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Conceitos elementares da Guerra Fria nos livros didáticos | Leonardo Augusto de Carvalho
Intitulada Conceitos elementares da Guerra Fria nos livros didáticos, a obra é resultado de um curso de especialização em Saberes e Práticas na Educação Básica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CESBEP/UFRJ), em 2018, na qual são condensados questionamentos que emergiram das experiências de Leonardo de Carvalho Augusto, a partir de seu trabalho na educação básica como professor de História e as reflexões alcançadas a partir da pós-graduação. Dessa forma, pode conciliar questões do mundo contemporâneo com indagações próprias ao ensino de História.
O livro tem como objeto a escrita didática em torno de um tema: a Guerra Fria. Influenciado pela teoria da história alemã atrelada à história dos conceitos de Reinhart Koselleck e da Didática da História de Jörn Rüsen, Carvalho Augusto investigou como os conceitos que dão realidade à Guerra Fria foram mobilizados e em que medida contribuíram para a constituição de um sentido a partir da narrativa dos livros didáticos. Leia Mais
Diferença e descobrimento: o que é o imaginário? – SILVA (RM)
SILVA, Juremir Machado da. Diferença e descobrimento: o que é o imaginário? A hipótese do excedente de significação. [Sn]: 2017. Resenha de: MACHADO, Anderson dos Santos. As camadas na floresta do simbólico: uma leitura do livro “Diferença e descobrimento: o que é o imaginário? A hipótese do excedente de significação”. Revista Memorare, Tubarão, v.4, n. 2 esp. dossiê I, maio/ago. 2017, p.192-200.
Se em As Tecnologias do Imaginário, Silva (2012) debate a construção do imaginário como um fenômeno tecnológico e nos apresenta ferramentas para o trabalho metodológico, com abordagens da sociologia compreensiva para a produção de sentidos na sociedade contemporânea, no livro Diferença e Descobrimento: o que é o imaginário? A hipótese do Excedente de Significação (Silva, 2017), nos fala sobre a natureza dessa dimensão do real e como a própria realidade se configura como imaginário. Trata daquilo que sobra, do que transborda do real cristalizado em significado e objetividade. O autor aborda que é dessa diferença, dessa saliência que sobrepõe ao esperado que o imaginário opera, seja pelo sonho, pela ideia, pelos ideais, pelas representações. Silva nos convida neste novo livro a reconhecer as diferentes possibilidades de sentidos e usos do conceito de imaginário e como elas oferecem leituras interessantes sobre o (s) mundo (s), sempre nos provocando com afirmações certeiras, mas que mexem com nossas convicções e nos instigam a descortinar esse campo. No resgate de uma de suas crônicas, Silva relembra a indagação de um aluno no corredor da faculdade: “- Professor, afinal, o que é o imaginário? ”. A resposta foi: “- Uma floresta encantada” (Silva, 2017).
O estudante, que esperava uma carona, saiu correndo, atônito, sem ouvir o complemento da instigante resposta. Essa obra (Silva, 2017) vem nos contemplar com a visão do pesquisador sobre o tema e nos provoca a adentrar nesse bosque rico de sentidos, signos, significantes e significados, denso pela variedade de estruturas simbólicas, em imagens, palavras e símbolos, que constituem a fauna e a flora desse terreno a ser explorado. Silva nos alerta com sua resposta que este é um cenário denso, múltiplo e que não conseguimos enxergar por inteiro num primeiro olhar (ou vislumbramos do alto a copa das árvores sem observar a riqueza de suas entranhas, ou nos detemos na beleza de uma de suas clareiras sem a garantia de mensurarmos a imensidão dessa floresta). O imaginário é o que escapa, é o excedente.
Silva nos sugere que o imaginário deve ser analisado como uma pátina, técnica de pintura que sobrepõe diferentes camadas de tintas e materiais usados, criando um efeito que traz para a superfície o que está encoberto sem, contudo, revelá-lo por completo. O diferencial desse recurso está em criar uma composição única, singular, na qual é necessário recorrer a técnicas de arqueologia para resgatar as diferentes fases, suas histórias que emergem para a borda.
Ao longo do texto, vai descortinando o imaginário com afirmações firmes que vão rasgando a densidade de cada camada de tinta que vai sendo revelada. Mas pela natureza do imaginário, o contraste em cada uma dessas camadas vai compondo diferentes texturas que não se fecham numa única versão. Ao contrário, mostram uma tendência a inspirar novas possibilidades de olhar. Silva nos diz que o sentido, então, só se dá no imaginário, que rompe com o dique do bom senso daquilo que já aceito.
O excedente é o que aparece na noite obscura da floresta simbólica da resposta dada ao aluno, onde a névoa dispersa a visão objetiva, mas abre flanco para a imaginação, para a fantasia, numa aventura inesperada na criação de mundos, lendas, mitos e verdades que se constroem nas narrativas. Abre espaço para construções que se apresentam como incontestáveis na visão do narrador. Cabe diferenciar imaginação de imaginário:
Há imaginação no imaginário. Nem sempre há imaginário na imaginação. A imaginação não tem compromisso com o real. O imaginário depende de um real – o ocorrido – a ser transfigurado. Todo imaginário é real. Todo real é imaginário. Salvo aquele que perdeu o significado. (Silva, 2017, p. 75).
Nos fala dos paradoxos desse imaginário, que por sua capacidade de definição do indefinível, vai criando rastros de imaginação que se disseminam na teia do cotidiano, criando tramas, redes, bifurcações que vão rompendo com as convicções e pretensiosas firmezas da objetividade do rigor científico. Mostra que mesmo a convicção dos positivistas está imbricada num imaginário que dialoga com a subjetividade, com a esperança do resultado, com as narrativas de suas produções, que muitas vezes superam a realidade nua de suas práticas. “A racionalidade mostra-se irracional pela sua incapacidade de aceitar e compreender os simbolismos que pontuam a existência e dão-lhe significado e grandeza” (Silva, 2017, p. 36).
Seria esse imaginário apenas relacionado com a fantasia, com o mito, com os monstros e criaturas absurdas que povoam a noite desse lugar insólito? Não. Silva nos fala que, assim como a ciência, o jornalismo também se apresenta na busca de catalogar assepticamente, à luz do dia, o real, crendo que, mesmo se deparando com rastros, não reconhece os seres que habitam as entranhas desse cenário. Mas esquecem os jornalistas que, para fazer essa afirmação, é necessário circular nessa mata. E com isso, Silva traz a angústia de apostar no real como distinto do imaginário. E percorrendo inúmeros pensadores, vem colocando as diferentes possibilidades de pensar a realidade e o que imaginamos ser essa realidade. Antes de tudo, afirma:
Só há imaginário na medida em que existe um real. O imaginário funciona com um acréscimo do real, não podendo prescindir dele. O que é o real? O existente sem significação atribuída pelo imaginário. […] O imaginário é o sentido que redimensiona o fato sem que se possa anulá-lo por iluminação. (Silva, 2017, p. 25).
E o que pode ser então esse imaginário? Silva chama outros desbravadores desse campo, bandeirantes que tentam demarcar esse território sinuoso. Vão avançando sobre as inúmeras camadas de sentido que alimentam ecossistemas próprios que reconfiguram o cotidiano para a produção de imaginação: uma aura, uma atmosfera.
Em contraponto, o real é equiparado à depressão, onde o deprimido preocupa-se apenas com os fatos, os resultados, com o que é palpável, ainda que pela razão. O ser do imaginário, ao contrário, divaga, se põe a postos para a batalha, cria histórias de guerra e enredos que vislumbram uma epopeia. No devaneio, brilha o encantamento com o mundo: a capacidade humana de dar luz por meio da atribuição de sentidos.
O imaginário tem a infância (e sua eterna recorrência) com um solo fértil onde esse imaginário ganha colorido, é copulativo, inseminador, orgiástico, barroco e hedonista. A criança valoriza a riqueza e a variedade. Ficar velho é render-se ao real, que conforma, que informa, é replicador, copiador, formatador. O adulto busca na arte e no devaneio, como na poética de Bachelard (1996), para recuperar a super-realidade da infância que lhe é negada. E quando o real se torna saturado, esgotado, sacrificado, não há mais imaginário: cai em depressão, a “doença do imaginário”, que se instala quando este “já não comunica, não produz calor, quando a comunicação, reduzida a uma troca de informações, perde sua função de cola social” (Silva, 2017, p. 78).
E diante do duelo que não parece ter fim, o autor denuncia que há um crime: “O imaginário, de certa maneira, sempre mata o real. Mata-o por transfiguração” (Silva, 2017, p. 22). Constatado o óbito, ainda que simbólico, cabe nos atentar sobre a diferença do imaginário para com a subjetividade. O imaginário opera como subjetividade aplicada, consumada. Decorrência que abala os pilares importantes para a ética no jornalismo: neutralidade, objetividade, imparcialidade e isenção – são essas possíveis de serem atingidas sem a dimensão da subjetividade? Um exercício racional dessas premissas não estaria sendo um imaginário das práticas da comunicação?
E a ideologia, prescritiva e que busca a reprodução do estado das coisas para Althusser (1992), onde toda representação ideológica seria imaginária do mundo real, resultaria numa deformação imaginária da representação ideológica do mundo real. Não seria, então, a ideologia uma forma de encobrimento do real, que condiciona o olhar? O imaginário revela, a ideologia esconde para impedir o descobrimento. A repetição, a cultura e a reprodução são cúmplices de um real abalroado, é aquilo que desertifica e mata o imaginário, agora vítima de outro crime, esse de forma lenta.
Estas “mortes”, porém, não se consumam por completo, pois esse imaginário, sempre paradoxal, põe limites ao real, sem eliminá-lo. Então, o imaginário é falso, fictício, ilusório? Não. Silva diz que é uma mitologia concretizada, que depende do real. “Só há imaginário na medida em que o real é possível e passível de distorção” (Silva, 2017, p. 38). Quem mergulha no imaginário faz um contrato com essa narrativa, passa a aceitá-la como plausível e possível, mesmo na sua impossibilidade e irracionalidade. Ela precisa fazer sentido, ser lógica.
Ninguém, no entanto, escolhe um imaginário. “Há um encontro, uma construção, uma descoberta, uma luz” (Silva, 2017, p. 42). Ainda que essa verdade discursiva seja, como disse Nietzsche (2008), uma ilusão que esqueceu de ser o que é, metáfora que perdeu sua força sensível pelo uso excessivo, uma convenção consolidada: uma mentira coletiva que a todos se torna obrigatória.
Na busca de entender essa contraposição entre realidade e imaginário, Silva vai trocando as lentes do binóculo para contemplar a paisagem. E se depara com o hiper-real (Baudrillard, 1991), a realidade transfigurada pelo sentido, e que é reconhecida por Lacan (1974/1975) como sendo o nascimento do ego, instância psíquica constitutiva e estruturante da subjetividade. Gilbert Durand (1999; 2001) e Michel Maffesoli (2008) veem o imaginário como acontecimento cheio de símbolos, imagens e afetos que canalizam a subjetividade para lagos sensíveis.
É o imaginário também visto como surreal, quando se exprime na fantasia, na loucura criativa das artes, que exaltam o belo e o maravilhoso para Breton (1985), no devir de Deleuze (1974), que buscam valorizar no vivido a crença de um real que remodela a precariedade da “vida real”, obstruída pela educação dos sentidos e pela opacidade utilitária.
Estaria ainda o imaginário no super-real, dimensão fantástica do real, uma lente poderosa de aumento, que transfigura, desfoca e deforma o cotidiano, gerando “caricaturas” com traços exagerados sobre o real, que leva a “uma vivência emocionalmente profunda que, como num passe de mágica, faz um pacto com a credibilidade” (Silva, 2017, p. 61). Esse super-real não seria contemplado apenas pelos artistas, mas compartilhado no cotidiano em nossos hobbies, jogos, aventuras e todas as espécies de devaneios que colocam na berlinda a conversão do imaginário em mercadoria pelas tecnologias de produção simbólica da sociedade urbanizada pós-industrial.
Silva nos fala até de um direito ao imaginário, como uma necessidade social, de constituir heróis e estrelas que tornam o real suportável. E também uma necessidade biológica do ser humano de buscar o devaneio, como aquilo que dá sentido à vida.
[…] o real é a prosa, o imaginário é a poesia do cotidiano. O real expressa o céu cinzento, enquanto o imaginário transforma as nuvens em utopia. […] que se acrescenta inconscientemente ao acontecido, mas que se torna, depois de fixado, a única consciência possível do existente (Silva, 2017, p. 58).
Na discussão sobre o documentário, o jornalismo e a história, nos traz a ficção como forma de representar o real e dos limites para o imaginário. Trata da natureza da ficção, que por ser inventada: existe, mas é irreal, sendo um real irreal. Uma dramatização num documentário ou reportagem pode recriar uma realidade, mas não é capaz de dramatizar algo que não existiu. A ficção depende – então – da realidade, do ocorrido, do fato.
A ficção não tem limites. Nem mesmo o da verossimilhança. O verossímil pode ser fictício. O imaginário é sempre verdadeiro. […] está ligado a um real que, embora sempre alterado pela subjetivação do olhar que reconstitui o ocorrido, recusa o procedimento da invenção absoluta. (Silva, 2017, p. 69).
Mesmo o realismo fantástico, em autores como Balzac (1954), Kafka (1986) e García-Marques (1974), suas narrativas conservam um fio com a realidade, que faz o excedente de realidade mostrar-se, potencializando muito de seus efeitos de reflexão sobre o real.
Das seis fases da bacia semântica de Durand (1999), que remetem à figura das águas para vislumbrar a formação simbólica do imaginário (escoamentos, divisão das águas, confluências, o nome do rio, organização dos rios, esgotamento dos deltas), Silva (2017), propõe nove etapas do imaginário como recobrimento do banal (vazamento, infiltração, acumulação, evocação, transbordamento, deformação, transfiguração, metáfora, derretimento/evaporação), na qual sugere momentos importantes de análise da produção do imaginário.
Da mesma forma, também questiona se o imaginário pode ser um agenciamento das ideias, a partir das pautas impostas pelo agenda-setting (Mc Combs e Shaw in Hohlfeldt, 1997) (acumulação, consonância, centralidade, tematização, saliência, focalização) e questiona o agendamento de bens simbólicos:
O desejo do consumidor costuma coincidir estranhamente com o desejo do produtor e fornecedor de objetos a consumir. Só se deseja o que se deve ser desejado. A agenda do consumo não produz negação. Um imaginário? (Silva, 2017, p. 95).
O imaginário se comportaria como um agendamento involuntário que se consumou temporariamente. Um transbordamento que se agendou para ser alcançado no momento de onipresença midiática e social.
Silva faz ainda considerações sobre o imaginário e a história e a produção de narrativas, lendas e das fragilidades do pensamento jornalístico (que, por vezes, se contenta com o comentário e não com a investigação) e científico (que se detém a uma verdade objetiva superior, respaldada pelos pares). Nessa reflexão sobre essas duas formas de registro da realidade, que possuem conjuntos de regras codificadas que remetem à produção dos dados.
O imaginário opera no campo do discurso, do saber, do poder. O imaginário é reservatório de experiências e motor de ações significativas, que geram uma “pro-vocação”, modo específico de descobrimento das vocações, um vínculo, um pertencimento, um compartilhar. A vocação do homem é o imaginário, afirma Silva (2017), “arranca o ser da banalidade e, pelo bem ou pelo mal, pelo sublime ou pelo hediondo, dissemina significados que não podem ser apagados com toda prosa do cotidiano” (p. 108).
Também está o imaginário no recobrimento e no depósito de material significativo do terreno fértil, está onde há saturação, acúmulo, no que se sobrepõe e no que gera saliência. O imaginário está na surpresa diante do que está a ser descoberto na passagem da aldeia para a cidade natal e desta para a metrópole. É o deslumbramento da novidade, que gradativamente vai se perdendo pelo costume, até se deparar com a fantasia de encontrar um lugar maior que o quintal que estávamos acostumados a trilhar.
Silva segue questionando o imaginário a partir da produção de sentidos, no jogo da linguagem, como sugere Wittgenstein (1987) e na produção da interpretação dos acontecimentos para Deleuze (1974) que sugere cercar o imaginário pelo excesso, uma erupção da lava simbólica dos acontecimentos. Silva também contrapõe a interpretação (dialógico entre duas partes) da compreensão (reconhecimento do outro que surpreende, atrai e fascina) e da explicação (descrição do outro). Fala do descobrimento como forma de trazer à tona sentidos encobertos, por meio de inúmeros pares intercambiáveis como memória no esquecimento, sentido na ausência, luz e obscuridade, obsessão e encantamento, diferença e repetição, entre tantos outros.
De toda forma, nos faz perceber que, depois de tiranias realistas, também há o temor quanto aos imaginários tirânicos, à imposição de imaginários que suplantam o real e nos (i) mobilizam coletivamente. O imaginário também pode se impor como autoritário, ditatorial, fascista, constrangedor. Silva nos revela que ninguém é autor do seu imaginário na escrita autobiográfica: o imaginário se impõe ao imaginante como um texto extraído de suas vivências, onde não há autonomia deste imaginante. “Ninguém pode rejeitar o imaginário, nem se negar ao imaginário. O imaginário é uma submissão” (Silva, 2017, p. 167-168).
Navegar no imaginário é sempre uma aventura, nos garante o autor. Faz-se necessário adentrar ao bosque encantado e explorar o que transborda desse simbólico. O imaginário como instância do real, se faz presente. Negá-lo não deixa de constituir também um imaginário.
A obra que aqui analisamos traz reflexões que não se esgotam. Certamente não era essa a intenção do autor, por mais criteriosa e densa que tenha sido sua pesquisa. Mas ao desdobrar suas reflexões, ele respeita a natureza do objeto em análise. O imaginário é…
Na resposta cabem outras possibilidades que excedem os significados apontados em seu texto. O que não se pode negar é a contribuição relevante do autor para problematizar o imaginário com essa roupagem instigante de um excedente, pela diferença e pelo descobrimento, nas inúmeras camadas de sentidos que podemos ir raspando do real que nos é possível escavar.
Referências
AUTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1992.
BACHELARD, G. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
BALZAC, H. A comédia humana. Org. Paulo Ronai. Porto Alegre: Editora Globo: 1954.
BAUDRILLARD, J. Simulacros e simulação. Lisboa. Relógio d’Água, 1991.
BRETON, A. Manifestos do surrealismo. São Paulo: Brasiliense, 1985.
DELEUZE, G. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1974.
Revista Memorare, Tubarão, SC, v. 4, n. 2 esp. dossiê I, p.192-200 maio/ago. 2017. ISSN: 2358-0593.
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DURAND, G. O Imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro: DIFEL, 1999.
DURAND, G. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
GARCIA-MÁRQUEZ, G. Olhos de Cão azul. Rio de Janeiro: Record, 1974.
HOHLFELDT, A. Os estudos sobre a hipótese do agendamento. In: Revista Famecos. Porto Alegre: Edipucrs, nº 7, novembro de 1997, p. 41-52.
KAFKA, F. A metamorfose. São Paulo: Brasiliense, 1986
LACAN, J. RSI. Le séminarie. 1974/1975.
MAFFESOLI, M. O conhecimento comum. Porto Alegre: Sulina, 2008.
NIETZSCHE, F. Sobre verdade e mentira. São Paulo: Hedra, 2008.
SILVA, J. M. Diferença e descobrimento: O que é o imaginário? A hipótese do excedente de significação. Porto Alegre: Sulina, 2017.
SILVA, J.M. Tecnologias do Imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2012.
WITTGENSTEIN, L. Tratado Lógico-filosófico e investigações filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
Anderson dos Santos Machado – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Porto Alegre, RS, Brasil. Doutorando em Comunicação pela PUCRS. E-mail: andersonsmachado@gmail.com
[MLPDB]
Epistemologias da história: verdade, linguagem, realidade, interpretação e sentido na pós-modernidade | Gabriel Giannattasio e Rogério Ivano
Nas últimas décadas, e bem mais recente quando se tem por base o cenário brasileiro, os debates no campo da História (e também, claro, no da Filosofia e no das Ciências Sociais), mais especificamente na área de Teoria e Metodologia da História tem direcionado suas preocupações em torno de um objeto, ou pode-se dizer ainda, tema, ideia, paradigma, pois as designações são múltiplas. De fato, o que é possível afirmar, aqui sim com convicção, é que a pós-modernidade é a pauta do momento, seja para arrancar suspiros daqueles que a defendem e/ou idolatram, seja para nausear aqueles que acreditam que tudo isso não passa de mera invenção de alguns intelectuais equivocados. E é com a intenção de esclarecer alguns tópicos que a torrente pós-moderna e a enxurrada de problemas, novidades, embates etc que a ela são intrínsecos, que surge o livro organizado pelos historiadores Gabriel Giannattasio e Rogério Ivano. Leia Mais
A questão do sentido em psicoterapia – FRANKL (ARF)
FRANKL, Victor. A questão do sentido em psicoterapia. Campinas: Papirus, 1990. Resenha de: CARVALHO, José Maurício de. Argumentos – Revista de Filosofia, Fortaleza, n.5, 2011.
O livro de Victor Frankl foi publicado há muitos anos, mas conserva atualidade pelo diálogo que obriga entre a Filosofia e a Psicologia. Ele possui introdução, três conferências e um esboço autobiográfico. Nestes textos enfrenta uma questão fundamental que ocupou parte significativa dos filósofos no século XX: possui a vida humana um sentido? Esta questão se mistura a outras de caráter existencial que ajudam a clareá-la.
Eis algumas: será que a finitude da existência aniquila seu sentido? O sofrimento físico e mental contribui para a elaboração do sen tido ou o destrói? Como pensar o sentido diante daquilo que nos acontece? Exemplo do que nos ocorre é uma doença incurável ou ser levado para o campo de extermínio.
É para enfrentar estas questões que Frankl escreveu este livro. A pergunta é essencial- mente filosófica e ela será tratada assim. No entanto, o autor estende as conseqüências da meditação para o campo da Psicologia ao colocar a questão do sentido como eixo orientador de uma abordagem psicológica que ele desenvolve. Entender o modo como filosoficamente Frankl pensa o problema do sentido e depois perceber os resultados que daí deriva para a Psicologia é o que confere nexo ao livro.
Victor Frankl começa sua obra retomando a questão que Albert Camus consagrou como a única digna de ser efetivamente meditada: como é o sentido da vida humana? A vida vale a pena ou o suicídio é o que se nos oferece como alternativa mais plausível? O filósofo francês trata a questão do sentido nos romances A Peste e O Estrangeiro, bem como nas peças de teatro Calígula e Os Justos . Ao optar pelo sentido construído pelo existente coloca em evidência o problema da liberdade humana, pois nela reside o sentido e não numa construção lingüística rebuscada ou erudita. Este sentido da vida como expressão de liberdade é assunto fundamental dos existencialistas observa outro filósofo francês Roger Garaudy. A vida não tem um sentido prévio ou pronto, ele diz, “como se tem uma casa ou uma conta no banco. Seria (se assim fosse) um cenário já escrito, fora de nós e sem nós; teríamos apenas que representar aparentando crer em nossa liberdade.” ( Palavra de homem , p. 52).
A questão do sentido para Frankl vai além da meditação filosófica porque o problema expresso pelo sentimento de vazio de sentido obrigou as pessoas hoje em dia a procurar o psicólogo e o psiquiatra. O vazio existencial e a depressão são as doenças do século XXI e isto aumenta o interesse pelo livro de Frankl. O homem não sabe o que quer e esta ignorância não apenas serve para ele meditar melhor sobre a vida, “a sensação de falta de sentido é patogênica, isto é, leva a doenças, a neuroses específicas.” (p. 20). Este A rgumentos , Ano 3, N°. 5 – 2011 181 sentimento se manifesta de muitos modos como: na chamada crise de meia idade ou no medo do domingo tão comum em nosso tempo. Em ambos os fenômenos o que verdadeiramente aparece é a falta de sentido.
Esta falta de sentido coloca em evidência o problema de ir além de si, trata-se da auto – transcendência sem a qual a vida parece ficar sem sentido. Afirma o autor: O homem não é apenas um ser que reage e abreage, mas também que se autotranscende. E a existência humana aponta para além de si mesma, mostra sempre algo que não é de novo ela mesma – a algo ou alguém, a um sentido, ou a um ser companheiro. (p. 29).
O que há de singular nesta posição de Frankl é que ele coloca a questão do sentido como sendo de interesse primário do homem e não como meditação que lhe confere algo a mais, algo que lhe adensa o sentido, mas sem o qual é possível viver. O sentido para Frankl é questão fundamental. Ao referir- se ao comportamento dos prisioneiros nos campos de concentração fica claro o que ele quer dizer: “não foi menos importante a lição que eu pude levar para casa de Auschwitz e Dachau: que os mais capazes, inclusive de sobreviver a tais situações-limite, eram os direcionados para o futuro, para algo ou alguém que os esperava.” (p. 34). Esta questão filosófica fundamental foi deixada de lado pelos psicólogos, comenta o autor. Os psicanalistas a consideram parte dos processos psicodinâmicos e os comportamentalistas um tipo de aprendizagem que precisa ser removido para que o sujeito fique “espontaneamente curado.” (p. 37). Ora o problema não pode ser resolvido deste modo, a falta de sentido é um tipo de sofrimento, mas não uma doença no sentido médico ou uma ignorância a ser suprimida. Também não se confunde falta de sentido com desespero, pois este último só ocorre quando a pessoa não enxerga sentido para o sofrimento. E aqui surgem questões fundamentais: A vida tem sentido e se tem podemos nós comunicá-lo? Frankl considera que a vida tem sentido e que podemos percebê-lo. Com isto não invalida o trabalho dos psicanalistas, pois muita coisa tida como sentido deve ser desmascarada, mas tentar desmascarar o problema do sentido produz uma deshumanização, porque estamos diante de “um fenômeno que não se deixa desmascarar porque é autêntico” (p.41). A conclusão de Frankl é que “o homem é um ser à procura de sentido” (p. 45). E considera que esta questão fundamental da filosofia existencial seja o centro de sua uma orientação psicológica. A raiz desta linha psicológica é a intencionalidade no sentido de Bren- tano, Husserl e Scheler, que produz a relação com os sujeitos intencionais, ou seja, entre os atos intencionais que deles provém e os objetos intencionais. Tão logo deixemos de contemplar o ser sujeito do sujeito, nós perdemos de vista que ele tem objetos próprios. (p. 35).
Trata-se, portanto, de uma psicologia fenomenológica como as de Karl Jaspers, Ludwig Binswanger, o representante da Es- cola gestáltica de Berlim Wolfgang Köhler, além do que escreveu o existencialista e personalista Gabriel Marcel, filósofos e psi- cólogos cujos nomes Frankl cita textualmente em sua autobiografia, o último dos textos do livro (p. 112).
As questões associadas ao sentido fo – ram desenvolvidas em três conferências que Frankl pronunciou sobre o sentido e valor da vida na Universidade para o povo em Viena- Ottaring. Ele entende que o pensamento europeu reconheceu a dignidade humana com a formulação ética de Immanuel Kant, mas depois vieram as guerras e em especial a Segunda Guerra Mundial onde o homem foi colocado a serviço da morte. Nos campos de refugiados os presos não valiam o prato de sopa e a vida humana foi exterminada em massa, a sociedade européia desonerou- se da dignidade. Esta atitude não foi uma decisão coletiva, o reconhecimento do valor da vida é singular. Isto se demonstra pela atitude do chefe nazista que gastava o próprio dinheiro para comprar remédio para os doentes do campo. No mesmo Campo havia prisioneiros mais antigos que maltratavam os companheiros recém-chegados. A direção fundamental assumida por Frankl remonta a Kant, viver é um dever. Há alegria na vida, mas ela não é um fim, apenas o resultado.
José Mauricio de Carvalho – Doutor em Filosofia e Professor da UFSJ-MG.