História Indígena na Contemporaneidade: Diálogos interdisciplinares e pesquisas colaborativas / Mnemosine Revista / 2016

Este dossiê organizado pela Drª Juciene Ricarte, da Universidade Federal de Campina Grande e pelo professor que assina esta apresentação nasceu da constatação inevitável que cada vez mais vem sendo ampliado os estudos sobre a temática indígena e com uma característica marcante: na área de História. São diversas pesquisas realizadas nos programas de pós-graduação espalhados pelo país – e fora dele –, que juntamente com os estudos antropológicos iniciados na década de 1980 definitivamente tornaram os indígenas um tema significativo entre os nas Ciências Humanas e Sociais.

O contexto sociopolítico vivenciado nas últimas décadas, com as mobilizações dos próprios indígenas pelo reconhecimento, conquistas e garantia de direitos, os conflitos quase sempre bastante violentos enfrentados pelos índios com as invasões das terras que habitam; a constatação oficial do crescimento demográfico indígena; as reinvindicações de políticas públicas específicas para essas populações e a considerável presença indígena nos centros urbanos, dentre outros temas, desafiam os estudos acadêmicos para refletirem sobre situações supostamente resolvidas com o advogado “desaparecimento” ocorrido ou gradual dos índios, como equivocadamente se acreditava em uma perspectiva evolucionista.

Nas pesquisas recentes são revisitadas fontes conhecidas bem como novos e diversos documentos foram explorados. Os diálogos com categorias antropológicas, sobretudo, as reflexões sobre as relações socioculturais em contextos de dominação e hegemonia políticas enriquecem os estudos históricos, inclusive quando as reflexões também dão conta de temporalidades precedentes na nossa história de onde se originaram as questões contemporâneas. Os textos ora publicados situam-se, portanto, nesse esforço de discutir, buscar compreender certos aspectos de situações, contextos, evidenciando a partir de uma abordagem histórica os indígenas como protagonistas.

Nesse sentido, no texto “A experiência de trabalhadores tutelados: a presença de indígenas em obras públicas da Província de Alagoas”, Aldemir Barros da Silva Júnior pensando o indígena com a categoria “trabalhador tutelado” no Século XIX, baseado principalmente em documentos da Diretoria Geral dos Índios em Alagoas, discutiu as diversas formas e os espaços em que ocorreu o trabalho indígena naquela Província a partir de meados do Século XIX. O autor discorreu sobre a utilização compulsória da mão-de-obra indígena principalmente nas obras públicas de aterros e construções de canais na alagada Maceió, a capital alagoana.

Um trabalho em condições insalubres, do qual os indígenas fugiam antes mesmo dos recrutamentos forçados nas aldeias a mando de autoridades provinciais ou diretores dos aldeamentos. Em um contexto sociopolítico em que recrudesceram as disputas pelas terras dos antigos aldeamentos situados em regiões de férteis e bastante irrigadas, invadidas por fazendeiros, os índios elaboraram diferentes estratégias para se livrar do trabalho coercitivo, como trabalhar nas fazendas o que lhes garantia até certo ponto autonomia para negociações e o sustento para si e para as famílias.

O estudo torna-se muito importante em pelo menos dois aspectos. O primeiro, quando tratou do trabalho indígena, tema desconhecido e até certo ponto um tabu nas discussões sobre a História do Brasil. E o segundo, porque mesmo no que passou após os anos 1980 a se chamada no país como a “nova história indígena”, ainda não se debruçou devidamente sobre o assunto. Isso porque além da comum alegada ausência de fontes para abordar a temática, o trabalho indígena foi desconsiderado em razão da ênfase na utilização da mão-de-obra negra escravizada e afirmações da “inadaptabilidade” dos índios para o trabalho. O que resultou no senso comum no arraigado preconceito de “preguiçoso” atribuído aos indígenas.

Portanto, o texto de Aldemir ao evidenciar a importância, as formas, os espaços e o protagonismo, particularmente dos Xukuru-Kariri (Palmeira dos Índios / AL), no trabalho indígena, contribui sobremaneira para um tema desconhecido e além do mais em se tratando de discussões relativas ao Nordeste, onde durante muito tempo foi negada a existência de indígena nessa Região. São reflexões relevantes também porque possibilita compreender as dinâmicas das atuais relações com as disputas pelas terras e o trabalho indígena naquela localidade, inspirando pensar em outros lugares no Nordeste.

No texto “Tradições adormecidas: práticas culturais e narrativas no cotidiano das índias parteiras da Aldeia Forte-Baía da Traição”, Aline de Castro retomou uma discussão muito cara aos indígenas no Nordeste: a afirmação de expressões socioculturais, saberes, conhecimentos “tradicionais” em espaços onde a população circunvizinha não indígena, autoridades e poderes públicos em geral, negam a existência indígena. E ainda mais se tratando de mulheres indígenas parteiras, desqualificadas frente ao exaltado saber médico como “herança” Ocidental, porém que esconde interesses mercantis.

Ao discutir as práticas das parteiras indígenas na Aldeia do Forte, Baía da Traição / PB, a autora evidenciou a importância de saberes específicos no contexto e conectados com a afirmação das expressões socioculturais indígenas, notadamente como tema inédito para as reflexões históricas e como contribuição para compreensão das relações dos povos indígenas na nossa sociedade em tempos atuais.

As migrações indígenas, principalmente para os centros urbanos, tem sido um tema de alguns estudos. A contribuição original de Edmundo Monte com o texto “História e memórias de migrações no Nordeste indígena: o “vaivém” dos Xukuru do Ororubá (Pesqueira / PE)”, estar no enfoque sobre um povo indígena habitando o Nordeste. É até possível afirmar que os estudiosos sobre migrações na Região não conseguiram perceber as particularidades identitárias indígena de alguns migrantes, o que é compreensível diante do até recentemente afirmado sistemático discurso da inexistência indígena no Nordeste.

No texto, o autor discutiu as migrações de período mais longo para o Sudeste em geral São Paulo, e sazonais dos índios Xukuru do Ororubá, habitantes em Pesqueira e Poção, região do Semiárido pernambucano, que em épocas de secas se deslocavam principalmente o “Sul”: a região da Mata Sul de Pernambuco e Norte alagoana, em busca de trabalho na lavoura canavieira. Baseado em memórias orais, Edmundo Monte buscou compreender as motivações, experiências cotidianas de sociabilidades e as formas do trabalho realizado pelos indígenas nos locais para onde se destinaram. As reflexões possibilitam além de discutir o desconhecido trabalho indígena, atualizá-las nos debates contemporâneos sobre os índios no Nordeste.

Para o pesquisador que se dedica ao estudo da temática indígena no Nordeste em suas peculiaridades, as experiências de povos indígenas em outras regiões no país parece algo distante. O que pode ser relativizado na leitura de textos como o de Manoel Gomes Rabelo Filho, intitulado “Interpretações do Kanaimî no contexto religioso Macuxi” onde o autor discorreu sobre uma dimensão mítica e religiosa, fundamental para aquele povo indígena habitante em Roraima.

Baseado na categoria das representações sociais, na literatura socioantropologica que tratou do assunto e ainda em entrevistas orais com indígenas que vivenciaram experiências distintas com o Kanaimî, o pesquisador Manoel Rabelo buscou refletir sobre os significados dessa entidade mítica para o universo religioso Macuxi. Uma discussão que possibilita conhecer outras situações, bem como de alguma forma aproximar-se das abordagens sobre as expressões religiosas indígenas em nossa Região.

No texto “O Estado Novo e os povos indígenas: o silêncio das palavras”, Zeneide Rios de Jesus analisou a política de colonização empreendida naquele período com a chamada Marcha para o Oeste, quando ocorreram invasões de terras indígenas ignoradas pelas reflexões históricas da época e posteriores. A autora evidenciou a participação de intelectuais no projeto governamental e como a imprensa silenciou a respeito dos impactos das políticas governamentais sobre os povos indígenas.

A discussão sobre as relações entre políticas governamentais, violências contra os povos indígenas e atuação da imprensa são bastante atuais. E as reflexões apresentadas no texto, questionam o papel dos historiadores na escrita da História do Brasil republicano e como pensam o lugar dos povos indígenas nos processos históricos recentes. E ainda o silêncio sobre o tema no Ensino de História.

Os Tupinambá em Olivença de forma sistemática tem a identidade étnica negada por fazendeiros, imobiliárias e empresários do turismo, invasores das terras habitadas pelos indígenas, em uma região paradisíaca no Sul da Bahia. A afirmação identitária Tupinambá e as mobilizações desses indígenas por reivindicação e garantia de direitos foram discutidas por Edson Silva e Tamires Brito no texto “Índios Tupinambá / BA: ‘o manto foi roubado’! O despertar pelos encantados de uma “identidade adormecida”’.

Observando um contexto de permanentes tensões, com várias formas de violências contras os Tupinambá, desde as prisões e assassinatos de lideranças, queima de casas, perseguições e expulsões de indígenas, a partir da pesquisa historiográfica e também de memórias orais, os autores buscaram evidenciar as diferentes estratégias dos indígenas para afirmação étnica, marcada pela dimensão simbólica intimamente relacionada com as expressões religiosas. A situação vivenciada pelos Tupinambá é por demais emblemáticas para discussões de processos semelhantes vivenciados por outros povos indígenas no Brasil.

As relações entre as expressões religiosas e a identidade étnica foram também analisadas por José Peixoto e Lucas Gueiros, no texto “Religiosidade e encantamento: o pagamento de promessa no ritual indígena Jiripankó”, onde os autores trataram dos rituais desse povo indígena habitante no Sertão de Alagoas. O estudo foi baseado nas reflexões de teóricos clássicos da Antropologia, assim como estudos recentes e ainda a partir de uma pesquisa e observações de campo, buscando melhor compreender os significados da prática do ritual para a afirmação da identidade indígena.

As reflexões apresentadas no texto somam-se aos poucos estudos que foram dedicados à temática das expressões religiosas indígenas no Nordeste atual. E possibilita pensar sobre as leituras indígenas dos encontros no passado dos universos religiosos nativos e colonial, as traduções e expressões indígenas desse encontro, as (des)continuidades, ressignificações, reformulações, associações e afirmações identitárias correlacionadas no universo simbólico religioso Jiripankó, possibilitando pensar outras situações assemelhadas ocorridas em áreas mais antigas da colonização, a exemplo do Nordeste.

A este conjunto de debates somam-se outros trabalhos de fundamental importância, resultantes do III Seminário Internacional América Indígena: processos de mediação e mestiçagens, que teve lugar no campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em Seropédica entre os dias 28 e 29 de setembro de 2015, sob a coordenação das profas. Izabel Missagia e Vânia Moreira e contou com o auxílio da CAPES.

Os artigos apresentados contém as reflexões do Dr. José Ribamar Bessa Freire e Ana Paula da Silva, Professor do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade do Rio de Janeiro / UniRIO e doutoranda do mesmo programa, onde discutem o protagonismo e a atuação política indígenas na dinâmica de conflitos e interesses que marcaram o período historicamente conhecido como França Equinocial, notadamente o caso dos índios embaixadores na França, sobretudo Itapucu, refletindo sobre a participação destes na produção de “redes globais de conhecimento e poder” suas estratégias em contextos de interação sociocultural e política, destacando especialmente o papel de mediadores e articuladores de alguns líderes indígenas que a exemplo dos embaixadores Tupi foram buscar uma resposta oficial para seus problemas.

Juciene Ricarte da Universidade Federal de Campina Grande discute processos de incorporação de algumas chefias indígenas na política da administração portuguesa no Brasil nos sertões das capitanias do norte e o fundamento da legislação indigenista nas fronteiras interétnicas que lhe oferecia fundamento, notadamente o Diretório dos Índios na segunda metade do século XVIII. Nesse processo as lideranças adquiriam status de intermediários políticos que os conduziram a ostentar patentes de oficiais das vilas implantadas a partir do Diretório, por vezes em favor dos seus grupos étnicos de origem trazidos a ordem. Constata-se, que as iniciativas de cooptação e valorização das chefias indígenas tornaram-se tradição do Estado monárquico português no trato com as populações conquistadas, objetivando o controle de novas populações.

Além destes, o conjunto de textos se encerra com às conferências de abertura e encerramento do evento, a primeira, realizada pelo professor Hal Langfur, da Universidade de Nova Iorque em Buffalo, que em sua conferência inaugural apresentou o estado da arte dos debates das questões etinoindigenas através de um recenseamento de pesquisas e debates sobre as questões relacionadas as populações indígenas, relacionando os estudos realizados nos Estados Unidos e no Brasil consideradas as suas convergências e singularidades. Na conferência de encerramento, a Drª. Danna Levin Rojo da Universidade Autonoma Metropolitana, México, apresentou em sua conferência a organização e a burocracia do estado colonial, investigando a relação do estado colonial espanhol como agente interventor e as populações indígenas nos diversos espaços de convívio em que estes foram assimilando os nativos como servidores o colaboradores que aparecem referidos indistintamente na documentação investigada como “índios amigos”. É uma análise comparativa de experiências nos diversos territórios ocupados que permite reconhecer que estas populações nativas agiram muitas vezes como artífices conscientes de seu próprio destino e não como meros objetos da manipulação habilidosa do espanhol invasor, num complexo tecido de relações.

Enfim, os textos que compõem o Dossiê são contribuições significativas para pensarmos os índios na História do Brasil, particularmente no Nordeste. E se revestem de igual importância quando também pensados na perspectiva dos questionamentos provocados pela demandas para efetivação da Lei 11.645 / 2008, que determinou na Educação Básica a inclusão do ensino da história e culturas dos povos indígenas, com a reclamada ausência de subsídios sobre o assunto. Além disso, o papel da academia seja de formar pesquisadores na pós-graduação e professores nos cursos de licenciatura, embora ao final todos sejam de alguma forma e em algum nível docentes, requer o (re) conhecimento sobre os povos indígenas como sujeitos sociopolíticos na História do Brasil e a superação de desinformações, equívocos e preconceitos sobre o tema. E os textos ora publicados em muito contribuirão para que isso ocorra. Resta desejar boas leituras, reflexões e discussões.

Edson Silva – Doutor Professor da Universidade Federal de Pernambuco / CA e da Pós-Graduação em História da Universidade federal de Campina Grande.


SILVA, Edson. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.7, n.1, jan. / mar., 2016. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

História Ambiental / Crítica Histórica / 2011

O considerável número de artigos que recebemos para a Revista Crítica Histórica nº 4 – Dossiê História Ambiental, é possível que expresse pelo menos duas coisas: (1) a lacuna de publicações especializadas para tratar do assunto e (2) a vitalidade que a abordagem da temática sobre o Ambiente tem alcançado em anos recentes.

Os questionamentos sobre as ideias de uma Natureza inesgotável, os debates sobre o aquecimento global, as condições climáticas, as catástrofes naturais e ainda uma das questões centrais que diz respeito para onde destinar os diversos tipos de lixos, resíduos, objetos descartáveis, etc. colocam em discussão o futuro e a sobrevivência da espécie humana.

Como anunciamos na chamada pública de artigos para compor esse número da Revista Crítica Histórica nº 4 – Dossiê História Ambiental, as pesquisas sobre a História Ambiental no Brasil ainda são muito tímidas. Por outro lado, trata-se uma área onde necessariamente os estudos dialogam intensamente com outras áreas do conhecimento, o que torna as abordagens instigantes, mas também desafiadoras. E, assim, esse Dossiê tem antes de tudo como objetivo socializar estudos, reflexões e abordagens nesta área da historiografia.

Os textos selecionados e ora aqui publicados por atenderem os critérios estabelecidos pela Revista Crítica Histórica, versaram sobre uma variedade de temas relacionados à História Ambiental: fontes de energia, modernização da agricultura no Brasil, direitos dos animais, extração de madeiras, memórias indígenas e suas relações com um rio, ocupações de várzeas, lavoura do café e degradação ambiental, o que confirma as necessárias abordagens multidisciplinares e transdisciplinares nos estudos sobre o Ambiente.

Em uma breve apresentação dos artigos que tratam do tema específico proposto para o Dossiê publicado nesse número da Revista Crítica Histórica, tem-se o primeiro texto “La evolución material y energética de los EEUU, 1980-2010” de Vitor Eduardo Schincariol, bem fundamentado com uma série de dados em gráficos e tabelas em que discute o descompasso entre o crescimento econômico norte-americano até 2010 e a produção energética, o que significa sérias preocupações futuras no que diz respeito à escassez de combustíveis fósseis a exemplo do petróleo. Sem dúvida essa é uma questão muito importante a ser acompanhada nos próximos anos, pois sabemos que afora a necessidade de investimentos em pesquisas para novas fontes de energia, também representará mudanças nas relações comerciais e econômicas entre os países do Hemisfério Norte e os do Sul com terras agricultáveis ainda disponíveis. O artigo, portanto, lembra em ficarmos atentos / as para os modelos agrícolas propostos, as lavouras a serem plantadas, a serviço de quais interesses e seus impactos socioambientais.

As discussões sobre a modernização da agricultura no Brasil é de longa data. Não por acaso nos estados existem os institutos agronômicos, universidades, cursos de pós-graduação, publicações, que investem e divulgam estudos especializados sobre os meios para uma maior produtividade e qualidade agrícola no país. Amilson Barbosa Henriques no artigo “Um ‘órgão dos agricultores brasileiros’: algumas propostas da moderna agricultura na Revista Agrícola Paulista, (1895-1907)”, analisou como nas páginas desse periódico eram publicadas as propostas da modernização agrícola em substituição as formas tradicionais de plantio e cultivo no país. As discussões sobre a diversificação, os adubos químicos ou naturais, a extensão da lavoura, o uso da mão-de-obra, as forma de ocupação da terra e os modelos agrários, bem como o ensino e os experimentos agrícolas são discutidas a partir dos conteúdos da citada Revista.

Os direitos dos animais é um tema de debates ainda incipiente no Brasil. Essa discussão ganhou força no bojo da chamada crise ecológica, com questionamentos à tradicional compreensão ocidental da plena dominação humana sobre os animais. Com o texto “Reflexões sobre a crise ambiental e o histórico emergir das sensibilidades para com os direitos dos animais nas Ciências Humanas e nas ciências da vida”, os autores José Otávio Aguiar, Francisco Henrique Duarte Filho e Rodrigo Ribeiro de Andrade nos provocam para uma instigante reflexão sobre as sensibilidades presentes nos debates históricos, sociológicos e jurídicos, as nossas sensibilidades para pensarmos no assunto, e também avaliarmos nossas práticas em torno do trato com seres de outras espécies.

A exploração florestal com o corte de madeiras em áreas indígenas no Sul da Bahia durante o Século XIX e a utilização da mão-de-obra nativa foi discutida por André de Almeida Rego no artigo “Corte de madeiras e o confinamento de populações indígenas: o caso da Bahia no Século XIX”. O autor evidenciou em seu estudo os impactos socioambientais de um modelo econômico baseado na destruição das matas, o que provocou novas relações marcadas pela redução de espaços, violências físicas, doenças, declínio demográfico e pela necessidade de reordenamento dos referenciais socioculturais indígenas em virtude dos desmatamentos.

Sabemos que as relações de grupos humanos são em muito marcadas pelos espaços que ocupam e transitam rotineiramente. No texto “O Ambiente e as memórias dos índios Xukuru sobre o Ipojuca e a Barragem Pão-de-Açúcar”, Denise Batista Lira analisou como em suas memórias os Xukuru do Ororubá, povo indígena que habita nos municípios de Pesqueira e Poção no Agreste pernambucano, expressam os estreitos vínculos estabelecidos com o Rio Ipojuca que outrora intermitente e hoje represado pela Barragem Pão-de-Açúcar, e é fonte de subsistência por meio da pesca para o consumo e a comercialização.

Constantemente os noticiários informam dos transtornos provocados pelas chuvas e grandes enchentes nas áreas urbanas de São Paulo. No artigo “História da ocupação e das intervenções na várzea do rio Tietê”, Sílvia Helena Zanirato tratou dos processos históricos de degradação do conhecido rio paulista, provocada pelas ocupações urbanas de suas várzeas. A autora demonstrou ainda em seu texto as preocupações, mas a ineficácia e os limites das ações públicas para conservação das várzeas como tentativas de adequar o rio ao desordenado crescimento urbano.

Para plantio do café no Rio de Janeiro fazendeiros destruíram consideráveis áreas da Mata Atlântica. Baseado em documentos dos séculos XVIII e XIX, Mauro Leão em “A cultura do café e a degradação ambiental na serra fluminense oitocentista” retomou o debate no Brasil no Século XIX sobre a questão da “rotina da lavoura do café”, um conjunto de práticas nos latifúndios cafeeiros que advogava a constante mudança de espaços para a lavoura do café, provocando com isso o desmatamento, o empobrecimento do solo e a degradação ambiental.

O papel do Juiz Conservador das Matas, um cargo público de investidura real pouco conhecido e estudado no Brasil, nas discussões em torno da exploração de madeiras nas matas de Ilhéus, Sul da Bahia, foi analisado por Ana Paula dos Santos Lima no artigo “Baltasar da Silva Lisboa: o Juiz Conservador das Matas de Ilhéus (1797 – 1818)”. No texto, a autora evidencia a importância da atuação desse funcionário da Coroa nas relações com moradores, destacando o regimento dos cortes das madeiras matas da Comarca de Ilhéus, em meio aos interesses econômicos da atividade madeireira e o surgimento de um pensamento da necessidade de preservação das matas no Brasil.

Na seção de fluxo contínuo que compreende os demais artigos que não tratam do tema específico proposto para esse Dossiê e ainda resenhas de publicações, temos textos que discutem a demografia histórica em Minas Gerais no Século XVII, com a contribuição valiosa do professor Iraci del Nero Costa (“As populações das Minas Gerais no século XVIII: um estudo de demografia histórica”); uma discussão sobre os crimes de defloramento em Porto Alegre apresentada por Carlos Eduardo Milengrosso em “Honra e Conduta: populares e práticas amorosas em Porto Alegre (1898-1923)”; “O Recolhimento de Nossa Senhora da Glória e as perspectivas de propriedade na modernidade”, em que Mayra Guapindaia trata das formas de sobrevivência das mulheres no Recolhimento de Nossa Senhora da Glória no Recife; a repressão aos movimentos sociais nos anos que antecederam a Ditadura Militar em Alagoas, com o texto “Repressão e Resistência dos Movimentos Sociais em Alagoas (1961-1964)” de Rodrigo José da Costa; as relações entre o pensamento iluminista, a Revolução Francesa e a modernidade, reflexão de Rafael Alexandre Belo em “O pensamento iluminista e o desencantamento do mundo: a modernidade e a revolução francesa como marco paradigmático”; e, por fim, os condicionamentos e os limites do conhecimento histórico apresentado na análise de Ulisses do Valle no texto “Diagnóstico de um mal estar historiográfico: os limites do conhecimento analítico-discurso”. Compõe ainda essa seção uma apresentação do livro A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória, organizado por João Pacheco de Oliveira, significativa coletânea de estudos que consolidam os povos indígenas nessa Região nas pesquisas e debates acadêmicos. A ideia desse texto não é fazer propriamente uma resenha do recém-publicado livro, pois uma resenha, diante da dimensão do conjunto de textos que compõe o livro, é uma tarefa bastante árdua e demandaria um espaço bem maior dos limites que aqui propomos. Buscamos tão somente, então, situar o livro em um debate mais amplo: as pesquisas, as reflexões e os textos gerais publicados sobre os índios no Nordeste.

Na seção Documentação & Ensaio trazemos uma Entrevista com D. Jaime Chemello, bispo emérito de Pelotas (RS) discutindo o papel da Igreja Católica na luta pela reforma agrária no Brasil. Esta foi realizada por Célia Nonata da Silva, no ano de 2006, como parte de um projeto mais amplo para pesquisa sobre os problemas agrários no país, as lutas sociais pela ocupação das terras improdutivas, seus avanços e recuos e a constituição de fontes históricas sobre esses processos. Nos Ensaios temos de Mauricio Waldman uma reflexão sobre a crise ambiental na modernidade – “Crise ambiental: ponderando a respeito de um dilema da modernidade” -, em que o autor aprofunda questões teóricas e de posicionamento epistemológico e de historicidade. Todos os textos, artigos e resenha compõem junto ao Dossiê um corpo de debates e provocações para os pesquisadores e estudantes da área de história ambiental.

Por fim, quero agradecer a todos / as aqueles atenderam a chamada de publicação e enviaram seus artigos. Agradeço também aos / as colegas parecerista que contribuíram sobremaneira com suas leituras, análises e avaliações dos textos aqui publicados ou aqueles que foram devolvidos em razão de não corresponderem aos critérios da Revista Crítica Histórica. Peço também desculpas por eventuais transtornos no recebimento dos textos e problemas de comunicação com os / as autores / as. Agradeço ainda ao Prof. Antonio Filipe Pereira Caetano (UFAL) pela pronta aceitação da nossa proposta de organizar esse Dossiê. Registro ainda um agradecimento especial a Profa. Irinéia Maria Franco dos Santos (UFAL) pela sua disponibilidade, presteza e paciência nos assuntos relativos às formas e meios de publicação desse Dossiê. Sua ajuda foi de fundamental importância para a publicação.

Edson Silva – Conselho Editorial. Coordenador do Dossiê História Ambiental


SILVA, Edson. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 2, n. 4, dezembro, 2011. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

História dos Povos Indígenas / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2007

CARVALHO, Marcus J. M. de; SILVA, Edson. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.25, n.2, jul / dez, 2007. Acesso apenas pelo link original [DR]

Acessar dossiê