setores financeiros, destacam ainda o impacto dessas atuações na economia da cidade.
A partir de anúncios de jornais, os autores levantaram a hipótese de que havia um mercado de bens financeiros e que poderia ser usado por setores populares. Ressaltam também a importância da economia popular para a cidade.
Carlos Eduardo Villa, em “Escrever como curso de transação dos pequenos agentes do Rio de Janeiro na metade do século XX”, parte de dados cartoriais e evidencia que a cultura escrita aumentou consideravelmente ao longo do século XIX, o que leva crer que houve um aumento também dos grupos alfabetizados. Outra defesa do autor é que o aumento de trabalhadores, que ofertavam seus serviços nos jornais que circulavam na cidade, permite afirmar também que houve um incremento da cultura escrita entre os populares.
O texto “Ler, escrever e contar: cartografias da escolarização e práticas educativas no Rio de Janeiro oitocentista”, de Alessandra Shueler e Irma Rizzini, abre a segunda parte do livro. Nele, as autoras trazem questões ainda pouco debatidas e/ou conhecidas pelos historiadores, pois afirmam que a população pobre e seus filhos, assim como os negros, compunham o grupo escolar da cidade, isto é, frequentavam escolas e que, portanto, uma parcela de populares era alfabetizada.
As pesquisas das autoras contrariam uma ideia durante muito tempo hegemônica na historiografia, a de que não havia escolas noturnas e ensino primário voltado ao atendimento do público trabalhador, além de desmitificar a clássica afirmação de que grande parte da população brasileira no Brasil oitocentista era analfabeta, como se vê, essa não é a realidade da cidade do Rio de Janeiro. O trabalho dessas autoras e alguns outros desconstroem totalmente essas ideias.
Em “Educação no Rio de Janeiro joanino nas páginas da Gazeta do Rio de Janeiro: espaços abertos para a mobilidade social”, Camila Borges da Silva numa perspectiva que se aproxima do artigo anterior, analisa o formato dos espaços educacionais durante a presença da Corte no Brasil. Ela explora também como as aulas noturnas abriam condições de ascensão social às camadas intermediárias da sociedade, formadas em sua maioria por pardos, mulatos e portugueses pobres (SILVA, 2017).
Jonis Freire e Karoline Karula, em “Camadas populares e higienismo no Rio de Janeiro em fins dos anos de 1870”, analisam um grupo social composto por alunos que frequentavam a Escola Noturna da Lagoa, na ci-dade do Rio de Janeiro, no final da década de 1870. Nessa escola foram ofertadas conferências sobre higiene popular, o curioso é que grande parte do público que frequentava essas conferências era composto por alu-nos dessa instituição. As autoras, levando em consideração o fato de que essas conferências ocorriam nos dias em que não havia aula, afirmam que é muito provável que esses alunos iam porque o assunto lhes interessava.
Em “Cidade solidária: beneficência educacional no cotidiano popu-lar da Corte Imperial”, de Marconni Marotta, discute-se a instrução popu-lar financiada por associações, com destaque para a Sociedade Jovial e Ins-trutiva. Aponta também algumas políticas públicas voltadas para a educa-ção primária das camadas populares.
No texto “Aulas do Comércio: mundo da educação versus mundo do trabalho livre e pobre na cidade do Rio de Janeiro”, Gladys Sabina Ribeiro e Paulo Cruz Terra analisam as aulas do Comércio e o mundo do trabalho na cidade do Rio de Janeiro. Eles enfatizam também as transformações sofridas pela instituição a partir da data de sua fundação até a Reforma de 1854.
Tomando uma instituição de ensino como enfoque de seu trabalho, Alexandro Paixão, em “A educação popular no Rio de Janeiro oitocentista: o caso do Liceu Literário Português (1860-1880)”, discute os primeiros anos do Liceu Literário Português do Rio de Janeiro.
A presente instituição foi fundada no ano de 1868 sob os auspícios de alguns membros do Gabinete Português de Leitura e tinha por objetivo atender os ideais de “’comunidade’ relacionados à questão da cultura por-tuguesa, filantropia e instrução popular” (PAIXÃO, 2017, p. 215) no Rio de Janeiro. Foi talvez a primeira instituição na capital do Império a oferecer cursos noturnos gratuitos de instrução primária.
O Liceu também oferecia aulas de comércio para jovens e adultos que se mostrassem interessados na aprendizagem e no trabalho, logo em seguida passava a compor a classe caixeiral, muito comum naquele mo-mento. Entre os anos de 1868 a 1884, o Liceu formou cerca de 6.500 alu-nos.
O autor destaca a fundação de uma escola noturna que atendia jo-vens e adultos que não podiam frequentar escolas em outros horários. A escola era mantida pelo Gabinete Português. Há também a citação de ou-tra instituição, o Collegio Victorio da Costa, com o externato para meninos pobres, de propriedade de um dos membros do gabinete.
O último texto “Pelos caminhos da liberdade: sujeitos, espaços e prá-ticas educativas (1880-1888)”, Alexandra Lima da Silva e Ana Chrystina Mignot abordam as iniciativas de educação de escravos e libertos, bem como ressaltam o papel do Centro Abolicionista Ferreira de Menezes, que foi criado por funcionários do jornal Gazeta da Tarde e que era, então, dirigido por José do Patrocínio, uma importante figura dentro do movi-mento abolicionista.
Essa perspectiva, defendem as autoras, alarga a compreensão sobre a educação de cativos e libertos para além das escassas escolas que exis-tiam Brasil afora. O Centro Abolicionista, além de abrir e manter escolas primárias noturnas, promovia outras atividades como festas, espetáculos teatrais, musicais etc.
Através da análise de diversos periódicos que circulavam na cidade, as autoras encontraram várias escolas gratuitas que instruíam “menores e adultos livres, libertos e escravos, sem distinção de cor, nacionalidade ou religião” (SILVA; MIGNOT, 2017, p. 245).
Ao analisarem as ações do Centro Abolicionista Ferreira de Menezes, as autoras trouxeram à tona nomes como José do Patrocínio, José Ferreira de Menezes, Israel Soares, dentre outros, que compunham o quadro dos membros do movimento abolicionista. Ressaltam também que figuras como essas, ao escreverem em jornais, pretendiam conquistar a simpatia das elites para benefício de suas causas. No entanto, escreviam também para muitos libertos e descendentes de escravos que possuíam acesso a esses escritos.
Os textos que compõem a obra discutida aqui, com uma linguagem clara e objetiva, levantam questionamentos e desconstroem muitos mitos que se firmaram na historiografia brasileira, no caso específico, o de que as camadas populares no oitocentos estiveram alheias à cultura escrita, ou que sequer entendiam o valor da educação. É justamente isso que os textos buscam desmistificar ao mostrar que havia escolas noturnas, muitas delas mantidas por associações de dentro do movimento abolicionista. Tais escolas eram voltadas ao atendimento de trabalhadores, escravos e libertos, consequentemente uma parcela significativa de populares estavam inseridos no universo da cultura escrita e que, portanto, eram alfabetizados.
Giuslane Francisca da Silva – Doutoranda em Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil). Contato: giuslanesilva@hotmail.com.
História da África e do Brasil Afrodescendente | Ynaê Lopes dos Santos
Estudar a história da África, ou melhor, algumas histórias desse vasto continente é um dos objetivos do livro História da África e do Brasil Afrodescendente de Ynaê Lopes dos Santos. A autora optou por estruturar a obra de acordo com a clássica divisão da História (Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea). No decorrer do livro Ynaê procura mostrar como ao longo do tempo o continente africano se interagiu com sociedades de outros continentes, reafirmando a concepção de que havia uma rede de relações comerciais, culturais, religiosas entre os povos da antiguidade. Leia Mais
A memória coletiva | Maurice Halbwachs
Maurice Halbwachs nasceu na França em 1877 e foi morto em 1945 em um campo de concentração nazista na Alemanha. Consagrou-se como um importante sociólogo da escola durkheimiana. Antes de se interessar pela sociologia, estudou filosofia na École Normale Supérieure em Paris com Henry Bergson tendo sido influenciado por ele. Halbwachs é também responsável pela inauguração do campo de estudos sobre a memória na área das ciências sociais, pois até então, as áreas que se ocupavam dos estudos da memória, eram a psicologia e a filosofia.
Halbwachs criou a categoria de “memória coletiva”, por intermédio da qual postula que o fenômeno de recordação e localização das lembranças não pode ser efetivamente analisado se não for levado em consideração os contextos sociais que atuam como base para o trabalho de reconstrução da memória. É, portanto, mediante a categoria de “memória coletiva” de Halbwachs que a memória deixa de ter apenas a dimensão individual, tendo em vista que as memórias de um sujeito nunca são apenas suas ao passo que nenhuma lembrança pode coexistir isolada de um grupo social.
Essa categoria de análise trouxe contribuições valiosas para os trabalhos na área da sociologia, psicologia, história, entre outras, influenciando a produção de importantes trabalhos. Aqui no Brasil, por exemplo, podemos citar Memória e sociedade: lembranças de Velhos de Ecléa Bosi, cuja primeira publicação data de 1979 e que constitui uma referência para estudos da memória.
A obra aqui analisada A memória coletiva, é composta por quatro capítulos e foi publicada pela primeira vez em 1950, cinco anos após a morte do autor, em Buchenwald no campo de concentração nazista na Alemanha. Para tanto, a memória na concepção de Halbwachs é um processo de reconstrução, devendo ser analisada levando-se em consideração dois aspectos: o primeiro refere-se ao fato de que não se trata de uma repetição linear dos acontecimentos e vivências no contexto de interesses atuais; por outro lado, se diferencia dos acontecimentos e vivências que podem ser evocados e localizados em um determinado tempo e espaço envoltos num conjunto de relações sociais.
Para este, a lembrança necessita de uma comunidade afetiva, cuja construção se dá mediante o convívio social que os indivíduos estabelecem com outras pessoas ou grupos sociais, a lembrança individual é então baseada nas lembranças dos grupos nos quais esses indivíduos estiveram inseridos. Desse modo, a constituição da memória de um indivíduo resulta da combinação das memórias dos diferentes grupos dos quais está inserido e consequentemente é influenciado por eles, como por exemplo, a família, a escola, igreja, grupo de amigos ou no ambiente de trabalho. Nessa ótica, o indivíduo participa de dois tipos de memória, a individual e a coletiva.
Segundo Halbwachs o indivíduo que lembra está inserido na sociedade na qual sempre possui um ou mais grupo de referência, a memória é então sempre construída em grupo, sendo que “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva”, como se pode ver, o trabalho do sujeito no processo de rememoração não é descartado, visto que as “lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isso acontece porque jamais estamos sós” (HALBWACHS, 2013, p.30). Dessa maneira, a lembrança é resultado de um processo coletivo, estando inserida em um contexto social específico. As lembranças permanecem coletivas e são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente o sujeito se encontre envolvido. Isso acontece na medida em que o indivíduo está sempre inserido em um grupo social.
Ainda que apenas um indivíduo tenha a percepção de ter vivenciado certos eventos e contemplado objetos, acontecimentos e etc., nos quais apenas ele viu/presenciou, mesmo assim as lembranças acerca desses continuam sendo coletivas, podendo ainda ser evocadas por outros que não necessariamente vivenciaram e/ou presenciaram tais acontecimentos, visto que para “confirmar ou recordar uma lembrança, não são necessários testemunhos no sentido literal da palavra, ou seja, indivíduos presentes sob uma forma material e sensível” (HALBWACHS, 2013, p.31). Em outra passagem o sociólogo assinala a contribuição da memória coletiva no processo de rememoração:
Uma ou mais pessoas juntando suas lembranças conseguem descrever com muita exatidão fatos ou objetos que vimos ao mesmo tempo em que elas, e conseguem até reconstituir toda a sequência de nossos atos e nossas palavras em circunstâncias definidas, sem que nos lembremos de nada de tudo isso (HALBWACHS, 2013, p.31).
No entanto, é preciso assinalar que para recordar um evento passado, não é necessário apenas que ele seja evocado por outros para que o sujeito lembre-se dele. É preciso que o indivíduo traga consigo algum “resquício” da rememoração para que os conjuntos de testemunhos exteriores se constituam em lembranças. No processo de rememoração, é importante que a memória individual esteja em consonância com a memória de outros membros do grupo social. Para o autor, somente se pode falar em memória coletiva se evocarmos um evento que também fez parte da vida do grupo no qual fazemos parte. No processo de rememoração é necessário que os dados sejam comuns entre os membros do grupo.
Segundo Halbwachs para se recordar, é necessário que o nosso pensamento não deixe de concordar, em certo ponto, com os pensamentos dos outros membros do grupo. Desse modo, esquecer determinado período/fato/evento de nossa vida é perder também o contato com aqueles que compunham nosso grupo social. Para Maurice:
Não basta reconstituir pedaço por pedaço a imagem de um acontecimento passado para obter uma lembrança. É preciso que esta reconstituição funcione a partir de dados ou de noções comuns que estejam em nosso espírito e também no dos outros, porque elas estão sempre passando destes para aqueles e vice-versa, o que será possível se somente tiverem feito e continuarem fazendo parte de uma mesma sociedade, de um mesmo grupo (HALBWACHS, 2013, p.39).
O autor assinala que é necessário que as lembranças sejam reconstruídas e reconhecidas pelos membros do grupo. A partir do momento que deixa de existir esse compartilhamento, os membros desse grupo social podem-se fazer os seguintes questionamentos:
Que importa que os outros estejam ainda dominados por um sentimento que outrora experimentei com eles e que já não tenho? Não posso mais despertá-lo em mim porque há muito tempo não há mais nada em comum entre mim e meus antigos companheiros. Não é culpa da minha memória nem da memória deles. Desapareceu uma memória coletiva mais ampla, que ao mesmo tempo compreendia a minha e a deles (HALBWACHS, 2013, p.39 – 40).
Halbwachs identifica que ao lado da memória coletiva, há também a chamada memória individual. Esta por sua vez, pode ser entendida como um ponto de vista sobre a memória coletiva, ponto de vista este, que pode sofrer alterações de acordo com o lugar que ocupamos em determinado grupo, assim como também está condicionado às relações que mantemos com outros ambientes. A assimilação das lembranças pode variar de membro para membro, visto que a quantidade de lembranças que são transportadas pela memória coletiva com maior ou menor intensidade, é realizada a partir do ponto de vista de cada sujeito.
A memória individual não está de todo isolada, ao passo que toma como referência sinais externos ao sujeito, isto é, a memória coletiva. Para o sociólogo, o funcionamento da memória individual não é “possível sem esses instrumentos que são as palavras e as ideias, que o indivíduo não inventou, mas toma emprestado de seu ambiente” (HALBWACHS, 2013, p.72). Para tanto, é importante assinalar que as lembranças que se destacam em primeiro plano da memória de um grupo social, são aquelas que foram vivenciadas por uma maior quantidade de integrantes desse grupo. Existe então, uma estreita relação entre memória coletiva e memória individual. Para Halbwachs:
para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta que estes nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela não tenha deixado de concordar com as memórias deles e que existam muitos pontos de contato entre uma e outras para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser constituída sobre uma base comum. (HALBWACHS, 2013, p.39)
Os suportes em que a memória individual está assentada, dizem respeito as percepções produzidas pela memória do grupo, assim como pela memória histórica. A convivência em um grupo atua como base para formação de uma memória individual e que, portanto, carregará “marcas” da memória coletiva do grupo social no qual está inserido. O sociólogo apresenta a distinção de duas categorias de memórias, uma que denomina interna (autobiográfica) e outra social (histórica), sendo que a primeira recebe reflexos da segunda, visto que a memória individual faz parte da história geral, uma vez que a segunda é bem mais extensa que a primeira. Todavia, ela só representa para nós o passado de uma maneira um tanto resumida, por outro lado a memória de nossa vida nos apresenta um panorama mais longo e contínuo.
Outro ponto importante na obra de Maurice Halbwachs, é que segundo o mesmo, nossa memória se apega mais ao fato vivido do que aquele que entramos em contato através dos livros, por exemplo. Nesse sentido, a história não é tida como um elemento importante para o processo de preservação da memória. É lícito afirmar que por história, Halbwachs entende não uma sucessão cronológica de acontecimentos, “mas tudo o que faz com que um período se distinga dos outros, do qual os livros e as narrativas em geral nos apresentam apenas um quadro muito esquemático e incompleto” (HALBWACHS, 2013, p.79). No entanto, é mediante a memória histórica que um fato exterior à nossa vida deixa sua impressão em determinado momento e a partir dessa impressão é que é possível recordar esse momento.
O indivíduo isolado de um grupo social não seria capaz de construir qualquer tipo de experiência, assim como também não é possível que mantenha qualquer tipo de registro sobre o passado. Todo o contexto no qual o sujeito está envolto, contribui de alguma maneira para reconstruir os vestígios e impressões de um determinado momento. Nessa perspectiva, a lembrança é pensada como “uma reconstrução do passado com a ajuda de dados tomados de empréstimo ao presente e preparados por outras reconstruções feitas em épocas anteriores”, da qual “a imagem de outrora já saiu bastante alterada” (HALBWACHS, 2013, p.91).
As lembranças, sobretudo, são representações que se baseiam mesmo que em partes, em testemunhos e deduções, reconstrução, especialmente nos seguintes aspectos: de um lado porque não é mera repetição dos fatos/eventos/vivências que se estabeleceram no passado, mas acima de tudo, por ser responsável pelo resgaste desses acontecimentos, que se dão a partir de interesses e preocupações atuais, por outro lado, se diferencia da série de acontecimentos que podem ser facilmente localizados em um determinado tempo, definidos mediante um conjunto de relações sociais. Nesse processo, os grupos sociais, possuem um papel essencial para atualização e complementação das lembranças individuais mediante o confronto de testemunhos entre seus membros.
Halbwachs diverge de Bergson ao postular que a memória não permanece intacta em uma “galeria subterrânea”, mas sim na sociedade, desta sai todas as indicações necessárias para reconstruir partes do passado que, por sua vez se apresenta de maneira incompleta e que o indivíduo acredita que tenha saído inteiramente de sua memória.
A memória coletiva atrela as imagens de fatos passados a crenças e necessidades do presente. Nesta, o passado passa permanentemente por um processo de reconstrução, vivificação e consequentemente também de ressignificação. Possui como “característica” transformar fatos do passado em imagens e narrativas sem rupturas, isto é, tende sempre para uma relação de continuidade entre o passado e o presente, busca reestabelecer a unidade de todos os aspectos, que com o passar dos tempos representou dentro do grupo, a ruptura. Se caracteriza também pela corrente contínua de pensamento, uma continuidade que não se atém no campo da artificialidade, pois não guarda nada do passado, senão o que está vivo, ou que se encontra na memória do grupo que a contém.
Diante disso, Maurice lança então duas categorias, a memória coletiva e a histórica, cujas definições são divergentes. Ao passo que memória histórica na concepção do sociólogo, se constitui em uma categoria infundada, visto que associa termos que se apresentam significados opostos. Para ele, a história é a reunião dos fatos que ocupam “maior” lugar na memória da sociedade. Entretanto, os acontecimentos/eventos narrados passam por um processo de seleção, são “selecionados, classificados segundo necessidades ou regras que não se impunham aos círculos dos homens que por muito tempo foram repositório vivo” (HALBWACHS, 2013, p.100). A história nesse sentido inicia no instante em que termina a tradição, isto é, no momento em que ocorre o apagamento da memória social.
A memória histórica visa produzir imagens unitárias do processo histórico, diferentemente da memória coletiva, a memória histórica busca “respostas” para o presente, no passado. Uma das marcas da história é a descontinuidade, pois cada fato encontra-se “separado do que o precede ou o segue por um intervalo, em que se pode até acreditar que nada aconteceu” (HALBWACHS, 2013, p.109), este, segundo o sociólogo é um dos principais fatores que diferencia a memória coletiva da memória histórica.
Para tanto, a memória coletiva se distingue da história em pelo menos dois aspectos. O primeiro leva em consideração o fato de que a memória se constitui em uma corrente de pensamento contínuo, não ultrapassando os limites do grupo, ao passo que na história se tem a impressão de que tudo passa por um processo de renovação. O segundo ponto de diferenciação para Halbwachs é que existem muitas memórias coletivas, ao ponto que se “pode dizer que só existe uma história” (HALBWACHS, 2013, p.105).
Outra questão que Halbwachs levanta em sua obra, diz respeito a relação entre memória e espaço. Para ele, a partir do momento em que um grupo social se encontra inserido em um espaço, passa então a moldá-lo a sua imagem, isto é, a suas concepções, valores, ao passo que também se adapta a materialidade do lugar que resiste a sua “influência”. Para o autor “cada aspecto, cada detalhe desse lugar tem um sentido que só é inteligível para os membros do grupo, por que todas as partes do espaço que ele ocupou correspondem a outros tantos aspectos diferentes da estrutura e da vida em sua sociedade” (HALBWACHS, 2013, p.160).
A memória coletiva é compreendida/defendida por Halbwachs como processo de reconstrução do passado vivido e experimentado por um determinado grupo social. Desse modo, a obra deste sociólogo, oferece contribuições pertinentes para o trabalho com a memória, visto que sua categoria de memória coletiva permite compreender que o processo de rememoração não depende apenas do que o indivíduo lembra, mas que suas memórias são de certo modo, partes da memória do grupo a qual pertence. No entanto, o sociólogo não descarta a memória individual, que pode ser pensada como “memória ressignificada”, ou seja, a interferência da subjetividade do indivíduo no processo de rememoração. Não desconsiderando, então a atuação do sujeito.
Giuslane Francisca da Silva – Mestranda em História pela Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: giuslanesilva@hotmail.com
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed. São Paulo: Centauro, 2013. Resenha de: SILVA, Giuslane Francisca da. Aedos. Porto Alegre, v.8, n.18, p.247-253, ago., 2016.Acessar publicação original [DR]
A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de | Michel Foucault
Resultado de sua aula inaugural no Collège de France em 1970, A Ordem do discurso, constitui a obra no qual Michel Foucault se debruçará, sobre a produção dos discursos que permeiam na sociedade, assim como quem pode atuar na produção dos mesmos. A obra pode ser dividida em duas partes, na primeira, Michel Foucault expõe como se dá a produção dos discursos, os procedimentos que atuam no controle de sua produção, assim como os procedimentos que visam delimitar, os sujeitos que podem atuar na produção discursa. Já na segunda parte, o pensador anuncia como se dará seus trabalhos de investigações no decorrer dos cursos no Collège de France, apontando para aquilo que ele denominará de “conjunto crítico” e “conjunto genealógico”. Exploraremos cada uma dessas duas partes.
Partimos no momento à análise da primeira parte da obra. Foucault percebe o discurso como “reverberação” de uma verdade que nasce diante dos olhos do próprio sujeito. São enunciados materialmente existentes, podendo ser tanto escrito como pronunciado, proposições que adquirem caráter de verdadeiras passando a constituir princípios aceitáveis de comportamento (FOUCAULT:2013). Leia Mais
Italianos em Mato Grosso: fronteiras de imigração no caminho das águas do Prata (1856 a 1914) – GOMES (RTF)
GOMES, Cristiane Thaís do Amaral Cerzósimo. Italianos em Mato Grosso: fronteiras de imigração no caminho das águas do Prata (1856 a 1914). Cuiabá: Entrelinhas; EdUFMT, 2011. Resenha de: SILVA, Giuslane Francisca da. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 7, n. 1, jan.-jun., 2014.
Em Italianos em Mato Grosso: Fronteiras de imigração no caminho das águas do Prata: 1856-1914, obra resultante de sua tese de doutoramento em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, Cristiane Thais do Amaral Cerzosimo Gomes se propõe a abordar as trajetórias de vidas, práticas e fazeres cotidianos de imigrantes italianos em Mato Grosso, enfatizando como estes, oriundos de diferentes partes da Itália, tiveram suas práticas culturais, incorporadas aos “sistemas de valores, ideias e formas institucionais do viver e fazer mato-grossense” (p.53). Tendo em vista a presença de imigrantes italianos em diferentes regiões da província, um dos eixos que move o trabalho da historiadora é destacar a importância desses imigrantes italianos e o que eles representaram para sociedade mato-grossense daquele período.
O recorte temporal da obra figura-se entre 1856 a 1914, O ano de 1856 liga-se ao Tratado de Aliança, Comércio, Navegação e Extradição, estabelecido entre Brasil e Paraguai, que possibilitou a abertura da navegação fluvial pelo rio Paraguai, facilitando a mobilidade de estrangeiros em terras mato-grossenses, assim como favoreceu a economia de importação e exportação entre Mato Grosso e os países do Prata (Paraguai, Argentina e Uruguai). 1914 refere-se ao momento em que a partir da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que ligava a região sul de Mato Grosso (Corumbá) ao litoral de São Paulo (Bauru) fez com que houvesse uma diminuição da entrada de imigrantes italianos no estado, mediante a navegação fluvial, pela conhecida rota do Prata, haja vista que as ferrovias se apresentavam como um recurso de transporte mais viável.
A obra é composta de quatro capítulos, considerações iniciais e finais. No que diz respeito as considerações iniciais, Gomes, enfatiza que os italianos ao dei-xarem suas terras de origem, entre o final do século XIX e princípio do XX, a maioria destes, antes de estabelecer-se em Mato Grosso, dirigiam-se aos países platinos, para posteriormente se lançarem à navegação pelos rios do Prata, Paraná, Paraguai e Cuiabá, até alcançarem as terras mato-grossense. Esse percurso fluvial, que nesse momento representava a principal via de comunicação entre Mato Grosso e os paí-ses do Prata, ficou conhecido como “rota do Prata” ou “caminho das águas”, (p. 22).
Através de um minucioso levantamento documental que a autora se apoia, tais como “memorialistas, depoimentos, jornais, relatos de viajantes, registros e relatórios oficiais” (p.36), a possibilitou identificar o fluxo de imigrantes italianos em terras mato-grossenses, que se constituíram enquanto espaços, nos quais esses sujeitos se estabeleciam, casavam-se, alguns inclusive tornavam-se famosos e bem sucedidos comerciantes, e em muitos casos jamais retornavam às suas terras de origem.
Uma característica marcante do processo de imigração a Mato Grosso, no período abordado, se constitui na predominância de imigrantes solteiros, oriundos da Itália Meridional, especialmente das regiões da Calábria, Campânia e Basilicata. Com base nos Autos de Habilitação Matrimonial e de Justificação do Estado de Solteiro, uma documentação que visava comprovar o estado civil dos imigrantes que almejavam contrair matrimônio, foi possível traçar vários casos de italianos que se casaram com mulheres mato-grossenses, passando a constituir famílias, dedicando-se principalmente às atividades comerciais. Tal documentação evidencia ainda as particularidades do processo imigratório em Mato Grosso no final do século XIX e início do XX, sendo “possível surpreender origens, trajetórias e destinos desses imigrantes, bem como de suas práticas matrimoniais (…) numa perspectiva de apropri-ação e reapropriação de espaços, constituídos por relações sociais e culturais de italianos (…)” (p.43).
No primeiro capítulo, Imigrantes italianos na fronteira de Mato Grosso, a auto-ra aborda o fluxo de imigrantes italianos, sobretudo de jovens solteiros para terras mato-grossenses, impulsionados pela abertura da navegação pelo rio Paraguai e pelas oportunidades de investimentos em terras mato-grossenses. São analisadas ainda as tentativas do governo em criar projetos de imigração e colonização na fronteira da província. O governo procurou criar mecanismos de aproximação e proteção aos povos indígenas que habitavam esta região fronteiriça, com o intuito de atrair nativos e deslocá-los para outros lugares, pois as terras indígenas eram vistas como pontos estratégicos para a colonização. No entanto, o projeto de colonização não obteve êxito, sendo empregados novos mecanismos de colonização, tendo como saída a criação de incentivos tais como a doação de faixas de terras a nacionais e estrangeiros, com o intuito de atrair imigrantes europeus, pois acreditava-se que com seus “braços civilizadores” viriam preencher os espaços “vazios” de Mato Grosso.
Através da abertura da navegação pelo rio Paraguai na segunda metade do século XIX, mais precisamente em 1856, ocorreu uma espécie de encurtamento das distâncias que separavam as cidades de Cuiabá, Corumbá, Assunção e Buenos Ayres, haja vista que os contatos entre estas cidades passaram a ser mais constantes. O aumento de embarcações que percorriam esse trajeto, que levavam e traziam passageiros, grande parte deles imigrantes que viriam a se estabelecer em Mato Grosso, “propiciou a aproximação entre grupos e povos, com diferentes costumes, idiomas e modos de vida” (p.74).
No segundo capítulo intitulado Italianos e portugueses entre a guerra do Para-guai e o Caminho das águas, Gomes apresenta as estratégias políticas do governo de Mato Grosso em criar meios de comunicação com os Países do Prata, mediante a livre navegação pelo rio Paraguai. Pois segundo a autora, apesar da localização geográfica de Mato Grosso ser privilegiada, a província desde o período colonial até metade do século XIX, enfrentava problemas de comunicação com as demais regiões, devido ao longo e oneroso percurso terrestre que ligava Mato Grosso a outras cidades. Objetivava-se com a abertura da navegação, assegurar o abastecimento de mercadorias, que devido ao longo percurso terrestre em tropas de mula, acarretava no encarecimento destas mercadorias, assim como visava o escoamento mais acelerado de matérias- primas produzidas na região.
Em 1856, após longas conversações e missões diplomáticas juntamente com o governo paraguaio, foi assinado o tratado que propiciou a abertura da navegação pelo rio Paraguai, abrindo para Mato Grosso “uma nova fase de prosperidade econômica, social e cultural” (p.104), visto que a comunicação entre a província e as cidades litorâneas passou a ser feita pelo “caminho das águas”, o que proporcionou a Mato Grosso uma euforia econômica, devido a possibilidade de escoamento de matérias-primas com maior rapidez, assim como a importação tanto de pro-dutos nacionais como estrangeiros. Assim, correntes de imigrantes europeus especialmente de italianos, que aportavam em terras mato-grossenses, tornaram-se cada vez mais frequentes. Esse súbito desenvolvimento econômico que Mato Grosso experimentava foi abalado pela Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870), quando a província de Mato Grosso novamente foi posta em uma situação se semi-isolamento, pois a navegação via rio Paraguai foi interrompida durante o conflito.
Gomes aborda os impactos da Guerra do Paraguai sobre a população ma-to-grossense, destacando como este conflito foi vivenciado por imigrantes italianos que residiam na cidade de Corumbá. Nessa perspectiva, a autora apoia-se no Memorandum do comerciante português Manoel Cavassa, que juntamente com sua famí-lia, presenciou a tomada de Corumbá pelos paraguaios, em janeiro de 1965, para apresentar os conflitos e dilemas vividos pelos imigrantes durante a invasão.
Concernente ao terceiro capítulo- Italianos em tempos de livre navegação- discute-se que a partir da reabertura da navegação pelo rio Paraguai ao final da Guerra da Tríplice Aliança, em 1870, Mato Grosso voltou a conectar-se com os países do Prata, novamente os “caminhos das águas” vieram orientar a dinâmica comercial de Mato Grosso, assim como permitia a entrada de uma grande leva de imigrantes. Gomes apresenta as trajetórias e experiências vividas por imigrantes italianos em Mato Grosso, assim como destaca o desenvolvimento de importantes casas comer-ciais de propriedade de imigrantes, que comercializavam uma grande variação de mercadorias, que iam desde a importação de artigos de luxo, vindos de Paris, Londres, tais como tecidos, chapéus, perfumarias, e etc. Assim como atividades de ex-portação de matérias-primas. Além de atuarem como representantes bancários.
Gomes enfatiza o papel da cidade portuária de Corumbá, que passou por um súbito crescimento demográfico e urbano nesse período, o que se justifica devi-do ao fato de os imigrantes que aportavam na província primeiramente, desembarcavam em Corumbá, para posteriormente decidirem seus destinos, além do mais a estratégica localização geográfica fez com que a mesma se tornasse um importante entreposto comercial de Mato Grosso, movimentando a economia provinciana.
No entanto, Gomes nos adverte que não se pode pensar o porto de Co-rumbá somente a partir da dinâmica comercial, pois este, muito mais de ponto de embarque e desembarque de mercadorias e passageiros, se configurava como um “espaço de vivências e experiências de indivíduos de diversas nacionalidades e pro-cedências, tornando-se um local de passagem, onde ocorriam encontros, desencontros e entrosamentos de nacionais e estrangeiros” (p.141) até então jamais visto em Mato Grosso.
No quarto e último capítulo- Da Itália ao sertão mato-grossense: “vendendo, construindo e consertando de tudo um pouco”– através da utilização de depoimentos orais de descendentes italianos em Mato Grosso, a autora busca desvendar as experiências de seus antepassados. Gomes chama a atenção para o papel do imigrante, que através de suas experiências, valores e concepções, passaram a reconfigurar a cultura urbana de Mato Grosso, especialmente da capital Cuiabá, a partir de suas maneiras diversificadas de seu modo de fazer, viver e trocar experiências.
Através de um minucioso levantamento documental, tais como periódicos, relatos orais, assim como os “Autos de Justificação do Estado de Solteiro”, foi possível, mapear e reconstruir particularidades do processo de imigração em Mato Grosso, percebendo as relações de parentesco estabelecidas, bem como analisando as atuações destes imigrantes em diferentes espaços de sociabilidades. Cerzósimo Gomes aponta que a vinda de imigrantes solteiros para Mato Grosso, resultou em uniões matrimoniais entre italianos e mulheres residentes em diferentes regiões ma-to-grossenses, tais práticas, evidenciam uma forma peculiar de integração social desses imigrantes na sociedade do período.
Giuslane Francisca da Silva – Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-graduação em História Av. Fernando Corrêa da Costa, nº 2367 – Bairro Boa Esperança – Cuiabá – MT – 78060-900 E-mail: giuslanesilva@gmail.com.