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Sergio Magalhães e suas trincheiras – SILVA (RH-USP)
SILVA, Roberto Bitencourt da. Sergio Magalhães e suas trincheiras: nacionalismo, trabalhismo e anti-imperialismo – uma biografia política. Jundiaí: Paco Editorial, 2017. Resenha de: MALDONADO, Luccas Eduardo Castilho. Lutas e batalhas de Sergio Magalhães: um intelectual orgânico nos trópicos. Revista de História (São Paulo) n.177 São Paulo 2018.
Paul Ricoeur é um conhecido autor por dissertar sobre as aproximações e os distanciamentos existentes entre a memória, a ciência histórica e o esquecimento. No tecer de seus argumentos, o escritor alerta: independentemente da forma de se conhecer o passado, seja a história, seja a memória, ela sempre será uma expressão do “caráter inelutavelmente seletivo da narrativa”. Assim sendo, por serem o que são, por optarem e omitir sincronicamente, os usos da memória e da história “são, de saída, abusos do esquecimento”.2 Jacques Lee Goff defendeu posições semelhantes, porém expande o raciocínio a ponderar também a realidade objetiva: “De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores”.3 Tais leituras revelam uma perspectiva muito importante para o ofício do historiador: por haver formas de seleção dentro e fora do controle do escritor e por ser um discurso sobre a concepção dos grupos sociais a respeito do passado, o exercício histórico sempre será uma prática política no cerne das disputas ideológicas.
Em grande medida, a recente publicação do livro Sergio Magalhães e suas trincheiras: nacionalismo, trabalhismo e anti-imperialismo – uma biografia política é um movimento capaz de ser ponderado dentro dessa realidade de seleções, inclusive no âmbito do esquecimento porquanto trata-se de um trabalho histórico responsável por ir à contramão do obscurantismo sedimentado sobre a figura de Sergio Magalhães. O seu autor, Roberto Bitencourt da Silva, ao analisar um qualitativo conjunto documental, revelou diversos aspectos da trajetória de um homem que, nas décadas de 1950 e 1960, empreendeu um expressivo papel na construção e na defesa de um projeto nacional de desenvolvimento econômico autônomo e, na contemporaneidade, conquanto a sua importância histórica, se caracteriza por ser pouco rememorada.
Silva é um pesquisador que há poucos anos defendeu o seu doutorado, um estudo sobre a biografia e o pensamento de Alberto Pasqualini, publicado como livro pela editora da Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2013,4 e que, desde então, aprofunda ainda mais a sua contribuição ao pensamento acadêmico brasileiro. Toda a sua carreira na pós-graduação é marcada pela exploração de uma temática central: o trabalhismo. Desde seu mestrado até os seus últimos estudos, tal assunto foi tangido de alguma forma. Nesse sentido, uma das características mais interessantes, expressiva de muitos dos seus predicados de trabalho, encontra-se no grupo de pensamento por Silva frequentado. O seu orientador de doutorado, o professor Jorge Ferreira, é um dos principais nomes, dentre uma reunião de pesquisadores, que está a problematizar e a revelar diversas perspectivas e informações a respeito do trabalhismo e da Quarta República nos últimos anos.
A última obra de Silva, “Sergio Magalhães …”, é um significativo estudo resultado de um pós-doutorado a respeito da biografia e do pensamento do três vezes deputado federal, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Sergio Nunes de Magalhães Jr. Mais precisamente, materializa-se em papel o (re)descobrir de como um dos políticos mais preocupados com a economia brasileira construiu uma carreira dentro do serviço público carioca, foi eleito para o Legislativo federal, projetou e aprovou uma das leis mais polêmicas de sua época, concorreu contra Carlos Lacerda em um pleito para um cargo executivo e foi cassado pelos militares no primeiro Ato Institucional.
Esses e outros caminhos por Silva buscados e explorados engatilham-se em uma crítica que a obra, junto de outros livros lançados nos últimos anos, visa constituir ao paradigma explicativo denominado populismo.5 Categoria responsável por conquistar uma expressiva influência no final do século passado, um exemplo desse prestígio foi o manejo constante por muitos autores de materiais didáticos que, ao se referirem ao período entre o Estado Novo e a Ditadura Militar, optaram pelo termo “República Populista”. Assim, Silva reforça uma posição contrária, referente em grande medida às formas expostas por Francisco Weffort em O populismo na política brasileira6 e Octavio Ianni em O colapso do populismo no Brasil,7 quanto ao caráter explicativo do conceito populismo. Para ele e outros acadêmicos, a generalidade e a amplitude da formulação, a ir de Eurico Gaspar Dutra, a passar por Getúlio Vargas e a chegar em Jânio Quadros e João Goulart, para citar apenas os presidentes, acaba por ser demasiadamente vaga e, por conseguinte, simplificadora de uma série de relações muito mais complexas na realidade histórica.
A biografia de Sergio Magalhães, lançada no primeiro semestre de 2017, conta com cinco capítulos, cada um a desenvolver funções mais ou menos precisas no sentido de exploração temática. As suas notas de rodapé são particularmente interessantes, pois revelam o conjunto documental consultado por Silva: um acervo variado de jornais, livros autorais de Magalhães e entrevistas com familiares e próximos do deputado.
No primeiro capítulo da obra, “‘Um dos que melhor conhece os nossos problemas’: o fascínio pelo sertão, o reconhecimento e os combates parlamentares” (p. 23-60), o autor realiza um movimento descritivo de três tempos que, resumidamente, principia na vida e origem familiar em Pernambuco, passa pelos trabalhos dentro das instituições estatais no Rio de Janeiro e se encerra com a dissertação ao alto dos projetos intentados por Sergio Magalhães dentro da Câmara dos Deputados entre 1955 e 1964. Trata-se de um trecho, apesar de não se afirmar como tal, introdutório para o assunto que será desdobrado com maior profundidade nos textos posteriores, uma vez que oferece uma narrativa diacrônica da trajetória do personagem e dos seus principais projetos políticos, porém sem aprofundá-los significativamente.
Após o primeiro capítulo, principia-se “‘O Brasil virou um quintal do imperialismo’: o pensamento político e econômico de Sergio Magalhães” (p. 61-104), passagem na qual Silva realiza um conjunto de movimentos descritivos e duas exposições das matrizes conceituais balizadoras do seu trabalho.
Na exploração das categorias, o escritor afirma uma opção pela filiação a uma perspectiva contextualista, nas acepções de John Pocock e Quentin Skinner, posição que, no desenvolvimento científico, significa dar grande importância ao contexto intelectual e histórico quando se analisa uma obra ou uma trajetória de um pensador. Tal arranjo, todavia, não corresponde à desconsideração das possibilidades criadoras de um personagem, mas propõe-se a ponderá-las dentro de um universo múltiplo e em um tempo específico.8 A outra chave analítica para o trabalho é a orientação do conceito intelectual assumido para estudar a trajetória de Magalhães. Após apresentar e explorar algumas de suas acepções, originárias de pensadores como Zygmunt Bauman, Salete Cara, Norberto Bobbio e Lucien Goldmann, o autor evoca a forma cunhada pelo socialista italiano Antonio Gramsci como norteadora. Dessa forma, no seu entender, Magalhães corresponderia à expressão de um intelectual orgânico na realidade brasileira; quer dizer, a deslocar-se na linha de raciocínio do escritor dos Cadernos do cárcere, o acadêmico trata o parlamentar trabalhista como um indivíduo que, inserido em uma conjuntura específica, expressa uma consciência do papel a ser praticado por grupos e/ou classes sociais nos terrenos da política, cultura e economia.9 No caso de Magalhães, tal orientação dar-se-ia principalmente no sentido das relações econômicas enviesadas pelas bandeiras do nacionalismo e do anti-imperialismo.
A parte descritiva do capítulo centra-se na realização de dois atos preliminares de exposição en passant: da conjuntura política entre o ano 1945 e a década de 1960 e da reflexão de um acervo de pensadores que trataram a problemática do desenvolvimento econômico brasileiro, como Caio Prado Júnior, Guerreiro Ramos, Roland Corbisier, entre outros. Tais desdobramentos, na prática, executam um exercício preparatório, a partir de um prisma contextualista, para a entrada no centro da questão investigada, constituindo a forma como Sergio Magalhães concebia o seu pensamento econômico sobre o Brasil e as relações comerciais internacionais
O terceiro capítulo da obra, “‘Contra a sangria das riquezas nacionais’: a limitação das transferências dos lucros do capital estrangeiro no centro do debate público” (p. 105-164), organiza-se em uma linha expositiva sustentada, por causa de suas significativas semelhanças, na conexão histórica entre dois projetos econômicos, um de Getúlio Vargas e outro de Sergio Magalhães, destinados a legislar sobre as relações comerciais internacionais de empresas estrangeiras no território brasileiro. Mais precisamente, o foco está nas reações a respeito das leis de remessas de lucros que, em períodos distintos, cada um empreendeu no interior do sistema político brasileiro, além – no estudo do deputado trabalhista – de outros projetos alvitrados dentro do parlamento. Todo o exercício analítico foi elaborado fundamentalmente a partir dos textos jornalísticos originários de: O Globo, Imprensa Popular e Novos Rumos – o primeiro, um tradicional veículo conservador, e os dois últimos, publicações ligadas ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).10 Sobre esse conjunto documental é que as premissas de trabalho de Silva sustentam-se a partir de tal ponto no livro, transição marcada pelo aumento do manejo desse tipo de fonte, pois oferece sentido à forma concebida pelo autor de História da imprensa, posição correspondente ao ato concomitante de reconstrução de um processo e análise da atuação dos periódicos no interior da esfera pública (p. 110).
No primeiro momento deste capítulo, apresenta-se a recepção ao decreto nº 30.363/1952 de 3 de janeiro de 1952, do então presidente da República Getúlio Vargas – medida que regulara o limite máximo de 8% nas remessas de lucros originários de capital estrangeiro investido no país para o exterior. As reações dos jornais são apresentadas e, em grande medida, é possível observar que, naquele período, os nuances ideológicos aparentemente não estavam tão acirrados dentro da imprensa. O tradicional O Globo passou de uma posição elogiosa no primeiro momento para uma postura contida, a ponderar a iniciativa do Executivo e a problemática da possível redução da atratividade brasileira aos investimentos exógenos, conquanto constantemente o editorial disponibilizasse espaços para os apologistas da livre circulação de divisas como o grupo norte-americano Esso, investidor na área petroquímica. Por sua vez, a publicação comunista Imprensa Popular, a refletir a estratégia exposta no Manifesto de agosto de 1950, posicionou-se fixamente de maneira resistente ao projeto, porque, na compreensão dos militantes, a iniciativa seria uma ação oportunista do presidente uma vez que, na prática, nada mudaria devido à limitação de sua ação.
Após expor as reações ao plano de Vargas, o pesquisador foca sua análise nas manifestações sobre os projetos econômicos de Magalhães, esses semelhantes ao decreto que o antigo presidente rubricara, caracterizados por uma perspectiva da defesa da economia nacional. Com o escopo de construir esse ideal por sua ação como legislador dentro da Câmara dos Deputados, Magalhães encontraria reflexos nos mesmos espectros ideológicos os quais haviam ponderado a respeito da legislação de Vargas. De posição favorável e contida anos antes, o editorial da família Marinho em O Globo manifestou-se intensamente crítico e contrário às intenções do deputado petebista, especialmente contra a sua lei de remessas de lucros. Da mesma forma, a apresentar transformações na sua visão, o Partido Comunista, embora naquele período utilizando outro veículo, Novos Rumos, cambiou a sua leitura de um oposicionista para um aliado – movimento derivado da estratégia partidária de 1958, exposta na Declaração de março.
Nesse capítulo, Silva revela um movimento interessante no interior da sociedade, a reforçar uma leitura mais ampla, e acentua a interpretação de uma pesquisadora. No primeiro caso, a análise mostra-se capaz de revelar como as posições estabelecidas a respeito de um projeto político tornam-se cada vez mais díspares dentro de três periódicos da época. Há limites dimensionais de quanto tal contraste pode ser generalizado para outras expressões da realidade social, por causa do conjunto documental manuseado pelo autor de Sergio Magalhães. No entanto, esse sentido não está desconexo de uma parte do conjunto bibliográfico produzido nos últimos tempos, pois obras formuladas por meio de outros acervos são consoantes a respeito do acirramento das oposições ideológicos no pré-1964 e, por conseguinte, condizendo com a perspectiva de Silva.11 No segundo, o pesquisador corrobora a conclusão interpretativa de Lucília de Almeida Neves Delgado, docente da Universidade de Brasília (UnB), que, no seu livro PTB – do getulismo ao reformismo, defende a hipótese da paulatina aproximação de projetos e estratégias entre as legendas PTB e PCB ao longo da Quarta República.12
No quarto capítulo, “‘O estuário das aspirações progressistas na Guanabara’: o combate a Lacerda na campanha eleitoral de 1960” (p. 165-212), o foco está em um dos momentos mais interessantes na trajetória política de Sergio Magalhães: na sua disputa eleitoral com Carlos Lacerda para o governo do estado da Guanabara. Em 1960, após a construção e a inauguração de Brasília, ocorreu uma fundamental transformação no caráter político do Rio de Janeiro. Por ser a capital federal da República até então, o município não contara com eleições diretas para o seu representante executivo. Na prática, tal cargo fora de nomeação direta do presidente, situação que se transformou devido à promulgação de eleições diretas para a posição. Naquele pleito, houve quatro candidatos a disputar: Tenório Cavalcanti (PRT), Mendes de Morais (PSD), Carlos Lacerda (UDN) e Sergio Magalhães (PTB).
No decorrer do período eleitoral, intensificaram-se as oposições entre projetos, à semelhança do descrito no capítulo anterior, manifestando-se materializadas nas pessoas dos concorrentes Magalhães e Lacerda, assim, a reforçar e a expandir o argumento manejado pelo pesquisador. Com o manejo da mesma forma documental, porém nessa passagem a partir dos periódicos O Globo e Última Hora – o segundo conhecido pelo seu notório caráter nacionalista e defensor dos projetos petebistas -, o autor segue a expor expressões do acirramento político-ideológico que caracterizaram o país nos períodos anteriores à ruptura institucional.
O contraste entre Lacerda e Magalhães expressar-se-ia de diversas maneiras, contudo, de maneira geral, as diferenças sintetizavam-se em um desarranjo de projetos de país. A visão do udenista era marcada por uma perspectiva conservadora, despreocupada com as questões sociais e nacionais; diferentemente, Magalhães mostrava-se profundamente voltado para uma apologia do desenvolvimento econômico nacional autônomo e da construção de uma sociedade com menores desigualdades sociais. As próprias posturas dos aspirantes, aliás, a respeito do conjunto de favelas instalado no Rio de Janeiro, refletiam a inadequação de suas ideias, pois, enquanto Lacerda entendia-as somente como problema, Magalhães concebia-as como uma problemática social a ser tratada pelo Estado. O período final da campanha aumentou ainda mais o conflito ideológico entre as partes, porquanto uma série de acusações foi trocada com o acirramento da competição, essas marcadas pelo uso de adjetivos como “comunistas” e “nazistas”.
No capítulo final do livro, “‘Um período crítico’: esperanças, preocupações, derrotas e dissabores” (p. 213-269), os últimos momentos da carreira política de Sergio Magalhães são analisados. Tratou-se de compreender como nos primeiros anos da década de 1960 os caminhos do deputado trabalhista, marcados por uma série de processos e crises, no último deles, resultaram no seu ostracismo político. Nessa passagem da pesquisa, toda a descrição constituída por Silva manejou dois periódicos de caráter trabalhista que, na época, contavam com considerável circulação e importância: o já citado Última Hora e O Semanário.
A última parte do livro preserva, entre as suas virtudes, a problematização, a partir do manejo das posições colocadas por Magalhães, de dois processos essenciais do fim daquele período democrático responsáveis por mobilizarem debates acadêmicos. O primeiro compreende a crise política de 1961: antes de completar um ano de mandato e nas proximidades do pleito para o Legislativo federal, o presidente Jânio Quadros renunciou e instalou uma condição de profundo desequilíbrio entre as forças políticas do país, devido a um setor, mobilizado pelas forças conservadoras, ser contrário à posse do vice João Goulart e outro, de forças legalistas, defender a manutenção do rito constitucional. Naquela conflagração de poderes, Magalhães, na época presidente da Câmara dos Deputados, tomou uma posição assertiva e resistente em prol de Goulart. Porém, apesar da apologia pela manutenção do processo demarcado pela Constituição, a tendência do deputado trabalhista seria derrotada e uma solução conciliadora instituiu o parlamentarismo via Senado.
O segundo desdobramento foi o golpe de 1964. Reeleito deputado em 1962, em campanha no Rio de Janeiro que dividiu as atenções e os votos com o correligionário Leonel Brizola, Magalhães posicionar-se-ia sobre diversas questões vitais até a instalação do general Castelo Branco na cadeira da presidência: por exemplo, sua postura crítica ao Plano Trienal, formulado pelo ministro da Fazenda San Tiago Dantas e pelo ministro do Planejamento Celso Furtado. Aliás, o primeiro cultivava conflitos com Magalhães desde 1961, quando o responsável pela gestão econômica do Poder Executivo junto com setores da oposição e estratos mais à direta dentro do PTB tentaram afastá-lo da presidência da Câmara. Silva explorou uma pontual expressão de disputa e desacordo dentro do Partido Trabalhista Brasileiro. Temática interessante capaz de revelar os limites da coesão e organicidade desse importante partido da Quarta República, mas que ainda requer maiores explorações; é um nuance revelado a ser inserido e considerado em um plano mais amplo. As iniciativas pelo avanço das reformas de base e pela prática de fato de sua lei de remessas de lucro, não obstante adulterada por um substitutivo parlamentar, também estariam na sua agenda política. A fundação da Frente de Mobilização Popular, mobilizada principalmente por Brizola, instituição da qual era um dos principais formulares e atores, foi a principal medida desenvolvida pelo deputado trabalhista para esse fim. Juntamente com tal orientação, também emplacava uma severa oposição ao governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que o vencera anos antes.
Todavia, mesmo com os seus esforços dentro e fora do parlamento, entre eles os discursos proferidos após o presidente do Senado Auro de Moura Andrade declarar a vacância do Poder Executivo federal, Sergio Magalhães não conseguiria ver o avanço e a constituição de seu projeto de país. Sendo cassado pelo primeiro Ato Institucional em 10 de abril de 1964, seu número, na lista de 102 cidadãos que tiveram seus direitos políticos suspensos pela ditadura, foi o de 88. Era o epílogo da carreira política de Sergio Magalhães.
Roberto Bitencourt da Silva realizou um trabalho significativo com a construção da biografia de Sergio Magalhães. A obra conta com muitos méritos. O principal dentre eles situa-se na conjunta tentativa de retirar do esquecimento a figura de Magalhães e, a partir da trajetória do personagem, revelar nuances macros do Brasil da época, como o trabalhismo, a ruptura institucional de 1964 e os distintos projetos político-econômicos vigentes. Portanto, apresenta-se um trabalho que, dentre as noções de seleção de informação e construção da narrativa ponderados por Le Goff e Ricoeur, revela aspectos de um indivíduo situado nas margens nebulosas da historiografia e da memória, que começa a ser alçado mais ao centro das concepções a respeito do passado e, por conseguinte, escopo de análise e objeto de disputa ideológico. Para os pesquisadores interessados, a trajetória de Magalhães está longe de ser esgotada no sentido de investigações científicas, pois Silva manejou apenas uma parte do conjunto documental disponível a respeito do personagem, a existirem ainda outros jornais como o Diário de Notícias e o Correio da Manhã para serem explorados – além de outras fontes possíveis. Tal particularidade não corresponde a uma redução do valor qualitativo da obra, porém, diferentemente, confere uma virtude: Sergio Magalhães e suas trincheiras: nacionalismo, trabalhismo e anti-imperialismo – uma biografia política foi o exercício pioneiro e assim abriu caminhos para futuras e novas pesquisas.
Referências
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2 RICOEUR, Paul. A história, a memória, o esquecimento. Campinas: Ed. Unicamp, 2007, p. 455.
3 LE GOFF, Jacques. História e memória. 7ª edição. Campinas: Ed. Unicamp, 2013, p. 485.
4SILVA, Roberto Bitencourt da. Alberto Pasqualini: trajetória política e pensamento trabalhista. Niterói: Ed. da UFF, 2013.
5O livro de Jorge Ferreira, João Goulart: uma biografia, e a coletânea por ele organizado, O populismo e sua história: debate e crítica, são duas expressões recentes de um acervo de textos que constituem uma crítica ao conceito. Há também o mais antigo, porém, revisto e atualizado, O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil, 1961-1964, de Luiz Alberto Moniz Bandeira.
6WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. 4ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
7IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. 3ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
8 SKINNER, Quentin. Razão e retórica na filosofia de Hobbes. São Paulo: Unesp, 1999; Idem. Maquiavel. Porto Alegre: L&PM, 2010; POCOCK, John G. A. Linguagens do ideário político. São Paulo: Edusp, 2003.
9GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
10O Partido Comunista do Brasil mudou seu nome para Partido Comunista Brasileiro na transição da década de 1950 para 1960. Nesta resenha, optou-se pela segunda denominação independentemente do período histórico.
11 Marcos Napolitano sustenta a existência de “um ambiente de polarização ideológica radicalizada e de disputa por afirmação de projetos autoexcludentes para a sociedade e para a nação”. NAPOLITANO, Marcos. 1964: história do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014, p. 66.
12DELGADO, Lucília de Almeida Neves. PTB – do getulismo ao reformismo. São Paulo: Marco Zero, 1989.
Luccas Eduardo Castilho Maldonado – Graduando no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. E-mail: luccas_eduardo@hotmail.com.