Como (não) fazer um golpe de estado no Brasil: uma história interna do 8 de janeiro de 2023 | Francisco Carlos Teixeira da Silva

Em um cenário político-partidário em polvorosa desde as últimas eleições presidenciais brasileiras em outubro de 2022, vê-se deflagrar em Brasília, em 08 de janeiro de 2023, uma tentativa golpista de tomada do poder por extremistas inconformados. Tal agitação, observada a partir dos seus aspectos fascistas, é a temática trabalhada na recente obra Como não fazer um golpe de estado no Brasil: uma história interna do 8 de janeiro de 2023, na qual se investiga o fato de o passado fornecer percepções valiosas sobre as raízes dos problemas e desafios vigentes, o que ocorre não por sua possibilidade de repetição, mas antes pelas continuidades e rupturas que irrompem nesse meio-tempo. Leia Mais

Chile despertó: lecturas desde la Historia del estalido social de octubre | P. Artaza, A. Candina, J. Esteve, M. Folchi, S. Grez, C. Guerrero, J. L. Martínez, M. Matus, C. Peñaoza, C. Sanhueza e J. M. Zavala

Chile desperto Imagem Contacto Digital
Chile despertó | Imagem: Contacto Digital

Publicada pela Universidad de Chile, editada por Mauricio Folchi e organizada em onze artigos produzidos por historiadores do Departamento de Ciências Históricas, a obra coletiva “Chile despertó: Lecturas desde la Historia del estallido social de octubre” buscou uma leitura de diversos ângulos dos movimentos que estouraram em outubro de 2019 no Chile e sua consequente crise política. Se durante os anos 1990 o Chile se encontrava permeado por conflitos e mobilizações sociais, a passagem para o século XXI trouxe todo um novo cenário político acompanhado pela reorganização do movimento estudantil secundário, durante a Revolução Pinguina de 2006, e universitário durante as marchas estudantis multitudinárias de 2011. Assim, como todo um contexto de diversas reformas para uma superação de “resquícios autoritários”, a exemplo da reforma constitucional de 2005 e a do sistema eleitoral em 2015. Como, por fim, acompanhado da emergência de uma nova coalizão de centro-esquerda, a Frente Ampla, sendo assim, o quadro amplo de inserção dos movimentos de 2019 parte de um largo cenário, tanto de reativação da sociedade civil, como de renovação política.II De maneira, que a Frente Ampla representou uma novidade pelo seu respectivo rompimento do cenário dominado por um antigo duopólio partidário.III

Estes movimentos espontâneos foram, segundo o editor e autor Mauricio Folchi, a maior mobilização das últimas décadas, os quais se materializaram na recuperação da figura dos cabildos em meio a uma população demandante de participação política. Tendo novas tecnologias sido a base para as suas convocações. Tais manifestações integraram uma proposição para um novo pacto social, de maneira, a serem mais do que um simples acúmulo de mal-estar de décadas. Antes, são produto da insatisfação carregada desde a Constituição de 1980, e das leituras de um Chile que parece nunca ter tido uma constituição, de fato, democrática. Tal crise, de modo geral, não se trata de apenas uma série de demandas sociais não atendidas, antes, são produtos da incapacidade de receber e processar tais demandas por parte do Estado. Leia Mais

Far-right revisionism and the end of history: alt-histories | L. D. Valencia-Garcia

Francisco Vazquez
Francisco Vázquez García | Foto: Universidad de Cádiz

A emergência de governos populistas e autoritários, como o de Donald Trump (2016 – 2021) e o de Jair Bolsonaro (2018 – 2022), bem como a repercussão e uso político das fake news, trouxeram ao debate questões fundamentais sobre a chamada “nova direita” e suas características organizativas, ideologias e práticas. Com a Pandemia da Covid-19, a noção de negacionismo ganhou destaque no debate público, na mídia, no meio acadêmico, referindo-se a determinados discursos de rechaço da ciência e da manipulação dos fatos, resgatando algumas das características de ilações e falsificação de fatos históricos que Pierre-Vidal Naquet, em seu Os Assassinos da Memória, atribuía aos revisionistas/negacionistas do genocídio hitlerista. Embora essas evidências estejam muito mais relacionadas a um debate do campo científico — ao endossar uma postura anticientífica próxima daquela iniciada nos anos 2000 quanto ao negacionismo do HIV/AIDS e das mudanças climáticas, e agora, em relação a Pandemia da Covid-19 — é no debate historiográfico que se pode perceber sua amplitude e interlocução política. A obra Far-right revisionism and the end of history: alt/histories, editado por Louie Dean Valencia-Garcia, se faz de suma importância para a compreensão do contexto em que é produzido o discurso negacionista, os diversos grupos da extrema-direita por todo o mundo e, sobretudo, a contribuição de historiadores revisionistas para a construção da chamada alt-history.

Composta por 20 artigos, a coletânea explora amplamente as configurações de uma história alternativa (alt-history) construída por grupos de extrema-direita em contextos como o da Espanha, Estados Unidos, Brasil, Rússia, Alemanha, Itália, Iugoslávia e Canadá. O que apresentam em comum? Para além da presença de retóricas que conduzem a práticas antidemocráticas de movimentos sociais e da opinião pública, uma característica inicial evidenciada na composição desses casos são as polêmicas geradas na abordagem de temas e personagens históricos. A partir disso, constatam-se as tentativas de recusa da história estabelecida e o oferecimento de uma suposta nova versão dos fatos, conhecida apenas por doutos especialistas ou por aqueles (especialistas ou não) que, na contramão dos consensos estabelecidos, se oferecem como vozes dissonantes. Uma primeira definição de alt-history, portanto, é aquela que fomenta: Leia Mais

Los chalecos amarillos. Un retador movimiento popular | Carlos Alonso Reynoso

Los manifestantes que visten chalecos amarillos
Los manifestantes que visten chalecos amarillos se manifiestan contra el aumento de los precios del combustible y por el deterioro de las condiciones económicas (París, 15/12/2018) | Foto: Elyxandro Cegarra/Agencia Anadolu.

No es la primera vez que reseño un material de este autor, considero que el proceso de leer a los colegas siempre será benéfico para la producción académica y para la construcción de nuevos análisis sobre una línea de investigación a la que he dedicado mi carrera: los movimientos sociales. La historia y el proceso del movimiento des Gilets Jaunes es bastante interesante, su irrupción, su devenir, su asociación con el movimiento Nuit Debout y la utilización de repertorios de acción colectiva que rompen con lo convencional que lo visualizan como un movimiento sin parangón en Francia. Vale la pena, exponer que tanto el proceso político del movimiento Noches en Pie (como fue conocido el Nuit Debout) como el del movimiento de los Chalecos Amarillos no es algo que sea desconocido para el autor de esta reseña dado que se ha trabajado el tema con anterioridad (Lopez, 2019 y 2020).

Asimismo, se advierte que esta reseña ha sido formulada a través de varios contrapuntos formulados entre los posicionamientos del autor del libro y los posicionamientos del autor de esta reseña. He decidido dividirlo en cuatro segmentos: el primero de ellos radica en “la forma y el fondo de la acción colectiva”, el segundo versa sobre “similitudes y diferencias con otros movimientos sociales”, el en el tercero se toca “el problema de la institucionalización” al seno del movimiento y, por último, el cuarto trata de enfatizar “la influencia y por venir” del movimiento des Gilet Jaunes. Leia Mais

Lembrança do presente: Ensaios sobre a condição histórica na era da internet | Mateus Henrique de Faria Pereira

Mateus Henrique de Faria Pereira Imagem Varia Historia
Mateus Henrique de Faria Pereira | Imagem: Varia História

No atual século, poucos livros no campo da teoria da história alcançaram um índice de repercussão como Regimes de historicidade: Presentismo e experiências do tempo (originalmente publicado em 2003), de François Hartog (2013). O livro se tornou referência fundamental nos estudos acerca da experiência do tempo com a proposta de criação de um “instrumento”, a categoria “regimes de historicidade”, para a averiguação de como sociedades e culturas estabeleceram em distintos momentos históricos determinadas ordens do tempo. Do mesmo modo, a obra vem sendo alvo de importantes reavaliações (ver ARAUJO; PEREIRA, 2018ARANTES, 2014LORENZ; BEVERNAGE, 2013; GUIMARÃES; RAUTER, 2021; TURIN, 2016, entre outros), que questionam tanto as pretensões heurísticas da categoria anunciada por Hartog, quanto a sua hipótese mais fundamental acerca do “presentismo”, isso é, a prevalência do presente sobre as dimensões do passado e do futuro, sendo que, no caso do último, ainda se impõe uma importante sensação de fechamento, ao contrário do que se via na concepção moderna de história, como teorizada por Koselleck (2006).

Compondo essa mesma linhagem crítica e saindo pela mesma editora que publicou o livro de Hartog no Brasil, Lembrança do presente: Ensaios sobre a condição histórica na era da internet, de Mateus Henrique de Faria Pereira (2022), aparece como uma obra disposta a analisar os impactos do novo para a redefinição dos papéis da historiografia sem qualquer olhar nostálgico de uma antiga condição, ao mesmo tempo que aceita o desafio de pensar as possibilidades que a era da internet traz para uma efetiva inserção do historiador e da historiadora num debate público amplo e democrático. Leia Mais

La reledía se volvió de la derecha | Pablo Stefanoni

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Pablo Stefanoni | Foto: Bernardino Ávila

La reledía se volvió de la derecha, de Pablo Stefanoni traz um subtítulo enciclopédico, entregando a matéria ao leitor sem que se tenha a necessidade de abrir o livro: o combate ao progressismo político e ao politicamente correto é rebelde e atrai multidões de jovens. É necessário, então, ler esses arautos das novas direitas (“extrema direita”, da “direita alternativa” ou “populismo de direita”) caso queiramos compreender as razões do seu sucesso ou, em outra chave, as razões do fracasso das esquerdas. A tarefa anunciada é cumprida com um texto breve, distribuído em cinco capítulos (além de epílogo e glossário) que focam o pensamento das novas direitas em escala global (América do Sul, América do Norte, Europa e Ásia).

La rebeldia se volvio de derechaAntes de La rebeldia, Stefanoni escreveu livros sobre a ação da esquerda na Bolívia e na Rússia e atuou em parcerias com Clarín e o Le Monde Diplomatique. Professor da Universidade Nacional de San Martín e Doutor em História, o autor situa seu novo livro no domínio da História Intelectual. Stefanoni se ocupa de autores comuns – terroristas, ativistas moderados, intelectuais que militam na internet, escritores – atuantes nas duas últimas décadas, mediante redes de divulgação artigos, posts em redes sociais, vídeos, trechos de livros e memes. Ao abordar indivíduos de “subculturas on line”, Stefanoni investiga o significado dessa nova rebeldia, questionando sobre a ideia de “futuro próximo” compartilhada entre seguidos e respectivos seguidores. Leia Mais

Semana de Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça dos Institutos Federais | Das Amazônias | 2022

Detalhe de cartaza do X Ser Negra Semana de Reflexoes sobre Negritude Genero e Raca dos Institutos Federais
Detalhe de cartaza do “X Ser Negra – Semana de Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça dos Institutos Federais”

Primeiramente, é um prazer sermos responsáveis pela apresentação desse dossiê. Mas o fundamental nesta apresentação são as pesquisas para as quais ela pretende abrir caminhos. É interessante que neste conjunto de pesquisas constatamos a relação entre cultura, conhecimento, poder e a centralidade, em especial, da água e dos diferentes papéis das assimetrias sociais, de modo a revelar importantes compromissos sociais.

Esse dossiê é composto a partir de trabalhos inicialmente apresentados no X Ser Negra – Semana de Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça dos Institutos Federais, realizado entre 23 e 26 de novembro de 2021, um Congresso altamente científico e democrático que permite a interação entre os mais diferentes sujeitos sociais em um espaço de reciprocidades múltiplas. Foi organizado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) e totalmente online devido aos efeitos da pandemia de Covid-19. Leia Mais

América Latina entre la reforma y la revolución: de las independencias al siglo XXI | Marta Bonaudo, Diego Mauro e Silvia Simonassi

Detalhe de capa de America Latina entre la reforma y la revolucion de las independencias al siglo XXI

Detalhe de capa de América Latina entre la reforma y la revolución: de las independencias al siglo XXI

La presente obra es producto de años de investigación de tres reputados autores que cuentan con una sólida trayectoria académica y universitaria en el marco del Instituto de Investigaciones Sociohistóricas Regionales (ISHIR), unidad ejecutora del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) de la República Argentina. Del propio decurso de sus investigaciones y del recorrido como docentes, estos tres autores proponen una obra renovada desde la temática, así como desde la perspectiva con la cual la abordan. Los estudios sobre América Latina son vastos y longevos; sin embargo, lejos de agotarse el campo, este tipo de propuestas vienen a refrescarlo y problematizarlo con nuevas preguntas y miradas.

En esta oportunidad, el presente libro se propone un abordaje de la historia americana desde una perspectiva que, lejos de anclarse en el recorrido diacrónico por los procesos políticos y sociales, lo hace desde el conflictivo vínculo entre revolución y reforma como puerta de ingreso para auscultar la historia continental. De esta forma, la premisa desde la cual parten los autores es que la historia de América ha estado signada por el inestable y siempre tenso vínculo entre los procesos revolucionarios y las propuestas de reformas como medios para resolver los males que en diversas épocas aquejaron a las poblaciones americanas. Así, el libro busca enhebrar la historia continental a partir de las diversas experiencias que, tensionadas entre las mencionadas soluciones, han sido una constante a lo largo y ancho de América. La obra, que tiene el mérito de proponer un recorrido no siempre lineal y cronológico sino problemático, también posee el de vincular pasado, presente y futuro, demostrando la continuidad y vigencia que el par problemático, elegido como perspectiva analítica, aún tiene en nuestros tiempos. Leia Mais

Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil | Marcelo Badaró Mattos

O ano é 2020. O cenário é assombroso. A pandemia provocada pela disseminação do Coronavírus, vírus causador da COVID-19, fez do Brasil seu epicentro, deixando a população atônita perante o crescente quantitativo de mortes e a ausência de medidas de contenção do avanço da doença. É nesse contexto que Marcelo Badaró de Mattos, professor titular do Departamento de História do Brasil, da Universidade Federal Fluminense, finaliza seu livro intitulado Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil, lançado pela Usina Editorial. Discute o processo que levou Jair Messias Bolsonaro à presidência da República Federativa do Brasil, em 2018, bem como os primeiros anos de seu governo, empreendendo uma análise crítica da situação política do país. Parte do fascismo histórico a fim de compreender a ideologia propagada pelo seu governo. À época do seu lançamento, mais de 30 mil mortes II eram contabilizadas no país, ao mesmo tempo em que o Presidente Jair Bolsonaro classificava a doença como uma gripezinha e afirmava eu não sou coveiro, frases constantemente declaradas por Bolsonaro ao ser questionado quanto a medidas mais efetivas em combate à disseminação da Covid-19. Leia Mais

Manual didático do professor de História: História local e Aprendizagem significativa | Moisés Reis

Ilustracao de Mateus Oliveira Queiroz para o Manual didatico do professor de Historia Historia local e aprendizagem significativa.
Ilustração de Mateus Oliveira Queiroz para o Manual didático do professor de História História local e aprendizagem significativa.

Manual Didático do professor de História: História local e Aprendizagem significativa, de Moisés Santos Reis Amaral, propõe metodologias ativas para o ensino de História com o uso das modernas tecnologias na educação básica a fim de aproximar o estudante e a atualidade e de envolvê-lo no processo de ensino-aprendizagem. Essa tarefa, segundo o autor, exige formação continuada numa guinada para a criticidade e a interação.

Manual didatico MoisesO livro aborda a história local do município de Fátima-BA, lugar onde o autor trabalha como professor da rede municipal de ensino. Ele é graduado em História pelo Centro Universitário Ages, especializado em História e Cultura Afro-brasileira pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci e Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Amaral também passou temporada na rede particular de ensino e atua como tutor e palestrante nas áreas de Educação, Ensino de História e Geografia. Leia Mais

BNCC de História nos Estados: o futuro do presente | Ângela R. Ferreira, Antonio S. de Almeida Neto, Caio F. F. Adan, Carlos A. L. Ferreira, Paulo E. D. de Mello e Olavo P. Soares

BNCC de Historia nos Estados Detalhe de capa Arte da capa Carole Kummecke
BNCC de História nos Estados (Detalhe de capa) | Arte da capa: Carole Kümmecke

No final do ano passado (2021), a Editora Fi lançou BNCC de História nos Estados: o futuro do presente, reunindo estudos de 25 autores, a maioria dos quais atua em programas de pós-graduação em História, Ensino de História e Educação. Apenas dois são professores da educação básica e os demais são formadores de professores. O livro comunica os trabalhos apresentados no “Ciclo de Debates” (de mesmo título), organizado pelas Universidades Federais de Alfenas (UNIFAL), Espírito Santo (UFES), São Paulo (UNIFESP) e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no segundo semestre de 2021, com grande aderência de público em mais de 300 cidades de 26 entes federados (p.12).

BNCC de Historia nos EstadosA publicação já nasce referência. É uma peça crítica à Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e às bases curriculares de cada Estado. Além de dar publicidade desses dispositivos na rede mundial de computadores (prática que, há dez anos, seria uma via crucis para o pesquisador), põe a nu alguns “vieses de confirmação” dos nossos colegas da área. Por essas razões, o livro merece ser lido e criticado. Ele oportuniza a discussão e, com muita boa vontade, o avanço da qualidade das políticas públicas para o Ensino de História, seja em termos de formação docente, seja em termos de formação escolar. Leia Mais

E Se Fosse Você? | Manuela D’Ávila

Manuela DAvila Imagem Poder360
Manuela D’Ávila | Imagem: Poder360

Para Brisola e Romeiro (2018, p. 3), na contemporaneidade, a informação tem se proliferado e circulado em quantidade e velocidade extraordinárias, o que, muitas vezes, dificulta o entendimento em relação a quais informações podem ser reconhecidas enquanto um discurso correspondente a fatos e quais são fake news.

Nessa senda, há uma necessidade e uma urgência em produzir e exibir notícias no tempo presente, principalmente nas mídias digitais. É nesse contexto que o livro E se fosse você? Sobrevivendo às redes de ódio e fake news se insere. A obra não ficcional produzida pelo Instituto E se Fosse Você foi lançada em 2020 e está em sua primeira edição. Nela são apresentados temas como mulheres na política, a disseminação de fake news, discursos de ódio, redes sociais e memes de internet. Leia Mais

Os feitos e os efeitos das cotas raciais no Brasil: avanços, desafios e possibilidades | Escritas do Tempo | 2022

Professores criam grupo para defender implantacao de cotas raciais na UEM Imagen Maringa Post
Professores criam grupo para defender implantação de cotas raciais na UEM | Imagen: Maringá Post

Depois de mais de uma década de intensa discussão sobre a legalidade e a constitucionalidade do sistema de vagas reservadas para negros no ensino universitário, em 26 de abril de 2012, a Suprema Corte Brasileira, por meio da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, declarou a constitucionalidade do Plano de Metas de Inclusão Étnico-Racial instituído pela Universidade de Brasília UnB). Para a Suprema Corte, as cotas, ao utilizarem do critério racial para inclusão destes homens e mulheres negras nas universidades, estavam exercendo uma política de reparação e construindo possibilidades de ampliar a igualdade material e simbólica no Brasil.

O reconhecimento constitucional das cotas pelo STF foi normatizado por meio da Lei Federal 12.711/2012, também conhecida como Lei de Cotas, que garante a reserva de 50% das matrículas nas universidades e institutos federais de educação a alunos oriundos de escolas públicas. O texto legislativo ainda estabelece que as vagas reservadas às cotas sejam subdivididas, metade para estudantes de escola públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita e metade para estudantes de escolas públicas com renda superior 1,5 salário-mínimo. Em ambos os casos, também será levado em conta percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Leia Mais

Ensino de História e Historiografia digital | Marcela Albaine Farias da Costa

Marcela Costa

Ensino de História e Historiografia escolar digital, de Marcela Albaine Farias da Costa, como explicitado no título, discute a relação entre os fenômenos da Historiografia escolar digital e a prática do Ensino de História em escolas da educação básica. Construído em quatro capítulos (além da introdução e da conclusão), o livro é resultado de uma tese de doutorado em História, defendida na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), sob a orientação da professora Keila Grinberg, avaliada pelos professores Anita Almeida (UNIRIO, Sonia Wanderley, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rodrigo Turim (UNIRIO) e Bruno Leal, da Universidade de Brasília (UnB).

Ensino de historia e historiografia digital 2Hoje, Marcela Costa cumpre estágio pós-doutoral na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e já é reconhecida na área de História como um dos poucos especialistas nos estudos sobre Historiografia Digital, sobretudo pelos textos que publicou e pelos laboratórios e projetos com quais se envolveu na última década. O seu livro, contudo, foi por nós escolhido por representar um objeto de fronteira entre os domínios da Pedagogia, Ciência da Informação, Ciência da História e Ensino de História e, principalmente, por sugerir, potencialmente, um modelo de trabalho acadêmico para muitos dos mestrandos que iniciam suas pesquisas acadêmicas na área do Ensino de História.

A introdução do livro é empregada para anunciar as ameaças que o ensino de história, professores e alunos de história e a população em geral vem sofrendo nesses tempos de pandemia e de obscurantismo político. A autora faz considerações autobiográficas sobre sua formação e a construção da tese, anuncia categorias e pressupostos – “o ‘digital’ como condição de pensamento” forjado mais nas práticas que no suporte (p.21) – e apresenta os quatro capítulos que constituem a obra.

No capítulo primeiro – “Cultura digital e políticas do currículo” –, a autora mapeia a presença da cultura digital nas políticas de currículo, configuradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCNEB) e na Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Para tal, mobiliza a categoria de “ciclo de políticas” sugerindo observá-la nos documentos em suas dimensões de “política proposta”, “política de fato” e “política em uso”, baseando-se nos escritos de Stephen Ball e Richard Bowe. Ao mobilizar os três documentos, a autora confirma que as tensões e relações de poder, em um contexto de dominação e resistência, contribuem para diferentes interpretações e práticas possíveis de implementação das políticas públicas mencionadas. A autora critica a associação do termo “tecnologia digital” e “inovação” como sinônimos e denuncia as ameaças ao ensino de história (a exemplo do avanço das ideias conservadoras), bem como as respectivas implicações no fazer docente na sala de aula e no âmbito da pesquisa. Segundo a autora, os PCN apontam para a hipervalorização do “tecnicismo educacional” em detrimento da ação dos sujeitos no tempo. As DCNEB trazem a expressão “era digital”, estimulando a criação de métodos didático-pedagógicos e exigindo, segundo a autora, muito do que o professor poderia oferecer. Além disso, ainda nas DCNEB, as tecnologias da informação e da comunicação (TICs) podem ser trabalhadas de forma transversal. No que diz respeito à BNCC, publicada em um contexto de forte instabilidade política, a autora destaca o apelo emocional provocado pelas TICs e a incorporação vaga do digital sem subsídios ao professor sobre o adequado emprego.

No segundo capítulo – “Cultura digital como objeto de estudo dos Professores” – pesquisadores em Ensino de História” – a autora apresenta e discute produções que incorporam “cultura digital” como objeto de estudo. A pesquisa é realizada em base de dados e anais de congressos da área de História, com destaques para três fontes: 1) eventos acadêmicos; 2) dissertações de mestrado; e 3) grupos ou linhas de pesquisa do Brasil. Ela assume que o universo pesquisado não dá conta de todos os profissionais envolvidos em práticas e trabalhos voltados para os conceitos que a sua pesquisa se propõe a estudar. No decorrer da análise, contudo, a autora constata o crescimento da utilização de termos digital e virtual nas pesquisas dos autores selecionados, principalmente nos trabalhos apresentados no Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História, cujo público é constituído, dominantemente, por interessados nas práticas de sala de aula. No banco de dissertações do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), a autora encontrou produções que ajudaram na construção do seu argumento, principalmente as que fazem referência às expressões “gamificação”, “ensino híbrido”, “tecnologias digitais”/”gamificação”, “plataformas digitais”, “aplicativos”, “Google” e “podcast”. O capítulo é encerrado com uma percepção de que é crescente a presença na produção, em termos quantitativos, no material examinado, além do aumento de trabalhos referentes à “cultura digital”, radicados nos campos da História e do Ensino de História.

No capítulo terceiro – “Cultura digital nas escolas a partir da voz dos alunos: a primeira ida ao campo da pesquisa” – a autora retoma o conceito da cultura digital no espaço escolar e aborda o uso de novas fontes de pesquisa histórica, notadamente as ferramentas da tecnologia da informação na educação (em hardware ou software), como geratriz de ensino e aprendizagem de História sem recusar, contudo, os saberes pedagógicos tradicionais e os saberes individuais dos estudantes. Propõe investigar até que ponto, na sociedade contemporânea, os níveis de modernização digital distintos no ambiente escolar e/ou a condição socioeconômica dos estudantes podem interferir na sua formação intelectual e social. Nesse ponto, a autora questiona sobre o grau de entendimento que os jovens possuem sobre as TICs e possível implicação dessa variável na relação ensino-aprendizagem. Em tal sentido, a autora manifesta sua dificuldade para constatar as possíveis deficiências geradas em decorrência da ausência de equidade no contato ou posse com as novas ferramentas. A autora também assume o desconhecimento sobre as estratégias que o público-alvo, escolhido aleatoriamente em unidades públicas e privadas, emprega para a superação dessas dificuldades. A maior parte do capítulo, contudo, é dedicada a examinar as noções de tempo histórico partilhado pelos alunos, mediante a percepção de habilidades caras à tarefa (seriação e simultaneidade, por exemplo), e as formas como representam o tempo, empregando recursos não digitais. Assim, através dos resultados de uma oficina intitulada “Representações no Tempo”, voltada à rememoração de fatos pessoais, interagentes com fatos em escalas, local, nacional e global, a autora conclui que a cultura digital é universal, atravessa costumes e condições materiais do indivíduo e está enraizada na escola, apesar das visíveis diferenças estruturais que marcam os sujeitos dessa instituição.

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Estudante 2, escola, ano 9, escola B. Linha do tempo com foco na história mundial (ataque terrorista na França, rompimento da barragem em Mariana, ataque às Torres Gêmeas, furacão Katrina, morte de Michael Jackson), incorporando referências da história nacional (rompimento da barragem em Mariana e saída da Dilma) (Costa, 2021, p.138).

No quarto e último capítulo – “Cultura digital nas escolas a partir da voz dos alunos: a volta ao campo de pesquisa” –, classificado como continuidade do anterior, a autora propõe a observação e análise e o uso direto da tecnologia digital na experiência discente de narrar histórias de vida e, novamente, do modo como são relacionadas as dimensões mundial/nacional/local, em turmas do 6º e 9º ano das escolas investigadas (uma escola privada e outra pública, da rede federal de ensino, no Rio de Janeiro). A autora também objetiva investigar e descrever a preferência dos alunos pelo impresso e/ou pelo tecnológico mediante oficinas com a possibilidade de uso de material impresso e do suporte digital. No curso do capítulo, a autora confessa que, antes de ir a campo, conjecturava que os alunos escolheriam o digital, em consonância com o conceito “nativos digitais” de Marc Prensky  (conceito utilizado para descrever a geração de jovens nascidos a partir da disponibilidade das informações rápidas em rede). No entanto, a autora percebeu que a ocorrência do contrário. Ela compreende tal resultado como algo plenamente justificável diante da (im)possibilidade de acesso, dos problemas de infraestrutura das instituições, o (des)estímulo das escolas, de questões legais, entre outros aspectos condicionantes. Para medir o grau de preferência dos alunos por cada meio de maneira efetiva, segundo a autora, a igualdade de acesso seria necessária tanto ao meio impresso, quanto ao meio digital. Ao final do capítulo, a autora conclui que a ideia de linearidade temporal é frequente nas representações dos alunos e que a presença dos recursos digitais não significa mudança radical, seja de emprego da “lógica da tecnologia” (p.222).

O livro que acabamos de resumir em suas principais ideias, possui, contudo, insuficiências. Algumas são pouco expressivas, como a não esclarecida e justificada definição dos marcos temporais, nos quais se inscreve a pesquisa, a excessiva repetição da descrição das turmas e das suas atividades, a  exemplificação redundante de trabalhos.

Outras insuficiências apresentam maiores empecilhos a compreensão imediata do texto. Falta clareza na exposição dos objetivos, na introdução, como também no decorrer do texto, na retomada das respostas às questões anunciadas na seção conclusiva do livro e, principalmente, no esperado (embora não obrigatório) anúncio da área de pertencimento dessa pesquisa, que apresenta elementos mesclados de teoria da História, teoria da aprendizagem e de teoria do currículo, mas pouco revela elementos de epistemológica da ciência da História. A maior insuficiência, por fim, está na obscura definição de “historiografia escolar digital” e na omissão (como objetivo) do exame das noções de tempo histórico dos alunos, que compete com a busca pela noção e importância do recurso digital.

Não obstante as insuficiências apontadas, o livro possui as suas virtudes, das quais ressaltamos três. Em primeiro lugar, ele apresenta momentos indicadores de bom uso dos rudimentos de pesquisa. Observem que a autora evidencia a importância do entendimento do conceito de Pesquisa e Docência, no que diz respeito à atividade de pesquisa básica e à atividade de ministrar aulas para adolescentes, à descrição detalhada de cada uma das oficinas e a exposição de tabelas que facilitam o processo de análise e de reanálise por parte do leitor. A autora também é feliz na sua escolha para a experimentação. Ela explora questão básica para o ensino de História: entendimento do tempo histórico. Ela o faz mediante as habilidades de datação, cronologia, anterioridade, posteridade, simultaneidade, transformação e frequência, aproximando esses elementos à realidade individual e estabelecendo uma conexão entre a história de vida com a história brasileira e a história mundial.

Em segundo lugar, a autora tece considerações sobre a prática docente e toma posições progressistas no que diz respeito ao Ensino de História. Defende a ideia de professores como mediadores e orientadores da aprendizagem, dependentes de conhecimentos e atualizações constantes, critica o fato de as políticas públicas incorporarem a tecnologia e o digital sem apontar estratégias que subsidiem o trabalho dos professores, bem como o desprezo pelo papel do docente na construção dessas políticas.

Em terceiro lugar, o livro apresenta teses conscienciosas e que contribuem para o fortalecimento do campo da pesquisa do Ensino de História. Essa positividade está, por exemplo, na afirmação de que a tecnologia da informação está enraizada na sociedade de uma maneira ampliada, ainda que existissem (e existam) barreiras socioeconômicas para tal, na percepção de que a escolha do impresso pelo digital acontece em parte por conta dos problemas de acesso, inviabilizando resultados mais consistentes, na defesa do uso das TICs, como ferramenta para inclusão digital nas escolas, e na apresentação, mesmo que de forma fragmentada, de possibilidades de uso das TICs em sala.

Em síntese, tanto pelas insuficiências como pelas virtudes que apresenta, como também pelos desafios de investigar questões de ensino-aprendizagem na fronteira da Ciência da Informação, da Pedagogia e da História, o livro de Marcela Costa deve ser lido por todo mestrando que se empenha na pesquisa sobre Ensino de História e, não apenas pelos que se interessam por temáticas que envolvem a discussão sobre os artefatos (entre os quais a narrativa histórica), as práticas, as compreensões os fins escolares adjetivados pela palavra “digital”.

 Sumário de Ensino de História e Historiografia escolar digital

  • Prefácio | Sonia Wanderley
  • Introdução
  • Cultura digital e políticas de currículo
  • 1.1. Olhares sobre os Parâmetros Cutriculares Nacionais (PCNs)
  • 1.2. Dialogando com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica (DCNEB)
  • 1.3. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em pauta
  • Cultura digital como objeto de estudos dos professores
  • 2.1. Mapeando eventos da área
  • 2.2. Investigando as dissertações do ProfHistória
  • Cultura digital nas escolas a partir da voz dos alunos: a primeira ida ao campo de pesquisa
  • 3.1. A primeira versão da oficina pedagógica “Representações do tempo: História(s) narrada(s)”
  • 3.2. Dialogando com as fontes: aspectos gerais
  • 3.3. Continuando a escuta: interconexão das histórias narradas
  • 3.4. Sobre o tempo e a tecnologia
  • Cultura digital nas escolas a partir da voz dos alunos: a volta ao campo de pesquisa
  • 4.1. A segunda versão da oficina pedagógica “Representações do tempo: História(s) narrada(s)”
  • 4.2. O porquê da escolha pelo digital
  • 4.3. Análise das produções digitais
  • 4.4. Um balanço comparativo: em defesa da historiografia escolar digital
  • Conclusão
  • Referências
  • Anexo 1 – Planejamento da oficina “Representações do tempo: história(s) narrada(s)”
  • Anexo II – Folha didática utilizada na oficina

Resenhistas

Douglas Silva 2Douglas Silva é professor do Colégio Estadual Olavo Bilac em Aracaju-SE, da Escola Municipal Maria das Graças Souza Garcez em Itaporanga d’Ajuda e aluno do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Publicou entre outros trabalhos Cidadania em um Universo Relacional: População de Rua em Aracaju-SE projeto de iniciação científica do PBIC/CNPq. Email: Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9099513651518567; Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1036-2270; Facebook: https://www.facebook.com/profile.php?id=100008474169903; Instagram: @douglasleoni13; Email: douglasleoni99@gmail.com

 

Elemi Santos 2Elemi Santos é professora do Colégio Municipal Professora Maria Verônica Matos do Nascimento, no município de Antas (BA) e do Centro Educacional Professora Maria Ferreira da Silva, no município de Nova Soure (BA), é aluna do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7957222155239656; Orcid: https://orcid.org/orcid=0000-0003-0744-7908; Instagram: prof.elemi; e-mail: elemisantos1@gmail.com

 

 

Johnny Gomes 2Johnny Gomes é professor da Escola Estadual Nossa Senhora da Conceição e do Canoa Cursos, em Lagoa da Canoa (AL) e aluno do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Publicou, entre outros trabalhos, Cinema e Didática: proposta de sensibilização a partir da obra “Vida Maria” (2007). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8051279606440569;  Orcid. https://orcid.org/0000-0002-6676-894X. Instagram: gomesjohnny; Email: johnnygomes83@gmail.com

 

 

Viviane Passos 2Viviane Andrade Passos é professora do Colégio Estadual Cícero Bezerra, da Escola Municipal Tiradentes no município de (Nossa Senhora da Glória- SE) e aluna do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7026713252936689; Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4077-3916; Facebook: /viviane.andrade.56863; Instagran: vivi.andrade_23; Email: viviane-andrade22@hotmail.com

 


Para citar esta resenha

COSTA, Marcela Albaine Farias da. Ensino de História e Historiografia digital. Curitiba: CRV, 2021. 212p. Resenha de: GOMES, Johnny P.; SANTOS, Elemi; SILVA, Douglas; PASSOS, Viviane Andrade. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.5, p.21-26, maio/jun. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/o-digital-no-ensino-resenha-de-ensino-de-historia-e-historiografia-escolar-digital-de-marcela-albaine-farias-da-costa/> Acessar publicação original.

Uma brevíssima História da UFS | Itamar Freitas

Itamar Freitas posse FAPESE

Como afirmo acima, o título é dissimulado, mas não enganador. Uma brevíssima história da UFS não faz o percurso clássico da fundação da Universidade Federal de Sergipe, nos idos de 1968, aos dias atuais, empregando narrativa curta ou suporte de poucas folhas. O breve tem a ver com o recorte temporal. É uma história de dois dias de experiência da instituição. Os dias de anúncio da intervenção e da posse da interventora – Liliádia da Silva Oliveira – designada pelo ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, ocorrida em 23 e 24 de novembro de 2020.

Uma brevissima historia da UFS 2

Conversei com o autor a respeito do gracejo do título e ele me explicou se tratar de um texto produzido para a sala de aula, destinada às suas turmas de História da Educação em Sergipe. A disciplina ganha um tema a cada período e tem orientação ativa, no que diz respeito à pesquisa histórica. Os alunos não apenas leem histórias da educação, mas também são convidados a escreverem histórias ou memórias sobre a sua experiência educacional, como faz o professor Fábio Alves, na disciplina Introdução à História da Educação. Naquele período, o tema era a Universidade Federal de Sergipe. Assim, uma das tarefas dos alunos era escrever narrativas sobre objetos de natureza diversa que retratassem experiências da e/ou na Universidade. Poderia ser a história de um aluno, um grupo de alunos, um professor, uma autobiografia, uma memória, a história de uma edificação, de um grupo de animais que circulam o campus ou uma efeméride. Leia Mais

Ensino de História: tempos de crise, resistências e utopia | História Hoje | 2022

Serie Revolta dos Males de Belisario Franca e Jeferson De Imagem GirosSESC TV
Série “Revolta dos Malês”, de Belisario Franca e Jeferson De | Imagem: Giros/SESC TV

O Ensino de História, seja associado ao trabalho e ao cotidiano docente no chão da escola ou entendido como campo de pesquisas e investigações situado na interface com a educação e a história produzidas na Universidade, vem sendo atravessado, ao longo dos anos, por reflexões sobre crises que impactam sujeitos, práticas, saberes e culturas. Crises que provocam resistências, conflitos, confrontos, assim como alimentam sonhos e utopias. Neste dossiê temático, propomos abordar o Ensino de História a partir dessa perspectiva, reunindo resultados de pesquisas que refletiram a partir desse enfoque e que contemplaram a crise em seus mais variados aspectos: histórias do Ensino de História, formação de professores, materiais didáticos, memórias docentes e discentes; bem como as resistências de todos os tipos, tais como os questionamentos aos modelos curriculares, relações acadêmicas que geram narrativas uniformes, materiais didáticos com propostas restritas, cerceamento ao trabalho docente e perseguição a professores. Em todos há uma preocupação em inscrever a reflexão no tempo presente, que, em função da pandemia da Covid-19 e da crise da democracia brasileira, instaurou novos arranjos nos processos de ensino-aprendizagem de História. Leia Mais

Economia e cultura dos comuns amazônidas | Escritas | 2021

Renatao Quilombo Grotao
Renatão (2015), do Guilombo Grotão | Foto: Fábio Guimarães/Extra

O tema dos comuns emergiu, nas últimas décadas, no debate político como uma parte das lutas de emancipação social. Diversos atores sociais como movimentos e comunidades do Sul Global ou da periferia do Norte vêm no comum – ou nos comuns – um caminho de lutas contra a prevalência agressiva do capitalismo, neoliberalismo e globalização.

Nas ciências humanas e sociais, diversos estudos têm sido realizados no sentido de conhecer o giro para o comum dos movimentos sociais e comunidades. Esses estudos procuram delimitar o conceito (comuns, comum) e trazer à tona a diversidade institucional a partir da qual o fenômeno concreto (comuns, comum) se manifesta na prática de diversos grupos em contextos e espaços sociais específicos. Leia Mais

Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro | Valdei Lopes de Araujo, Bruna Stutz Klem e Mateus Henrique de Faria Pereira

Do fake ao fato: Des(atualizando) Bolsonaro” foi pensado e organizado pelos professores doutores Valdei Lopes de Araujo, Mateus Henrique de Faria Pereira – ambos vinculados à Universidade Federal de Ouro Preto – e por Bruna Stutz Klem, mestra em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto.

Escrito para aqueles que desejam entender a política brasileira contemporânea, bem como até onde essa onda1 bolsonarista pode nos levar, “Do fake ao fato: Des(atualizando) Bolsonaro” é um livro instigante e esclarecedor. Composto por artigos bem fundamentados e de leitura leve, a obra traz à tona importantes debates políticos e sociais. Leia Mais

A crise na América Latina em tempos de pandemia da Covid-19 | Intellèctus | 2021

Covid 19 na America Latina
Covid-19 atinge uma América Latina economicamente fraca e profundamente desigual | Foto: Chatterjee Debarchan/ABACA/ABACA/PA Images

No ano de 2020 o mundo se deparou com um vírus ainda desconhecido para a ciência. A pandemia se alastrava atingindo, aparentemente, da mesma forma, todos os países. Ao longo dos meses, a ciência foi buscando soluções para a trágica situação que assolava a humanidade, enquanto o COVID-19 demonstrava não ser um vírus democrático. As desigualdades se fizeram ainda mais latentes nos países pobres, os problemas se potencializaram nos locais sem infra-estrura adequada para lidar com a doença, e a crise sanitária imiscuiu-se com crises políticas, miséria, feminicídio, migrações em massa e a exclusão digital.

Os efeitos da pandemia na América Latina foram diagnosticados pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), que criou, em março de 2020, o Observatorio COVID-19 en América Latina y el Caribe. 1 Os estudos cepalinos demonstraram a degradação socioeconômica da região e sugeriu políticas públicas para atenuar os efeitos do COVID-19 sobre os mais variados segmentos populacionais latino-americanos, em especial, os mais vulneráveis. Para constatar a realidade, segundo dados da Comissão, no ano de 2020, 209 milhões de latino-americanos, o que representa 1/3 da população, encontrava-se em condição de pobreza, e 78 milhões vivendo na mais extrema miséria. Além do caos sócio-econômico, a América Latina foi afetada por uma série de crises políticas que dificultaram lidar com a pandemia. Os resultados dessas crises não serão bem conhecidos até que o vírus desapareça no continente ou se estabilize como endêmico entre a população. Leia Mais

Multiculturalismo y gestión de la diversidad en el mundo del siglo XXI | Procesos Históricos – Revista de Historia | 2022

Situando el modelo de la filosofía política de sociedad multicultural de posguerra en el retrovisor 3 (JM. Persánch)

Tras la devastación de la Segunda Guerra Mundial (1939-1945) y en respuesta a las atrocidades del nazismo y el fascismo, Europa se ve avocada a reconstruir sus sociedades no solo materialmente sino, también, en el ámbito de la moral. Respecto a este último, la antropología ha señalado cómo la moral, al ser cultural, se ha empleado a lo largo de la historia como fuente de jerarquización y justificación de superioridad. En el caso de la posguerra de 1945 –como se plasma en esta introducción– Europa, Estados Unidos y otras naciones de Occidente lo volverían a hacer por medio de la filosofía política del multiculturalismo y el sentimiento de culpabilidad blanca. En tal sentido, las reflexiones de mediados de siglo XX de Carl Gustav Jung en “After the Catastrophe” son testamento de los enraizados sentimientos europeos de vergüenza y culpa. En ese marco y refiriéndose a Adolf Hitler, Jung declararía lo siguiente:

 …as a German, he has betrayed European civilization and all its values; he has brought shame and disgrace on his European family, so that one must blush to hear oneself called a European.4 Leia Mais

Temas y problemáticas de la historia digital en Argentina, 2022/Escuela de Historia/2022

Introducción

Desde hace mucho tiempo, el poder de cómputo de las computadoras despierta interés entre les historiadores. Al repasar un libro pionero como el Edward Shorter, The historian and the computer (1971), no es difícil reconocer algunas problemáticas que en la actualidad son igual de relevantes para la investigación histórica, especialmente en lo que respecta a los datos, a los métodos y a los peligros que el autor enumera. Más extraño nos resulta el entorno: máquinas enormes, tarjetas perforadas, lenguajes ya casi extintos. Todavía más excéntrico es el anexo del libro de Cardoso y Pérez Brignoli, Los métodos de la historia (1976), que remite al libro de Shorter y que lleva por título “El uso de la computación en historia”; en el que entre muchas advertencias (“de ningún modo se trata de que el historiador deba aprender a manejar el computador, o tan siquiera programar el procesamiento de la información” [p. 412]), los autores ilustran las esotéricas relaciones entre padrones y procesamiento de datos con imágenes de tarjetas perforadas y hojas de codificación. La idea poco sofisticada que comparaba la computadora con la calculadora sumada a los deseos de precisión y clausura formulados por alguna versión de la historia social, entre nosotros la más conocida fue la cliometría, hizo posibles amonestaciones que todavía circulan, incluso en sus modos más inocentes. Leia Mais

O Populismo no século XXI: a emergência de novas formas/Intellèctus/2022

O presente dossiê organizado por Isabel Valente (Un.Coimbra) Maria Emilia Prado ( Un. do Estado do Rio de Janeiro) e Manuel Loff ( Un. do Porto e UNL) tem por objetivo apresentar artigos que discutem o significado histórico do populismo no Ocidente. Especial atenção será dada as experiências da Ibero-América, mas, também será importante discutir conceitualmente populismo. O tema adquire relevância ímpar uma vez que neste alvorecer do século XXI se assiste ao surgimento e o ressurgimento de governos autoritários de cunho populista. Que impacto pode ter este fenómeno na qualidade da democracia e na sua simples vigência? Até que ponto a crise pandêmica do Covid-19 terá facilitado e facilita ainda as ações autoritárias de governos populistas? Através dos artigos aqui reunidos pretende-se levantar considerações sobre as implicações e os possíveis desdobramentos sociais desse cenário político. Leia Mais

Una justicia transicional para México/ experiencias y realidades | Juan Carlos Abreu y Abreu

Lo primero que puede decirse de este texto es que posee un propósito práctico: ayudar a que México transite y desarrolle un proceso sólido de justicia transicional. Tiene como soporte de dicho propósito el Plan Nacional de Desarrollo 2019-2024 (PND) emitido por el poder ejecutivo de este país. Leia Mais

Estágio em História na Quarentena | João L. S. Souza, Juliana A. Andrade, Mário E. O. Ramos e Sofia R. C. Vilela.

Estagio em Quarentena detalhe de capa
Estágio em História na Quarentena – Detalhe de Capa

O livro eletrônico intitulado Estágio em História na quarentena foi organizado por João Lucas dos Santos Souza, Juliana Alves de Andrade, Mário Emmanuel de Oliveira Ramos e Sofia Roberta da Costa Vilela, publicado pela Editora Universitária da Universidade Federal Rural de Pernambuco, neste ano de 2021. O texto é fruto das atividades e reflexões da disciplina Estágio Supervisionado para formação de licenciandos na mesma instituição. Conta ainda com a participação de [45] autores, entre professores, formandos em História e cursistas da disciplina de Estágio Supervisionado. Esse grupo viveu, refletiu e escreveu sobre a experiência de atuar em uma das disciplinas dedicadas ao contato com as escolas da Educação Básica e em momento tão especial e específico como o da pandemia da COVID-19.

1 Estagio em HistoriaA publicação está dividida em três partes. A primeira agrega textos que condensam entrevistas realizadas com os professores da Educação Básica, atuantes como supervisores dos Estágios. Na segunda parte, são apresentados roteiros para construção de aulas, utilizando tecnologias diversas. Na última parte, os autores discutem temas focados no fenômeno das fake news. Leia Mais

LGBTQIA+: sessualità, soggettività, movimenti, linguaggi | Diacronie – Studi di Storia Contemporanea | 2021

LGBT
Significado da sigla LGBTQUIA+ | Foto: Globo

Possiamo leggere nella realizzazione di questo numero uno dei tanti segnali di un interesse crescente per gli studi LGBTQIA+, da parte di un pubblico sempre più esteso. Se l’attenzione è crescente all’interno degli studi accademici, anche all’esterno possiamo registrare come i temi connessi all’identità di genere e all’orientamento sessuale abbiano assunto nel dibattito pubblico una centralità sempre maggiore in seguito all’introduzione della legge che regolamenta le unioni civili per le coppie same-sex e alla discussione intorno all’introduzione di norme a tutela della discriminazione omo-lesbo-bi-transfobica.

Tra i segnali di interesse manifestati per il contesto italiano alcuni sono davvero incoraggianti: le ricerche e le pubblicazioni scientifiche relative a identità e sessualità queer [1] si stanno senz’altro moltiplicando [2], anche se l’istituzionalizzazione degli studi LGBTQIA+ è un processo quantomeno in fieri. D’altro lato, sono altrettanto chiari i segni che evidenziano in questa produzione di ricerche e pubblicazioni un carattere, per così dire, “imprevisto”, per utilizzare un termine che torna nella storia del femminismo e degli studi di genere: una storia non attesa dai percorsi di istruzione universitaria e dalle settorializzazioni disciplinari. Leia Mais

Por qué el derecho es violento (y debería reconocerlo) | C. Menke

Por qué el derecho es violento (y debería reconocerlo) es la traducción de la obra original en alemán, Recht und Gewalt, del autor Cristoph Menke, publicada por primera vez en 2011. La traducción a cargo de Miguel Gualdrón Ramírez nos llega en 2020 y está estructurada en cinco partes. La primera consiste en un estudio introductorio, para luego pasar por la nota del traductor y de ahí a una advertencia preliminar del autor donde nos adelanta que la relación entre derecho y violencia descansa en una contradicción irresoluble. Por último, el autor desarrolla dos capítulos donde desglosa sus reflexiones en torno a esta contradicción.

La primera sección del libro, el estudio introductorio, está a cargo de María del Rosario Acosta López y Esteban Restrepo Saldarriaga, quienes consideran que Christoph Menke es una de las figuras más destacadas dentro de la teoría crítica alemana derivada de la Escuela de Frankfurt. A pesar de que se lo identifique como un especialista en Hegel, supo establecer un diálogo con el pensamiento deconstruccionista francés y sus intereses gravitan dentro de la esfera de la filosofía política y la filosofía del derecho, a las cuales hace sus aproximaciones a través de Hegel, Benjamín y Derrida. Leia Mais

Amor em tempos de aplicativos: Masculinidades heterossexuais e a nova economia do desejo | Larissa Pelúcio

Larissa Pelucio 2
Larissa Pelúcio | Foto: JCNET

Amor em tempo de aplicativosO roteiro do flerte tem se transformado desde o advento da era digital. A segunda metade dos anos 90 foi marcada pela emergência das salas de bate-papo e dos sítios de relacionamento, nos quais a descrição textual de si era a forma predominante de apresentação em um contexto de relativo anonimato. Os pretendentes possuíam escassos recursos de imagem e de som, deixando ao encontro pessoal o conhecimento integral e sensível de seus possíveis parceiros. O início do século XXI testemunhou avanços tecnológicos como a emergência das webcams, máquinas fotográficas digitais, escâneres à conexão de banda larga, em uma internet cada vez mais dominada pelas redes sociais. Na década seguinte, houve a disseminação dos telefones inteligentes com câmera acoplada, os quais passaram a operar quase como uma extensão do corpo.

selfie tornou-se manifestação síntese de uma característica que, segundo Iara Beleli (2015), se impôs de maneira definitiva: o imperativo das imagens. O novo cenário de abundância das fotografias pessoais possibilitou a racionalização detalhista dos códigos transmitidos pelas imagens e o uso disseminado de filtros de edição, ambos elementos estratégicos na busca amorosa e sexual. Além das imagens, os aplicativos de relacionamento inovaram com recursos sociotécnicos para escolha e comunicação entre possíveis pretendentes, como o próprio recurso do match, o qual viabiliza o encontro entre duas pessoas, sem que nenhuma se exponha à recusa do outro. É sobre a dinâmica das relações nos aplicativos que Larissa Pelúcio se debruça, propondo um ângulo inovador de análise das relações de gênero na sociedade contemporânea, em um rico campo de pesquisa que intersecciona as temáticas da masculinidade contemporânea, a emergência dos aplicativos de relacionamento e as novas configurações do amor. Leia Mais

Confianza en la Administración de Justicia: lo que dicen les abogades: una encuesta en el Departamento Judicial La Plata | Olga Luisa Salanueva

Olga Salanueva
Olga Luisa Salanueva | Foto: Ismael Francisco

Confianca na administracao da justicaLa presente reseña tiene por objeto acercar a la comunidad académica un trabajo que reviste especial importancia para la reflexión sobre la administración de justicia. Este trabajo, presenta y discute los resultados del Proyecto de Investigación 11/J161 ¿Quiénes son los usuarios de la administración de justicia? Medición de los niveles de confianza en La Plata, llevado adelante por un grupo de investigación con una amplia trayectoria en el análisis de problemas socio jurídico, coordinado por la Doctora Olga Luisa Salanueva.

El rigor y el excelente procesamiento de datos, junto con la profundidad del análisis teórico y metodológico, lo hacen un texto de referencia para el análisis de la realidad regional, aportando elementos que nos permiten reflexionar sobre un tema de actualidad, como lo es el funcionamiento del Poder Judicial. Leia Mais

A Opção Sul-Americana: Reflexões sobre Política Externa (2003-2016) | Bruno Gaspar

Marco Aurelio Garcia 2
Marco Aurélio Garcia | Foto: Roberto Stuckert Filho / Agência O Globo / 2004

A opcao sul americanaEntre um Brasil para a América do Sul e uma América do Sul para o Brasil

Na História da Política Externa Brasileira (HPEB), o relacionamento entre nosso país e os vizinhos sul-americanos se constituiu num dos capítulos mais complexos nos últimos dois séculos. Ao longo dessa trajetória de país independente, diversos episódios marcaram as fases de aproximações e distanciamentos entre Brasil e América do Sul. Entre construções de identidades políticas e culturais, debate sobre fronteiras, guerras e disputas de hegemonia, tal temática é uma vertente complementar para a compreensão da formação de nosso Estado e da nossa sociedade, sendo, portanto, estratégica na construção da inserção internacional brasileira.2

Durante os primeiros anos do século XXI, sem necessariamente romper com todas as linhas de atuação anteriores, os governos Lula e Dilma ficaram marcados por uma nova fase na constituição de laços entre os brasileiros e seus vizinhos, seja da perspectiva das relações bilaterais, seja nos esforços multilaterais. A América do Sul se reafirma como um dos eixos prioritários da Política Externa durante os primeiros governos petistas (RICUPERO, 2017), num esforço de intensificação de relações e construção consciente desse espaço regional. Leia Mais

Revisitando o 11 de Setembro de 2001: entre a Esfinge e a Fênix | Boletim Historiar | 2021

Onze de Setembro de 2021
A segunda torre do World Trade Center é atingida por avião e explode em chamas durante atentado do 11 de Setembro em Nova York — Foto: Chao Soi Cheong/AP/Arquivo / O Globo

Na ocasião de 11 de setembro de 2001, quatro aviões comerciais foram sequestrados por integrantes da rede Al-Qaeda e lançados contra símbolos políticos norte-americanos. Os alvos se construíram nas torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e no Pentágono, localizado em Washington D.C. Responsável por cerca de três mil mortes, os atentados repercutiram globalmente, com transmissão televisionada ao vivo em diversos países; parte desses afetados posteriormente pelas respostas aos ataques dadas pelos Estados Unidos, que, em coalizão internacional, colocaram-se em guerra nos territórios do Afeganistão (2001) e Iraque (2003).

Passadas duas décadas, as repercussões dos ataques de 11 de setembro de 2001 ainda podem ser vistas em produções acadêmicas e culturais. Dentro das universidades e centros de inteligência, por exemplo, os especialistas em terrorismo e movimentos extremistas analisaram os episódios de 11 de setembro de 2001 como o apogeu da jihad global. Na indústria cultural, por outro lado, os filmes, séries e HQ’s trouxeram enredos relacionados ao terrorismo internacional, apresentaram antagonistas muçulmanos e tornaram populares termos como jihadAl-Qaedaburcasharia etc. Leia Mais

September 11, 2001 as a Cultural Trauma | Christine Muller || How Nations Remember: a narrative approac | James V. Wertsch

Os livros September 11, 2001 as a Cultural Trauma (2017), de Christine Muller, e How Nations Remember: a narrative approach (2021), de James V. Wertsch, são obras desenvolvidas a partir duma sólida base interdisciplinar (com contribuições vindas da Psicologia, Sociologia, Antropologia, História, Ciência Política, entre outras) que abordam os temas da memória das nações e a importância de eventos traumáticos na respetiva memória. A presente resenha aos dois livros surge num momento oportuno da História Contemporânea, em que várias nações do mundo usam a memória para revisitar o seu passado, impulsionadas por derivas nacionalistas identitárias, por tentações revisionistas, ou por movimentos de contestação como o Black Lives Matter.

Passados vinte anos sobre o atentado terrorista do 11 de setembro, e depois de inúmeros artigos e livros sobre o trauma cultural associado à infame data, foi com muito interesse que analisei a obra de Christine Muller, que aborda o ataque terrorista como um case study de trauma cultural. O livro lançado em 2017 apresenta exemplos de produções culturais populares norte-americanas, em que a típica narrativa otimista e recompensadora do “sonho americano” é substituída por narrativas dominadas por crises existenciais, ambivalência moral e fins trágicos inevitáveis. Leia Mais

História pública e história do tempo presente | Rogério Rosa Rodrigues

A segunda década do século XXI marcou a consolidação do movimento da História Pública no Brasil. Apesar de sua emergência e seu estabelecimento através da formação da Rede Brasileira de História Pública, de publicações especializadas e eventos internacionais e nacionais, a História Pública ainda permanece permeada de dúvidas, críticas e estranhamentos por parte da comunidade de historiadores(as). É possível considerar que a maioria destas questões estão associadas à imagem de “novidade” em torno de uma prática que, para alguns, remonta a projetos anteriores que já existiam no âmbito universitário. Publicações como Que História Pública Queremos (2018) e História Pública no Brasil: Sentidos e Itinerários (2016) procuraram responder a algumas destas problemáticas que emergiram após a realização do curso de Introdução a História Pública na USP (2011). Em meio a tais esforços, verificou-se a expansão do interesse da comunidade por esta discussão em paralelo as possíveis críticas que emergiam. Cursos de graduação e pós-graduação foram revisados e/ou criados, projetos em diferentes níveis passaram a pensar a dimensão pública de suas produções e, acima de tudo, historiadoras(es) repensaram seu próprio ofício.

O que se percebe é um processo de construção de um movimento, mais que a fundação de um campo da História Pública (Santhiago 2016), que tem defendido a centralidade do público na prática historiográfica. Seja como uma história com, para, pelo ou através dos públicos, a História Pública tem revisitado as regras estruturais do campo disciplinar. Atenta a este processo, a editora Letra e Voz publica, desde 2019, a coleção “História pública e…” que mapeia as relações entre a prática da história pública na interface com outros campos, como a divulgação histórica (2019) e o ensino de história (2021). Em sua proposta, os livros da coleção reúnem artigos que possibilitam a reflexão epistêmica da História Pública e entrevistas com historiadores nacionais e internacionais de referência. Leia Mais

O dia que mudou o mundo? O 11 de Setembro 20 anos depois | Locus | 2021

Uma das imagens-choque da manhã dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, foi a de pessoas a atiraram-se, esbracejando no ar, das torres gémeas de Nova Iorque em chamas. Praticamente 20 anos depois, uma das imagens-choque da retirada Americana do Afeganistão, invadido pelos EUA a seguir ao 11 de Setembro, foi a de civis afegãos a caírem de um avião militar Americano. Iniciar este texto sobre o 11 de Setembro sobre aquilo que uma pessoa vê, e o poder do visual, faz sentido na medida em que esse episódio tem um efeito de “lâmpada” na memória das pessoas – e à escala internacional até porque se deu num contexto muito mais tecnologicamente mediatizado do que no passado, instantâneo e visto e comentado em directo – fazendo-as relembrar, às gerações da passagem do século XX para o século XXI, onde e com quem estavam quando se deu o “evento”. Para muitos pareceu uma interrupção no tempo histórico – havia o antes e o depois, e dizia-se que “nada será como dantes”, e que o mundo, pelo menos Ocidental, teria mudado “para sempre”, na sua confiança, na sua vertigem pela abertura e interconexão, e por uma globalização liberal e capitalista que, pensava-se, iria chegar (e transformar) a todos os cantos do mundo – o mundo que, pensava-se, estava cada vez mais plano, tornava-se subitamente outra vez rugoso e acidentado. E, para quem antes tinha pensado num fim da história, ela depois e sem aviso, fazia-se ouvir, imprevisível, desconcertante e, como sempre, destruidora de profecias. Leia Mais

Ensinando História Antiga e Medieval no Brasil: Da inércia à potência | Brathair | 2021

“E não te esqueças de que a hora de partir chegou.

O vento levará para longe os teus olhos”.

Alexandre, o repórter (O Passo Suspenso da Cegonha).

Seis anos atrás, um grupo de professores de História Antiga e Medieval das regiões Norte e Nordeste do Brasil reunimo-nos e redigimos uma carta contra a ameaça de retirada dos conteúdos de História Antiga e Medieval do ensino escolar brasileiro, texto esse retomado na íntegra no epílogo da coletânea Antigas Leituras: Ensino de História (Recife: Edupe, 2020, organizada por mim mais os companheiros Guilherme Moerbeck e Renan Birro). Naquela carta, enfatizávamos a importância da presença curricular dos assuntos dessas temporalidades e denunciávamos a miopia de determinados segmentos que viam nesses estudos verdadeiros cavalos de Troia da história eurocentrada e colonizada que deveria ser extirpada (ou quando menos reduzida ao mínimo) das salas de aula em prol de outras narrativas, especialmente afro-ameríndias e contemporâneas. Mas por mais que discordemos dessa miopia, ela não surgiu do acaso. Leia Mais

Pandemia cristofascista | Fábio Py

O pesquisador Fábio Py lançou, em junho de 2020Pandemia cristofascista, publicação em formato e-book, pela editora Recriar. A obra é o quarto volume da série “Contágios infernais”, organizada por Fellipe dos Anjos e João Luiz Moura. O autor da obra em questão é doutor em teologia pela PUC-Rio e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). O texto de Fábio Py chama a atenção logo no título, que é justificado pelo próprio autor:

São reflexões que versam sobre o contexto e vivência da pandemia desde os primeiros casos do novo coronavírus, no território. No título, há o termo ‘cristofascista’ porque essa é a forma de governo que está gerindo o contexto da pandemia. ‘Cristofascista’ porque instrumentaliza seu mandato pelo fundamentalismo evangélico conservador (PY, 2020, p. 9). Leia Mais

Maternidades plurais: os diferentes relatos, aventuras e oceanos das mães cientistas na pandemia | Ana Carolina Eiras Coelho Soares, Camilla de Almeida Santos Cidade e Vanessa Clemente Cardoso

Não há como uma pesquisadora e mãe ler 824 páginas compostas por 134 relatos de outras mães e pesquisadoras sem criar uma conexão autoral e afetiva. Em alguns momentos era como se estivesse lendo a minha própria experiência como mãe e pesquisadora tendo que escolher entre o Lattes e o leite1, a maternidade2 e a ciência. Uma escrita afetiva que demonstra o poder feminista e coletivo de transformar o patriarcado com seus estatutos e normas violadores e a beleza de nossas lutas para reexistir como mães e cientistas que precisam mais do que um teto todo seu (WOOLF, V. 1929). Mas de ocupar todo o mundo!

E precisamos travar batalhas, pois, muitas de nós, mesmo as “estabelecidas” no mundo acadêmico e profissional, ainda precisam viver como se entre mundos, tendo que conciliar, escolher, desafiar, revirar, reclamar. Fazer dos lutos a substância das lutas, como disse na apresentação ao livro Marinete da Silva, mãe de Marielle Franco e manifestar a presença de nossas grafias de mulheres, sobre mulheres, sobretudo para mulheres, como prefaciou Manuela D´avila, mesmo que às mães os dias pareçam se escassear de tempo, mas não de exaustão e de cansaços. Leia Mais

Ensino de História em tempos de pandemia | Fronteiras – Revista catarinense de História | 2021

Em junho de 2021 enquanto trabalhávamos no referido dossiê, o Brasil ultrapassou a devastadora marca de 540 mil pessoas mortas em decorrência da Covid 19. Um cenário desolador, marcado por ações de uma necropolítica, que causaram sentimentos de muita dor e revolta. A soma dessas mortes evidencia um contexto assustador iniciado em março de 2020, quando os primeiros casos de contaminação pelo novo coronavírus começaram a ser contabilizados no país. De lá pra cá temos somados perdas e indignação, seja pelo negacionismo que pautou a política do governo federal em relação às medidas protetivas ou pela demora na compra das vacinas.

Entre as muitas ausências que temos enfrentado é preciso relacionar aquelas relativas à educação. Esse novo contexto causou mudanças profundas no complexo cenário educacional, trazendo claramente prejuízos, principalmente no que tange a prática docente e a vida do estudante, sejam pelas abruptas condições nas quais a grande parcela de professores e professoras foram lançados, com aulas no formato remoto, com horários síncronas e assíncronas, precisando se adequar a plataformas digitais, alterando as rotinas e experiências docentes e discentes, acarretando adversidades na aprendizagem.

Diante do novo panorama a partir da conjuntura pandêmica, diversas áreas das ciências humanas buscam interpretar o momento vivido pela sociedade através de produções acadêmicas, em especial a História. Nesse sentido, historicizar essa experiência, como o que pretendemos neste dossiê, é registrar os momentos vividos, ouvir os sujeitos que dela participam, sendo um compromisso social e importante. Assim, temos aqui na Fronteiras: Revista Catarinense de História, um espaço que se articula a função social da História e dos historiadores e historiadoras.

O presente número da Revista Fronteiras é composto por 12 artigos, 1 entrevista, 2 resenhas, 1 relato e 1 texto complementar. O dossiê número 37, intitulado Ensino de História em tempos de pandemia é composto por 7 artigos, uma entrevista e um texto complementar. A seguir trazemos algumas reflexões empreendidas por alguns historiadores e historiadoras desse denominado novo “normal”, que foge de qualquer referência à normalidade pré-pandemia vivenciada por gerações, que a partir das suas vivências diárias, em sociedade, diante dos novos formatos das salas de aulas explicitam desejos, visibilizam preconceitos existentes, reforçam a importância dos direitos conquistados, marcam as suas impressões a partir do seu lugar de fala: O ser professor(e) (a).

O artigo que abre o dossiê é assinado por Flávia Eloisa Caimi, Letícia Mistura, Pedro Alcides Trindade de Mello e tem como título uma questão fundamental: Aprendizagem histórica em contexto de pandemia: o que pode ser e conter uma aula de História? A discussão parte do contexto de suspensão das atividades presenciais em instituições educativas e consequente instalação do ensino remoto para problematizar os impactos no processo de construção e realização da aula de História.

E eu, professor?! O ensino remoto de história e o cenário de inclusão deficitária em áreas rurais e periféricas do Estado do Pará é assinado por Catarina da Silva Moreira. O artigo traz os resultados de uma pesquisa qualitativa desenvolvida na Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Pádua Costa, em Santa Bárbara do Pará e onde se buscava dados para a percepção da experiência de ensino de História no referido contexto.

Derick Douglas Domiciano, Ilisabet Pradi Krames, Sabrina Silva Campos, Marcel Oliveira de Souza trazem a questão do negacionismo e do revisionismo no texto O ensino de História diante dos discursos negacionistas e revisionistas no contexto da pandemia: desafios e possibilidades. O texto traz reflexões sobre as implicações que os discursos negacionistas e revisionistas trazem para o processo de ensino de História. Os autores abordam a polarização presente nos discursos negacionistas e revisionistas considerando que os mesmos têm grande impacto na formação de jovens estudantes. E defendem que o ensino de História seja espaço para construção de mais sensibilidade e alteridade, sentimentos esses necessários para a sedimentação de uma sociedade mais humanizada.

O sujeito histórico negro para além do epistemicídio é de autoria de Luiz Gustavo Mendel Souza e apresenta os resultados de uma pesquisa que buscou investigar livros didáticos da rede municipal de Campos dos Goytacazes/RJ e sua abordagem sobre a Lei nº 10.639/03. Pautando nos pressupostos da literatura decolonial o autor faz uma pergunta chave: a História da África e da cultura afro-brasileira seria retratada apenas pela ótica da escravidão nas páginas dos livros didáticos?

A ausência do ‘olho no olho’, do abraço espontâneo e das brincadeiras: Desafios dos professores de História em tempos de pandemia no Espírito Santo é o artigo assinado por Esdra Erlacher, Bruna Mozini Subtil, Brunna Terra Marcelino, Miriã Lúcia Luiz. Neste artigo são analisados os dados de uma pesquisa que buscou a experiência de 33 professores atuando em ensino remoto durante a pandemia de Covid-19. Os dados da pesquisa levam a discussão sobre temas como a precarização do trabalho docente e o adoecimento dos profissionais.

Ainda partindo da experiência escolar, Silvia Vitorassi apresenta o texto Experiência pandêmica em um ano histórico. A autora apresenta um relato onde tem espaço para seus questionamentos e angústias frente ao trabalho remoto desenvolvido a partir do momento de estabelecimento das medidas de isolamento por conta da pandemia. A narrativa aborda questões relevantes tais como: a romantização do papel docente, os abusos cometidos pelo governo ao não estruturar um planejamento mínimo para as condições de trabalho frente à pandemia e os limites estabelecidos entre pessoa e profissional.

O texto de Odair Souza e Patrícia de Freitas Ensino de História e temas sensíveis em tempos de pandemia traz questões resultantes de uma pesquisa realizada com estudantes da educação básica e ensino médio da Escola de Educação Básica Prof.ª Maria do Carmo de Souza localizada em Palhoça/SC. A pesquisa em questão buscou conhecer a situação desses estudantes frente ao ensino de História em situação de aulas remotas. E além disso priorizou também conhecer os limites do processo de aprendizagem frente aos chamados temas sensíveis.

Na Entrevista com o professor Fernando de Araujo Penna observamos de uma forma ampla o pensar do professor sobre diversos temas presentes da contemporaneidade, principalmente os articulados à profissão do Historiador e da Historiadora, reforçando ainda qual o papel dos professores na sala de aula. Destaca a partir das suas impressões sua trajetória na luta pelo ensino de história na educação básica e na formação de professores de História. Além disso, reflete sobre as funções sociais e éticas dos profissionais de História na sociedade. Recentemente Fernando Penna vem participando da comissão de compromissos éticos do exercício da docência no ensino história da ABEH. Concluindo, aborda os impactos da pandemia na formação inicial dos futuros professores de História.

Para encerrar os textos que compõem o dossiê temos um texto complementar, de autoria de nosso entrevistado: Fernando de Araujo Penna. O texto denominado “Escola Sem Partido” como ameaça à Educação Democrática: fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola, foi publicado anteriormente, em 2017, na obra “Golpes na História e na Escola: o Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI”1. O texto serve como uma contextualização da entrevista – que é inédita, por analisar a sua concepção de escolarização no Brasil. No texto, são apresentadas as representações de alunos e de professor, assim como as finalidades da escola, apresentadas nos discursos dos líderes e defensores da Escola Sem Partido. Mostrando como tais lideranças são desprendidas do contexto escolar e trazem discursos modulados pelo ódio ao professor.

Na atual edição contamos também com 5 artigos, 1 relato e 2 resenhas. Escrita da História e sexualidade: Cassandra Rios, ausência e invisibilidade, por sua vez, é a discussão proposta por Flávia Mantovani. A autora traz à cena a importância de uma escrita da História que aborda questões relativas à História das Mulheres. No caso, a discussão apresentada se volta para a produção literária de Cassandra Rios (1932-2002), conhecida como “a escritora mais proibida do Brasil”. A pesquisa desenvolvida pela autora permite perceber nos escritos da referida autora a possibilidade de uma escrita da História que dê visibilidade a outros sujeitos e suas sexualidades.

As narrativas da cinematografia soviética do período pós-guerra e início da Guerra Fria tornaram-se objeto de reflexão do artigo de Gelise Cristine Ponce Martins e Moisés Wagner Franciscon intitulado Os Estados Unidos e a Inglaterra vistos pelo cinema soviético do stalinismo tardio: a Guerra da Crimeia e os mares, no qual tanto o texto quanto as imagens permitem aos leitores olhares de como o investimento na guerra de narrativas a respeito das versões das histórias e de suas mensagens de união nacional soviética objetivou disseminar a circulação da narrativa do inimigo externo.

No texto de autoria de Wagner Cavalheiro, Roberta Barros Meira e Mariluci Neis Carelli, nomeado de A cristalização do açúcar e da ciência na segunda metade do século XIX: o engenho da fazenda Pirabeiraba e a racionalização da agricultura, realizaram uma operação historiográfica interdisciplinar com uso combinado teórico-metodológico da geografia e da história enfocando o humano habitante da paisagem para escreverem um artigo da história agrária. Os pesquisadores lançaram luz às mudanças do campo científico no século XIX para compreender alguns grupos joinvilenses em relação ao trabalho e à produção rural vinculada ao Engenho.

Cacique Orides: um retrato da resistência indígena no oeste de Santa Catarina escrito por Angelo José Franciosi de Souza, Jaisson Teixeira Lino, Fábio Araújo e Gustavo Andre Glienke Feyh denotou a força da resistência indígena em se apropriar dos dispositivos de poder da cultura política não indígena. Generoso artigo enfoca em que medida a atuação do cacique Kaingang Orides Belino Correia da Silva na posição de vice-prefeito e prefeito de Ipuaçu-SC implementou melhorias para a comunidade nativa da região.

Horizontes do ensino de história na América Latina escrito por Felipe Ziotti Narita realiza conexões teóricas com recortes temáticos levando em consideração outras demandas pelo conhecimento histórico. Artigo denso ao abordar três aspectos do ensino de história em escala decolonial da América latina, quais sejam, primeiro sobre a “produção das identidades latino-americanas”; o segundo “as relações entre ensino de história e as funções do conhecimento histórico”; por fim, a dimensão de digitalização do ensino de história com seus públicos. Problemáticas de como realizar o ensino não eurocêntrico em países latinos ao trazer o fontes e reflexões pertinentes do Chile, Argentina, Brasil, Venezuela, México e Colômbia. Vale a leitura.

O relato O Programa de Pós-Graduação em História da UFFS: algumas Memórias, de Antonio Marcos Myskiw, conta a trajetória do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em História da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Chapecó/SC, que completou 5 anos de efetivo funcionamento neste mês. O texto vem para celebrar a data de fundação do PPGH/UFFS, narrando as lutas e o ensejo para sua aprovação enquanto curso reconhecido pela CAPES. O relato compartilha algumas experiências vivenciadas no PPGH/UFFS, assim como, faz conexões com o cenário da Pós-graduação no Brasil.

A resenha de Wellen Pereira Augusto atuando no campo jurídico ofereceu o título sugestivo desta, qual seja: A história do Brasil é brasileira? Duelo entre presente e passado, no qual destaca as múltiplas dimensões da obra reflexiva da antropóloga Lilian Moritz Schwarcz. O tema sobre o autoritarismo brasileiro não é novo no cenário historiográfico, todavia é uma obra necessária para leitores preocupados com os rumos do Brasil e dos brasileiros, sobretudo em situação de vulnerabilidade.

A resenha A Canção Latino-Americana em Questão, de Igor Lemos Moreira, analisa a obra Do folclore à Militância: A canção latino-americana no século XX, da historiadora Tânia da Costa Garcia. O autor mostra o texto resenhado é uma referência fundamental a todos/as historiadores/as que decidam se envolver não somente no campo da música latino-americana, mas apresenta uma possibilidade metodológica ímpar aos estudos da História da Canção em perspectiva comparada.

Assim, mesmo com as incertezas de tempos pandêmicos, esperamos levar para os leitores textos provocativos e densos, ou pelo menos, que possamos através deles, dividir nossas angústias e desafios. Desejamos uma boa leitura!

Nota

1 MACHADO, André Roberto de A.; TOLEDO, Maria Rita de Almeida (Orgs.). Golpes na História e na Escola: Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI. São Paulo: Cortez Editora: ANPUH SP, 2017.


Organizadores

Cintia Régia Rodrigues

Nucia Alexandra Silva De Oliveira

Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato


Referências desta apresentação

RODRIGUES, Cintia Régia; DE OLIVEIRA, Nucia Alexandra Silva; FAGIONATO, Yomara Feitosa Caetano de Oliveira; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras – Revista catarinense de História, n. 37, p. 3-8, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

História: demandas e desafios do tempo presente – produção acadêmica, ensino de História e formação docente | Erinaldo CAvalcanti, Geovanni G. Cabral, Margarida M. D. Oliveira e Raimundo I. S. Araújo

Erinaldo Margarida
Erinaldo Cavalganti (esquerda), Maria Margarida Dias de Oliveira e Geovanni Gomes Cabral (direita) | Fotos: Correio Carajás / Portal UFRN e Acervo do autor

CAVALCANTI E Historia demandas e desafiosO livro História: demandas e desafios do tempo presente – produção acadêmica, ensino de História e formação docente – constitui material escrito a muitas mãos. Mãos de pesquisadores/as e professores/as com vínculo em diferentes Universidades, que tingiram em seus textos a problemática do pensar a Ciência Histórica coadunada às práticas que tangenciam a atividade do ensino de História na modalidade da Educação Básica no agora. Organizada por Erinaldo Cavalcanti (professor Adjunto da Faculdade de História da Unifesspa), Geovanni Gomes Cabral (professor Adjunto da Faculdade de História da Unifesspa), Margarida Maria Dias de Oliveira (professora adjunta da UPE, Campus Nazaré da Mata) e Raimundo Inácio Souza Araújo (professor da Educação Básica, Técnica e Tecnológica do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Maranhão – COLUN-UFMA), a obra marca também as intensões do Núcleo de Pesquisa Interpretação do Tempo: ensino, memória, narrativa e política (iTemnpo), associado à Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), do qual emanou a escrita dessa coletânea.

O contexto de produção da obra está tensionado pela conjuntura política educacional prescrita pela Reforma do Ensino Médio, que torna a matéria História optativa no currículo escolar, segundo a Lei nº 13.415, de fevereiro de 2017. Assim, na apresentação, os/a organizadores/a (também autores/a) registram a importância e a funcionalidade da História em tempos de cólera. Nos textos não encontramos resoluções acabadas, mas reflexões para um repensar de práticas que possam ser transgressoras ao universo acadêmico e às “velhas” formas de narrar a História. Fazer circular outras narrativas e outras experiências de pesquisa, segundo as proposições abordadas na obra, pode/deve contribuir para a formação de professores/as no chão da sala de aula. Leia Mais

Memórias de professores nordestinos de História: docência no contexto da pandemia de Covid-19 | Joaquim Tavares Conceição e Paulo Heimar Souto

O livro dos professores Joaquim Tavares da Conceição e Paulo Heimar Souto é uma reunião de textos acadêmicos resultantes de trabalhos finais da disciplina “Tópico Especial em Ensino de História. História, memória, identidade e a aprendizagem histórica”, ministrada no Programa de Pós-graduação em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Seus capítulos, em forma de artigos, são redigidos pelos mestrandos do programa, sobre orientação dos referidos professores.

A obra é estruturada em cinco capítulos que debatem as dificuldades e desafios enfrentados pelos professores de História durante o período de isolamento social provocado pela pandemia de COVID-19. Amparados pela metodologia da História Oral, os autores discutem o ensino remoto e o uso das tecnologias digitais pelos professores entrevistados, chamados de colaboradores. Algumas das experiências dos professores que serviram de base amostral são relacionadas e interpretadas junto aos conceitos de memória do teórico Michael Pollak e aos conceitos da história oral de José Meihy e Leandro Seawright. Leia Mais

Imaginar, medir y ordenar. Mapas, planos y agrimensores en Uruguay | Museu Histórico Nacional, Adrés Azpiroz, Nicolás Duffau e Lucía Rodríguez

Imaginar, medir y ordenar. Mapas, planos y agrimensores en Uruguay, es el catálogo de una muestra inaugurada a fines de 2019 en la sede Casa Rivera del Museo Histórico Nacional (Uruguay). La muestra, que tiene el mismo nombre que su catálogo, presenta mapas y planos de distintas épocas, elaborados con diversos propósitos. Junto a estos, se exhiben además instrumentos propios del quehacer de la agrimensura. Las piezas exhibidas proceden de varios repositorios nacionales y de colecciones particulares.

Es resultado de un trabajo multidisciplinario y de la cooperación interinstitucional. La investigación que la sustentó fue coordinada por los historiadores Nicolás Duffau y Lucía Rodríguez y la ingeniera agrimensora Verónica Fagalde. La coordinación del proyecto expositivo estuvo a cargo del director del Museo Histórico Nacional, Andrés Azpiroz y contó con la colaboración de un equipo de historiadores, con asesores en el área de agrimensura y con el trabajo del taller de restauración del museo. Leia Mais

Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI. Ensayos de interpretación histórica | Frank Gaudichaud, Jeffrery Webber e Massimo Modonesi

Resenha Destaque post 4

MODONESI Los gobiernos progressistasO livro [II] traz uma reflexão sobre os motivos que fizeram os governos progressistas latino-americanos, que outrora possuíam bastante força política para governar diversos países, a estarem atualmente sucumbindo frente a novas investidas da direita, como a eleição de Bolsonaro no Brasil, após mais de uma década de PT que se inicia em 2003 com Lula e se encerra em 2016 com Dilma. Nesse sentido, o livro realiza uma análise crítica dos governos de esquerda das duas primeiras décadas do século XXI com o objetivo de contribuir para as reflexões sobre essa temática.

O continente cresceu com lutas, rupturas e resistências. Entender o passado histórico nos permitirá compreender os fatos que sucederam a partir do fim da década de 1990 na região. O aspecto insurgente pode ser considerado um catalisador de mudanças que se associam aos governos progressistas.

O livro realiza uma análise crítica em torno desse tema. Podemos encontrar avaliações positivas e negativas dos chamados governos progressistas latino-americanos. Há, neste trabalho, uma narrativa imparcial, que avalia aspectos históricos, sociais e econômicos ocorridos entre o período das décadas de 1990 a 2000. Faz-se necessário destacarmos alguns pontos que se entrelaçam na análise dos três autores na obra, que se divide em três capítulos, o primeiro intitulado “Conflictos, Sangre y Esperanza. Progresismos y movimientos populares en el torbellino de la lucha de clases latinoamericana.” de Frank Gaudichaud [III], o segundo, “Mercado Mundial, Desarrollo desigual y Patrones de acumulación: La política Económica de la Izquerda Latinoamericana” de Jeffery Webber [IV] e o terceiro “El Progresismo Latinoamericano: Un Debate de Época” de Massimo Modonesi [V].

Para melhor compreensão do período do final da década de 1990, é importante considerar anos anteriores. Por isso, Gaudichaud demonstra em seu capítulo dados econômicos e sociais desde a década de 1980. Por exemplo, no período de 1980 a 2003 o desemprego aumentou de 7,2% para 11%. Além disso, no mesmo período, o salário mínimo diminuiu em um em média de 25%, e o trabalho informal teve um aumento de 36% para 46%.[VI]

Além disso, no decorrer da década de 1980, houve a mobilização dos movimentos de esquerda e a formação de um novo ethos militante. Novos movimentos sociais ganharam força, como o feminista, o indígena e o negro. Os desgastes das ditaduras militares, sobretudo pelas crises financeiras que vinham enfrentando, serviram de combustível para esses movimentos conquistarem espaço. Contudo, apesar de a década de 1980 ser considerada favorável às manifestações democráticas, pois encerra-se um estado repressivo, pelo lado econômico, a década de 1980 foi desastrosa, marcada pelos ajustes estruturais propostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), tais como as privatizações, restrições salariais e o fim de barreiras aduaneiras [VII].

Portanto, segundo os autores, no final da década de 1990 surgiram diversos debates e críticas sobre o neoliberalismo. Inúmeros movimentos sociais estavam insatisfeitos, na ocasião, com um sistema econômico neoliberal que, na narrativa de partidos políticos e movimentos sociais, sujeitava o Estado ao interesse de empresários e oligarquias.

Dessa forma, a partir dos anos 2000, podemos perceber que essa insatisfação com a hegemonia neoliberal começa a agitar os movimentos populares e de esquerda, que buscavam uma mudança nas estruturas, no Estado, ou seja, de baixo para cima. O cenário era propício para mudanças, as agitações nas calles, os movimentos sociais e a luta contra o imperialismo norte-americano. Portanto, a democracia novamente parecia o caminho para as mudanças, o que estimulou novamente a organização popular através de votos.

À vista disso, os autores apontam que o ciclo dos governos de esquerda, que se inicia em 1999 com Hugo Chávez na Venezuela, tem continuidade durante os anos 2000. Essas experiências têm suas bases nas raízes históricas do continente e surgem com a intenção de refundar a sociedade. Porém, em alguns casos foi necessário romper com mais veemência com antigos poderes na região, como a própria Venezuela com revoltas anti-imperialistas, a mais famosa delas chamada de Caracazo que contou com a maioria da população lutando por mudanças sociais e políticas.

Porém, precisamos destacar que dentro dessa “Onda Rosa” [VIII] houve diferentes formas de governos progressistas. Isto é, existiram experiências mais radicais e outras mais moderadas, ainda que fazendo parte do mesmo movimento. Isso explica-se pelas próprias diferenças entre os países. Dessa maneira, não podemos generalizar as experiências, ou seja, os projetos de governos progressistas tiveram suas particularidades em cada região.

Neste contexto, líderes políticos como Rafael Correa (Equador), Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia) emergem no cenário político com grande apoio popular, tendo como conceitos principais de seus governos o anti-imperialismo e antineoliberalismo. Esses líderes políticos assumiram o embate político com os Estados Unidos como um aspecto central em sua inserção internacional.

Tal postura gerou reações dos Estados Unidos. Como exemplo disso, citamos a interferência norte-americana na Venezuela, que ocorreu com a tentativa de desestabilização à experiência progressista de Hugo Chávez, em abril de 2002. Os EUA utilizaram-se de agências, como a Central Intelligence Agency (CIA), para desestabilizar a gestão de Chávez. No capítulo de Webber, notamos inclusive, exemplos recentes de apoio norte-americano à instabilidade nos países Latino-americanos. Podemos citar o golpe militar de Honduras em 2009 que destituiu o presidente Manuel Zelaya e o golpe parlamentar no Paraguai em 2012.

No caso venezuelano, o ocorrido pode ser explicado pelo fato da Venezuela ter a maior reserva de petróleo do mundo e isso estava no controle norte-americano. O golpe só foi frustrado pelo fato de Chávez ter contado com apoio de grupos da sociedade civil e das Forças Armadas venezuelanas. Como destacam os autores, as estratégias de intervenções imperialistas norte-americanas têm se adaptado para serem feitas através da grande mídia, com ataques constantes à credibilidade de governos de esquerda.

Para além do anti-imperialismo e anti-neoliberalismo que os governos progressistas de esquerda propuseram, podemos ressaltar a forte raiz nacionalista e libertária de Símon Bolívar nestes governos. Essa imagem de Símon aparece mais ainda na “Revolução Bolivariana” que Chávez promoveu na Venezuela. Faz-se isso na tentativa de libertar a América Latina por meio do conhecimento de seu passado histórico de luta e resistência, fazendo uso dos grandes heróis do passado, tal como Símon Bolívar, San Martin, dentre outros.

As diferenças entre as experiências de esquerda residem, por exemplo, no fato de algumas delas terem sido caracterizadas como revolucionárias ou experiências moderadas/reformistas, segundo os autores. Isso está baseado nas reformas econômicas, sociais, políticas que esses governos propõem em relação aos modelos que já estavam implementados. As experiências mais revolucionárias são aquelas que mais promoveram rupturas em uma resposta ao neoliberalismo. Já as mais moderadas/reformistas são as que, ainda que tenham promovido algumas mudanças progressistas, deram continuidade às práticas dessa doutrina.

Durante uma década de governos progressistas na América Latina, podemos concluir que a política de distribuição foi o foco principal. Esses governos buscaram implementar mudanças sociais e econômicas, sobretudo, para as grandes maiorias. Projetos como o “Bolsa família” do PT no Brasil são um exemplo disso. Não somente isso, os governos de esquerda buscaram aumentar o poder de consumo das classes menos favorecidas. Por isso, durante esses governos muitas famílias que outrora não tinham condições, conseguiram conquistar bens como casa própria. Grande parte deve-se ao fato dos governos progressistas terem se aproveitado da alta das commodities, ocorrida em 2003 com a alta demanda industrial que a China promoveu.

Este país foi o principal destino das exportações da região no período de 2002 a 2012. Matérias-primas exportadas, como petróleo, soja, dentre outras, tiveram um aumento de preço, favorecendo a economia latino-americana. Portanto, um dos méritos desses governos é ter aproveitado esse aporte financeiro para investir nos projetos sociais. Isto deu resultado, pois vimos que, durante uma década, um número considerável de pessoas saíram da pobreza. Como aponta Gaudichaud, “Según la CEPAL, 70 millones de personas salieron de la pobreza en una década…” [IX]

Durante os governos de esquerda, também podemos destacar as nacionalizações de empresas que anteriormente haviam sido privatizadas. Esse processo visou combater um “mal” para a economia dos países latino-americanos, pois, em contraponto com o setor privado, o Estado ficava com menos recursos financeiros do que poderia. Ou seja, as empresas estrangeiras repassavam mais capital para seus países de origem, do que ao Estado em que elas estavam sediadas, além disso, é importante ressaltar que as empresas foram nacionalizadas de acordo com as políticas do mercado, isto é, com negociações do Estado com as empresas e com taxas de indenizações.

Alguns exemplos dessas nacionalizações ocorreram na Bolívia e na Venezuela com as empresas de gás, petróleo, água, etc. Na Bolívia, em 2000 e 2005, ocorreram grandes vitórias populares antes mesmo de Evo Morales ser presidente, como as “Guerras da Água” em 2000. Esses episódios terminam com a expulsão de duas multinacionais: a estadunidense Bechtel e a filial de Suez, Aguas del Illimani. Essas vitórias fizeram o governo desmercantilizar a água. Além disso, também houve a vitória popular na questão do gás em 2003. Esse alavancou a imagem de Evo Morales como um líder pelas lutas nacionais. O acordo cancelado com a empresa americana Pacífic LNG tinha como principais justificativas o fato de que afetava a soberania da Bolívia, uma vez que fazia com que ela fizesse negócios com o Chile (recentemente há um histórico de embates entre os dois países). Outra justificativa era que a Bolívia receberia um valor “x” pelo gás, e este seria vendido em solo americano por outro bastante superior.

Já na Venezuela, Chávez recuperou o controle da Petróleos de Venezuela Sociedade Anônima (PDVSA) e multiplicou os contratos com empresas estrangeiras de origens distintas onde entra, por exemplo, a aproximação com a China. As nacionalizações foram essenciais para inversão da política social, saúde e educação que os governos progressistas promoveram durante seu período na América Latina.

O Produto Interno Bruto (PIB) durante os governos progressistas cresceu na América Latina com casos excepcionais como a Bolívia, cujo PIB subiu de $8 bilhões em 2002 a $30 bilhões em 2013, de acordo com Gaudichaud [X]. Isso pode ser explicado pela alta dos preços das matérias-primas (como o petróleo) e investimento no agronegócio, ainda que isso tenha desagradado a setores sociais. Além disso, as experiências nacionais-populares que os governos progressistas implementaram também contribuíram para a economia interna, com o aumento do número de empregos e maior poder de consumo. Isso se fez por políticas redistributivas, assistencialistas e com concessão de créditos.

Como debatido por Massimo Modonesi, essa estratégia, voltada para a democratização do consumo, permitiu às pessoas que saíram da pobreza ou extrema pobreza contribuírem para a economia, gerando mais riqueza. Por outro lado, essa estratégia contribuiu também para que os governos progressistas, no que diz respeito à parte econômica, possam ser analisados como projetos conciliatórios. Haja vista que a democratização do consumo favorecia também a classe dominante, ou seja, segmentos da sociedade que são compostos majoritariamente por empresários, bancários, e, segundo Gaudichaud, isso resultou em consequências negativas para a esquerda pois podemos compreender que politicamente teria sido melhor para a esquerda que a incorporação das classes populares tivesse sido através da politização e não somente através do acesso ao consumo.XI

Portanto, uma das críticas que o livro faz aos governos progressistas deve-se ao fato do grande capital ter tido uma alta lucratividade durante suas gestões. Como aponta Webber, “tales mejoras modestas para las clases populares coexistieron con ganancias netas sin precedentes para el capital privado extranjero y nacional invirtiendo en sectores de recursos” [XII]. O agronegócio foi uma atividade que pode ser citada como exemplo. Os seus membros contaram com incentivos financeiros à produção, diminuição da burocracia e as economias do Estado se mantiveram e se intensificaram dependentes desse setor. O Brasil é um exemplo cuja economia depende de maneira relevante da exportação de soja. Durante o governo de Dilma Rousseff, houve um grande incremento nessas atividades, segundo Jeffery Webber.

Como apontado por Massimo Modonesi, os grupos indígenas merecem destaque como agentes políticos bastante relevantes na luta contra o neoliberalismo e o imperialismo na América Latina, entre as décadas de 1990 e 2000. Ao longo da história do continente, desde as invasões feitas pelos europeus, os indígenas têm sido perseguidos, exterminados e excluídos de um território que lhes pertencia. A mentalidade colonizadora que se faz presente até os dias atuais faz com que esses grupos sejam excluídos da sociedade, acentuando a vulnerabilidade desses povos indígenas. A constante perda de seus espaços, tão essenciais para a vida em comunidade que precisam, afeta diretamente a manutenção da cultura desses povos. Esses fatores geram um apagamento da cultura e identidade desses grupos, o que muitas vezes é legitimado pelo Estado, uma vez que falha em ter políticas que possam proteger esses grupos, suas terras e seu modo de viver.

Como debatido nos capítulos de Gaudichaud e Modonesi, após esse descaso e perseguição ao longo de diversos anos na América Latina, a resistência e a união se tornaram bastante presentes no modo de viver desses grupos indígenas, e por conta disso eles conseguem se mobilizar politicamente para continuar com suas reivindicações aos seus direitos à terra e à defesa da mãe natureza. Fazem ouvir suas vozes e marcham pelas ruas em manifestações agindo o ser político e chamando a atenção para o fato dos indígenas terem espaço em qualquer projeto de Estado na América Latina. Esses grupos estavam articulados, e com consciência política, e durante a época do descontentamento com o neoliberalismo, eles se uniram com outros grupos sociais em torno de um ideal comum, a luta contra o imperialismo.

Como afirma Gaudichaud, podemos destacar os Mapuches no Chile e a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) no Equador. Esses grupos apoiaram os governos de esquerda e obtiveram respeito e respostas quanto a muitas de suas reivindicações. Porém, antes de ser esquerda ou direita esses grupos são primeiramente indígenas, e vimos isso em diversas vezes em que eles também se chocaram com decisões dos governos de esquerda, como ocorreu a partir de 2013 no Equador em manifestações questionando o presidente Rafael Corrêa, principalmente após a decisão de explorar o Parque Nacional Yasúni, abrindo-a a empresas mineiras. Ou seja, Corrêa adotou o discurso de exploração para justificar seu projeto econômico de redistribuição, o que para muitos pode ser entendido como uma política que busca um plano mais amplo para a nação equatoriana, mas que foi visto por esses grupos indígenas como uma traição por afetar diretamente suas matrizes.

Diante do extrativismo e do avanço do setor capitalista do agronegócio sobre os recursos da natureza, diversos grupos resistentes a esses ideais têm se chocado com o capital privado, como os camponeses, que defendem o meio ambiente e, em especial, os indígenas, como apontado no livro. Logo, é correto afirmar, segundo o capítulo de Webber, que esses grupos indígenas possuem uma ação política muito importante e uma voz politicamente ativa [XIII].

Nesse sentido, em alguns países latino-americanos, observamos que a luta de classes é muito recorrente. Como apontado pelos autores, o enfrentamento de grupos com interesses antagônicos se faz presente no continente, como por exemplo os movimentos sociais, indígenas, que discordam de projetos defendidos pelos grandes empresários, bancários, dentre outros. No livro, percebemos um viés marxista na análise dos autores que mostram como a temática da luta de classes é relevante para compreendermos como ocorreu a luta pela terra, por direitos sociais, por um Estado amplo de direitos em diversos países da América Latina como, por exemplo, nas experiências mais notórias dos governos progressistas: Bolívia, Equador e Venezuela.

Notas

II. O livro Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI – Ensayos de interpretación histórica, 2019 de organização de Franck Gaudichaud, Jeffery Webber, e Massimo Modonesi, fazem uma análise geral dos movimentos de esquerda latino-americanos iniciando em 1999 com Hugo Chávez na Venezuela até 2019 com o golpe a Evo Morales na Bolívia. Esses movimentos se acentuaram nesse período pois havia um descontentamento em diversos países latino-americanos com o projeto de direita: Neoliberalismo. Entretanto, o livro também irá apontar que o continente tem um histórico de revoltas, revoluções, e de lutas, em períodos que antecedem o neoliberalismo.

III. Frank Gaudichaud possui uma linha de pensamento marxistas além disso é francês, o que para esse estudo é bastante relevante pois permite ao mesmo uma análise de fora do objeto de estudo.

IV. Jeffery Webber é estadunidense mas visitou os centros de pesquisas da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO) em Quito, Equador, além do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário (CEDLA) e o Centro Boliviano de Estudos Multidisciplinares (CEBEM) em La Paz, Bolívia.

V. Massimo Modonesi pode ser destacado pelos seus estudos de movimentos sócio-políticos em México e América Latina e de conceitos e debates marxistas, além de ser diretor da revista “Memoria del Centro de Estudios del Movimiento Obrero y Socialista (CEMOS) e da revista OSAL de CLASCO (2010-2015).

VI. GAUDICHAUD, Frank. Conflictos, Sangre y Esperanza. Progresismos y movimientos populares en el torbellino de la lucha de clases latinoamericana. In: GAUDICHAUD, Frank, WEBBER, Jeffery, MODONESI, Massimo. Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI – Ensayos de interpretación histórica. UNAM, México. 2019. p. 22

VII. Um reflexo da desastrosa economia da América Latina na década de 1980 pode ser a queda do Produto Interno Bruto (PIB). Em fins do século XX o PIB na América Latina caiu consideravelmente de 3,8% em 1997 para 0,9% em 1998. Ou seja, uma queda brusca que representa quase ¼ em menos de um ano.

VIII. O que nós conhecemos hoje pelo nome governos progressistas foi um giro político impulsionado pela esquerda em diversos países da América Latina. Exemplo de Equador, Bolívia, e Venezuela, que podem ser consideradas como as mais notórias experiências deste “giro a esquerda”. Mas também podemos citar Brasil, Argentina, Uruguai, entre outros. Essas experiências foram apelidadas também como “marea rosa“.

IX. Ibidem, p. 46

X. Ibidem, p. 46

XI. Ibidem, p. 83

XII. WEBBER, Jeffery. Mercado Mundial, Desarrollo desigual y Patrones de acumulación: La política Económica de la Izquerda Latinoamericana. In: GAUDICHAUD, Frank, WEBBER, Jeffery, MODONESI, Massimo. Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI – Ensayos de interpretación histórica. UNAM, México. 2019. p. 114

XIII. Analisamos que em alguns países como Equador, a ruptura de Corrêa com os grupos campesinos, com grupos indígenas como a CONAIE, gerou um desgaste político do então presidente. Ou seja, essa ruptura pode ser entendida como relevante pois antes dela o próprio Rafael Corrêa havia recebido prêmios e grande visibilidade pelo projeto Yasúni, sendo coerente afirmar que este evento foi um ponto chave para sua imagem política.

Referências

GAUDICHAUD, Frank, WEBBER, Jeffery, MODONESI, Massimo. Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI. Ensayos de interpretación histórica. México, UNAM, 2019.

João Carlos Calzavara – Graduando do curso de História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Membro do Laboratório de Estudos de Imigração (LABIMI). Bolsista do Projeto de Extensão “Ideias Políticas e História do Tempo Presente da América Latina entre 1998 e 2018: uma comparação entre Bolívia, Equador e Venezuela”. E-mail: jccalzavara@gmail.com


GAUDICHAUD, Frank, WEBBER, Jeffery, MODONESI, Massimo. Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI. Ensayos de interpretación histórica. México, UNAM, 2019. Resenha de: CALZAVARA, João Carlos. Boletim Historiar. São Cristóvão, v.2, n.8, abr./jun. 2021. Acessar publicação original [IF].

Didática no cárcere II: entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo | Roberto da Silva (R)

A obra Didática no cárcere II: entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo foi organizada por Roberto da Silva e publicada, em 2018, pela Editora Giostri. Resulta de um processo coletivo de produção de conhecimento, que se iniciou com uma versão experimental de 2017, com tiragem limitada aos profissionais envolvidos – cujo contexto se relaciona a processo formativo desencadeado pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) em parceria com a Diretoria Regional de Ensino Centro-Oeste da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

A obra pauta-se no desafio de elaborar uma proposta metodológica destinada à educação nos espaços de privação de liberdade. É publicada após experimentação em salas de aula de unidades prisionais e de centros de internação de adolescentes em medida socioeducativa, resultando de uma experiência que envolveu cerca de cem profissionais da educação em doze meses de trabalho.

Esse processo iniciou-se no âmbito de um curso de aperfeiçoamento voltado a professores da rede estadual que atuavam em unidades do entorno do Campus Butantã, na capital paulista, onde se situa a FE-USP[1]. Destinou-se a oferecer conteúdos atualizados, bem como promover trocas de experiências e atividades em grupo voltadas à autoria coletiva, que refletissem cada componente teórico e suas didáticas, desdobrando-se em matrizes de aprendizagem.

O autor organizador da obra, cuja trajetória pessoal e profissional é diretamente relacionada à privação de liberdade, com vasta experiência, é doutor em Educação e lidera o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação em Regimes de Privação de Liberdade na FE-USP. Presidiu o referido curso, onde agregou pesquisadores e profissionais da educação básica e superior.

O título do livro, por si, levanta questões que se relacionam a inquietações decorrentes da prática docente e da pesquisa na área, sobretudo a partir da publicação, em 2010, das Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade pelo Conselho Nacional de Educação. Apesar do avanço normativo e da pretensa indução de políticas públicas, há limitantes estruturais e operacionais nesses espaços que incidem na prática educativa, razão pela qual há um desafio permanente que paira sobre o trabalho educacional. Diante disso, a obra aponta caminhos possíveis, com metodologias que incluem formas de se organizar e articular os componentes curriculares nas áreas do conhecimento, considerando-se as experiências prévias dos estudantes, bem como as peculiaridades do contexto.

O livro tem três partes. A primeira contextualiza a proposta pedagógica para docência em regimes de privação de liberdade, o perfil de escolaridade de jovens e adultos em privação de liberdade, além da fundamentação legal sobre o tema. A segunda parte reflete os marcos teóricos e metodológicos da proposta, pautados no universo, na natureza e no ser humano como matrizes de aprendizagem. A partir disso, são elaborados esquemas de análise e interpretação do ser humano e de mapas conceituais por área, em que os componentes teóricos e didáticos são refletidos, culminando nos processos de avaliação de competências e habilidades. Por fim, a terceira parte descreve o processo de criação coletiva, que em uma polifonia de vozes se encerra em relatos de experiências dos profissionais da educação participantes do curso e da elaboração da proposta.

Os fundamentos da proposta pedagógica remontam as categorias ontológicas e biológicas da aprendizagem humana, cuja “didática no cárcere” é pensada em torno da natureza. Referencia-se nos marcos da Pedagogia Social, cuja compreensão do processo educacional, da construção do conhecimento e da educação ao longo da vida é mais relevante que dominar códigos ou técnicas.

Considerando o contexto da privação de liberdade e o perfil das pessoas encarceradas – majoritariamente jovem, negro e com escolaridade básica incompleta – argumenta-se que é possível contribuir para o desenvolvimento das habilidades e competências sociais e socioemocionais, a partir da associação da dinâmica da vida natural e humana. Opta-se por uma abordagem que se traduza em múltiplas alfabetizações e que possibilite ao sujeito compreender a dinâmica da vida em suas variadas manifestações, isto é, exploram-se as leis naturais, as formas de organização e complexificação das plantas, animais e da sociedade. Entende-se que, assim, o sujeito poderá compreender o sentido e a singularidade da vida humana no contexto do mundo em que vive.

Portanto, a proposta parte da própria origem da vida, em que o humano se insere e decorre, para construir as bases matriciais de aprendizagem e fundamentar as competências e habilidades que comporão escolhas metodológicas suficientemente flexíveis, transversais e contextualizadas, dadas as peculiaridades da educação no espaço prisional – por exemplo, a rotatividade de alunos e as restrições de uso de alguns materiais.

A construção das matrizes de aprendizagem, por área do conhecimento, tem início em pressupostos do processo de compreensão do mundo natural. Por exemplo: a ideia de reinos na natureza e do átomo como partícula básica para a organização das moléculas, das quais originam todos os seres e suas diferenciações. São utilizadas palavras-chave das ciências da natureza, das quais decorrem conceitos e estruturas, para delinear as matrizes e se chegar às ciências humanas e sociais, matemática, linguagens e suas tecnologias. Isso explicaria o subtítulo da obra, “entender a natureza para entender o ser humano e seu mundo”.

Ao discutir possibilidades epistemológicas, a obra sinaliza que é possível inferir formas de pensar e agir e apresenta um quadro elucidativo dos esquemas de análise e interpretação do ser humano, composto por forma de pensar (exemplo: marxista), categorias de análise (explorador/explorado), gradiente de comportamentos e atitudes (contestação) e formas de solução (revolução).

Ainda, discutem-se componentes avaliativos que valorizam habilidades e competências sociais, com destaque para os saberes construídos no mundo do trabalho e da vida. Busca-se exaltar as trajetórias singulares de vida e seus percursos (biológicos, cognitivos e sociais), em estreita consonância com a perspectiva da educação ao longo da vida, que implica uma visão ampliada de aprendizagens nos diversos espaços e tempos – escolares e não escolares.

Quanto às contribuições do livro para a área, é preciso considerar que, após a garantia do direito à educação das pessoas em privação de liberdade no Brasil, novas questões emergiram, com ênfase em práticas e pesquisas direcionadas à implementação de políticas pelo Estado e à prática docente. Verifica-se que a maior parte das publicações relaciona-se ao campo das políticas públicas, dos estudos de caso, das experiências das redes de ensino e do estudo de representações de estudantes, docentes e gestores[2]. Apenas mais recentemente, fundamentos epistemológicos e metodológicos têm se apresentado, representando ainda um campo fronteiriço e em crescente discussão na educação[3]. Assim, na ausência de materiais didáticos e de pesquisas sobre metodologias de ensino voltadas aos contextos de privação de liberdade, a prática docente segue, em geral, caminhos entre a adaptação de materiais disponíveis e o planejamento individual.

Demonstra-se, na obra, um esforço em produzir um material que reúna um conhecimento relevante do ponto de vista teórico-metodológico – enfaticamente para e por docentes. Fica evidente o engajamento em agregar diferentes atores ligados à área, com destaque para a construção da obra no âmbito de um curso que indica a salutar complementaridade entre educação básica e superior e a imprescindível polifonia de vozes na educação.

Destarte, sua relevância assenta-se não apenas na apresentação de uma proposta pedagógica específica, mas no processo de elaboração coletiva de metodologias e abordagens avaliativas que levem em conta os sujeitos e o contexto do ensino. Em particular, vale destacar que os esquemas apresentados no livro para a construção de mapas conceituais das áreas do conhecimento, com indicação gráfica de temas e questões pedagógicas de cada área, representam um contributo valoroso à comunicação, à síntese e à reflexão conceitual no âmbito da organização didática.

Notas

1. Trata-se do curso Docência em Regimes de Privação de Liberdade, ofertado em 2017. Disponível em: https://uspdigital.usp.br/apolo/apoObterCurso?cod_curso=480200003&cod_edicao=16001&numseqofeedi=1. Acesso em: 15 mar. 2020.

2. Publicações na área da Educação, após vigência das Diretrizes Nacionais, focam nos desafios e nas perspectivas para a política de educação em prisões. Nesse sentido, os dossiês temáticos publicados pela Revista Em Aberto, do INEP “Educação em Prisões”, em 2012 (disponível em: http://portal.inep.gov.br/documents/186968/485895/Educa%C3%A7%C3%A3o+em+pris%C3%B5es/8b4d6cb0-12db-4ad8-87fc-47e7c52a6153?version=1.3, acesso em: 12 mar. 2020), pela revista Educação e Realidade, da UFRGS, em 2013 (disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/issue/view/2030, acesso em: 20 mar. 2020) e pela revista Cadernos Cedes da UNICAMP “Educação, Escolarização e Trabalho em prisões” em 2016 (disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622016000100001, acesso em: 02 abr. 2019).

3. Nesse sentido, o artigo “Fundamentos epistemológicos para uma EJA prisional no Brasil”, de Roberto da Silva, na Revista Brasileira de Execução Penal, v. 1, n. 1, 2020. Disponível em: https://rbepdepen.mj.gov.br/index.php/RBEP/article/view/49. Acesso em: 30 abr. 2020.

Referências

SILVA, R. (org.). Didática no cárcere: entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo. São Paulo: Giostri, 2017. [ Links ]

SILVA, R. (org.). Didática no cárcere II: entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo. São Paulo: Giostri , 2018. [ Links ]

Carolina Bessa Ferreira de Oliveira – Doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). E-mail: cbessafo@gmail.com


SILVA, Roberto da. Didática no cárcere II: entender a natureza para entender o ser humano e o seu mundo. São Paulo: Giostri, 2018. Resenha de: OLIVEIRA, Carolina Bessa Ferreira de. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v.26, maio. 2021. Acessar publicação original [IF].

Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil | Marcelo Badaró Mattos

Marcelo Badaró Mattos é professor titular do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), pelo qual se doutorou. Trata-se de um dos mais importantes historiadores marxistas do país na atualidade, devido principalmente as suas contribuições à História social do trabalho, como o clássico Novos e Velhos Sindicalismos no Rio de Janeiro (1955/1988).2 Não obstante, tem trabalhos relevantes para o entendimento da teoria marxista e da História do tempo presente, campo ao qual pertence o livro Governo Bolsonaro: neofascismo e autocracia burguesa no Brasil, publicado em 2020. Nesse mais recente estudo, o pesquisador tem como objetivo analisar fenômeno político da chegada de Jair Bolsonaro à presidência da República, tentando entender o caráter de seu governo e o seu papel na dinâmica da luta de classes no Brasil de hoje. O seu método consiste na busca de comparações entre o quadro atual e os fascismos históricos, o que o levou também a refletir sobre a nossa trajetória histórica desde o século XX, para o melhor entendimento do processo político brasileiro atual.

Antes de se debruçar especificamente sobre o governo Bolsonaro, autor inicia o primeiro capítulo, intitulado “Fascismos”, com as reflexões realizadas pelos militantes revolucionários que viveram os anos 1920 e 1930 e, portanto, estavam comprometidos com o combate a esses fenômenos políticos. Assim, mostra que Leon Trotsky, Clara Zetkin e Antonio Gramsci apresentaram análises concordantes quanto à existência: de um contexto marcado pela crise política (na dimensão da dominação de classe) e econômica (em nível internacional) que favoreceu a eclosão de tais movimentos; de uma base social de massas composta pela pequena burguesia e por assalariados médios, que contou ainda com a presença de setores do proletariado, apesar de os regimes políticos implantados beneficiarem o grande capital; de um sentido de classe visto também na violência e no terror exercidos contra as organizações dos trabalhadores; de um recuo dessas entidades diante das possibilidades objetivas de revolução, o que estimulou a adesão da pequena burguesia à ação contrarrevolucionária burguesa; e de uma complacência de setores do Estado precedente com os fascistas, notadamente, a polícia e o judiciário. De forma geral, também são coincidentes as recomendações no sentido da adoção de uma linha política de frente única para enfrentar essa ameaça aos operários (p. 12-41). Leia Mais

Zika no Brasil: história recente de uma epidemia | Ilana Löwy

O livro de Ilana Löwy, lançado em 2019 pela coleção Temas em Saúde da Editora Fiocruz, faz um balanço das principais questões de saúde pública envolvendo a epidemia de zika no Brasil a partir de 2015 e a sua relação com os casos de microcefalia. Historiadora das ciências biomédicas e atualmente pesquisadora do Instituto Nacional Científico e de Pesquisa Médica da França (Inserm), Löwy apresenta diferentes ângulos científico-políticos dessa epidemia de forma didática, articulando uma questão fundamental: o que de fato conhecemos sobre a trajetória do vírus da zika no Brasil?

A autora articula as diferentes dimensões em um campo temático com o qual já possui bastante familiaridade. Exemplo disso são seus trabalhos anteriores sobre as práticas científicas e de saúde pública em relação à febre amarela – doença que também é transmitida pelo Aedes aegypti –, (in)visibilidades dos objetos das ciências biomédicas, diagnósticos e direito reprodutivo. Essas abordagens são mobilizadas com naturalidade e fluidez na sua proposta de uma história “recente”, como está no título, ou “do presente” e seus desafios ( Löwy, 2019 , p.13). Leia Mais

Passe Livre. As possibilidades da tarifa zero contra a distopia da uberização | Daniel Santini

Há algum tempo, ouvir o termo passe livre despertava, apesar do ceticismo inicial, certa inquietação, curiosidade e abertura para uma discussão com enorme potencial de abarcar questões fundamentais à vida nas cidades. Para as pessoas da nossa geração, que estiveram nas ruas em 2013 contra o aumento da tarifa de transporte, o passe livre surgia como ferramenta de democratização da sociedade. Na contramão dessa percepção otimista, após a aparente sedimentação das manifestações de 2013, tal debate passou a ser encarado com desconfiança, como questão encerrada e pauta esgotada. O que acontecia neste meio tempo para que algo potencialmente tão transformador fosse deixado de lado? Principalmente pelo campo progressista?

Não é sequer necessário recorrer aos liberais ou aos grupos conservadores que emergiram na esteira – ou no vácuo – dos protestos daquele ano para encontrarmos posições contrárias. Para estes o passe livre desde o início representava um modelo “estatista” e antiliberal de transportes. Antiliberal evidentemente que sim. A própria esquerda, que já se dividia sobre o tema antes de 2013, parece hoje relembrar o assunto como um episódio traumático, com enorme desconfiança, algo irreparável e um erro estratégico de grupos autonomistas que conduziram os protestos em torno do Movimento Passe Livre. Leia Mais

Pandemia. COVID-19 e a reinvenção do comunismo | Slavoj Žižek

Nascido em 1949 em Liubliana na Eslovênia, Slavoj Žižek, é filósofo e psicanalista. Sua produção intelectual tem sido influenciada principalmente por obras de Karl Mark e Jacques Lacan, e pautada em crítica e reflexões originais sobre diversas áreas do conhecimento, com destaque para a cultura e política da pós-modernidade. Atua como professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Luibliana, bem como presidente da Sociedade de Psicanálise Teórica, de Liubliana. É diretor de relações internacionais do Instituto de Humanidades da Universidade Birkbeck, de Londres, Inglaterra. Autor de diversas obras com os títulos Bem-vindo ao deserto do Real! (2003), Às portas da revolução: escritos de Lênin de 1917 (2005), e O sujeito incômodo (2016). A obra objeto desta resenha constitui uma congregação de ensaios relacionados a pandemia da COVID-19, organizado em treze capítulos, o autor inicia seu texto com críticas a exposição que se fez sobre o surgimento do perigo, na época eminente, do novo Coronavirus, em comparação com outras epidemias anteriores. O autor faz alusão a última grande pandemia de influenza, a gripe espanhola, que entre 1918-1920 atingiu mais de 50 milhões de vítimas. Destaca, ainda, que na contemporaneidade a influenza ainda se faz presente e tem ceifado milhares de vidas todos os anos. Com essa breve contextualização do problema, o autor nos remete ao que ele considera a raiz da questão, que é a conectividade do nosso mundo, “quanto mais nosso mundo estiver conectado, mais um desastre local pode deflagrar um pavor global e, eventualmente, uma catástrofe” (Žižek, 2020, p. 13). Neste ponto o autor critica as medidas de isolamento e quarentena, que nos remetem a ideia de comunismo, ressaltando a importância de uma resposta global com ações coordenadas. Ainda nos capítulos iniciais, o autor destaca que em se tratando de uma pandemia, será necessário que os governos tomem medidas fortes que em muito se parecem ideias comunistas, como controlar a produção e a distribuição principalmente de alimentos, para evitar desabastecimento e consequentemente fome. Neste ponto, tendo em vista que esse ensaio foi escrito no começo da pandemia, observa-se que alguns países como Itália, França, Espanha, Inglaterra, China, Estados Unidos, dentre outros, já estão adotando plenamente esses esforços de controle, fugindo assim da lógica do capital. Verifica-se que se não houver esforço coletivo de cooperação e colaboração dos governos em combater os efeitos socioeconômicos da pandemia da COVID-19, deixando de lado a lógica exploratória e brutal do capital para pensar nas pessoas, em termos de sobrevivência, o mundo como o conhecemos necessitará ser reinventado devido a ampliação da desigualdade, pobreza e conflitos. Isto remete reflexões sobre um novo modelo socioeconômico para substituir o capitalismo, que desde a algum tempo já vem demonstrando ser insustentável, como tem reiterado as sucessivas crises econômicas que expõe a fragilidade do sistema capitalista. Neste sentido, retomando o título do livro desta resenha, constata-se que a proposta de reinvenção do comunismo, é a tentativa do autor em provocar reflexões sobre o futuro do capitalismo, congregando novos fatos e evidências a partir da eminência da COVID-19. Um desses fatos abordados na obra de Žižek são suas explicações acerca da reação das pessoas frente a pandemia. Para tanto, o autor busca na psicologia uma associação oportuna a partir do livro “Sobre a morte e o morrer”, publicado em 2008, de autoria da psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, que propõe cinco estágios de reação quando as pessoas são diagnosticadas com uma doença terminal, que são eles: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Ao relacionar a abordagem de Kübler-Ross (2008) com a pandemia, Žižek (2020, p. 24-27) discute esses cinco estágios destacando slogans que disseminados nas mídias e redes sociais como sobre a negação: “Não há nada grave ocorrendo, há apenas alguns indivíduos irresponsáveis disseminando pânico”; raiva: “Os culpados são os chineses sujos ou a ineficiência do Estado em lidar com esse tipo de crise”; negociação: “Ok, há algumas vítimas, mas a situação é menos grave que a SARS e ainda podemos limitar o estrago”; depressão: “Não nos enganemos mais, estamos todos perdidos” e, por ultimo a aceitação: “Ok, as pessoas vão continuar morrendo, mas a vida vai seguir, talvez haja alguns efeitos colaterais positivos”. O autor também destaca que a pandemia pode suscitar um vírus ideológico que nos motive a pensar além de Estado-nação e nos leve a refletir sobre novas formas de cooperação e solidariedade globais. Destaca ainda que, assim como a catástrofe de Chernobil na Rússia em 1986, que deflagrou o fim do comunismo soviético, especula-se que o coronavírus possa fragilizar ou até mesmo provocar ações para mudanças no governo comunista na China. Todavia, o autor admite que a COVID-19 pode nos estimular a reinventar o comunismo com base na confiança no povo e na ciência, mesmo com o negacionismo e a banalização desses temas por governantes nacionais de alguns países como o Brasil. A partir da narrativa de Fredric Jameson, conceituado crítico literário e teórico marxista, o autor fala do enredo utópico apresentado em filmes de catástrofes, onde uma ameaça como um asteroide ou uma pandemia põe em risco a vida (Žižek, 2020). Frente a isso, a humanidade é capaz de ensejar uma nova solidariedade global, colocando as diferenças em segundo plano e se unindo por uma causa comum, a busca de uma solução. O autor pondera que já estamos vivenciando um acontecimento como esses retratados nos filmes, mas que ainda estamos muito aquém de uma união global para uma solução solidária. O autor destaca que ainda precisamos repensar nossas prioridades, além da ameaça viral, vivenciamos outras catástrofes ou crises paralelas como as de natureza climática: seca, ondas de calor, tempestades massivas etc. Além disso, segundo o autor, há inúmeras notícias nas mídias de massa que se preocupam mais com o mercado e os efeitos da pandemia na economia do que em relação a outras questões, considerando as centenas de milhares de pessoas que já morreram e que ainda irão morrer. Nesse sentido, o autor menciona ser necessário repensar a economia para que as pessoas não se tornem extremamente dependentes do mercado da conectividade, como algum tipo de organização global capaz de controlar e regular a economia. Eis um dos ápices do livro de Žižek onde sustenta a noção de reinvenção do comunismo. Com base nos escritos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, escritos da juventude, para descrever a atual situação, o autor destaca que, o que aprendemos com a história é que não aprendemos nada com a história (Žižek, 2020). Aplicando a atual situação, o autor, destaca que a epidemia não nos deixará mais sábios, mas sim confrontará os fundamentos de nossas vidas, causando dor, sofrimento e caos econômico possivelmente pior que a Grande Recessão de 1929 ou ainda em relação a outras pandemias. Žižek sustenta que não existe um retorno ao normal da vida cotidiana pré pandemia, mas sim que o novo ‘normal’ deverá ser construído sobre o que sobrar ou se mantiver de nossas antigas vidas antes da pandemia, evidenciando a necessidade de se repensar tudo. Nesse aspecto o autor propõe que a pandemia COVID-19 poderia revitalizar o comunismo, pois, segundo o autor, nesses momentos de pânico é necessário uma abordagem mais centralizada e articulada, como a adotada pelo Estado chinês, como seu regime comunista. O autor menciona que o uso do termo ‘comunismo’ ou reinvenção do comunismo em sua obra está associada a necessidade de resposta globais coordenadas a ameaça da atual pandemia. Destaca que, os governos precisam se unir, como se estivessem em guerra, neste caso, não contra uma nação inimiga, mas sim contra um inimigo comum e invisível: a COVID-19. Contudo, a maior preocupação do autor indicada na obra é a possibilidade da aplicação de medidas de sobrevivência orientadas pelos governos e com respaldo de especialistas. O autor destaca que isso não está longe de acontecer e pondera que se pode observar no tom dos pronunciamentos e discursos das autoridades a proposição de novos hábitos e rotinas de convivência com a pandemia. Ressalta-se que de forma subliminar estamos sendo convencidos a aceitação da lógica da sobrevivência. Isso implicaria em deixar de lado os cuidados com os fracos ou idosos e que sobreviva o mais apto. Ainda nesse contexto, o autor critica a atitude de alguns governantes, sobretudo o de Donald Trump que buscou reservar doses de vacinas, ainda em testes e experimentação, exclusivamente para os Estados Unidos. O autor argumenta que no contexto de pandemia, os governos se veem diante de escolhas radicais, em alguns casos pode haver conflitos e lutas pelo poder, em outros o incentivo é para proteger a economia a todo custo. Assim, o autor destaca que é necessário que se reflita acerca das ações dos governantes e da própria forma de agir do Estado. Como conclusão o autor pondera que se deve repensar a forma de se pensar política, de se pensar o Estado, de se pensar em nações, pondera a necessidade de solidariedade global. Destaca que, além do coronavírus, outras questões precisam de atenção, são ameaças eminente como as questões ambientais e assim por diante. Que se aproveite esse momento para se por em discussão questões pertinentes que se façam ajustes necessários não só para se conter o coronavírus, mas para a própria sobrevivência humana. Ao analisar a obra como um todo, observou-se mudança de posicionamentos do próprio autor no decorrer de seus escritos. Como se trata de ensaios escrito no início da pandemia do novo coronavírus, inicialmente o autor adota uma postura muito mais cética em relação a COVID-19 e se de fato seria uma ameaça real ou se tratava mais de uma paranoia exagerada pela mídia e pelos governos, o que fica bem evidente nos capítulos iniciais onde, critica duramente as ações tomadas por governantes quanto aos decretos de limitação de circulação das pessoas. No entanto, à medida que os capítulos avançam, o que corresponde ao próprio avanço da pandemia, nota-se uma mudança de postura quanto a pandemia e seus efeitos, bem como com as medidas tomadas para se conter o avanço do vírus. Tal comportamento explicitado pelos ensaios do autor, indica um pouco do que as pessoas sentiram e ainda sentem, mas que estão aprendendo e revendo, durante a pandemia, que ainda perdura. Em suma, é possível que todos que lerem a obra de Žižek, se identifiquem com algo tratado por este autor. Quanto a questão central da obra de Žižek, a reinvenção do comunismo, primeiramente se refere a uma crítica ao regime comunista chinês, que segundo o autor pode ser abalado e correr o risco de colapsar devido a forma como lidou com o início da catástrofe causada pelo novo coronavírus. No desenrolar de sua obra o autor destaca que essa reinvenção do comunismo, não necessariamente se refere a um novo regime politico econômico, mas a atitudes adotadas por governantes que em muito relembram ideais comunistas, em destaque a solidariedade, participação mais ativa e provedora do Estado em prover segurança, saúde e demais serviços básicos e, que em alguns casos, levou governos a estatizarem, mesmo que temporariamente, alguns setores da economia para garantir seu funcionamento. Em suma, a reinvenção do comunismo, trata-se de uma ideia de união e solidariedade global, como a apresentada em filmes apocalíticos, nos quais a humanidade se depara com um evento catastrófico que pode levar a extinção da raça humana, como a atual pandemia. Isso fomenta a união global, deixando de lado as diferenças e juntando esforços para a resolução dos problemas. Embora um tanto utópico a ideia de politicas públicas globais em prol da humanidade, o autor destaca que algumas coisas já tem sido feitas, como uma frente mundial contra a COVID-19, liderada pela Organização Mundial de Saúde – OMS e que as discussões nesse respeito se intensificaram cada vez mais com a ameaça do novo coronavírus. Por fim, esta obra é dirigida a todos que desejam se aprofundar em uma discussão filosófica sobre a organização político-econômica mundial, críticas as ações de combate a pandemia e reflexão sobre nossa natureza frente a uma pandemia e nossa forma de pensar nossa existência e repensar nossas ações como seres humanos. Leia Mais

Dicionário de Ensino de História | Marieta de Moraes Ferreira e Margarida Maria Dias de Oliveira

Composto de 38 verbetes, o Dicionário de Ensino de História é produto de um conjunto de profissionais que atuam junto aos programas de pós-graduação, em especial, do Mestrado Profissional de Ensino de História, o ProfHistória. Como destacado pelas coordenadoras, esse material foi “Elaborado visando subsidiar pesquisadores e professores nas suas variadas atuações de construção do conhecimento histórico” e acrescenta que ele “[…] objetiva chamar a atenção de pesquisadores de outros campos para as especificidades da historiografia, teóricos e áreas de diálogos do ensino de história” (FERREIRA; OLIVEIRA, 2019, p. 10).

Tende-se a acreditar que o dicionário é um material cuja finalidade é expressar o sentido de determinados termos. Entretanto, a dimensão enciclopédica do mesmo, ao menos em algumas áreas, já não é o mesmo. Não é de hoje que a produção desse tipo de material caiu no gosto dos historiadores. Temos como exemplos, alguns emblemáticos, a produção de Jacques le Goff e Jean Claude Schmitt, Dictionnaire Raisonné de l’Occident medieval, o recente Dicionário da escravidão e liberdade, organizado por Lilian Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes, ou ainda, o Dicionário Crítico de Gênero, organizado por Ana Maria Colling e Losandro Antonio Tedeschi. O dicionário que é objeto dessa resenha, não se distancia dos que foram citados, a não ser por sua temática, o ensino de história. Leia Mais

A História Medieval entre a formação de professores e o ensino na Educação Básica no século XXI: experiências nacionais e internacionais | José Luciano Vianna

Falar do Ensino de História no momento tão complicado da política e da economia do Brasil, sem esquecer dos já existentes problemas estruturais educacionais da sociedade, é um grande desafio. Vivemos em um tempo em que as narrativas de Fake News estão presentes nos meios de comunicações, e os discursos negacionistas contra a ciência ocupam espaços, plantando as discórdias sobre as teorias e os métodos utilizados pelos pesquisadores científicos de diferentes áreas do conhecimento. Leia Mais

Acción Constituyente: un texto ciudadano y dos ensayos históricos | Gabriel Salazar

El viernes 18 de octubre de 2019, al final de la jornada laboral, se iniciaba un episodio de protesta que cambiaría el panorama político y social de Chile. Luego de varios días de protestas encabezadas por estudiantes secundarios contra el alza de tarifas del transporte público, el presidente de Metro ordenaba el cierre de las estaciones ante la enorme cantidad de personas que estaban saltando los torniquetes para evadir el pago de la tarifa, ante lo cual los guardias de seguridad y carabineros estaban desbordados. Ese día viernes, a pesar del calor, miles de personas caminaban por las calles rumbo a sus casas sin poder tomar transporte y muchos de ellos se encontraron en la plaza Baquedano para protestar por los eventos recientes. Ese fin de semana, diecinueve estaciones de Metro serían incendiadas por desconocidos y el sistema de transporte público colapsaría en el inicio de un evento histórico que se ha llamado como “estallido social”.

Una de las principales consecuencias de ese evento es que el 15 de noviembre de 2019 la clase política, acorralada por una ciudadanía en pleno proceso de repolitización, en los pasillos del Congreso Nacional decide firmar un acuerdo para llamar a plebiscito con el fin de cambiar la Constitución. Si bien el movimiento de personas que surge del estallido social no necesariamente reclama una nueva Constitución, es la única respuesta que la clase política encuentra para tratar de apaciguar los ánimos e intentar retornar a ciertos niveles de gobernabilidad. El libro Acción Constituyente: Un texto ciudadano y dos ensayos históricos de Gabriel Salazar ofrece una perspectiva histórica del proceso constituyente en ciernes, a partir del marco interpretativo que ha desarrollado el destacado historiador desde los métodos y enfoques de la historia social. Leia Mais

Infectious change: reinventing Chinese public health after an epidemic | Katherine A. Mason

Between 2002 and 2003, a coronavirus epidemic broke out in China and spread across the world, infecting more than 8,000 people and causing approximately 10% of this contingent to die. In the months when the Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS) was active in China, severe sanitary measures were adopted, such as quarantines, isolation, the closing of public places, the use of large-scale diagnostic tests, and the construction of isolated health units in record time. The world has witnessed very similar protocols in China’s current fight against the SARS-Cov-2 epidemic in 2020.

The 2002-2003 epidemic drastically changed the structure of China’s health services. And the book Infectious change: reinventing Chinese public health after an epidemic , by Katherine A. Mason, published in 2016 by Stanford University Press, was written to bring to light and analyze these transformations and their impacts on public health in that country. Leia Mais

Ensino de História da África: possibilidades e estratégias | Abatirá | 2021

O poeta palestino Mourid Barghouti escreve que se você quer destituir uma pessoa,

o jeito mais simples é contar sua história, e começar com “em segundo lugar.

Chimamanda Adichie (2015)

A década de 1990 constituiu um marco importante no que concerne o ensino da História da África e da Cultura Afro-Brasileira nas escolas brasileiras da rede pública. Embora de forma relativamente não sistematizada, a contribuição dos africanistas brasileiros tem-se demonstrado, ao longo das últimas duas décadas, relevante no que concerne o ensino da história e cultura africanas nas escolas da rede pública (LIMA, 2017, p. 117-140). Paralelamente, a promulgação da Lei Federal 10639/2003 definiu novos caminhos, favorecendo reflexões mais articuladas e propostas pedagógicas e didáticas mais eficazes no âmbito do ensino da História da África. De acordo com Anderson R. Oliva (2007, p. 143-173), a aprovação da Lei incentivou, embora de forma desigual e fragmentada, iniciativas importantes em termos de ensino, pesquisa e extensão, tendo sido implementados, a partir dos primeiros anos do novo milênio, cursos de especialização e levadas a cabo ações de formação de professores, congressos e seminários, bem como publicações científicas. A Lei constituiu um ponto de viragem fundamental no ensino, embora de um modo geral se tenham privilegiado temáticas relacionadas com a história e cultura afro-brasileira, em detrimento do ensino da história africana. É nesta linha de reflexão que o autor sublinha o fato de intelectuais africanos terem apontado para a necessidade de uma “inversão de foco histórico de matriz eurocêntrica para um foco conduzido por uma matriz afrocêntrica” (OLIVA, 2009, p. 155). No entanto, cabe interrogar em que medida tais reflexões e produções têm correspondido aos objetivos fixados pela lei federal referenciada e como esse percurso tem sido traçado e quais os principais desafios? Leia Mais

Brasil Arquitetura. Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, projetos 2005-2020 | Abilio Guerra, Marcos Grinspum Ferraz e Silvana Romano Santos

Tempos difíceis estes que estamos vivendo. Especialmente difíceis para nós, ofendidos e maltratados brasileiros. Muito difíceis para terra e homens ressecados e silenciosos, apiloados pela marcha dura de botas e coturnos. Enquanto isso os espíritos xapiri continuam fugindo, os xamãs quase não conseguem mais fazê-los dançar para nos proteger e o céu que vem se aproximando cada vez mais da terra, não tendo mais ninguém que consiga sustenta-lo, corre sério risco de desabar de vez; assim profetizou Davi Kopenawa narrando uma lenda comum a vários povos indígenas (1). A proximidade cada vez maior do céu é que vai explicar esta sensação estranha de angústia e sufocamento. E porque os coqueiros e mamoeiros não dão mais conta sozinhos de suportar o céu, vamos fazendo exercícios diários para ajudar a segurá-lo, lembrando de brasis mais justos, ou mais alegres, ou mais serenos, ou mais criativos, ou mais tolerantes, ou mais singelos, ou tudo isso mais ou menos combinado. Saudades das aquarelas do Brasil… Leia Mais

Brasil em crise: o legado das jornadas de junho | David G. Borges e Victor Cei

A obra apresenta uma análise, sob a perspectiva de vários autores, do que se convencionou chamar de “as jornadas de junho de 2013”, fazendo referência aos protestos ocorridos no Brasil nesse mesmo período. Considerado como um dos maiores movimentos políticos da história, as manifestações deram início a uma crise política, que culminou na eleição presidencial mais acirrada do país.

A obra é composta dos seguintes autores e seus respectivos capítulos: Felipe de Aquino e Flávio Soeiro (Que país é este? Seminário sobre o pós junho de 2013), David G. Borges (As jornadas de junho de 2013: histórico e análise), Davis Alvim (“Destruir, para reconstruir”: a tática black bloc e a pedagogia das vidraças), Guilherme Moreira Pires (A palavra do poder que engole o poder das palavras), Marcelo Martins Barreira (Sem medo de ser… Megamanifestante feliz), Paulo Edgar da Rocha Resende (A tática black bloc e a liberação anárquica do dissenso) e Vitor Cei (Contra-isso-que-está-aí: o niilismo nas jornadas de junho), Leia Mais

Las elecciones 2019 en argentina en clave subnacional/PolHis/2020

El proceso electoral de 2019, que culminó la derrota de Juntos por el Cambio y el triunfo del Frente de Todos, llevando a Alberto Fernández a la presidencia y frustrando los objetivos reeleccionistas de Mauricio Macri, mostró como pocas veces la importancia que los procesos políticos provinciales tienen en la política nacional argentina. Ello en parte se debió a que durante este año se alcanzó uno de los mayores grados de desdoblamiento del calendario electoral[1]: sólo Buenos Aires, Ciudad de Buenos Aires, Catamarca, Santa Cruz y La Rioja celebraron elecciones simultáneas con las nacionales. Leia Mais

A cruel pedagogia do vírus | Boaventura de Sousa Santos

Diante das incertezas, avanços e recuos no enfrentamento ao novo coronavírus no mundo, Boaventura de Sousa Santos elabora o livro publicado em 2020, intitulado “A cruel pedagogia do vírus”. Trata-se de um livro com poucas páginas para ler, com uma escrita simples e de fácil compreensão, onde o autor, em 32 páginas, apresenta suas opiniões sobre os ensinamentos que decorrem da pandemia do coronavírus, assim como da adaptação da sociedade diante da doença e de quem está em melhores condições para seguir as medidas de prevenção e recomendações da OMS perante a pandemia. No final da obra, o autor se permite, igualmente, a pensar o “futuro” que se apresenta vestido de uma utopia que ele chama “normalidade”.

No trabalho em questão, Boaventura de Sousa Santos não se esgota, uma vez que apresenta as entrelinhas, faz questionamentos e permite ao leitor a desenhar possíveis cenários diante da realidade que se vive atualmente. Partindo dessa premissa e da experiência vivida desde a declaração da pandemia e das distintas experiências da quarentena, “A cruel pedagogia do vírus” é uma proposta realista e hostil, uma vez que o vírus diante de vicissitudes cruéis e até fatais vai permitindo aos sobreviventes a compreender o mundo em que vivem e a pensar no tipo de sociedade que pretendem. Leia Mais

Polegarzinha – Uma nova forma de viver em harmonia, de pensar as instituições, de ser e de saber | Michel Serres

A leitura da obra Polegarzinha – Uma nova forma de viver em harmonia, pensar as instituições, de ser e de saber, de autoria de Michel Serres, pensador francês, trouxe-nos como possibilidades o exercício de pensar o papel da tecnologia na construção de novas sociabilidades e na atualização de interrogações que constituem a condição humana. A principal problemática abordada pelo autor trata de como os adolescentes enviam as mensagens SMS com os polegares e habitam o mundo virtual. Associado a dinâmica das mídias digitais no processo de formação dos adolescentes e jovens, Serres (2015, p.12) abre o livro com uma interrogação filosófica: “Antes de ensinar o que quer que seja a alguém, é preciso, no mínimo, conhecer esse alguém. Nos dias de hoje, quem se candidata à escola, ao ensino básico, à universidade?”

Essa pergunta implica alguns questionamentos, quem é esse novo aluno, que cria outros mundos por meio do virtual? Que literatura e que história eles estão construindo na imediaticidade do tempo, que corre veloz, esquecendo das tradições dos antigos? Serres propõe três horizontes temáticos para pensar o fenômeno que ele mesmo denominou de Polegarzinha: I – Polegarzinha; II – Escola; III – Sociedade. Esses horizontes propõem um modo de pensar a Educação, como um fenômeno complexo que abarca as aulas, a sala de aula, o digital, os professores, a avaliação desses pelos alunos, etc. Assim, a Educação é pensada pelo prisma da Polegarzinha como um desafio, sim um desafio que não se pode resolver a penas sendo otimista como o autor Michel Serres. Leia Mais

Usos e sentidos no Patrimônio Cultural no Projeto Porto Maravilha, Rio de Janeiro | Leopoldo Guilherme Pio

1. Do Patrimônio cultural ao Porto Maravilha

O livro de Leopoldo Guilherme Pio se constituiu em uma contribuição importante para se pensar o patrimônio cultural, atualização e sua utilização no contexto das transformações urbanas ocorridas ao longo da última década na região central do munícipio do Rio de Janeiro.

Cabe o apontamento da situação específica desta cidade, sendo fortemente caracterizada como uma metrópole que se desenvolveu a partir de um incremento de suas potencialidades como polo de turismo e de demais eventos, neste caso, esportivos. Desta forma, buscou-se reforçar as estratégias para tornar o Rio de Janeiro como um centro atrator de negócios e atividades correlatas.

Nesta direção, o autor destacou a preocupação central de sua proposta que consistiu em compreender como a memória, contida nos patrimônios históricos, foi utilizada como recurso no contexto da estratégia de revitalização e modernização da região, a partir da proposta de desenvolvimento do Rio de Janeiro.

Tal processo ocorreu a partir da atribuição a cultura e ao patrimônio novas competências para revitalizar áreas degradadas, promovendo uma melhor qualidade de vida. Posteriormente, decidiu-se pelo foco na utilização da categoria patrimônio cultural como um instrumento de promoção do desenvolvimento econômico no interior da proposta do Porto Maravilha.

Para obter este intento, Pio (2017) se utilizou da categoria Patrimônio Cultural como elemento constituinte do patrimônio, presente na cidade do Rio de Janeiro desde os anos 1990, seja, por meio do o projeto do Corredor Cultural, seja com a proposta de 1 instalação do Museu Guggenheim, já sinalizando para o atual 2 momento, mesmo que timidamente. Neste ponto, Pio (2017) considera em seu livro, os termos “usos e sentidos” funcionando como ferramentas que classificam “os principais significados do patrimônio: o patrimônio como oportunidade econômica; como capital de inovação; como instrumento de gestão do espaço público e como símbolo de harmonia social e qualidade de vida”. (PIO, 2017, p.6)

O emprego do patrimônio como ferramenta para se pensar a imagem da cidade como elemento a ser comercializado, inseriu em uma dinâmica de mercado ao destacar pontos positivos e omitindo os negativos. No caso em questão, serão desenvolvidos os pontos positivos que passaram a ser valorizados nesta nova lógica de utilização do espaço urbano.

Tal processo é compreendido pelo autor como “patrimonialização, ou seja, a produção de processos que criam patrimônios, neste caso, na região em que se localiza o Porto Maravilha, em que se destaca o Circuito Histórico Arqueológico de Celebração da Cultura Africana, como representante deste processo.

O próprio autor salienta que a “organização do patrimônio como ramo fundamental da indústria de lugares e do turismo é um indicador desta mudança de paradigma … que se constituiu em mais um legado do que de recuperação de uma herança”. (PIO, 2017, p.59).

Este posicionamento ressaltou a presentificação do patrimônio e da patrimonialização acabando por conectar patrimônio e “marketing das cidades”.

Tal conexão permitiu perceber a aplicação do patrimônio como instrumento que pode funcionar como um “atrativo locacional” (CICCOLELLA, 1996), ou seja, um potencial a ser explorado, neste caso, o patrimônio histórico como uma oportunidade de negócios, como defende Pio (2017).

A partir das linhas gerais do autor, é possível salientar dois pontos relevantes como a implementação de uma proposta de city marketing, termo defendido por Vainer (1999) e Sanchez (2001) e a ênfase em um patrimônio, associado as classes populares, que adquire uma nova funcionalidade.

A primeira delas explica-se pelo fato destes projetos serem elaborados a partir de premissas do city marketing, ou seja, baseado na proposta que adotou o desenvolvimento econômico a partir da valorização de atrativos locacionais que uma cidade possua. No caso carioca, a área a ser “revitalizada”, ou utilizando os próprios termos de Pio (2017), a receber novos “usos” como parte da região portuária do Rio que convencionou-se denominar como Porto Maravilha.

Como pontos a serem desenvolvidos a partir da reflexão de Pio (2017), podemos desenvolver uma intensificação do city marketing e uma “revitalização” que explora uma área “marginal” que compõe uma região mais ampla que possui um projeto com uma perspectiva mais global.

A primeira delas consiste em uma adaptação do “city marketing” para uma área periférica da região central, discutida por Pio (2017) de forma inovadora no seu foco na dinâmica cultural como indutor de desenvolvimento na região do Porto Maravilha.

Esta linha pode ser um caminho valioso, mesmo ao ser aplicado em uma área que possui forte tradição associada a cultura negra como a Pequena Àfrica que passaram a se revalorizados, 3 evidenciando a possibilidade de estimular outras culturas e/ou grupos sociais que não possuem voz, a destoarem dos projetos de city marketing que predominantemente valorizam cultura erudita ou o setor de negócios.

Nesta direção, a discussão de Pio (2017) sinaliza para o reforço na valorização da cultura, neste caso, popular como caminho para se pensar estratégias alternativas para discutir formas de estímulo ao desenvolvimento econômico.

Já o segundo ponto, pensado de forma complementar ao primeiro, trata da revitalização de uma área periférica do centro carioca, suscitando duas questões: o termo “revitalização”, colocado como se não existe vida anteriormente e que daquele momento em diante, tivesse “recuperado” a vida, ou como destacou ABREU (1998), pretendeu-se valorizar uma memória urbana, por meio da “valorização atual do passado” como observado na reflexão de Pio (2017).

Assim, a busca por valorizar o passado, representado na memória urbana, defendida por Abreu(1998), como forma de reforçar uma identidade, neste caso, aquela relacionada a cultura negra, que hoje, por exemplo, instalou-se nos bairros em questão, Saúde, Gamboa e Santo Cristo, como locais símbolos de uma cultura negra que foi recuperado, mas não se criou uma vida nova, mas reforçar a memória urbana relacionado a cultura negra que hoje se tornou um 4 local de valorização e de resistência deste grupo.

Desta forma, a reflexão de Pio (2017) contribui consideravelmente tanto por se referir a oferta de questões quanto na proposição de novos caminhos para discutir o patrimônio, sua re-elaboração e em sua inserção de uma lógica de “comércio” das cidades e de seus espaços diversos.

Notas

1 Consistiu em um conjunto de iniciativas, criadas na região central carioca no decorrer dos anos 1980 até o início dos anos 1990, em que foi incentivada a revitalização desta por meio da utilização de seu patrimônio artísticos, arquitetônico e cultural.

2 Foi uma proposta de revitalização da região portuária da cidade, criada no final dos anos 1990, por meio da implementação de equipamentos culturais como museus, centros culturais e congêneres que sejam indutores de desenvolvimento no entorno da região em que são instalados.

3Esta área foi uma área que possui uma tradicional ocupação de população negra a partir do século XVIII e que continuou no bairro, mas sem valorizar esta tradição, sendo está recuperada nas duas últimas décadas, pela ação do movimento negro.

4 Representado por um passado, que vai desde um local de chegada de escravos negros até locais de interação e de resistência de negros e de sua cultura.

Referências

ABREU, Maurício. Sobre a memória das cidades in Revista da Faculdade de Letras – Geografia, 1 ª série, volume XIV, Porto, p.77-97, 1998.

CICOLLELA, Pablo. Las metrópoles latino-americanas en el contexto de la globalizacion: las mutaciones de las áreas centrais in Para Onde – UFRGS, Porto Alegre, 9 (1), p.01-09, janeiro – julho de 2015.

SANCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades na virada do século: agentes, estratégias e escalas de ação política in Revista Sociologia e Política, Curitiba, 16, p.31-49, junho de 2001.

VAINER, Carlos. Pátria, mercado e mercadorias – notas sobre a estratégia discursivas do planejamento estratégico urbano in Anais dos VIII Encontro Nacional da ANPUR, Natal, 1999.

Fábio Peixoto – Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais. E-mail: fabiocope@gmail.com


PIO, Leopoldo Guilherme. Usos e sentidos no Patrimônio Cultural no Projeto Porto Maravilha, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gramma, 2017. Resenha de: PEIXOTO, Fábio. O patrimônio cultural no âmbito do porto maravilha: novos usos de “antigos” lugares. Urbana. Campinas, v.12, 2020. Acessar publicação original [DR]

 

Bolsonaro. La democracia de Brasil en peligro | Ariel Goldstein

Ariel Goldstein é um professor e pesquisador argentino que dedica sua vida acadêmica ao estudo da política e da sociedade brasileira. No início de 2019, poucos meses após Jair Bolsonaro ser eleito presidente do Brasil, Goldstein publicou o livro Bolsonaro. La democracia de Brasil en peligro2. De forma astuciosa, o autor soube aproveitar uma circunstância política que para muitos era inesperada e produziu aquela que foi a primeira análise consistente sobre o novo presidente brasileiro publicada em alguma língua que não a portuguesa. Nas próximas linhas, apresentaremos o referido livro e os principais argumentos nele desenvolvidos.

Um argentino lançando um livro sobre um novo presidente brasileiro, meses após este ter sido eleito, poderia ser um empreitada extremamente artificial e de resultados superficiais, mas não é o caso aqui interpelado. A primeira qualidade perceptível no trabalho de Goldstein é a sua intimidade com a política, a história e as dinâmicas sociais do país analisado. Ao olhar para os artigos, livros e reportagens citados no livro, é fácil reparar que o autor há muito está em contato com os eventos políticos brasileiros, dos mais ordinários aos mais excepcionais. Ademais, nota-se que Goldstein mantem uma relação de proximidade não só com o dia-a-dia da política brasileira, mas também com os mais destacados debates acadêmicos que abordam tal temática. Leia Mais

Salvador e os descaminhos do plano diretor de desenvolvimento urbano. Construindo novas possibilidades | Hortênsia Gomes, Ordep Serra e Débora Nunes

Aprovado em 2016, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU de Salvador (1) é, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade (2), o dispositivo legal e de planejamento urbano que balizará o ordenamento e a produção do espaço urbano soteropolitano pelos próximos anos. Este plano é parte do Plano Salvador 500, plano estratégico que buscaria “materializar uma visão transformadora do futuro da cidade até o horizonte de 2049, quando a cidade completará 500 anos de sua fundação” (3). Fez parte desse processo também a revisão da Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo do Município de Salvador – Louos (4), ou seja, esse plano estratégico englobou a revisão de dois fundamentais instrumentos de política urbana para o desenvolvimento urbano da cidade.

Dada a importância do Pddu e das questões que o atravessam, é fundamental que nos debrucemos sobre ele para entendermos o que está em jogo, não apenas em sua redação final, mas também com relação às disputas travadas no processo de sua elaboração, às conquistas, aos impasses e aos potenciais prejuízos à coletividade. A isto se propõe o livro Salvador e os descaminhos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano: construindo novas possibilidades, organizado por Hortênsia Gomes Pinho, Ordep Serra e Débora Nunes e publicado pela Edufba. Os organizadores são importantes figuras no debate acerca da questão urbana na cidade. Hortênsia Pinho é Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo do Ministério Público da Bahia, Ordep Serra é cientista social e professor da pós-graduação em Antropologia da UFBA e Débora Nunes é arquiteta e urbanista, professora do curso de Urbanismo da Uneb. Leia Mais

História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual | Faces da História | 2019

Este número de Faces da História traz o dossiê História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual que se propõe refletir sobre assuntos que estejam amparados nessas representações memoriais resultantes da produção direta, a partir do diálogo entre entrevistador e entrevistado e de fontes que contemplam outros suportes. Em decorrência da natureza dessas fontes, as pesquisas baseadas em tais registros são inseridas no campo da história do tempo presente e estruturam-se em dimensões transnacionais (TREBITSCH, 1994; MORAES, 2002; ALBERTI, 2005), tornando-se sustentáculos do debate especializado do ponto de vista teórico e historiográfico e de definição dos protocolos de pesquisa e reflexões desse campo (JOUTARD, 2000).

Certamente, qualquer fonte traz suas peculiaridades e dificuldades que sinalizam desafios ao processo de execução para se chegar ao conhecimento sobre o passado, mesmo que esteja subordinado às visões de mundo do pesquisador do presente. As narrativas orais, entretanto, foram e são percebidas prenhe de significados e paixões decorrentes dos envolvimentos dos protagonistas nas querelas, compromissos e inserções dos embates conjunturais que modulam suas vivências. Nesse sentido, foram e continuam sendo recorrentemente arguidas por evidenciarem subjetividades que inicialmente estiveram definidas como empecilho para chegar ao conhecimento sobre os fenômenos submetidos, unicamente, aos relatos desses narradores. Segundo os seus arguidores, por serem fontes inscritas em passado recente, não permitem aos atores envolvidos (entrevistador/entrevistado) certo distanciamento para lidar com esses registros de testemunhas oculares que trazem as marcas de suas implicações nas querelas de seu tempo. Leia Mais

Guerra Civil. Super Heróis: Terrorismo e Contraterrorismo nas Histórias em Quadrinhos | Victor Callari

Pouco explorada pelos historiadores, as fontes iconográficas ganharam nesses últimos anos um espaço de destaque no cenário historiográfico. As mudanças de perspectivas desenvolvidas no decorrer do século XX e também no início do XXI possibilitaram uma ruptura com leituras tradicionais que restringiam o trabalho do historiador aos arquivos e seus documentos considerados oficiais, e abriram espaços para novos questionamentos, abordagens e metodologias que ampliaram significativamente as possibilidades de compreensão de eventos passados e da contemporaneidade. A entrada dos historiadores nesse ramo diversificou ainda mais as produções acadêmicas. Autores conhecidos do grande público, como Peter Burke, Ivan Gaskell, Carlo Ginzburg, entre outros, se aventuraram em obras com essa abordagem, e se tornaram referências no âmbito acadêmico. Por outro lado, pesquisadores em início de carreira também vêm se aventurando e promovendo, mediante suas pesquisas, uma expansão significativa nesses estudos, muitos deles partindo de objetos até então pouco explorados pela historiografia.

Foi nesse novo cenário que a Editora Criativo publicou a obra “Guerra Civil. Super Heróis: Terrorismo e Contraterrorismo nas Histórias em Quadrinhos” (2016), resultado da dissertação de mestrado realizada dentro do Programa de Pós-Graduação em História e Historiografia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, sob orientação da professora Drª Ana Nemi, escrita por Victor Callari professor da rede particular tanto no Ensino Superior quanto na Educação Básica. Callari possui publicações em periódicos acadêmicos nacionais e participações em eventos internacionais, em temas relacionados às histórias em quadrinhos, memória, holocausto, terrorismo, entre outros assuntos pertinentes a sua área. Leia Mais

Água: uma novela rural | João Paulo Borges Coelho

Água, uma novela rural é o décimo primeiro livro de João Paulo Borges Coelho (JPBC), nome que vem ganhando notoriedade tanto na literatura africana quanto nos estudos literários. Evidência neste sentido é a crescente produção crítica de sua obra, a exemplo do congresso intitulado: O cartógrafo da Memória: A poética de João Paulo Borges Coelho, realizado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em julho de 2017, a publicação da coletânea de artigos: Visitas a João Paulo Borges Coelho: leituras, diálogos e futuros (Editora Colibri, 2017) e o Dossiê: Passados antecipados, futuros empoeirados: os caminhos da ficção de João Paulo Borges Coelho, da Revista Mulemba (UFRJ, 2018) . Importa situar que os prêmios José Craveirinha da Literatura (2004) pelo romance As Visitas do Dr. Valdez, o Leya de romance histórico (2010) com O Olho de Hertzog contribuíram para o reconhecimento de sua obra literária composta por dois livros de contos, três novelas e sete romances.

Além de escritor, JPBC é historiador e professor no Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Moçambique. Sua produção acadêmica é constante, sendo sua tese de doutorado, até hoje, uma das principais referências no tocante aos processos de deslocamento na região de Tete1. Em outra ocasião, argumentei que o aprofundamento de sua contundente experiência acadêmica incentivou sua escrita literária pois foi precisamente em Tete, província central circundada pela Zâmbia, Zimbábue e Malaui, o cenário escolhido para sua primeira obra literária, As duas sombras do rio (2003), que versou sobre a guerra civil moçambicana (1976-1992)2. Contudo, vale ressaltar, que os dois espaços de produção textual, a literatura e a história, são para JPBC complementares, segundo suas próprias palavras: “Assumo-me como eu próprio, uno e indivisível, embora com as contradições e conflitos que, de uma maneira ou de outra, nos atravessam a todos. Não estou dentro do acadêmico ou do escritor, eles é que estão dentro de mim”3. Leia Mais

O Ensino de História frente às demandas sociais do século XXI | Outras Fronteiras | 2018

As discussões acerca da educação pública brasileira nunca foram tão intensas como hoje. O ensino público, em um período relativamente curto, passou por uma série de mudanças e de ataques. Entre aquelas, destacamos a reforma do ensino médio, expressa na Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, que flexibiliza o currículo e dissolve a disciplina escolar de história no itinerário formativo “ciências humanas e sociais aplicadas”; a aprovação em dezembro de 2018 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define os direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio para escolas públicas e privadas; e os vários projetos de lei submetidos, desde 2014, seja no Congresso Nacional como em sedes de poderes legislativos locais, pela organização Escola sem Partido, com o objetivo de combater uma suposta “doutrinação ideológica” nas escolas. Leia Mais

O Negro no Livro Paradidático | Fernando Santos de Jesus

Antes da aplicação e sistematização da Lei 10.639/03 – a qual visa instituir a obrigatoriedade dos conteúdos de História e Culturas Afro-Brasileira e Africana nos currículos de todos os níveis de ensino do país – ainda no século XX, muitos intelectuais negros já questionavam as maneiras pelas quais a população negra era representada na literatura, nas artes e sobretudo, midiaticamente. Levava-se em consideração o histórico recente das teorias racialistas que perpassaram desde o fim da abolição, os debates políticos e intelectuais que, de modo direto, subalternizaram e desumanizaram os africanos e seus descendentes no país.

Tais pressupostos científicos foram elaborados a partir de instituições e políticos renomados que tinham ligações diretas com a aplicação de políticas públicas, tendo como uma das principais consequências a consolidação de estereótipos sobre os negros. Tal como, nas escolas de medicina do Rio de Janeiro, os estudiosos concentravam-se em temas como degenerescência e doenças tropicais associados às pessoas negras (SCHWARCZ, 1993). Leia Mais

Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira | Gaudêncio Frigotto

A polarização ideológica que atingiu o Brasil nos últimos anos alcançou a educação, levando-a para um campo de batalha ideológico temerário, segundo educadores. O projeto Escola sem Partido sintetiza essa bipolaridade no campus requisitado. Desenvolvido no ano de 2004 pelo advogado Miguel Nagib, com a premissa de eliminar a “doutrinação ideológica” em sala de aula, o projeto ganhou destaque nos últimos anos por conter uma agenda conservadora, atacando pautas progressistas e pensadores de esquerda relacionados à sala de aula. Paralelo a esse histórico, grupos de professores e intelectuais começaram a se mobilizar de forma contrária ao projeto, citando o exemplo do coletivo virtual “Professores contra a Escola sem Partido” 1.

O Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro também se mobilizou contra o Escola sem Partido. A obra Escola “Sem” Partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira foi o segundo livro lançado pelo LPP, sendo organizado pelo doutor em educação Gaudêncio Frigotto. O objetivo é esmiuçar e criticar as ideias do Escola sem Partido, por considerá-lo um erro na teoria educacional, inconstitucional do ponto de vista jurídico e uma forma de censurar professores em sala de aula. A obra contém uma apresentação realizada pela filósofa Maria Ciavatta e nove artigos (ou capítulos) independentes, compilados por Frigotto. Leia Mais

Os Dois Lados da Guerra Civil: análise histórica e filosófica do maior conflito entre super-heróis | Bruno Andreotti

Este texto visa resenhar o livro Os dois lados da Guerra Civil: análise histórica e filosófica do maior conflito entre super-heróis, lançado em março de 2016 pela editora paulista Criativo. Escrito pelos “Quadrinheiros”, grupo formado por Adriano Marangoni, Bruno Andreotti, Iberê Moreno e Maurício Zanolini, o livro aborda a saga quadrinística da Guerra Civil, lançada pela editora Marvel entre os anos de 2006 e 2007, e trazendo, como o próprio título sugere, uma discussão historiográfica em torno das conexões culturais, políticas e sociais trazidas pela saga, cuja temática envolve um conflito entre super-heróis americanos decorrente de uma medida governamental exigindo o registro compulsório dos mesmos junto ao governo, que dividiu os heróis.

O livro, em suas 207 páginas, está dividido em seis capítulos principais, uma introdução e uma conclusão, e em alguns chamados “extras”, incluindo um glossário e uma interessante análise estética do traço dos desenhistas da saga. Um prefácio do professor Antonio Pedro Tota (PUC/SP) introduz a obra, apresentando os autores e os temas que serão abordados no livro. Leia Mais

Escola Sem Partido e formação humana | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2017

O projeto de lei 867/2015 foi apresentado à Câmara dos Deputados pelo deputado Izalci Lucas, do PSDB/DF, em 26/03/2015. Foi recebido pela Comissão de Educação do Congresso em 06/04/2015 e pela Comissão de Seguridade Social e Família em 09/05/2016, e atualmente aguarda parecer de Comissão Especial. Esse projeto de lei inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o chamado “Programa Escola Sem Partido.”1

No Senado Federal também tramita outro projeto de lei de mesmo teor: trata-se do projeto de lei 193/2016, apresentado ao Senado em 03/05/2016 pelo senador e pastor Magno Malta, do PR/ES. Esse projeto foi entregue em 03/06/2016 à Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, onde aguarda a relatoria do senador Cristovam Buarque. Com o mesmo objetivo do projeto da Câmara, ele altera as diretrizes e bases da educação nacional incluindo o chamado “Programa Escola Sem Partido.”2 Leia Mais

Historiadores pela Democracia – O golpe de 2016: a força do passado | Tânia Bessone, Beatriz G. Mamigonian e Hebe Mattos

O ano de 2016 será para a historiografia brasileira um divisor de águas, profundas e turvas, inscrevendo-se numa dolorosa cronologia do Brasil contemporâneo: 1954, 1955, 1961, 1964, 1968-69 e, agora, 2016. São anos de crise, de tentativas – de sucesso e fracasso, como 1961 e 1964 – de excluir o povo brasileiro do protagonismo da ação política nacional. Se, em 1954, 1955 e 1961 foram tentativas de golpe de Estado fracassadas, 1964 foi, então, sua realização, aprofundada em 1969.

2016: toda a questão, e debate, se dará em torno da caracterização do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff (2011-2016) – iniciado em dezembro de 2015, aprovado pela Câmara dos Deputados em 17 de abril e consumado, em julgamento no Senado Federal, em 13 de maio de 2016. O processo, conduzido no Senado Federal por um juiz-presidente do Supremo Tribunal Federal, acatou regras e dispositivos – maioria já praticados no caso do impedimento de Fernando Collor em 1992. No entanto, ao contrário do impedimento precedente, o caso de Dilma Rousseff foi marcado, ao longo de todo o seu desenrolar, por fortes acusações de “Golpe”, com os ritos jurídicos encobrindo uma vasta coalizão de interesses derrotados nas eleições de 2014. Desde o primeiro momento em que se declarou a reeleição da Presidenta – por uma diferença de três milhões e quinhentos mil votos. É interessante comparar a vitória de Mauricio Macri ou Donald Trump por ínfima, ou mesmo inferior, número de votos, sem o “clamor” que a posição brasileira fez desde a zero hora da vitória de Dilma. Leia Mais

Os sentidos do impresso | Simone Antoniaci Tuzzo

Os sentidos do impresso são explorados de modo minucioso e atual neste livro, que apresenta um ângulo analítico dos jornais impressos, tensionando-os com a realidade dos meios digitais. A obra é uma evolução investigativa sobre opinião pública calçada nas lógicas do jornal impresso dentro do panorama contemporâneo, executado pela professora Dra. Simone Antoniaci Tuzzo. Trata-se ainda do quinto volume da coleção Rupturas metodológicas para uma leitura crítica da mídia, desenvolvido pelos Programas de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG e Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Dentro desse projeto, uma série de investigações foi executada no Laboratório de Leitura Crítica da Mídia, aglutinando reflexões em trabalhos apresentados e publicados, na experiência de sala de aula e no próprio intercâmbio da autora, que se mudou para Portugal durante uma etapa da pesquisa para agregar mais propriedade ao olhar subjetivo desenvolvido. A elaboração das reflexões foi, assim, fruto de quatro anos de trabalho intensivo e dedicação às etapas sugeridas pelas próprias inquietações, desencadeadas ao longo do processo metodológico. A autora esclarece, logo na apresentação, que foi a partir desse processo cumulativo e gradativo de conhecimento e das próprias assimilações adquiridas em cada etapa que as questões foram se delineando e formando a rota do trabalho que compõe o livro. Leia Mais

El futuro es un país extraño: una reflexión sobre la crisis social de comienzos del siglo XXI | Josep Fontana I Làsaro

A tópica do imperativo da esperança do mundo melhor remonta ao Gênesis, ao dilúvio e aos tempos imemoriais. Mas foi a partir do século 18, no torvelinho da corrente de dessacralização do fluxo da vida, que essa categoria ganhou o sentido de progresso e evolução permanente que sugere que dias melhores sempre virão. A leitura retroativa indicava que a vida das pessoas vinha de melhora em melhora desde o êxito dos Otomanos sobre Constantinopla. O século 19 não simplesmente ia amplificar os ganhos da revolução industrial do ferro, do algodão e da especialização do trabalho como avançaria sobre diversos campos de inovação científica e tecnológica que desembocaria na belle époque da fin-de-siècle. Esse tempo sublime, eivado de sentimentos de identificação e de necessidades de reconhecimento, levaria os mandatários germânicos após Bismarck a querer contar para além de suas fronteiras impondo aos demais a outorga de seu lugar ao sol. Leia Mais

The Status Quo Crisis – Global Financial Governance After the 2008 Financial Meltdow | Eric Helleiner

Originada no setor subprime do mercado imobiliário norte-americano, a crise de 2007/2008 motivou indagações quanto ao futuro do sistema monetário e financeiro internacional. Não foram poucos a apontar o fortalecimento da regulação financeira, o alargamento da governança financeira global e até possíveis ameaças ao dólar como moeda internacional. Contudo, o fenômeno que podemos observar atualmente é o da manutenção das estruturas e funcionamento do sistema.

Nesse sentido, “Por que as expectativas de transformação da governança financeira global não se confirmaram?” (Helleiner, 2014: 9). Essa é a pergunta que Eric Helleiner busca responder no livro The Status Quo Crisis, lançado em 2014 pela Oxford University Press. Leia Mais

Viagem a bordo das Comitivas Pantaneiras | Débora Alves Pereira

Débora Alves, jornalista, mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional pela Uniderp – Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal –, trabalha no SBT MS desde dezembro de 2001 exercendo a função de repórter desde outubro de 2013 e é editora e apresentadora do jornal SBT MS 1º Edição da mesma emissora. Dentre os seus principais destaques em premiações está o prêmio de Melhor Vídeo Étnico Social no II Festival Social Latino Americano de Cisne, Vídeo e TV com a produção do vídeo Conceição dos Bugres em 2001.

O livro intitulado Viagem a bordo das Comitivas Pantaneiras (2014) é resultado do desenvolvimento de sua pesquisa no Mestrado de Meio Ambiente da Uniderp (hoje pertencente ao grupo Anhanguera). Composto de 192 páginas intercaladas de textos e imagens que buscam retratar a realidade das comitivas pantaneiras e o meio ambiente em que estão inseridas. Leia Mais

Quebra de Protocolo: a política externa do governo Lula (2003-2010) | Moisés da Silva Marques

Dentre as várias análises sobre as mudanças na política externa do Brasil notadamente iniciadas a partir da eleição e da chegada ao poder do ex-presidente Lula, em 2003, destaca-se a leitura de Moisés Marques em seu trabalho recém-publicado sob o título de Quebra de Protocolo: a política externa do governo Lula (2003-2010).

Estruturado em seis capítulos, Expectativas e primeiros movimentos, Relações Sul-Sul, Questões econômico-financeiras, Relações ao Norte, Temas contemporâneos, e Polêmicas à parte, nesse breve estudo das relações exteriores praticadas durante o período dos oito anos de governo, é situado um argumento central que teria marcado e alavancado o exercício da política externa brasileira, descrito pelo autor como o momento maquiaveliano. Segundo essa proposição, a política externa desse período deve ser considerada inicialmente a partir do fato dela ter se beneficiado de uma especial conjuntura de fatores que proporcionou um cenário favorável para sua execução. Leia Mais

O vencedor leva tudo: a corrida chinesa por recursos e seu significado para o mundo | Dambisa F. Moyo

A economista africana Dambisa Moyo é doutora pela Universidade de Oxford e trabalhou no Banco Mundial e no banco de investimentos norte americano Goldman Sachs. Apesar de ter nascido e crescido na Zâmbia, ter tido uma formação inglesa e ter trabalhado nos Estados Unidos, a autora nos leva, nesse livro, à China, mostrando as implicações sociais e políticas da atual busca chinesa por recursos produtivos. O livro está dividido em duas partes; na primeira, a autora permite ao leitor entender melhor os motivos que levaram a China a adotar uma grande campanha para obtenção de commodities e como essa campanha coaduna-se com seus objetivos internos de desenvolvimento e externos de inserção internacional soberana; na segunda, Moyo expõe sua versão a respeito do significado desta campanha para o mundo, as repercussões e como tais ações mudam a economia política global.

Os primeiros capítulos descrevem uma realidade na qual o mundo atual encontra-se imerso, porém, sem uma compreensão sistêmica da sua complexidade e da ligação existente entre os mais diversos fenômenos e eventos. Ao interpretar a atual escassez ambiental e a constante diminuição dos recursos naturais, além de analisar dados numéricos associados a uma regressão histórica, Moyo busca atingir o leitor por intermédio da construção de cenários para um futuro próximo, estimando uma sequencia de eventos dos próximos 50 anos. Em apenas meio século, segundo dados apresentados em sua obra derivados de institutos de pesquisa nas áreas de geografia política e econômica, a população mundial explodiu, saltando de 2,5 bilhões em 1950 para 7 bilhões em 2011. Leia Mais

Haiti por si: A reconquista da independência roubada | Adriana Santiago

O livro Haiti por si: A reconquista da independência roubada trata-se uma organização de artigos e reportagens de diversos autores, tanto do Haiti, quanto de outras nacionalidades e possui textos e fotos que chamam a atenção dos leitores e do povo haitiano para que percebam as reais possibilidades de autogestão do Haiti. A partir do convite da Agência de Informação Frei Tito para América Latina (Adital), a jornalista Adriana Santiago, mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA) e professora de jornalismo na Universidade de Fortaleza (Unifor) desde 2006, além de ter sido editora-chefe da Adital de 2003 a 2006 e hoje colaboradora de projetos especiais, foi chamada para organizar este livro que está dividido em seis capítulos com eixos temáticos diferentes que mostram trajetos propostos pelos próprios haitianos para a reconstrução do país: história, reconstrução, economia solidária, soberania alimentar, cultura e democracia participativa.

O livro está dividido em capítulos e cada parte, com uma linha de investigação própria, subdividido em tópicos e cada capítulo apresenta artigos jornalísticos intercalados de forma a complementar o assunto tratado. “Colaboraram com os capítulos deste livro, os jornalistas haitianos Woody Edson Louidor, Nélio Joseph, James Alexis (fotos) e Phares Jerôme, este último com três capítulos. Além com dos articulistas Irdèle Lubin, Rochelle Doucet, Alain Gilles, Pierre Clitandre e Marie Frantz Joachim. Do Brasil, temos Adriana Santiago, Ermano Allegri, o jornalista Benedito Teixeira e Frei Beto. Além da colaboração da jornalista chilena, Francisca Stuardo, que fotografou e escreveu para o livro” (Santiago, 2013, p.11). Leia Mais

Fronteiras e diversidades culturais no século XXI: desafios para o reconhecimento no estado global | Tania Barros Maciel, Maria Inácia D’Ávila Neto e Regina Gloria Nunes Andrade

Em junho de 2011 foi realizado no Rio de Janeiro o Colóquio Internacional “Fronteiras e Diversidades Culturais no século XXI: desafios para o reconhecimento do Estado Global”, com a participação de convidados brasileiros e estrangeiros que durante dois dias discutiram um cenário que poderíamos classificar como ultra-contemporâneo. O resultado dessas discussões foi publicado no livro com mesmo título, organizado pelas também organizadoras do Colóquio: Tania Barros Maciel, Maria Inácia D’Ávila Neto, ambas do Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social (EICOS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Regina Glória Nunes Andrade, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

No livro, em 19 capítulos, os autores refletem de maneira diversa e plural sobre as novas tessituras do mundo contemporâneo e os grandes dilemas produzidos num tempo que construiu “identidades globalizadas” como uma forma de arquitetar uma solidariedade apregoada aos quatro ventos como numa espécie de super slogan do mundo em que vivemos. Leia Mais

E. P. Thompson: Política e Paixão | André Luiz Duarte e Ricardo Gaspar Müller

Ricardo Gaspar Müller e Adriano Luiz Duarte, brindam a comunidade acadêmica em 2012 com a organização de um livro, que já nasce como inegável referência para os estudiosos da obra e pensamento de Thompson no Brasil. O trabalho é resultado de um Seminário realizado em 2003 na Universidade Federal de Santa Catarina, sob o título, Política e Paixão: dez anos sem E. P. Thompson. Evento este que reuniu pesquisadores da História, Ciências Sociais e Educação, estabelecendo debates que reiteram a centralidade dos conceitos de classe e de consciência de classe como categorias históricas fundamentais, contrapondo-se assim a muitas tendências teóricas que negavam e ainda negam seu significado e importância. No interstício entre o Seminário em 2003 e a publicação da obra aqui resenhada (2012), houve a elaboração de um Dossiê, a partir da revisão dos textos apresentados e discutidos no evento, publicado na Revista Esboços (n.12) do PPGH/UFSC, intitulado: Cultura e resistência: dez anos sem E. P. Thompson, que esgotou em meados de 2005. Mediante a procura nacional e internacional ainda hoje do n. 12 da revista citada, é que tal trabalho foi organizado. O livro conta ainda com a tradução do Pós-escrito: 1976, da segunda edição do livro William Morris: Romantic to Revolutionary, onde Thompson tece amplo debate a respeito da produção intelectual dos fins da década de 1950 até o início da década de 1970, acerca do escritor inglês e suas interpretações, por vezes relevantes, por vezes pouco proveitosas, do ponto de vista do autor.

As peculiaridades da recepção de Thompson no Brasil é tema do prefácio do livro, assinado por Marcelo Badaró Mattos que, de algum modo, anuncia a intenção basilar da coletânea: reconciliar ideia e práxis, pesquisa e engajamento político na obra de E. P. Thompson, dimensões por vezes divorciadas nas leituras de historiadores brasileiros. Nessa perspectiva hegemônica, Thompson é frequentemente associado à Nova história, em especial à cultural. Lido pelas lentes do culturalismo, tradição da qual Thompson era um crítico contumaz, resultando assim em uma domesticação das ideias deste autor, que passa a ser tratado como um marxista demasiado heterodoxo ou um historiador acadêmico clássico, esvaziando o significado de sua ação política apaixonada na configuração de seu pensamento e de sua obra. Abordar Thompson em sua integridade como historiador e militante político, eis o mérito, segundo Mattos, da proposta do livro E. P. Thompson: política e paixão.

Em seu Pós-escrito: 1976, presente na segunda edição do livro William Morris: Romantic to Revolutionary, vemos um Thompson preocupado em deslocar sua análise sobre o escritor britânico de estereótipos que foram formulados por vários intelectuais, como se fosse necessário colocar Morris dentro de uma gaveta, para possibilitar a compreensão de sua vida e obra. Incomodado com tais produções, podemos observar Thompson tecendo suas críticas. O autor elege um campo recente (entre o final da década de 1950 até a data em que escreve seu pósescrito) dos estudos relacionados a William Morris, e propõe uma reflexão rigorosa acerca de alguns pontos que foram tratados a respeito do escritor.

O que podemos destacar e oferecer para o leitor, são alguns argumentos de Thompson e seu próprio conhecimento de se perceber como falho na sua interpretação em um dado momento sobre o escritor inglês, bem como o grande respeito que nutre por Raymond Williams. O ano é de 1955 e seu livro é publicado, propõe uma interpretação distinta de Morris, observando-o como um pensador socialista original, cuja obra era complementar ao marxismo. Dessa forma, rompe com um pensamento que insiste na equação Morris = Marx, não se limitando em oferecer um Morris como marxista ortodoxo. Logo, coloca que é preciso resistir à tendência que existia entre os historiadores das ideias de perceber e teorizar conceitos, apenas em sua linhagem de herança e em suas mudanças. Dado que, as ideias existem e existiram em pessoas reais e em contextos reais.

Em O Grupo e os estudos culturais britânicos: E. P. Thompson em contexto, Ciro Flamarion Cardoso põe em discussão a conjuntura de E. P. Thompson e seu conceito de cultura. No primeiro momento, Thompson é posto como sendo o mais jovem e destacado do grupo inglês, mas em seguida ao analisar Folclore, Antropologia e História Social e, Tradição, revolta e consciência de classe, textos clássicos, Cardoso coloca que não encontra-se com precisão o que seja cultura para o historiador inglês. Com isso, passa a buscar onde se encontra as influências dos estudos sobre cultura em Thompson, visitando Raymond Williams, Pierre Bourdieu e Clifford Geertz, sem conseguir detectar com precisão as influências, ou empréstimo de ideias. Por fim, confirma a importância de Thompson e sua reflexão a respeito das lutas de classes, mas deixa notório que seu conceito de cultura é incompleto.

Célia Regina Vendramini, em seu capítulo Experiência e Coletividade em E. P. Thompson, se dedica numa breve reflexão acerca da categoria de experiência formulada por Thompson. Partindo desse princípio analítico, a autora levanta a questão, a saber, em que sentido Thompson nos ajuda a compreender as práticas políticas atuais. Assim, traça a defesa do materialismo histórico e dialético como método de análise da realidade social. Diante disso, coloca uma proposta de utilizar o materialismo histórico para estudar o Movimento dos Sem Terra (MST) em Santa Catarina, e de outros movimentos sociais, argumentando que se pode compreender o seu sentido histórico atual, da mesma forma, compreendendo suas raízes históricas e suas possibilidades para o futuro. Por fim, destaca a importância de ter uma leitura crítica e dinâmica, ao mesmo tempo que se acompanha o processo histórico.

Regina Célia Linhares Hostins, em seu capítulo O modo de fazer pesquisa do historiador E. P. Thompson, propõe em reconstituir o modo pelo qual Thompson desenvolveu seu trabalho de investigação histórica. Em A miséria da teoria, pensa o método de análise dentro de uma lógica histórica, onde a investigação pauta-se em materiais históricos que se modificam constantemente, pois, se o objeto de investigação se modifica, as perguntas também mudam. Em A formação da classe operária inglesa, estabelece um diálogo entre conceito e evidência, o conteúdo das perguntas diante do material empírico e o modo como buscar identificar as propriedades objetivas da evidência. Assim, a autora discute como se realiza a pesquisa histórica atualmente, alertando para o compromisso com as propriedades determinadas da evidência histórica, isto é, estabelecer esse diálogo entre conceitos e evidências, articulando-os para se fazer ver o processo histórico, não como uma verdade absoluta, mas como um conhecimento em desenvolvimento.

Em E. P. Thompson e a micro-história: trocas historiográficas na seara da história social, Henrique Espada Lima demonstra com muita clareza a importância das pesquisas e reflexões feitas por Thompson para a micro-história italiana. Isso fica evidente por duas situações: a rápida tradução para o italiano da obra A formação da classe operária inglesa, em 1969. Como também a publicação de uma antologia de textos em 1981, em um dos volumes inaugurais da coleção Microstorie, espaço que abrigou o trabalho de vários micro-historiadores. Porém, o historiador inglês não passou ileso, sendo criticado por recusar análises por métodos quantitativos acerca da classe trabalhadora inglesa, uma vez que Edoardo Grendi considerava a demografia como base fundadora da História Social. Os seus conceitos de classe e consciências de classe, segundo Lima, foram considerados como esquemáticos e teleológicos, pelo historiador italiano. Lima ainda atenta para a influência de Eric Hobsbawm em historiadores como Edoardo Grendi.

Em O legado de E. P. Thompson ao estudo das multidões e protestos populares, Sidnei José Munhoz traça um panorama geral dos estudos sobre multidões, localizando as contribuições de Thompson para esse debate e chamando atenção para a importância do seu pensamento no presente, em face à crise no centro do capitalismo e a ausência de projetos alternativos consolidados. Munhoz parte por um lado, das abordagens conservadoras que tratavam os protestos sociais como manifestações do primitivismo e da barbárie e, por outro, do marxismo ortodoxo onde as agitações das multidões eram vistas como manifestações de um lumpemproletariado volátil que, por vezes, pendia ao conservadorismo. Para o autor, a virada nos estudos das multidões acontecerá com Georges Lefebvre e seus seguidores, sendo intensificada por nomes como Eric Hobsbawm, George Rudé e E. P. Thompson. Este último teria dado um passo fundamental para os estudos das multidões e protestos populares, ao perceber nessas manifestações o embrião de uma consciência de classe. Termina traçando um diálogo entre Thompson e seus críticos, além de apontar sua influência em historiadores contemporâneos.

Em Exterminismo e Liberdade Política, Ricardo Gaspar Müller retoma o ativismo e o pensamento de Thompson em face à proliferação de armas nucleares por conta da Guerra Fria. Para Thompson, a lógica da Guerra Fria estava na reciprocidade da ameaça entre EUA e URSS. Essa dinâmica se autoalimentava, assim, as potências se armavam cada vez mais, fomentando interesses políticos e econômicos que dependiam da Guerra Fria para sobreviver. Era preciso um movimento de baixo que pressionasse as mudanças em ambos os blocos. É no interior dos movimentos pacifistas e antinucleares que Thompson sofistica o conceito de exterminismo tomado emprestado de Marx, para definir o período em que vivia, o período do desenvolvimento de uma tecnologia do apocalipse que, em sua lógica perversa, prenunciava o extermínio da própria humanidade. Para Thompson, só a resistência popular é que poderia propor outras alternativas à humanidade, e a paz não viria de cima, pois, as elites governamentais estava presas à própria lógica da guerra. Nesse capítulo percebemos com clareza a aplicabilidade política da história dos de baixo.

Em E. P. Thompson e a pesquisa em Ciências Sociais, Ricardo Gaspar Müller e Maria Cecília Marcondes Moraes chamam a atenção para a pertinência do pensamento de Thompson para o debate contemporâneo sobre as pesquisas em Ciências Sociais, especialmente em face às tendências que põem em cheque a própria capacidade de apreensão do real e sua base ontológica. Debruçados sobre os oito pontos da lógica histórica, desenvolvidos por Thompson em The poverty of theory – em especial o quinto ponto onde Thompson reafirma seu solo ontológico ao propor que o compromisso da história deveria ser com a história real – e em seus conceitos de experiência e cultura, entendidos como “conceitos de junção” entre o ser social e a consciência social. Diante disso, os autores indicam o pensamento thompsoniano como um bom contraponto ao ceticismo epistemológico e ao relativismo ontológico, além de um convite para pensar as consequências da teoria.

Qual o essencial de E. P Thompson? Uma resposta possível foi dada à comunidade de historiadores por Dorothy Thompson, esposa e colaboradora do historiador e militante inglês, quando editou o livro The Essential E. P. Thompson em 2000. Coletânea de textos que está dividida em quatro partes: Política e cultura, Leis e costumes, História e teoria e, Lendo e escrevendo história. Adriano Luiz Duarte em Lei e costume: o essencial de E. P. Thompson concentra-se na segunda parte do livro de Dorothy, objetivando entender a compreensão de Thompson acerca da lei e a forma como articula justiça e direito. Com acuidade e clareza, Duarte indica que, para Thompson, parece fundamental observar a relação entre costume e lei em constante instabilidade e mutabilidade, salientando que a lei não poderia ser entendida como mera ideologia, sendo antes instância de conflito do que consenso. Termina por considerar que “[…] o argumento central de Thompson é que, obviamente, não se pode acreditar na imparcialidade abstrata da lei. Onde houver desigualdade de classe, a lei sempre será impostora”. (p. 346).

À luz do exposto acima, consideramos de grande importância a iniciativa dos organizadores da coletânea em refletir sobre Thompson em sua integridade, enquanto historiador e ativista político, ao fazê-lo, com sucesso, seguem os ensinamentos do próprio Thompson, para quem a agency e a experiência, são determinantes na formulação das ideias, no conjunto, os autores contribuem para desdomesticar a obra e o legado de E. P. Thompson, ampliando os horizontes de sua abordagem, prestando merecido tributo a esse importante historiador.

Referência

MÜLLER, Ricardo Gaspar; DUARTE, André Luiz. (Orgs.). E. P. Thompson: Política e Paixão. Chapecó: Argos, 2012.

Jhonatan Uewerton Souza – Graduado em História pela UEM. Mestrando em História pela UFPR.

Thiago Ernesto Possiede da Silva – Graduado em História pela UEPR. Mestrando em História pela UFPR.

Thiago do Nascimento Torres de Paula – Graduado em História pela UFRN. Doutorando em História pela UFPR.


MÜLLER, Ricardo Gaspar; DUARTE, André Luiz. (Orgs.). E. P. Thompson: Política e Paixão. Chapecó: Argos, 2012. Resenha de: SOUZA, Jhonatan Uewerton; SILVA, Thiago Ernesto Possiede da; PAULA, Thiago do Nascimento Torres de. Desdomesticando E. P. Thompson. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.1, n.1, p. 235-240, 2013.  Acessar publicação original [DR]

MAIA Clarissa Nunes (Org) [et al], História das prisões no Brasil (T), Rocco (E), SANTOS Jéssica Luana Silva (Res), Vozes Pretérito & Devir (VPDr), História das Prisões, América – Brasil, América – Séc. 18-20

O livro História das prisões no Brasil é composto por oito artigos que se debruçam sobre a temática do sistema carcerário no Brasil e na América Latina. O primeiro deles, intitulado “Cárcere e Sociedade na América Latina (1800-1940)”, do autor Carlos Aguirre, nos mostra que no período Colonial as prisões apareciam de forma esporádica e com a finalidade de “depositar” sujeitos suspeitos pela justiça, ou aqueles que estavam esperando sentença. Diante da situação de descaso surgem alguns críticos que acreditavam que as prisões deveriam ser um lugar que tivesse a capacidade de transformar os detentos em cidadãos dignos e laboriosos. No entanto, tais discursos não saíram do papel.

Foi somente no século XIX que a ideia de transformar a cadeia em um local que tivesse a capacidade de converter os detentos em cidadãos dignos e laboriosos foi incorporada ao discurso local, tendo como objetivo muito mais imitar os padrões europeus na busca pela modernidade do que alimentar a preocupação especifica com a atuação sobre os seus detentos. O que atraiu o Estado para esse modelo penitenciário foi também o desejo de reforçar os mecanismos de controle e encerramentos já existentes. Porém, mesmo com a construção de penitenciárias na América Latina é importante frisar que ainda havia uma rede de cárceres pré-modernos que faziam uso de castigos tradicionais a fim de corrigir os sujeitos com condutas desviantes. Em linhas gerais, pode-se dizer que, no final das contas, mesmo com as críticas e sugestões de advogados, criminólogos e médicos, as prisões ficaram à margem da regulamentação do Estado na América Latina.

No século XX, mesmo com a influência da criminologia positivista e penalogia científica, a realidade carcerária permanecia a mesma. Os presídios masculinos eram verdadeiros infernos, onde homens viviam sem as mínimas condições de higiene. Os presídios femininos não fugiam à regra, no entanto a situação era ligeiramente mais amena porque estas ficavam sob a tutela de instituições filantrópicas. O perfil de detentos era diversificado o que muitas vezes fazia com que o espaço carcerário se transformasse em palco de conflitos entre detentos de grupos distintos. Com esses pontos, a conclusão que o autor chega é que os presídios estavam longe de serem modelos na recuperação dos detentos.

O segundo artigo, “Sentimentos e ideias no Brasil: pena de morte e digerido em dois tempos”, Gizlene Neder se encarrega de tecer uma análise sobre o código penal de 1830. Durante o século XIX o Brasil torna-se palco de discussões sobre as políticas de segurança e de justiça criminal. Antes de se reportar ao período analisado, que é o início da República, a autora faz um recuo temporal para melhor entender esses debates.

No período, a pena de morte restringia-se a escravos rebelados, e tal castigo tinha um objetivo inibidor e, portanto, exemplar. Mesmo com as ideias iluministas no começo do século XVIII, que defendiam penas de prisões diferentes segundo natureza e gravidade, estas não alteravam a organização social e política.

Em Portugal, por exemplo, os castigos tradicionais: pena de morte e degredo era pouco aplicado e serviam mais para intimidar. Nesse quadro os reis apareciam como sujeitos misericordiosos, a eles caberia à decisão de dosar o perdão, propagando assim a ideia de que o rei, mais que punir, deveria ignorar e perdoar.

No fim do século XVIII, as ideias iluministas defendiam que esses castigos provocavam distúrbios sociais e que as prisões seriam a melhor forma de punir. Vários países da Europa passaram a observar tais ideias e formularam novos códigos penais. O código penal de 1830 do Brasil era altamente repressivo. Desde o início da República, ia da apologia ao trabalho e disciplina até as práticas mais agressivas. A pena de morte não era clara, ao contrário do degredo, que era destinado àqueles que se envolviam em sedições e revoltas militares. Tais penas desenvolveram inúmeros debates.

O artigo seguinte, “A presiganga Real (1808-1831): trabalho forçado e punição corporal na marinha”, da autoria de Paloma Siqueira Fonseca, trata de um navio português que transportou a família real para o Brasil em 1808 e que passou a ser usado como depósito de sujeitos que cometiam crimes graves, e, como punição, eram submetidos ao trabalho forçado. É importante destacar que esses detentos não eram condenados à presiganga, mas nela depositados para realizar trabalhos pesados ou para receber castigos corporais. Tal navio-presídio podia ser comparado aos navios negreiros, pois as situações ali eram semelhantes. Os sujeitos eram de cor escura, viviam em péssimas condições, acorrentados e amontoados uns sobre os outros, além de serem submetidos a rígidos castigos corporais, alguns chegando mesmo a receber 300 chibatadas.

Como se tratava de um lugar temporário, não havia leis que regulamentassem esse navio-presídio, talvez por conta disso o responsável pelo navio, Marcelino de Souza Mafra usasse de austeridade para com os detentos. Em um episódio violento que aconteceu na presiganga, Mafra foi denunciado por sua tirania. De acordo com os detentos, ele castigava por qualquer ato e abusava de seu poder. No julgamento, Mafra não recebeu nenhuma punição, ao contrario, era elogiado pelo tempo de serviço prestado e por manter o naviopresídio em ordem. Além disso, as autoridades afirmavam que a atitude de Mafra era correta, pois os detentos representavam um fardo tanto para a sociedade como para a Marinha. E assim Mafra continuou no seu cargo e fazendo uso dos mesmos métodos até a desativação do navio-presídio.

O artigo da autoria de Marcos Paulo Pedrosa Costa, intitulado “Fernando e o mundo – o presídio de Fernando de Noronha no século XIX”, traz o relato da ilha de Fernando de Noronha como um lugar permeado por paradoxos. Por um lado, a ilha encantava seus visitantes com sua beleza exuberante, mas por outro representava horror e desumanidade para os que ali se encontravam aprisionados.

Não se sabe ao certo quando a ilha começou a servir como prisão, parece remontar ao século XVIII, o certo é que naquele lugar não havia uma prisão como edifício, somente a prisão de aldeia que era destinada àqueles considerados incorrigíveis. A prisão era a própria ilha e suas paredes o mar. Na ilha viviam paisanos (pessoas que não eram detentos nem militares) detentos, viradeiros e militares. Essas pessoas tinha uma vida normal naquele lugar, alguns chegavam até mesmo a se casar e constituir família, no entanto não se pode imaginar esse lugar como um paraíso, apesar do aparente clima de conformismo dos alguns detentos, não raro havia brigas e discussões entre os moradores do local. Alguns se arriscavam tentando evadir-se daquele lugar, mesmo tendo por certo a morte, outros preferiam tirar suas vidas ali mesmo em Fernando cometendo suicídio.

No artigo subsequente, “O tronco na enxovia: escravos e livres nas prisões paulistas dos oitocentos”, Ricardo Alexandre Ferreira tem por objetivo analisar a equiparação da situação vivenciada por escravos e homens livres que acontecia até o século XIX na esfera da Justiça criminal brasileira. Para tanto, o autor lança mão da interpretação de relatórios da Presidência da Província de São Paulo, ofícios administrativos, autos de crimes e de obras jurídicas produzidas entre 1830 e 1888. São basicamente dois os argumentos que norteiam a construção do texto. No primeiro deles, através da comparação entre as Ordenações Filipinas e o Código Criminal do Império, se desenvolve a noção de que não existia um descompasso das leis imperiais brasileiras em relação aos princípios iluministas que norteavam a legislação europeia.

Entretanto, devido à manutenção da escravidão, existia a perpetuação de uma situação de exceção que se acomodou à sociedade. Por outro lado, e então entramos no segundo argumento, uma condenação judicial, em última instância, era bastante complexa e morosa. Sendo assim, o encarceramento era visto como um período transitório, a prisão era encarada como um local onde os presos deveriam aguardar o seu julgamento, o que poderia durar anos. Enquanto isso, livres, libertos e escravos, acusados das mais diferentes infrações e irregularidades, se encontravam durante um bom tempo, acorrentados ao mesmo tronco. Como conclusão, o autor alega que esta proximidade teve como fruto a aliança entre os que ali estavam, sendo, inclusive, registrada através de fugas planejadas e executadas de maneira compartilhada.

O artigo “Entre dois cativeiros: escravidão urbana e sistema prisional no Rio de Janeiro, 1790-1821” de Eduardo Araújo mostra que no final do século XVII existiam três categorias de prisões no Brasil: a Cadeia Pública, a Cadeia do Tribunal da relação e o Calabouço, esta última destinada à escravos. Tais presídios eram superlotados, caracterizados pela ausência de acomodações e proliferações de doenças devido as péssimas condições de higiene, os detentos pareciam zumbis, mal- alimentados e mal- vestidos. Dentro desse espaço, outra personagem ganhava destaque: os carcereiros, que também sofriam com o descaso, principalmente em relação aos seus pagamentos que frequentemente eram atrasados. A justificativa das autoridades era que estes exerciam outros ofícios e que devido às péssimas condições financeiras não era possível pagá-los.

A situação dessas prisões piorou com a chegada da Corte Real em 1808, visto que várias casas tiveram que ser desocupados para ceder espaço à comitiva Portuguesa, e isso aconteceu também com as prisões. Os presos foram transferidos para o Aljube, antigo espaço pertencente à Igreja, as condições ali eram ínfimas e degradantes. Somada à superlotação, muitos morriam vitimados pela proliferação de doenças. Com tanto horror e caos, a solução encontrada foi o conforto espiritual dos detentos com a realização de missas.

O sétimo artigo “O calabouço e o aljube do Rio de Janeiro no século XIX”, Thomas Holloway retrata o processo do Brasil rumo à formação de um Estado independente e nos termos daquela época, moderno. Nesse contexto foram estabelecidas instituições para controlar o comportamento populacional urbano, como a criação da intendência de polícia, a Guarda Real da Polícia e Corpo Municipal de Permantes. As duas principais prisões eram o Calabouço e o Aljube.

O calabouço era uma prisão destinada aos escravos que deveriam receber castigos à mando de seus donos. Com relação às condições de higiene, eram aterrorizantes, sem ventilação, e com escassez de alimento, além disso, muitos escravos morriam devido ao excesso de chibatadas. Dentro desse quadro de horror, surge uma figura importante Diogo Antônio Feijó que reconhecia a humanidade dos escravos, e ordenou que o chicoteamento de escravos no Calabouço não poderia ultrapassar duzentos acoites, em sessões de cinquenta por dia.

Já o Aljube não era uma prisão, ele passou a desempenhar tal função com a chegada da Família Real em 1808. Tornando-se o destino da maioria dos presos, escravos ou livres que aguardavam julgamento ou a sentença por crimes comuns. Esse espaço de depósito foi muito criticado, não só por conta das péssimas condições, mas também devido a sua arbitrariedade, uma vez que ali ficavam desde o ladrão de frutas até o bandido mais violento. Além do mais, não havia segurança, sendo constantes os conflitos tanto entre detentos, como também de detentos com guardas e carcereiros.

O último artigo, intitulado: “Trabalho e conflitos na casa de correção do Rio de Janeiro”, de autoria de Marilene Antunes S’Antana, mostra a construção da casa de correção como uma ruptura em relação ao que se tinha até a metade do século XIX no Brasil. Essa instituição foi construída com o objetivo de educar e (re) socializar o detento, o que deveria ser feito através da disciplina, trabalho e religião.

Várias eram as oficinas onde os presos tinham a oportunidade de aprender um ofício para depois aplicá-lo ao sair. No entanto, nem tudo saiu como se havia planejado, pois nessas oficinas passaram a sediar inúmeros conflitos e até mesmo a morte de alguns deles. De qualquer forma, outros obtiveram bons resultados e tiveram suas penas reduzidas ou foram perdoados graças ao trabalho. O livro, como um todo, cumpre seu objetivo que é analisar historicamente o sistema carcerário, mostrando como este passou por uma série de mudanças. É uma leitura recomendada não somente aos historiadores de profissão, mas também aos estudantes de direito visto que o livro é ancorado em análises de códigos penais.

Referência

MAIA, Clarissa Nunes [et al] (org.). História das prisões no Brasil. vol 1. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.

Jéssica Luana Silva Santos – Graduanda do curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus Heróis do Jenipapo.

MAIA, Clarissa Nunes [et al] (Org.). História das prisões no Brasil. vol 1. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.  Resenha de: SANTOS, Jéssica Luana Silva. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.1, n.1, p. 241 – 245, 2013. Acessar publicação original [DR]

OLIVEIRA Edmar (Aut), A incrível história de Von Meduna e a filha do sol e do equador (T), Oficina da palavra (E), SOUSA Valéria Santana (Res), Vozes Pretérito & Devir (VPDr), Santatório Von Meduna, Clidenor Freitas Santos, História da Psiquiatria, Estado do Piauí, América – Brasil, Séc. 20

Edmar Oliveira médico psiquiatra piauiense nos traz, em sua narrativa, seus percursos ao acompanhar o programa de saúde mental do Piauí. Edmar aborda a história do sanatório Von Meduna junto à trajetória do médico Clidenor Freitas Santos, importante nome da psiquiatria na história do estado. A experiência do trabalho de implantação do programa de saúde mental no Piauí foi transformada em livro e nos possibilita conhecer um pouco do que foi a constituição da psiquiatria na capital. Teresina foi uma das primeiras capitais brasileiras a ter uma “casa de doidos”. Ladislas Joseph Von Meduna, inventor da convulsão provocada pela medicação cardiazol, inspirou o nome do hospital psiquiátrico de Teresina, mais conhecido como sanatório Von Meduna.

Inicialmente o autor apresenta uma pequena introdução fazendo uma incursão histórica local, referenciando à composição étnica do Piauí, citando a presença dos “dois Domingos”: Domingos Jorge Velho e Domingos Afonso Mafrense, tidos pela historiografia tradicional e mais conservadora como heróis locais. Edmar ressalta a necessidade de repensarmos tal afirmação a esses personagens, uma vez que, dentre muitas de suas ações pelas terras dos meio-norte brasileiro, juntaram forças pra exterminar parte dos índios que ocupavam esse território. Dentro desta retomada histórica, também cita o importante papel da miscigenação junto à composição étnica do estado.

A criação do primeiro centro psiquiátrico do Piauí foi um feito do médico Areolino de Abreu, que teve a ideia de fundar uma casa para loucos, batizando esse centro como “asilo de alienados”. Mas, como o próprio texto aponta, a criação desse centro psiquiátrico não aconteceu devido à preocupação com os alienados – pois a alienação mental não parecia ser compreendida como um problema de saúde pública na época – mas sim com intuito de aferir uma condição asséptica à cidade e, concomitantemente, com a ambição de tornar Teresina uma cidade civilizada e “limpa”, servindo também para enaltecer o nome de seu criador, Areolino de Abreu.

Em 1940, o primeiro psiquiatra do Piauí, Clidenor Freitas, assume a direção do asilo e elabora um relatório denunciando as condições em que o mesmo se encontrava, propondo melhorias de acordo com o conhecimento da época. Entre os métodos defendidos pelo novo médico ganha-se destaque a retirada das correntes dos pacientes, substituindo esta prática pela inserção de métodos novos, como a malarioterapia (inoculação do vírus da malária em pacientes com demência paralítica causada pela sífilis) criada pelo cientista J. Wagner Jauregg, a insulinoterapia e a convulsão cardiazólica, de Von meduna.

Clidenor Freitas procurou modernizar o tratamento psiquiátrico no estado desde os métodos utilizados e até mesmo se preocupou em alterar o nome da casa de tratamento na tentativa de redimensionar o conceito que o nome impelia à instituição e sua prática, substituindo o nome “Hospital de Alienados” para “Hospital Psiquiátrico Areolino de Abreu”, já que, segundo ele, nem todo alienado podia ser considerado louco.

Em 1954, Clidenor inaugura o sanatório Von Meduna. Este mesmo foi construído no terreno de sua propriedade bem longe do perímetro urbano da capital. Outro marco na psiquiatria piauiense desta época foi a substituição dos tratamentos de choques insulínico e cardiazólico pelo aparelho de eletrochoque. A criação do Meduna foi considerada um marco, enquanto dispositivo modernizador dentro do movimento sociopolítico que engrenava os processos civilizatórios da cidade.

O sanatório Von Meduna, em Teresina, era a própria “encarnação da loucura”, dizia o autor, mas também trazia consigo os desejos e os projetos de trabalho e vida almejados pelo seu criador. Edmar Oliveira reproduz alguns trechos do discurso de inauguração e retratações pessoais feitos por Clidenor Freitas.

Carta aos meus filhos:

Quando houverdes atingindo a maturidade da vida, saberia compreender, em profundidade, os sentimentos que nessa data dominam o vosso pai. Sabereis que foi constante labor consciente de um homem que decidiu agir para concretizar um plano objetivo, real e tangível, destinado a amparar no conforto e na segurança, aqueles que perderam a razão (…) (FREITAS apud OLIVEIRA, 2010, p.43).

Em outro momento, Clidenor procura justificar os enormes gastos feito para a construção de sua obra maior, com o testemunho de Câmara Cascudo presente na inauguração.

Materialmente seu valor atual e bem elevado com, diria como dizem os medíocres para ‘fazer a independencia’ de um homem (…). O que importa não são os milhões que vale o sanatório, mas o objetivo a que ele se destina, (FREITAS apud OLIVEIRA, 2010, p.45).

Quatro anos após a inauguração do sanatório, Clidenor Freitas se envolve com a vida política e com outros empreendimentos empresariais. Durante esse tempo a direção do sanatório fica nas mãos de seu irmão mais novo. Clidenor Freitas morreu aos 87 anos, e, como o próprio autor diz, é necessário ressaltar sua importância na constituição da psiquiatria piauiense, anunciando novos métodos de tratamentos, defendendo a condição humana, considerando outras tentativas de inovações de cuidados para a época.

Alinhado a essa descrição histórica, Edmar Oliveira também não se exime de promover um propício debate sobre a crise de desumanização que os hospícios estão sujeitos: “por mais que se humanize um hospício ele tende a se desumanizar na sequencia, basta só um recorte de tempo”.

Menos de dez anos depois das reformas implantadas no hospício em Teresina, os pacientes voltaram a ser tratados de acordo com sua posição social. Muitos considerados indigentes, tratados de forma desumana, vivendo em ambientes com péssimas condições, tanto na área estrutural quanto na parte da alimentação, higiene, no isolamento total. Posteriormente com administração de Carlos Alves Araújo essa situação é revertida, melhorando a condição dos “indigentes”.

Em parte intermediária da obra, o autor promove um debate sobre a “competição” comercial que o capitalismo moderno suplantou nas “empresas médicas do estado”. Nesse sentido, Edmar menciona a restrição comercial que a “empresa” Von Meduna sofreu ao não participar das competições mercantis das empresas médicas do sistema de saúde de Teresina. Pois o esse sistema se tornou um ramo empresarial de grande porte à custa da maioria da população do estado, que dependeu na maioria das vezes do atendimento médico da capital. Nesse contexto ele cita como exemplo atual do Sistema Único de Saúde (SUS) que também tem suas inúmeras deficiências, até mesmo por não suportar a demanda de dependentes. Mas, por outro lado, o SUS permitiu que os hospitais Areolino de Abreu e Von Meduna dividissem a clientela de maneira igualitária, longe da concorrência das empresas médicas.

Entre as discussões propostas por Oliveira estão também os apontamentos que permeiam “novas” compreensões acerca do tratamento mental. Alguns pensadores como Foucault, Castel e Basaglia contribuíram pra que houvesse uma reforma no campo psiquiátrico no Brasil, entre os princípios que regem a reforma está a “devolução” ao paciente internado os direitos fundamentais de pessoa humana, devido a situação degradante dos sujeitos que são longamente internados e esquecidos. No Piauí, a luta por melhoria da condição humana dos pacientes, só irá se manifestar no inicio do século XXI, foi apenas em 2003 que pela primeira se comemorou “o dia da luta antimanicomial”.

A partir de 2004, surgiu o “serviço substitutivo” que ficou conhecido como Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (CAPSin), esse serviço tornou-se passivo de determinadas críticas por trazer consigo os mesmos vícios das políticas manicomiais. Em 2005, foi aberto o CAPS Norte e o CAPS Leste, essas instituições tinham serviços contrários ao modelo hospitalar das casas Areolino de Abreu e do Von Meduna.

A diminuição dos leitos implantados pelo ministério da saúde desencadeou na implantação de serviços residenciais de terapia em comunidades. Enquanto isso, os hospitais Areolino de Abreu e Von Meduna continuavam a funcionar sem tomar conhecimento dos novos métodos implantados. Esses novos serviços, segundo o autor, proporcionavam o enfrentamento da doença mental de maneira mais saudável e ampla. A utilidade dos hospitais Von Meduna e o Areolino de Abreu foram questionados por uma nova política de assistência pública.

Nos últimos capítulos, Edmar relata de maneira bem pessoal a sua volta aos sanatórios Areolino de Abreu e Von Meduna como consultor do ministério da saúde, enfatizando o fechamento do Von Meduna. A situação encontrada neste recinto não revelava nem de longe o esmero próximo àquele da época de sua fundação. Para justificar o “triste fim” que o hospital sofreu, Edmar Oliveira fez menção ao discurso escrito de inauguração do Von Meduna, feito por seu criador, Clidenor de Freitas, onde assevera que uso do dinheiro só fazia sentido a uma causa nobre. (OLIVEIRA, 2010, p.111)

Continuando, Edmar registra suas participações nas conferências nacionais de saúde mental, e os debates em relação ao fechamento do Von Meduna, situação que gerou muitas discurções, já que havia uma preocupação por algumas partes em relação ao destino dos “loucos” que lá estavam. Entretanto para Edmar Oliveira o fechamento do hospital Von Meduna significava a libertação do antigo regime manicomial e assim ele conclui com suas palavras:

Não se pode construir o existir quando é seqüestrado o seu lugar no mundo. E hospital não é morado de ninguém. Von Meduna retira-se sem fazer falta a uma cidade que passou, a saber, conviver e a tratar seus loucos na diversidade e na acolhida que os novos tempos anunciam… (OLIVEIRA, 2010, p. 132)

O fechamento do Von Meduna ainda foi alvo de questionamentos, o que ocasionou em dificuldades na consolidação dos novos modelos de tratamento psiquiátrico. Edmar oliveira encerra seu livro falando dos loucos que escaparam das ações psiquiátricas de Teresina, e que fazem parte da memória dos filhos da terra, também relata de maneira bem tocante à história dos loucos que estão na memória de sua infância, citando seus três preferidos: Manelão, Bibelô e Nicinha “eles eram da cidade, das ruas, das aglomerações. Nossos. Sem eles Teresina não tem sentido pra mim”.

A obra de Edmar Oliveira não se caracteriza apenas pela descrição histórica das instituições médicas e o tratamento da doença mental do estado. A obra é também uma abordagem crítica sobre as condições de tratamento dos sujeitos que são atravessados por uma maneira distinta de ver o mundo. O livro, em sua plenitude, é composto por uma visão crítica que compõe um posicionamento antimanicomial. Nele também observamos uma incursão pela história do Piauí, e da cidade capital, Teresina, palco de muitos dos personagens desterritorializados e marginalizados que fizeram parte da vida do autor. É um livro que também tematiza sobre experiência pela cidade e as memórias que retratam esse passado.

Referência

OLIVEIRA, Edmar. A incrível história de Von Meduna e a filha do sol e do equador. Teresina: oficina da palavra, 2010.

Valéria Santana Sousa – Discente do curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí.

OLIVEIRA, Edmar. A incrível história de Von Meduna e a filha do sol e do equador. Teresina: oficina da palavra, 2010. Resenha de: SOUSA, Valéria Santana. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.2, n.1, p. 325-329, 2013. Acessar publicação original [DR]

REVEL Jacques (Aut), História e Historiografia: exercícios críticos (T), Editora UFPR (E), CATARINO Samila Sousa (Res), Vozes Pretérito & Devir (VPDr), Teoria da História, Epistemologia da História, Epistemologia Histórica, Historiografia, Séc. 20, Europa – , Séc. 19-20

A obra “História e Historiografia: exercícios críticos”, do historiador Jacques Revel, é composta por nove artigos que refletem sobre o debate historiográfico no decorrer do século XX, em especial nas últimas décadas. No capítulo inicial, intitulado: “Construção francesa do passado: uma perspectiva historiográfica”, Revel propõe uma discussão sobre a historiografia francesa desde os fins da Segunda Guerra Mundial. Através dessa incursão, o autor analisa a contribuição dos franceses para a produção historiográfica. De acordo com sua concepção reflexiva, o debate historiográfico mediante novas proposições paradigmáticas, adquiriu certa retomada antes da Guerra, com as contribuições de Bloch e Febvre, porém esse não seria o marco inicial para tais discussões, esse debate teria sido proposto bem antes de 1929, ano de ascensão dos Annales.

Em 1870, as Universidades Francesas estavam passando por certa “elaboração da política universitária”. Isso porque a França via-se derrotada face aos conflitos políticos e econômicos protagonizados contra o novo “Reich” da Alemanha, o que alimentou junto aos franceses um sentimento de “revanche”, que, dentre outras coisas, impulsionou um modo de se repensar o ensino universitário no país. A disciplina história teve um papel fundamental nesse processo, pois serviu para reanimar uma nação que tinha sido humilhada pelos Alemães. Diante desses acontecimentos, o saber histórico passou por renovações. Tal proposição foi gestada no fim do século XIX, visava romper com a literatura e ganhar o status de ciência, constituindo-se como um saber “metódico”. Outras ciências como: geografia, psicologia, economia e em especial a sociologia de Durkheim vivam também um processo de renovação.

A mudança de paradigma proposta ao saber histórico subsidiou críticas por parte de outras frentes intelectuais. Os discípulos de Durkheim, por exemplo, criticavam a história mediante seu pleito em busca do lugar de ciência. Um deles, François Simiand, a criticava por argumentar que os acontecimentos factuais – campo de reflexão da história – não ofereceriam subsídios suficientes para arvorar ao status científico. As ponderações feitas por Simiand, e demais rivalidades, contribuíram com a proposta de Bloch e Febvre que absorveram tais críticas e propuseram uma nova forma de se pensar e escrever o conhecimento do passado.

O segundo artigo: “Mentalidades: uma particularidade francesa? História de uma noção e de seus usos”, o autor, a princípio, se volta a discutir a etnologia da palavra mentalidade e a partir dessa projeção promove uma análise em torno de seu significado. Revel assevera que o termo passa a ser difundido nos “vocabulários científicos” das diversas ciências como: antropologia, psicologia, sociologia e história, no decorrer do século. Dentre essas ciências o autor destaca a psicologia como sendo de suma importância para o debate nas áreas humanas. No desenvolvimento da análise são citados vários exemplos de estudiosos que se debruçaram no estudo da psicologia para a compreensão do social, dentre eles podemos citar o historiador Lucien Febvre que procurava compreender sobre a natureza das representações coletivas, se apoiando no conceito de “psicologia histórica”.

Revel volta às discussões associadas ao conceito e à aplicabilidade do termo ligado ao conhecimento social, retomando através de sua análise referências sobre os primeiros historiadores que desenvolveram uma abordagem histórica a partir do conceito “mentalidade”, e elencando os debates travados entre os campos da sociologia, psicologia e história, a respeito de sua apropriação, o que fez com que o conceito adquirisse amplitude em outras esferas intelectuais para além do seu domínio “mátrio” – França – apesar de ser afirmado como um gênero caracteristicamente francês.

O artigo seguinte: “A instituição e o Social”, tem por abordagem os debates e os discursos produzidos pelos historiadores em torno do modelo e conceito de “instituição”. Revel procura demonstrar que quando se pensa na categoria instituição a primeira dificuldade apresentada vem a ser a definição da palavra. Seguindo esse pressuposto, o autor propõe em seu artigo três formas de compreensões conceituais. O primeiro visa caracterizar a instituição como uma dimensão jurídica e política. O segundo traz a instituição num conceito mais amplo que se refere ao funcionamento e organização de determinados domínios, respondendo assim a uma demanda coletiva da sociedade. A última concepção, mas não menos importante, procura compreender a instituição como “toda a forma de organização social”.

A partir dessas conceituações, o autor constrói apontamentos em que relaciona a instituição e campo social. O primeiro conceito alimenta a lógica política quando se pensa nas questões institucionais, ligada à disciplina erudita. Durante muito tempo a historiografia prendeu-se a uma noção na qual considerou as instituições como locais que serviam para os arquivamentos de documentos, tornando assim sua compreensão restrita. Porém, outra compreensão para o termo, arrolando um sentido mais amplo, foi desenvolvida por Durkheim, da tradição sociológica moderna, sendo bastante difundida atualmente. Nesta baliza de pensamento elas seriam “criadoras de identidades” do núcleo social, isso porque os “fatos sociais são compreendidos como instituição”.

Revel relembra que, há muito, a tradição de pensamento sociológica foi desprezada pelos estudiosos, restringindo assim ao estudo político-jurídico, mas com o passar dos anos a abordagem sócio-histórica foi adquirindo vários adeptos. Essa mudança é chamada pelo autor de “evolução historiográfica”, onde os estudiosos passaram a tratar as relações sociais como constructos das instituições. Outro ponto abordado pelo autor vem a ser o estudo da posopografia ou biografia coletiva que seria um método utilizado na história, o qual permite observar os grupos sociais em suas dinâmicas internas e seu relacionamento com outros grupos.

O artigo “Michel de Certeau historiador: a instituição e seu contrário” vai desenvolver uma análise sobre a importância dos estudos de Certeau e o quanto este intelectual continua sendo amplamente estudado na academia por conta de suas pluralidades e perspectivas. Para iniciar essa análise, o Revel traz três momentos diferentes da obra de Certeau. O primeiro exemplo é uma obra em que Certeau tematiza sobre a espiritualidade jesuítica no início do século XVII. Jacques Revel procura dissertá-la demonstrando que a mesma se apresenta como uma não separação das experiências individuais e coletivas das instituições sociais. O segundo exemplo vem a serem os escritos que permeiam “A operação historiográfica”, discussão que ganhou força no terreno dos historiadores na contemporaneidade. De acordo com Revel a marca maior da operação historiográfica diz respeito à assertiva sobre a compreensão do oficio do historiador que ganha legitimidade a partir do lugar social na qual é produzido. O terceiro exemplo seria a imagem do próprio Certeau como um homem que gostava de viver em grupo, um homem plural.

No artigo subsequente “Máquinas, estratégias e condutas: o que entendem os historiadores”, Revel objetiva analisar o pensamento de Michel de Foucault e como esse pensador influenciou os historiadores em suas produções intelectuais, assim como a sua recepção na historiografia. O autor mostra que Foucault preocupou-se em pensar a função do autor, reflexão que os historiadores não tinham atentado em fazer até àquele momento. Para Revel os textos de Foucault são interpretados de diversas formas muitas vezes o deformando por completo. Em um texto de Foucault é como se existissem vários Foucault’s, isso porque os leitores construíram várias imagens muitas vezes deturpadas sobre ele. O “incômodo” de Revel nesse sentido refere-se ao fato que diversos historiadores se encontram satisfeitos com determinadas leituras reducionistas que são feitas ao pensador francês.

Para aprofundar sua análise o autor traz três imagens dele. O primeiro Foucault foi “descoberto” nos anos 60, este se aproxima muito das propostas dos Annales, e, assim como os historiadores de sua geração, Foucault produzia uma história estrutural. O segundo Foucault é aquele que trouxe a tona o conceito de “estratégia”, conceito esse que fez bastante sucesso entre os historiadores durante os anos 70. O terceiro é o Foucault seria aquele preocupado com as “condutas”, onde voltou-se a pensar sobre as relações de poder. A partir dessas três imagens, Revel vai elaborando uma análise de algumas obras consideradas importantes (Historie de La sexualité, L’ Archéologie Du savoir e etc.), trazendo conceitos de fundamental importância para a compreensão da trajetória de Foucault e assim este era visto pelos historiadores.

O artigo “Siegfried Kracauer e o mundo de baixo”, o Jacques Revel procura mostrar algumas reflexões feitas a partir da obra de Kracauer, onde este faz críticas sobre o campo da história. Primeiramente, Revel descreve uma pequena biografia do autor, assinalando inicialmente que este não era historiador e o seu interesse pela história aconteceu tardiamente, mas isso não o impediu de fazer um debate sobre o ofício de estudar o passado. Em sua obra History. The last things before the last. Kracauer traz algumas discussões sobre a cientificidade da história, historiadores, filmes e literatura.

De acordo com Revel, a questão da cientificidade da história é discutida em sua obra maneira enfática. Seguindo esta proposta, Kracauer alimenta a compreensão da história como uma disciplina da ciência social. Ele também promove um debate filosófico sobre as propriedades epistemológicas da história apoiando-se nas ideias de Dilthey, tomando por base os argumentos produzidos desde o fim do século XIX sobre tal discussão. Para ele a história pode reivindicar-se enquanto ciência social, a partir do momento em que ocorrem fenômenos que podem ser analisados e compreendidos em suas relações a partir de determinadas regularidades.

A segunda argumentação vem a ser do ofício dos historiadores, onde este trabalha com as fontes, que para ele são a “incompletude e a heterogeneidade das experiências humanas no tempo”. Revel relembra que Kracauer descrevera o modo como eram vistas as fontes no século XIX, sendo entendidas como detentoras de uma verdade absoluta e incontestável. Dando continuidade às suas reflexões, ele fala sobre literatura e filmes. Para ele, é importante se pensar no conceito de realidade. Segundo Revel, Kracauer faz uma analogia entre o literário e o historiográfico: o primeiro é livre de qualquer distinção realista, pois este vai compor a realidade a qual está inscrito, já o historiador não possui essa liberdade e é preso uma realidade limitada pelos indícios e fragmentos do passado que ganham personificação através das fontes.

O sétimo artigo “Recursos Narrativos e Conhecimento Histórico”, o autor vai abordar algumas contribuições do historiador Lawrence Stone que investiu nos programas de história científica entre os anos de 1930 e 1960. Segundo Revel, era necessário reintroduzir no debate historiográfico as questões da história científica, os dois historiadores que se encarregaram de tal desafio foram Stone e Carlo Ginzburg. Ambos produziram trabalhos no qual pensavam sobre tal problemática, a fim de “resgatar” o problema da narrativa na abordagem historiográfica.

Além desses autores Jacques Revel relembra a contribuição de outros pensadores sobre essa problemática. Podemos destacar a pessoal de Momigliano que se propôs a também pensar sobre as funções e os usos da narrativa, assim como Paul Ricoeur que aferiu um profundo debate sobre tal tema em muitos de seus trabalhos. O autor esclarece o quanto esse debate sobre a narrativa histórica já perdura por algum tempo, e que ainda se revela instável.

Revel também nos mostra a mudança na concepção de história ao longo dos anos. Se antes a compreensão histórica era vista como um “repertório de exemplos e lições a serem seguidas”, ela passou por inúmeras transformações, o que o autor chamou de “virada capital da historiografia”. Para ele, essa mudança ocorreu principalmente por conta de dois fatores. O primeiro fator vem a ser a desqualificação da retórica como instrumento de conhecimento. O segundo é a própria mudança na concepção de história que alimentamos. Com todas essas transformações, alterou-se também o papel do historiador, sua relação com o objeto, e, concomitamente, exercício crítico das fontes históricas.

No penúltimo texto, “A biografia como problema historiográfico”, como o titulo indica, é feita uma análise da utilização da biografia no campo historiográfico. A biografia como gênero amplamente utilizado nas produções historiográficas, possibilita uma variedade de públicos leitores, o que facilita a sua popularidade. Outro aspecto retratado por Revel vem a ser a conjuntura científica em torno da biografia. Nesse foco Revel toca nos debates referentes a duas questões que permeiam o tema: o “problema da biografia histórica” e “a biografia como problema”. Esse debate, para o autor, é “tão velho como a própria historiografia”. Para começar a discussão Revel compara os escritos de Aristóteles entre poesia e história. A poesia ou qualquer outra narrativa de ficção permitem a generalização, a modelagem da experiência humana, já a história está submetida à experiência, e no caso da biografia essa experiência é voltada para o indivíduo.

Com relação a uso da biografia como gênero historiográfico esta se encontra limitada a utilização das fontes. O ponto central do projeto biográfico é a importância de se analisar uma experiência singular e situá-la no contexto social, isso torna tal gênero pautado em complexidade. Para finalizar o autor propõe a utilização de três tipos de biografias: biografia serial (prosopografia), a biografia reconstruída em contexto e biografia reconstruída a partir de um texto (frequentemente utilizado na autobiografia).

O último artigo, intitulado “O fardo da memória”, é dedicado a discutir a experiência histórica e a memória da França. Nele, Revel destaca três tipos de memórias. A primeira é a comemoração. No final do século XX a França teria celebrado muitos fatos importantes do passado francês (datas comemorativas). A segunda forma de memória é a patrimonialização a questão da consciência com o patrimônio, que aconteceu tanto no campo ideológico como nas construções de museus. A terceira forma é a produção da memória, a própria mudança na escrita da história, o que antes era restito aos grandes homens passou estar vinculado às memórias esquecidas, ou seja, historiadores e memorialistas começaram dar visibilidade às narrativas da história “vista de baixo”. Para Revel essas três formas estão interligadas e contribuem para se pensar a memória com relação à história francesa contemporânea

A proposta feita por Jacques Revel à luz de tais perspectivas centra-se em torno de pensar a produção historiográfica na França, do século XX até a contemporaneidade. A partir desse foco, o autor procurar mostrar em sua obra os movimentos e as transformações sofridas no ambiente acadêmico, o hasteamento das disciplinas ao status de ciência, assim como a influência dos Annales na “construção” do conhecimento histórico, através da renovação da pesquisa histórica.

Em sua plenitude, o livro revela um enriquecedor conteúdo, propondo ao leitor apontamentos e compreensão acerca das ciências sociais e suas contribuições no campo historiográfico. O Revel procurou explanar sua proposta, mostrando ao longo dos nove artigos a importância das ciências sociais e sua proximidade com a história.

Referência

REVEL, Jacques. História e Historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Ed UFPR, 2010.

Samila Sousa Catarino – Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus Clóvis Moura.

REVEL, Jacques. História e Historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Editora UFPR, 2010. Resenha de: CATARINO, Samila Sousa. Nos rastros da História: análise da obra “História e Historiografia – Exercícios críticos”, de Jacques Revel. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.2, n.1, p. 330- 335, 2013. Acessar publicação original [DR]

SENKO Elaine Cristina (Aut), Reflexões sobre a escrita e o sentido da História na Muqaddimah de Ibn Khaldun (1332-1406) (T), Ixtlan (E), MENDES Ana Luiza (Res), DRABIK Bel (Res), Vozes Pretérito & Devir (VPDr), Historiografia, Sentido da História, Muqaddimah (I. Khaldun), Séc. 12-14

Reflexões sobre a escrita e o sentido da História na Muqaddimah de Ibn Khaldun, publicado em 2012 pela Mestra em História, Elaine Cristina Senko, nos oferece a análise do papel do historiador e o conceito de História na civilização islâmica do século XIV por parte de Ibn Khaldun (1332-1406), historiador islâmico que procurou dar um sentido específico à historiografia árabe medieval. Para tanto, estabeleceu um método rigoroso de estudo quando escreveu sua obra prima, Muqaddimah, composta a partir da crítica aos documentos e às narrativas árabes, de forma a aproximar-se cada vez mais de uma “verdade” objetivando compreender as vicissitudes de sua época.

Tal assunto mostra-se intrigante e pertinente, uma vez que, como a própria autora salienta na Introdução da obra, há poucos estudos atualizados sobre o historiador muçulmano e, além disso, através da investigação da metodologia histórica por ele formulada, é possível adentrar e aprofundar os conhecimentos da sociedade islâmica medieval de forma sistemática, a fim de desconstruir a imagem sensacionalista e errônea que, por muitas vezes, é transmitida sobre o Oriente pelo Ocidente.

Revelar outra percepção para a compreensão do mundo árabe e islâmico medieval é, pois, um dos objetivos do livro que também é orientado através do questionamento sobre o que representava a escrita de uma obra desse mote no contexto de Ibn Khaldun. Para tanto, a obra divide-se em três capítulos, nos quais a autora discorre sobre a tradição historiográfica islâmica; sobre a escrita propriamente dita de Ibn Khaldun e sua concepção historiográfica, finalizando com a relação entre a metodologia do historiador islâmico e a sua prática na sociedade do seu tempo.

O primeiro capítulo, Sobre a tradição historiográfica islâmica, apresenta distinções na forma de escrita da História na civilização islâmica. Na primeira, pertencente à era formativa dessa civilização, predominava a história oral que foi se transmutando em escrita, na era clássica, já no século X, acompanhando a organização dos califados e de uma necessidade propedêutica, ou seja, guardar as palavras do Alcorão. Além disso, nesse período, como a autora aponta, há uma inter-relação de gêneros, sobretudo: a biografia, a genealogia e crônica que, contudo, dividiam espaço com outros saberes como a geografia, as escolas jurídicas, filosóficas e a literatura.

Dessa forma, a autora nos possibilita a averiguação da riqueza cultural da civilização islâmica, confirmada não só pela variedade de conhecimentos, mas também pelo grande número de estudiosos que são enumerados, tais como os historiadores Al-Maqrizi, discípulo de Ibn Khaldun, que compreende a História como a escrita da verdade, e Al-Furat, que busca compreender o comportamento político do seu tempo através do conhecimento do passado.

O segundo capítulo, A escrita e o sentido da História na Muqaddimah de Ibn Khaldun, antes de mais nada, explora as influências que o historiador poderia ter recebido e que teria contribuído para a sua forma de escrita e também para a sua compreensão da História. Tal influência diz respeito ao itinerário do saber entre o mundo clássico e o mundo árabe, de forma que é possível atestar o diálogo, em termos de proximidade, influência e analogia, entre a metodologia histórica clássica e a de Ibn Khaldun. Tal simbiose é fruto, como aponta a autora, da translatio studiorum, movimento erudito que proporcionou o afluxo e recepção dos saberes da Grécia, de Bizâncio, da Pérsia e da Arábia, influenciando tanto a cultura ocidental, quanto a oriental, de modo que, a presença do pensamento clássico nos escritos de Khaldun teria sentido. Assim, a autora passa a investigar na escrita do historiador islâmico quais elementos da historiografia clássica estão presentes, como a concepção da História como a investigação das causas e narrativa do que realmente aconteceu, ideia também defendida por Tucídides e Políbio.

No que diz respeito à relação entre História e verdade, Khaldun, inclusive, faz severas críticas à fabulação e aos fatos com pouca autoridade, isto é, fatos que, se examinados com a devida crítica, não condizem com a verdade. A partir disso, ele critica alguns historiadores islâmicos que não fazem tal distinção e transmitem informações que podem ser consideradas fantasiosas como é o caso das cifras exageradas quando se faz o relato de batalhas ou do número de descendentes de uma dinastia.

O exame minucioso das informações, utilizando-se da crítica, da lógica e do conhecimento da natureza é, portanto, um dos princípios que regem a escrita da História na visão de Khaldun, que também defende que o historiador deveria ter um conhecimento político, geográfico e militar da região estudada para poder se certificar que o que está sendo relatado é verdadeiro.

A autora observa, ainda, que para Khaldun, a História tem um objetivo prático, ligado ao poder: a análise das ações do passado faria com que o historiador ensinasse aos homens de poder a melhor forma de governar. Esse tema é abordado no terceiro capítulo, Uma metodologia da História que se aplique ao estudo e ao entendimento da sociedade, no qual a autora aborda a racionalização do conhecimento do estudo da sociedade no tempo por Khaldun, a partir da qual ele elabora estágios de desenvolvimento da sociabilidade humana e elenca os elementos necessários para tal.

Nesse contexto, temos o pensamento de Khaldun atrelado ao de civilização (umran), o que nos permite perceber que o historiador islâmico parte de uma questão do seu próprio momento em busca de uma compreensão que só se realiza na volta ao passado. Ibn Khaldun vivenciava a desestruturação do poder muçulmano em seus territórios e formulou uma inovadora metodologia historiográfica a partir da necessidade de compreensão da realidade social na qual estava inserido. Por isso sua concepção da História é prática, pois o historiador não pode se eximir do seu tempo. E foi o que Khaldun fez com seu trabalho. Além da formulação de uma teoria da História, também destacou, legitimou e fortaleceu o papel do erudito, a figura do historiador na sociedade, como o responsável por orientar os homens de poder, como ele mesmo realizou.

Assim, o livro de Elaine Cristina Senko, sobre as reflexões na escrita da História deste emérito erudito muçulmano vem com o bom propósito, para o público em geral, de criticar uma noção atual simplista das questões entre Oriente e Ocidente, sobretudo, após os acontecimentos do 11 de setembro de 2001. Critica o medo ao muçulmano e propõe uma visão mais global sobre um tema complexo que envolve força militar, política, religião, cultura e história.

Num segundo momento, para o ofício do historiador, o livro traz a maior contribuição e reflexão, para além da demolição dos preconceitos de hoje. O que parece essencial é a exploração do tema escolhido para demonstrar o outro lado da questão da ocupação da Península Ibérica, do Mediterrâneo, do Magreb (Norte da África) pelos muçulmanos no final do século XIV.

Descobrimos que por meio dos escalonamentos, abordados no terceiro capítulo, que Ibn Khaldun indicava os níveis de desenvolvimento que as sociedades podiam percorrer, um “padrão de movimentos”, até a falência destas que o próprio já havia presenciado. A escolha deste universo demonstra a coerência com a proposta inicial da autora de compreender o “outro” por meio da história da sua civilização, do olhar pela lente de um dos seus mais ávidos estudiosos. E ainda, é importante atentar que explorar um teórico da História que se aproxima tanto da Filosofia clássica herdada dos muçulmanos (desde o século IX, a partir das escolas de tradutores) para elaborar sua historiografia é colocar novamente a questão sobre o que é ser um historiador em nossas mentes. Da mesma forma, renovar a historiografia hoje, envolve ultrapassar limites disciplinares e buscar erudição para que se possa recontar histórias (mas não sem método) como a autora faz ao apresentar a renovação da metodologia que Ibn Khaldun propôs, a partir dos elementos variados, mesclando a Filosofia de Aristóteles, de Tucídides e a história oral e as narrativas islâmicas.

A exemplo disto, a escolha de uma destas narrativas existentes no livro, Harun AlRashid: o esplendor de Bagdá permite uma referência cultural diferenciada do contexto de Ibn Khaldun. Esta foi uma escolha feliz da autora, pois é uma história conhecida no Ocidente, que aproxima o leitor do contexto histórico árido, pouco familiar, mas que permite observar o que “também é uma história” naquele contexto, possibilitando a percepção que a História pode ser vista em sentidos variados.

E, por fim, não podemos deixar de observar que estes escritos levam o leitor da área a perceber a importância de o historiador estar aberto à crítica e evitar ao máximo a influência dos poderosos na escrita da História, não devendo depender do poder político ideológico para escrevê-la. Neste caminho, portanto, entrevemos a necessidade de ver além dos preconceitos – é o que defende Ibn Khaldun -, mas é o que defende também a autora, quando cita os nomes dos autores especialistas sobre o Oriente, como o de Uma História dos Povos Árabes3 , que publicaram seus escritos críticos sobre o modo como o Oriente era visto no século XX, críticos que como Khaldun, esclareceram comportamentos e preconceitos.

Aqui é clara a defesa que a autora propõe da integridade do ofício do historiador pela escolha do objeto e pela forma de abordagem, e pelo respeito com o qual trata o seu objeto de estudo.

Notas

2 Graduada em História pela Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail para contato: belkiss.drabik@hotmail.com

3 HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Referências

HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

SENKO, Elaine Cristina. Reflexões sobre a escrita e o sentido da História na Muqaddimah de Ibn Khaldun (1332-1406). São Paulo: Ixtlan, 2012.

Ana Luiza Mendes – Doutoranda em História pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: ana.luiza@ufpr.br

Bel Drabik – Graduada em História pela Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: belkiss.drabik@hotmail.com

SENKO, Elaine Cristina. Reflexões sobre a escrita e o sentido da História na Muqaddimah de Ibn Khaldun (1332-1406). São Paulo: Ixtlan, 2012. Resenha de: MENDES, Ana Luiza; DRABIK, Bel. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.3, n.1, p. 303-306, 2014. Acessar publicação original [DR]

TROJANOWSKI Elodie (Aut), Le “nouveau” Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours de Marine Le Pen (T), Editions Universitaires Européennes (E), ANDRADE Guilherme Ignácio Franco de (Res), Vozes Pretérito & Devir (VPDr), Marine Le Pen, Frente Nacional, Partido Político, Europa – França, Séc. 20-21

O livro “A nova Frente Nacional: Estudo da nova linha do partido através dos discursos de Marine Le Pen”, da autora francesa Elodie Trojanowski, nos oferece uma análise sobre as mudanças dos discursos do partido de direita radical francês Frente Nacional, após a sucessão da presidência do partido por Marine Le Pen. Para tanto a autora também analisa a mudança da linha política desenvolvida por Marine Le Pen. A obra é fruto da sua dissertação de mestrado em jornalismo, porém sua pesquisa se enquadra dentro do âmbito das ciências políticas. Seu mestrado foi desenvolvido na Universidade Católica da Lovaina2, localizada no interior da Bélgica. Seu livro, composto de 118 páginas, foi publicado pela Editora Universitária Europeia3 em abril de 2014.

Para tanto, a autora estabeleceu um método rigoroso de estudo quando escreveu sua obra, a partir da crítica aos discursos oficiais do partido, como também a seleção de diversas entrevistas concedidas por Marine Le Pen, de vídeos postados no site da Frente Nacional e discursos de Marine Le Pen durante a as eleições presidenciais francesas em 2012. Elodie Trojanowski buscou em sua pesquisa analisar individualmente cada um dos discursos proferidos por Marine Le Pen e separa-los pelas novas temáticas escolhidas pela líder da FN, procurando traçar um paralelo com a antiga linha discursiva do partido, liderado por seu pai Jean-Marie Le Pen.

Tal investigação mostra-se relevante e pertinente para os estudiosos das ciências políticas, como também de extrema importância para os historiadores especializados na direita radical europeia, uma vez que, como a própria autora salienta na Introdução da obra, por se tratar de um fenômeno recente, em pleno acontecimento – enquadrado por nós historiadores como pertencente a história do tempo presente – ainda há poucos estudos que procuram investigar a mudança ideológica e discursiva da atual direita radical no século XXI.

O recorte de pesquisa escolhido pela autora, se enquadra no período em que a presidente do FN, Marine Le Pen ascendeu a presidência do partido em 2011, quando venceu seu adversário Bruno Gollnisch no Congresso Nacional do partido. Após vencer as eleições Marine Le Pen colocou em prática um projeto de desdiabolização da FN. Esse método consiste em um processo de transformação da imagem do partido, que outrora – durante quatro décadas da existência da agremiação política – esteve intrinsicamente ligado às práticas xenófobas, racistas e antissemitas. Nesse sentido Elodie Trojanowski trabalha para analisar se esse âmbito de mudanças da FN na figura de Marine Le Pen, acontece apenas no nível discursivo, se ele é inventado para definir uma nova identidade ou se existe uma ruptura real com as antigas concepções radicais, se elas são concretas.

A obra nesse percurso de investigação se coloca na posição de estudar comparativamente a ideologia desenvolvida pelo FN. Através de uma análise de discursos políticos da Presidente da Frente Nacional, o estudo é feito de forma detalhada, buscando nos discursos as palavras de ordem, como elas são colocadas, como as novas temáticas adotadas pelo partido são apresentadas e manipuladas para terem efeito positivo e atraírem votos para a FN. E como a partir dessa nova leitura da conjuntura e a nova linha discursiva da Frente Nacional se destaca o abandono de determinados temas e sua substituição por novos bodes expiatórios, como a União Europeia e a imigração muçulmana, por exemplo. A autora relativiza como a Marine Le Pen utiliza o contexto de crise econômica, social e política da França, para aumentar sua base eleitoral e como o partido tem diminuído seu tom agressivo e extremista, se diluindo em uma posição próxima a direita nacionalista. Desta forma a autora se dedica a fazer um levantamento do novo vocabulário desenvolvido por Marine Le Pen e cria um banco de dados contabilizando o uso dessas palavras e o quanto elas aparecem e permeiam grande parte dos seus discursos.

A criação do partido Frente Nacional foi inspirada no sucesso eleitoral do partido neofascista italiano Movimento Sociale Italiano (MSI). O início do partido começou com grupos distintos, incluindo membros do governo de Vichy, opositores do general de Gaulle, membros do movimento Poujadista, neofascistas, militantes da Federação dos Estudantes Nacionalistas, militantes do Jovem Nação e ativistas que não possuíam vinculo partidário mas simpatizavam com a ideia de organizar um partido de extrema direita. O início da FN começou sob liderança de Jean-Marie Le Pen e François Duprat.

No processo de construção do projeto político do FN, podemos perceber também que além da questão militar para reforçar o nacionalismo, o partido procurou construir outros símbolos, principalmente buscar heróis na história da França, personalidades históricas que pudessem reforçar, simbolizar o novo nacionalismo desenvolvido pelo FN. Nesse processo de busca para encontrar heróis, vemos o fortalecimento do catolicismo dentro do partido. Para representar o FN, foi escolhida a figura de Joana D’arc, como símbolo que representasse o nacionalismo do FN, uma heroína francesa, nacionalista, católica, devota à nação, que sacrificou sua vida em prol da liberdade do país, sem ter qualquer ação individualista, a nação acima de qualquer desejo individual. A escolha de Joana D’arc também passa pela questão da busca pela tradição histórica do país, demonstração de orgulho com o passado histórico. A escolha do símbolo do partido é também uma forma de procurar unir todas as células dentro do partido, colocando um novo foco a ser seguido, supondo que essa nova escolha conseguisse superar antigas figuras como Napoleão Bonaparte, Marechal Pétain, General Boulanger, Charles Maurras e Pierre Laval.

No sentido do nacionalismo do FN, o partido procurou se posicionar em defesa dos cidadãos naturais franceses. Podemos aqui pontuar que tal sujeito defendido pelo FN seria: o cidadão francês que provenha de uma longa geração de franceses (podemos indicar aqui que isso seria o francês branco caucasiano), católico, nacionalista, identificado com sua terra, um cidadão orgulhoso de suas raízes e identificado com a História da França, valoriza o desenvolvimento da nação acima da vontade individual4.

Para Jean-Yves Camus a questão da nação é algo central no FN, o nacionalismo para a FN é o principal ponto de referência ideológico, podemos afirmar que a ideia da nação é o ponto vital, é a fonte principal de luta e é fundamental para o discurso do partido5. Dar ênfase à nação é a questão chave para ocupar os espaços deixados pelos outros partidos. A defesa da nação como pauta da agenda política do FN tem dois objetivos: o primeiro é para legitimar a ideia do nacionalismo pertencer à FN, e quando outro partido utiliza dessa tática o FN sai em defesa da sua ideia acusando a oposição de apropriação política. O segundo objetivo é obrigar outros partidos a também fazerem um discurso que saia em defesa da soberania nacional6.

A FN tem como principal ideológica, a defesa da identidade nacional, no qual segundo ela estaria ameaçada pela imigração, internacionalização do comércio, a globalização, enesse sentido defende o retorno do “glorioso” nacionalismo francês. Em seu alegado plano de defender a França, lançavam-se contra seus inimigos internos (anteriormente judeus, maçons e protestantes, agora imigrantes, principalmente árabes e muçulmanos) e os inimigos externos (expeculação internacional e as forças das multinacionais e do corporativismo). A FN defende valores tradicionais e instituições as quais, segundo ela, devem se basear a identidade francesa nos principios de família exército, autoridade e catolicismo.7

O livro de Elodie Trojanowski é dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo a autora faz uma sistematização da história da Frente Nacional, citando os principais sujeitos que constituiu o partido durante sua criação na década de 1970. Talvez uma abordagem com maior capricho no que diz respeito aos mais de 40 anos da história da Frente Nacional pela autora seria necessária, para que o leitor que desconhece a história da Frente Nacional conseguisse visualizar de forma mais abrangente a história institucional do partido. Mesmo o primeiro capítulo necessitando de maior atenção, a autora utiliza a bibliografia correta e obrigatória para qualquer pesquisador que pretende estudar a Frente Nacional, utilizando autores como Nonna Mayer, Pascal Perrineau, Michel Winock e Pierre Taguieff para apresentar as principais características da direita radical francesa e suas raízes históricas.

Ainda no primeiro capítulo Elodie Trojanowski procura apresentar o debate sobre a direita radical na França, abordando as diferentes formas como ela se apresentou no país. Ela aponta os diferentes grupos que existiram, como o movimento monarquista Ação Francesa e também faz menções a Revolução Nacional, durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial. Ela também procura descrever o conceito de populismo que é utilizado na Europa para caracterizar alguns partidos de direita radical. E para finalizar ela discute as características de Jean-Marie Le Pen.

No segundo capítulo a autora francesa demonstra seu método de análise dos discursos da Marine Le Pen. A metodologia escolhida pela autora para a análise discursiva da presidente da Frente Nacional se divide em várias etapas. Elodie Trojanowski separa os discursos em duas categorias, os discursos para a mídia e que foram divulgados pela internet, que ao todo são os 12 maiores discursos de Marine Le Pen e o segundo grupo são 4 discursos feitos por Marine Le Pen aos militantes do partido.

A autora trabalhou comparando os discursos e elencou as principais temáticas que aparecem na fala da líder da Frente Nacional e que são amplamente exploradas durante a a campanha presidencial. Os principais temas apresentados pela autora são; Violência Social, Globalização, Economia, Justiça, Nação, Vida em Sociedade, Imigração, Família, Liberdade, História da França, Cultura, Valores, Hierarquia e Democracia. Com essa definição e recorte do que investigar a autora do livro monta uma tabela onde enumera a quantidade de vezes em que cada temática aparece na fala de Marine Le Pen e também avalia a forma como ele é apresentado, se aparece de forma positiva ou se o tom do discurso é negativo, buscando induzir os eleitores a acreditar em suas alegações.

Nesse formato de investigação a autora contribui para os pesquisadores pois apresenta como algumas temáticas são manipuladas de acordo com o público presente, ou seja, de acordo com o setor político ou social em que se encontra o público da Frente Nacional, o discurso de Marine Le Pen pode ser mais apelativo para o lado sentimental ou pode reforçar a temática para reforçar a posição assumida por um setor. Um exemplo dessa distorção do discurso pode ser evidenciado nos discursos da Frente Nacional aos trabalhadores, quando Marine Le Pen defende a ampliação dos direitos trabalhistas e da garantia dos investimentos do Estado em políticas públicas. E quando a presidente da Frente Nacional fala para os empresários e comerciantes ela defende a redução dos tributos e a proteção do Estado para o crescimento da economia.

No terceiro capítulo a autora apresenta individualmente os resultados das análises quantitativas das temáticas recortadas por ela, demonstrando estatisticamente de que forma cada temática aparece, quantas vezes ela foi utilizada ou apareceu com maior ou menor incidência nos discursos políticos de Marine Le Pen. Além disso ao apresentar as temáticas, a autora também demonstra uma interpretação da conjuntura política e coloca como são construídos os discursos e as formas como eles se desenvolvem na medida que Marine Le Pen acerta a forma de abordagem e como ela modifica a estratégia quando não alcança os resultados esperados.

Notas

1 Doutorando em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, na linha de pesquisa Sociedade, Urbanização e Imigração, orientado por Leandro Pereira Gonçalves. Bolsista CNPq. E-mail guilherme_andrade@hotmail.com

2 Université Catholique de Louvain.

3 EUE- Édition Universitaire Européenes.

4 FRONT NATIONAL, Défendre les Français, C’est le programme du Front National. Front National, no. 3, 1973.

5 CAMUS, Jean-Yves. Origine et formation du Front National…op.cit. pg.17

6 Idem, pg.18.

7 HAINSWORTH, Paul. The extreme right in France: The rise and rise of Jean-Marie Le Pen’s Front National. Representation, 40. 2004, p.44.

Referências

BIRENBAUM, Guy. Le Front National em Politique. Paris, Balland, 1992.

BOURSEILLER, Christophe. Extrême Droite: l’enquête. Paris, Editions François Bourin, 1991.

CAMUS, Jean-Yves. Origine et formation du Front National (1972 – 1981) in MAYER, N;

PERRINEAU, P. Le Front National à découvert. Paris, Presses de la FNSP, 1989.

FRONT NATIONAL, Défendre les Français, C’est le programme du Front National. Front National, no. 3, 1973.

HAINSWORTH, Paul. The extreme right in France: The rise and rise of Jean-Marie Le Pen’s Front National. Representation, 40. 2004.

TROJANOWSKI, Elodie. Le “nouveau” Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours de Marine Le Pen. Saarbrucken, Editions Universitaires Européennes, 2014.

Guilherme Ignácio Franco de Andrade – Doutorando em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, na linha de pesquisa Sociedade, Urbanização e Imigração, orientado por Leandro Pereira Gonçalves. Bolsista CNPq. E-mail guilherme_andrade@hotmail.com

TROJANOWSKI, Elodie. Le “nouveau” Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours de Marine Le Pen. Saarbrucken: Editions Universitaires Européennes, 2014. Resenha de: ANDRADE, Guilherme Ignácio Franco de. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.4, n.1, p. 158- 163, 2015. Acessar publicação original [DR]

FERNANDES Fátima Regina (Aut), Do pacto e seus rompimentos: os Castros Galegos e a condição de traidor na Guerra dos Cem Anos (T), Editora Prismas (E), ZLATIC Carlos Eduardo (Res), Vozes Pretérito & Devir (VPDr), Guerra dos Cem Anos, Europa – Portugal, Castros Galegos

A obra Do pacto e seus rompimentos: os Castros Galegos e a condição de traidor na Guerra dos Cem Anos é fruto do longo trajeto investigativo de Fátima Regina Fernandes, professora de História Medieval da Universidade Federal do Paraná e pesquisadora membro do NEMED – Núcleo de Estudos Mediterrânicos. Enquanto medievalista, lança seu olhar sobre a Idade Média portuguesa, seus atores sociais e relações políticas no âmbito do Ocidente Medieval, com maior relevância para temas que giram em torno da dinâmica entre os poderes régio e nobiliárquico no espaço da Península Ibérica.

Antes de propriamente adentrar na resenha daquela obra, é preciso um esclarecimento. Toda publicação demarca um ponto no trajeto de pesquisa do historiador, seja ele graduando, pós-graduando ou historiador de carreira consolidada. Contudo, Do pacto e seus rompimentos se constitui por excelência como posição de chegada do percurso investigativo de Fátima Regina Fernandes, pois se trata da tese apresentada pela autora para obtenção do grau de professor titular do magistério superior, portanto, voltado à comprovação dos méritos da pesquisadora em ocupar tal posição, demonstrados por via da pesquisa que compõe as páginas do livro em questão. Assim sendo, foi a partir desta peculiaridade intrínseca a pesquisa que originou essa obra de onde partiu a análise contida nas linhas abaixo.

O livro objeto dessa resenha apresenta uma divisão em dois capítulos de desenvolvimento da problemática, aos quais se soma uma terceira sessão composta pelos anexos, que não devem ser menosprezados ou tratados como mero apêndice, tanto por oferecerem esquemas visuais – árvores genealógicas e mapas – facilitadores da compreensão do dinâmico contexto abordado por Fátima Regina Fernandes, quanto por conter a transcrição dos tratados2 utilizados pela autora para construir a argumentação central de sua tese, além de proporcionar o acesso a documentos por vezes difíceis de serem obtidos ao historiador brasileiro.

O primeiro capítulo é dedicado à abordagem contextual da segunda metade do século XIV, período marcado por fluidas relações políticas, rapidamente remodeladas pelo estabelecimento de pactos e tratados entre os monarcas ibéricos, franceses e ingleses; jogo de interesses que não poupou os nobres, dentre eles aqueles que acompanharam Fernando de Castro – os chamados emperegilados – ao reino de Portugal após a morte de Pedro I de Castela, também conhecido como o Cruel, pelas mães de Henrique de Trastâmara, seu meio irmão – pois bastardo –, tomando para si o trono castelhano.

Recebidos em Portugal, os Castros Galegos passaram à condição de vassalos do rei Fernando I, apoiando-o em suas ambições de domínio sobre o reino de Castela. Contudo, os planos dos nobres castelhanos foram malogrados pela aproximação entre o rei português e o aragonês – por meio de acordo que previa a divisão do território castelhano entre ambos –, mas principalmente pelo avanço da Guerra dos Cem Anos, que fez da Península Ibérica um palco de disputas políticas entre Inglaterra e França.

O objetivo de Fátima Regina Fernandes não é fazer uma revisão bibliográfica acerca dos pormenores que marcaram o irromper da Guerra dos Cem Anos e o desenvolvimento desse conflito a partir de uma narrativa centrada nas ações entre França e Inglaterra. Busca, antes, demonstrar como essa contenda se alastrou para além das disputas entre reino insular e o de além-Pirineus fazendo da Península Ibérica um ambiente sobre o qual se estenderam os interesses dos reis franceses e ingleses. Dessa maneira, a medievalista brasileira rompe com a centralidade de abordagens historiográficas focadas tão somente nos embates sustentados por França e Inglaterra ao longo da Guerra dos Cem anos e logra oferecer uma perspectiva de análise que enquadra esse fenômeno histórico enquanto pano de fundo capaz de envolver atores sociais inseridos no âmbito peninsular e os tencionar a tomadas de posição no campo político ibérico.

O ambiente de relações sócio-políticas da segunda metade do século XIV não é novidade nos trabalhos de Fátima Regina Fernandes, intimidade contextual que possibilita à autora o estabelecimento de vinculações de interesses entre o poder régio e o nobiliárquico, exercício facilitado por sua larga experiência no emprego do método prosopográfico – cujo uso se faz patente em sua tese de doutoramento (FERNANDES, 2003) e em tantos outros artigos, com destaque para as abordagens da trajetória de Nuno Alvares Pereira (FERNANDES, 2006; 2009) –, e que se revela, em Do pacto e seus rompimentos, no mapeamento das alterações experimentadas pelas relações políticas entre os Castros Galegos e os reis de Portugal e Castela, mas também entre esses últimos e os monarcas de Aragão, França e Inglaterra.

No que toca o tratamento dispensado por Fátima Regina Fernandes aos Castros Galegos, deve-se considerar que a autora os analisa enquanto grupo, nomeando tão somente a figura de Fernando Peres de Castro, enquanto os demais aparecem sob a sombra deste e escondidos sob o anonimato de seus nomes. A ausência do tratamento acerca da linhagem de Castro deve ser entendida sob a perspectiva de oferecer uma tese vertical, objetivando acima de tudo o debate em torno do estatuto social, político e jurídico experimento pelos emperegilados ao longo das vicissitudes que marcaram os finais da década de sessenta do século XIV e o início do decênio seguinte, compreendendo-os a partir da cultura política nobiliárquica castelhana, sustentada por uma nobreza cindida em dois perfis: a velha e a nova, conforme tipologia defendida por MOXÓ (2000) – importante referencial adotado por Fernandes. A supressão do processo de formação linhagística dos de Castro nessa tese deve sem entendido, para além do imperativo da almejada objetivo, pelo fato de que o tema já foi foco de pesquisas anteriormente publicadas pela medievalista (FERNANDES, 2000; 2008).

A abordagem do labirinto de relações sócio-políticas que marca o primeiro capítulo de Do pacto e seus rompimentos, característica que faz com que a leitura dessa primeira sessão da obra seja uma prática por vezes truncada e exigente de uma profunda acuidade por parte do leitor – a fim de que não se perda entre os nomes e as rápidas mudanças na direção dos pactos políticos –, oferece as referências contextuais necessárias para a devida compreensão do debate concernente ao segundo capítulo da obra, ao longo do qual a autora desenvolve o cerne de sua argumentação: o debate em torno da condição de traidores e, posteriormente, de degredados, imputada sobre o grupo de nobres castelhanos abrigados em Portugal.

Para atingir seu objetivo, Fernandes recupera os pactos e rompimentos políticos abordados no primeiro capítulo da obra para analisá-los a partir dos tratados firmados no desenvolvimento das relações entre França, Inglaterra, Aragão, Castela e Portugal, sendo o Tratado de Santarém, estabelecido entre os monarcas desses dois últimos reinos em 1373, crucial para o entendimento da condição sócio-política e jurídica dos Castros Galegos em território português.

Assim, a medievalista recorre ao exercício de crítica documental, heurística e diplomática para analisar o Tratado de Santarém, por meio do qual se estabeleceu a vassalidade de Fernando I de Portugal a Henrique II de Castela, o Trastâmara, lançando Fernando de Castro e os nobres que o acompanhavam no reino português na condição de traidores. Gozando desse estatuto, foram expulsos pelo rei português, rumando para Aragão e depois para a Inglaterra, onde passaram a viver como degredados sob a proteção do rei inglês.

Dessa maneira, “[…] a condição de traidor seria vista à luz da relação vassálica e identificada com o infiel, o que rompe unilateral e ilegitimamente o laço com o seu senhor” (FERNANDES, 2016, p. 85), rompimento este que deve ser entendido sob a perspectiva da natureza, compreendida enquanto “[…] relação artificial estabelecida voluntariamente entre os homens a fim de manter o bem comum, o consenso universal, a concordia ordinem” (FERNANDES, 2016, p. 97). Sob o imperativo de elucidar esses dois estatutos sociais – traidor e natureza –, Fátima Regina Fernandes recorre a um debate jurídico – traço também característico da autora e já demonstrado desde sua dissertação de mestrado acerca da legislação de Afonso III de Portugal (FERNANDES, 2001) –, problemática transpassada pelo do avanço das concepções do Direito emanadas a partir de Bolonha e do fortalecimento da ideia das fronteiras, fenômenos históricos que exerceram influência determinante no ideário político da Baixa Idade Média.

Ao enveredar pela discussão em torno da natureza e da noção de pertencimento à terra – questões atreladas à definição dos limites fronteiriços dos reinos medievais –, Fernandes toca no debate historiográfico concernente ao tema que pode ser sintetizado pelo título da obra de Joseph Strayer, As origens medievais do Estado Moderno, viés interpretativo que, tomando o Estado como ponto de chegada, relegou a Idade Média o lugar de berço, momento de gestação das instituições que posteriormente chegariam a sua maturidade no período histórico posterior ao da Idade Média.

Rompendo com as explicações teleológicas, característica da escrita de STRAYER (1969), Do pacto e seus rompimentos tem o mérito de inserir a análise acerca das instituições medievais no contexto próprio de sua dinâmica, fazendo perceber que o sentimento de pertencimento ao reino nutrido por aquelas pessoas surgiu a partir da base municipal, assim como instituições cujo funcionamento se pautava em uma relação mais impessoal entre o poder régio e o local; diferentemente da vinculação entre reis e nobres, haja vista que estes, preocupados com a manutenção de seu poder nobiliárquico, negligenciavam os limites fronteiriços, transitando mais livremente entre os reinos ao sabor das possibilidades oferecidas pelos pactos políticos – problemática que a autora já havia apontado ao estudar a trajetória de Gil Fernandes, um homem de fronteira (FERNANDES, 2013).

Os méritos da obra de Fátima Regina Fernandes podem ser estendidos para além da perspectiva de análise das problemáticas medievais supracitadas. Duas guerras mundiais. Conflitos armados no Leste Europeu e Oriente Médio – ainda hoje em chamas. Governos ditatoriais na América Latina. Todos esses embates político-militares impeliram, e seguem obrigando, extensa quantidade de pessoas ao abandono sua terra natal em pronta fuga aos horrores gerados pela violência daqueles embates. A proximidade temporal que envolve o observador contemporâneo a esses fatos pode levá-lo a concluir de maneira apressada que o exílio foi fenômeno nascido no século XX e vivo ainda na segunda década do XXI, entendimento equivocado que também se deve a escassez que a problemática experimenta no espaço dos debates historiográficas dos medievalistas.

Embora a circulação de nobres entre os reinos ibéricos possa ser largamente constatada ao longo da medievalidade ibérica, os medievalistas tendem a se ater ao contexto social e a equação de forças políticas que atuaram para a mobilidade nobiliárquica, muitas vezes dedicando pouca atenção aos conceitos que definem a extraterritorialidade desses atores sociais. A tese de Fátima Regina Fernandes alcança esse espaço de discussão pouco explorado, sem deixar de lado o rigor no trato contextual próprio desse período histórico, contribuindo não apenas para a compreensão da Idade Média, assim como o de nossa contemporaneidade, lembrando-nos que não apenas os indivíduos do século XX e XXI estavam sujeitos à necessidade do exílio, mas também os viventes do medievo.

Expostas essas ponderações, tem-se uma visão geral que torna possível a compreensão geral dessa obra. Enquanto tese de professora titular, a publicação cumpre a função de demonstrar o ponto de chegada das pesquisas desenvolvidas por Fátima Regina Fernandes ao longo de sua carreira de professora e pesquisadora no campo da História Medieval, motivo pelo qual estão presentes nessa obra, problemáticas pertinentes ao percurso dessa medievalista brasileira e que aparecem sintetizadas nas no desenvolvimento de suas interpretações em Do pacto e seus rompimentos.

Este não é, contudo, um trabalho de síntese do fim de um caminho de pesquisa. Ora, ainda há muito a ser feito! É antes um ponto de chegada, de onde partem outras problemáticas a serem elucidadas, como fica demonstrado por Fátima Regina Fernandes ao avançar com o debate acerca da condição de traidor e degredado no âmbito da Baixa Idade Média, cumprindo assim com o objetivo central dessa tese. A pesquisa que gerou a publicação de Do pacto e seus rompimentos ainda confirma o mérito que levou a medievalista a obtenção do grau de titular, elogiosamente reconhecido pelos membros que formaram a banca examinadora e registrado em prefácios preenchem as primeiras páginas de Do pacto e seus rompimentos: os Castros Galegos e a condição de traidor na Guerra dos Cem Anos.

Notas

1 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná sob a orientação da Profa. Dra. Fátima Regina Fernandes. Membro do NEMED – Núcleo de Estudos Mediterrânicos. Bolsista CAPES. E-mail: carloszlatic@hotmail.com

2 Os documentos contidos no sessão de anexos são: Tratado luso-aragonês (1370), Tratado de Alcoutim (1371), Tratado de Tuy (1372), Tratado de Tagilde (1372) e o Tratado de Santarém (1373).

Referências

FERNANDES, Fátima Regina. A construção da sociedade política de Avis à luz da trajetória de Nuno Álvares Pereira. A guerra e a sociedade na Idade Média: Actas das VI Jornadas Luso-Espanholas de Estudos Medievais, s.l., p. 421-446, 2009.

FERNANDES, Fátima Regina. A fronteira luso-castelhana medieval, os homens que nela vivem e o seu papel na construção de uma identidade portuguesa. In: FERNANDES, Fátima Regina (Coord.) Identidades e fronteiras no medievo ibérico. Curitiba: Juruá, 2013. p. 13- 47.

FERNANDES, Fátima Regina. Comentários à legislação medieval portuguesa de Afonso III. Curitiba: Juruá, 2000.

FERNANDES, Fátima Regina. Estratégias de legitimação linhagística em Portugal nos séculos XIV e XV. Revista da Faculdade de Letras-História, Porto, v. 7 (série III), p. 263- 284, 2006.

FERNANDES, Fátima Regina. Os Castro galegos em Portugal: um perfil de nobreza itinerante. Actas de las Primeras Jornadas de Historia de España, Buenos Aires, v. II, p. 135-154, 2000.

FERNANDES, Fátima Regina. Os exílios da linhagem dos Pacheco e sua relação com a natureza de suas vinculações aos Castro (segunda metade do século XIV). Cuadernos de Historia de España, Buenos Aires, v. LXXXII, p. 31-54, 2008.

FERNANDES, Fátima Regina. Sociedade portuguesa e poder na Baixa Idade Média Portuguesa. Dos Azevedo aos Vilhena: as famílias da nobreza medieval portuguesa. Curitiba: Editora UFPR, 2003.

MOXÓ, Salvador. De la nobleza vieja a la nobleza nueva. In: MOXÓ, Salvador. Feudalismo, senorío y nobleza en la Castilla medieval. Madrid: Real Academia de la Historia, 2000. p. 311-345.

STRAYER, J.R. As Origens Medievais do Estado Moderno. Lisboa: Gradiva, 1969.

Carlos Eduardo Zlatic – Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná sob a orientação da Profa. Dra. Fátima Regina Fernandes. Membro do NEMED – Núcleo de Estudos Mediterrânicos. Bolsista CAPES. E-mail: carloszlatic@hotmail.com

FERNANDES, Fátima Regina. Do pacto e seus rompimentos: os Castros Galegos e a condição de traidor na Guerra dos Cem Anos. Curitiba: Editora Prismas, 2016. Resenha de: ZLATIC, Carlos Eduardo. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.6, n.1, p. 279 – 284, 2016. Acessar publicação original [DR]

PEDREIRA Flávia de Sá (Org), Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial (T), LCTE (E), FONTINELES FILHO Pedro Pio (Res), Vozes Pretérito & Devir (VPDr), Nordeste do Brasil, Segunda Guerra Mundial, Séc. 20, América – Brasil

Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial, obra organizada pela historiadora Flávia de Sá Pedreira, é escrita por diversos pesquisadores-autores que se organizaram em torno de um eixo de debate, voltado para pensar o Nordeste do Brasil e suas variadas relações com diferentes eventos e acontecimentos oriundos da Segunda Guerra Mundial. A organizadora, na Apresentação da obra, como quem convida para tomar um café na sala de estar ou no escritório, explica um pouco da trajetória da construção do livro, quando decidiu convidar outros historiadores para o debate/reflexão sobre o tema. Em suas palavras, “Um período tão rico da nossa história, que muitas vezes é negligenciado por se pensar que a guerra foi bem longe daqui…Ledo engano, pois se o front ocorreu do outro lado do Oceano, aqui também se fez presente, atingindo as mentes e os corações tupiniquins, especialmente os que habitam esta região do país” (p. 09). Movida por esse desejo de ampliar, unir e socializar pesquisas, foi que a presente coletânea teve sua origem.

O livro Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial, além da sincera e pertinente Apresentação assinada pela organizadora, é composto por quatorze capítulos, todos debatendo sobre o conflito mundial e suas vinculações com alguma cidade ou capital do Nordeste. São dois capítulos ambientados em Sergipe, dois em Pernambuco, dois na Bahia, três no Rio Grande do Norte, um no Piauí, um na Paraíba, um no Ceará, um no Maranhão, um em Alagoas. A disposição dos capítulos não segue uma “lógica” específica, nem de recorte temporal e nem de agrupamento dos estados, tendo o tema da Segunda Guerra como único elemento aglutinador. Isso, ao contrário do que se possa pensar inicialmente, atribui mais leveza e fluidez à leitura, pois promove dinâmica na exposição dos objetos selecionados. Ao final, somos apresentados aos autores dos capítulos, com um breve resumo biográfico, com suas titulações e filiações acadêmicas.

Mais que uma coletânea de artigos produzidos eximiamente por estudiosos e especialistas na temática. É um referencial para e na historiografia, sobretudo no que tange ao capricho teórico-metodológico. Não se trata de um esforço de “encaixar” o Nordeste brasileiro em um episódio ou em acontecimentos, ou ainda, de “fazer” o Nordeste parte daquele momento beligerante da História mundial. Os estudos que integram a coletânea transitam, conscientemente, entre os limites e possibilidades das questões plurais de fronteira. São autores estão compromissados em “fazer” História, que, por sua vez, está imersa em temporalidades e espacialidades que ora se cruzam, ora se distanciam. Essa alternância se justifica, em grande medida, em decorrência das escolhas e recortes que os pesquisadores fazem. Isso é inerente ao campo científico da História. A percepção desse contraditório limite/expansão do termo “fronteira” é, também, uma tentativa de desnaturalizar o regional, o nacional ou o global como conceitos essenciais, prontos e imutáveis.

O esmero da obra, de fato, já se apresenta no excelente projeto gráfico da capa, que não faz o papel unicamente de adornar o livro. A capa em si já é o compromisso com o despertar e o refletir sobre o que, de forma direta e concisa, aponta o próprio título da obra. Imagens de espaços, sujeitos, momentos e ações diferentes, agrupadas como recortes que compõem uma colagem, isso tudo leva o leitor a pensar no caráter lacunar da história e na posição indelével do historiador, sobretudo no levantamento, na interpretação e na síntese que faz com e sobre as fontes. Fontes escritas, orais e audiovisuais, somadas a mapas, dados numéricos e gráficos, são exemplos da diversificação de olhares sobre os quais os autores se debruçaram para imprimirem suas análises, na presente obra coletiva. As fontes são lidas, problematizadas e interpretadas cuidadosamente à luz da teoria e da historiografia sobre a História da Guerra, a História nacional e das particularidades locais e regionais. Por essa razão, é que, de certa forma, os capítulos travam diálogos com múltiplas especialidades da História, como a história econômica, a história política, a história urbana, a história do cotidiano, a história cultural. No tocante à História Oral, Luiz Gustavo Costa sintetiza bem o seu uso nesta coletânea, ao afirmar que “não se buscou construir ou reconstruir conceitos historiográficos, mas abordagens que permitissem contornar caminhos alternativos embasados em critérios na busca constante em pesquisar determinadas entrelinhas” (p. 272). Cada capítulo aborda entrelinhas que, até então, ainda eram carentes de pesquisa e de conhecimento de um público mais amplo.

São artigos que transitam por variadas possibilidades de interconexões do fazer historiográfico. Por se tratar de um conjunto de pesquisas sobre uma das mais impactantes desventuras do mundo moderno, a Segunda Guerra Mundial, os textos podem ser lidos e interpretados a partir de alguns vieses de entendimento, como a História Política, no esteio daquilo que René Remónd (1997), e seus colaboradores, propunham pensar o mundo da vida política em seus muitos horizontes. Nesse sentido, os artigos que compõem o Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial apontam para como, em diferentes configurações culturais, econômicas, sociais e culturais, as políticas de atuação naquele episódio beligerante eram encaminhadas. Quando se fala de atuação, aqui, fala-se em convocação, participação, resistência, apoio, negação, medo, expectativa, imaginário, representações e demais alcances da Guerra no cenário nordestino.

O espaço e as suas subjetividades, corroborando a ideia de que os limites e fronteiras devem ser percebidos e problematizados em diferentes configurações, são, também, uma perspectiva potencial com a qual o leitor vai se deparar. As inúmeras bifurcações, ou melhor, os múltiplos veios entre o global, o nacional e o regional ganham ainda mais complexidade e viabilidade quando, em meio a tantos artigos, é possível se deparar com estudos que abordam o tema tomando um bairro como recorte espacial e se constitui como objeto.

Os gatilhos para a construção de um objeto de estudo são praticamente ilimitados. O leitor vai se surpreender como os autores aqui reunidos buscaram, em diferentes fontes e matrizes teóricas, a maneira particular de analisar e de apresentar seus olhares sobre a Guerra. O cotidiano, em variadas expressões foi tomado por alguns dos autores, como o fio que os levassem à problematização e construção de suas narrativas.

O desconhecido, o conflito, o medo, a força, a violência, o sonho, a esperança são alguns dos sentimentos que, em boa medida, podem ser percebidos nos textos agrupados. Ataques por mar e terra, espionagem, censura, representações, imprensa, discursos, morte, pobreza e precarização das condições de vida são tópicos e temas analisados ao longo da coletânea, como pode ser notado nos capítulos de autoria de Luana Carvalho, de Juliana Campos Leite, de Armando Siqueira. Episódios sangrentos e violentos, como aqueles do “Pearl Harbor brasileiro”, em Sergipe, discutido por Dilton Cândido Maynard, são revisitados para compreender os alcances simbólicos, imaginários, diplomáticos e políticos e políticos daquele conflito bélico de escala mundial. O mesmo terror é analisado no capítulo assinado em coautoria por Luiz Pinto Cruz e Lina de Aras, ao abordar os ataques empreendidos dos submarinos alemães no litoral sergipano. As relações diretas e indiretas entre os norte-americanos e alguns políticos e lideranças brasileiros são discutidas em diferentes abordagens, como é abordado pelos capítulos de autoria de Anna Cordeiro e de Raquel Silva. Os impactos sociais e urbanos também são analisados nos textos de Osias Santos Filho e de Sérgio Lima Conceição.

Nesse entremeio de textos e análises, é possível historicizar a Segunda Guerra Mundial a partir das críticas e sátiras que blocos de carnaval faziam, após a Guerra, sobre como a sociedade se comportava e representava aquele momento. O carnaval pós-guerra é tomado, então, como um sinalizador para as ranhuras, relações e sociabilidades que o contato, direto ou indireto com a Guerra, causou. Esse é o caso de Fortaleza, com o bloco dos CocaColas. Tal bloco, como discute o historiador Antônio Luiz Macêdo e Silva Filho. Diversão, irreverência e crítica, como têm sido as maiores marcas do carnaval ao longo dos tempos, se encontram para pensar sobre aquele período e sobre a sociedade. O Carnaval é também mencionado por Flávia de Sá Pedreira, em capítulo de sua autoria, quando a autora sobre os discursos acerca da produção artístico-cultural da cidade de Natal, sobretudo a partir do posicionamento de intelectuais, como Luís da Câmara Cascudo. A Segunda Guerra foi uma experiência com proporções quase imensuráveis e, como afirma Antônio Luiz Silva Filho, “as marcas dessa experiência seguem convidando a novas investigações” (p. 60).

A interseção entre cotidiano e guerra é ampliada em artigos como o de Daviana Granjeiro da Silva, que aborda aspectos da identidade para pensar o cotidiano em João Pessoa no período de guerra. Assim como as noções de fronteira devem ser desnaturalizadas, a historiadora apresenta, consciente e sutil, a discussão de que as identidades são importantes para as manifestações, mobilizações, acordos e resistências. Além disso, de que, lembrando aqui das identidades plurais propostas por Stuart Hall (2006), os sentidos ou sentimentos de pertencimento perpassam pelas construções e disputas de identidades. Por esse diapasão, Daviana da Silva conclui que “os desdobramentos de um conflito como foi a Segunda Guerra Mundial trazem efeitos para além dos campos de batalhas e do tempo cronológico de duração oficial do confronto, pois alteram modos de vida e visões de mundo de milhares de pessoas, mesmo em lugares tão distantes do front, o que ratifica a relevância de continuarmos estudando e refletindo sobre este momento peculiar de nossa história” (p. 184).

Da mesma maneira que as identidades, as memórias estão afloradas e debatidas ao longo dos textos da presente coletânea. Em alguns, de forma mais evidente e direta, em outros, de maneira mais diluída em subtemas ou na maneira com o trato com as fontes. Em relação a essas, é indispensável mencionar que todos os capítulos lidam com um leque amplo, desde documentos oficiais ligados à Força Expedicionária Brasileira (FEB), bem como depoimentos escritos de intelectuais e literatos, em sua fricção com depoimentos orais. É assim que, por exemplo, a historiadora Clarice Helena Santiago Lira constrói sua narrativa, promovendo o confronto entre diferentes fontes escritas e orais, para falar sobre o processo de mobilização de guerra na sociedade piauiense, utilizando a noção de front interno como mote de reflexão. A autora concluiu seu texto, afirmando que “a memória social sobre o processo de mobilização de guerra na cidade de Teresina não se faz presente, o que também é constatado por pesquisadores que estudam outras cidades brasileiras nessa configuração” (p. 133).

O repertório e manancial teórico e historiográfico são plurais e utilizados com maestria pelos autores da coletânea. A maioria não fugiu do contato inicial com os ensinamentos de referência de Roney Cytrynowicz (2000) e de Marlene de Fáveri (2002), sobretudo no que se refere ao trabalho de mobilização de guerra no Brasil. Além desses, estudiosos como Gerson Moura (1980; 19930), Silvana Goulart (1990), Vágner Alves (2002), Luiz Muniz Bandeira (2007) e Maria Capelato (2009) foram constantemente revisitados pelos historiadores que colaboraram com a presente coletânea. O diálogo empreendido é fluente, fazendo com que historiografia, teoria e empiria sejam colocadas de forma conexa.

No campo estritamente teórico, os capítulos estão ligados pelos meandros da memória, pois, em certa escala, abordam comunidades de memória ou grupos de memória. Essa concepção de memória, no lastro do que sugere Paul Connerton (1993), em que grupo assume tanto dimensões mais particulares de pequenas sociedades, quanto as dimensões mais complexas e, territorialmente falando, mais extensas. Nesse sentido, os grupos de pessoas de um bairro, de uma cidade, de um agrupamento militar, de lideranças políticas e intelectuais estão imersos nesse deslizamento entre o particular e geral do grupo, constituindo memórias singulares e plurais sobre a Guerra, seus agentes, sobre os espaços e temporalidades. De forma mais abrangente, ainda é viável ler toda a coletânea a partir dos conceitos de sistemas denominados de finalidade e causalidade, como propostos por Jean Baptiste Duroselle (2000), pois desde a movimentação política dos Estados até as reverberações sociais e cotidianas da população, tais sistemas estão manifestados.

Grande parte da riqueza e da importância desta coletânea está no fato de que, conforme a organizadora da obra, a historiadora Flávia de Sá Pedreira, “a indiscutível posição geográfica desta região do país muito contribuiu para o desfecho vitorioso dos países Aliados. A discussão a sobre a necessidade de se construir bases aéreas norte-americanas aqui demorou cerca de três anos, com intensas negociações entre os governos brasileiro e estadunidense. Com a instalação das bases, a partir de dezembro de 1941, o contato entre a população local e os estrangeiros fez-se de forma nem sempre harmoniosa, passando de uma convivência inicialmente cordial à confrontação explícita, principalmente na fase de racionamento em prol do ‘esforço da guerra’” (p. 08). A presente coletânea é um convite ao leitor, para que histórias antes silenciadas ou pouco conhecidas sejam retiradas das trincheiras do esquecimento. É um esforço coletivo em levar para o front da historiografia sujeitos e histórias responsáveis por inúmeras experiências urbanas da Guerra do outro lado do Oceano, do lado brasileiro, do lado nordestino. É importante frisar que, mesmo que cada autor presente nesta obra já tenha publicado inúmeros artigos em periódicos especializados e ter os apresentado em muitos eventos acadêmico-científicos, este livro se materializa como um símbolo e um norte para que novos pesquisadores e estudiosos sintam-se cada vez mais impelidos ao combate, no sentido amplo defendido por Lucien Febvre (1989). Mais que uma obra cujo público seria formado exclusivamente os especialistas e estudiosos das e nas universidades. A obra tem um alcance além, pois as narrativas, mesmo atendendo ao rigor científico e metodológico, não se distanciam da facilidade de compreensão por parte de qualquer público leitor interessado. Movidos pelo dever e pela responsabilidade de (re)escrever a História, em seus múltiplos vieses e horizontes.

Referências

PEDREIRA, Flávia de Sá (Org.). Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial. São Paulo: LCTE, 2019, 340p.

CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. São Paulo: EDUNESP, 2009.

CONNERTON, Paul. Como as sociedades recordam. Portugal: Celta, 1993.

DUROSELLE, Jean Baptiste. Todo império perecerá. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 2. ed. Lisboa: Editora Presença, 1989.

GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. CNPq/Marco Zero, 1990.

HALL, Stuart. O Global, o local e o retorno da etnia. In: HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

MOURA, Gerson. Autonomia na dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

______. Neutralidade dependente: o caso do Brasil, 1939-1942. Estudos Históricos, v. 6, n. 12, Rio de Janeiro, 1993.

MUNIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Fundação Getúlio Vargas, 1997.

Pedro Pio Fontineles Filho –  Doutor em História Social (UFC). Mestre e Especialista em História do Brasil (UFPI). Graduado em História (UESPI). Graduado em Letras-Inglês (UFPI). Professor do Programa de Pós-Graduação em História (UFPI). Professor do Mestrado Profissional – PROFHISTÓRIA (UESPI). Professor do Curso de História (UESPI/CCM). E-mail: ppio26@hotmail.com

PEDREIRA, Flávia de Sá (Org.). Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial. São Paulo: LCTE, 2019. Resenha de: FONTINELES FILHO, Pedro Pio. Além das Trincheiras e do Front: escritas sobre o Nordeste brasileiro e a Segunda Guerra Mundial. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.10, n.1, p. 269- 275, 2019. Acessar publicação original [DR]

 

Third World Protest: Between Home and the World | Rahul Rao

The opening scene of this fascinating book about human rights in the Global South, nationalism (‘home’) and cosmopolitanism (‘the world’) by Rahul Rao, Lecturer in Politics at SOAS, is central London in 2003. The author participates in a manifestation against the impending Iraq War, seen by many as an imperialist venture that will most certainly endanger Iraqi civilians. Yet he also professes to the “struck by the tacit alliance between a politically correct Western left, so ashamed of the crimes of Western imperialism that it found itself incapable of denouncing the actions of Third World regimes, and a hyper-defensive Third World mentality […].” After all, as British foreign policy makers pointed out, Saddam Hussein was guilty of the largest chemical weapons attack directed against a civilian-populated area in history, which took place in Halabaja in the late 1980s, at the end of the war against Iran.

Both sides may care about the fate of the Iraqi population. Yet, what sets the two groups apart, Rao remarks, is that they have identified different enemies: Communitarians and nationalists pointed to the international system as the main threat, while cosmopolitans point to the state, or, more specifically, to the often brutal ‘Third World state’. Leia Mais

Cinéma et turbulences politiques en Amérique Latine | Jimena P. Obregón Iturra e F. Adela Pinheda

El libro Cine y turbulencias políticas en América Latina1 es el producto de un Coloquio internacional realizado en la ciudad de Rennes, titulado “Imaginarios cinematográficos y turbulencias en las Américas: Revoluciones, revueltas, crisis”2, en febrero del 2011. Dicho Coloquio se llevó a cabo en sinergia con el Festival de cine Travelling, en el marco del año de México en Francia3. Fruto de este encuentro entre investigadores tanto latinoamericanos como franceses, surge una obra que aborda las relaciones entre cine y política en una visión a largo plazo, tomando diferentes países y periodos históricos.

En esta obra colectiva dialogan las miradas de distintos investigadores y se interroga sobre las producciones audiovisuales en América Latina, específicamente sobre cómo circulan los imaginarios cinematográficos y cómo éstos se relacionan con la realidad política de un continente. El concepto de “imaginario cinematográfico” es clave y central en el libro, en tanto herramienta conceptual a través de la cual se busca ahondar en las representaciones socioculturales y políticas que abundan en el espectro audiovisual de los distintos países considerados: México, Cuba, Colombia, Brasil y Chile por el lado Latinoamericano, pero también Estados Unidos/Hollywood en cuanto industria globalizante e Italia por el lado europeo. Leia Mais

África parceira do Brasil Atlântico. Relações internacionais do Brasil e da África no início do século XXI | José Flávio Sombra Saraiva

África parceira do Brasil atlântico compõe uma das coleções da editora Fino Traço (Belo Horizonte), coleção designada de “Relações Internacionais”, tal coleção nos aparece em meio ao crescimento da importância do tópico que a nomeia, em razão de uma maior inserção, nos últimos anos, do Brasil nos problemas internacionais contemporâneos [1].

O autor da obra África parceira do Brasil atlântico, José Flávio Sombra Saraiva, possui um currículo versado no assunto, pois além da experiência com a temática no ensino superior em diversas universidades estrangeiras e ainda como professor titular de Relações Internacionais na UnB, também dirige o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI). O livro marca o interesse do professor e pesquisador acerca da diplomacia e economia na História do presente. Leia Mais

Qual o valor da história hoje? | Márcia A. Gonçalves, Helenice Rocha, Luís reznik e Ana Maria Monteiro

Coletânea resultante de um seminário ocorrido em 2010, intitulado o valor da história hoje, o livro organizado pelos historiadores Márcia de Almeida Gonçalves, Helenice Rocha, Luís Reznik e Ana Maria Monteiro, lança uma interrogação que desloca a certeza presente no título original para um ponto ignoto, ao qual concorrem os mais diversos juízos, e que como a própria apresentação da obra sugere, tem a intenção de indicar o caráter movediço do dilema.

Qual o valor da história hoje? revisita a problemática relação constituída entre a teoria da história e a didática da história, só que com a singularidade de uma argumentação tecida com base em objetos pouco habituais neste tipo de tema: é a tensão resultante da inter-relação entre memória e história, e a necessidade do ingresso de debates sobre questões do tempo presente – ou ao menos que estabeleçam ligações com ele – na sala de aula, que orientam as discussões.

A obra reúne as reflexões de um significativo contingente de pesquisadores com estudos voltados principalmente para questões de teoria e método. O desafio do livro reside na conciliação entre as abordagens mais atinentes à epistemologia da disciplina histórica e aquelas que partem de elementos vinculados aos aspectos cognitivos da pedagogia. O primeiro ponto de convergência é a temática que atravessa as divisões do livro: as permissões e interdições impostas pelos sentidos atados à experiência – a vivência e a sua correlata memória –, ao estabelecimento do discurso histórico. Um segundo ponto, este inferido por um menor número de textos, está no entendimento de que um dos lugares onde essa questão se apresenta com maior riqueza é a sala de aula.

O efeito das aproximações e distanciamentos entre os textos se nota na ordem instituída pela organização dos capítulos. Como as rubricas, memória, tempo, e ensino de história, perpassam a maioria dos textos, de fato, parece impossível que se imputasse classificações fechadas que satisfizessem indubitavelmente alocações conjuntas ou separações dos textos. Ainda assim, o resultado é bastante inteligível.

A coletânea se divide em três partes: Formas de escrever e ensinar história, Memória e identidade e Tempo e alteridade. Apesar de atenderem a designação dos subcapítulos, a organização dos textos indica o estabelecimento de uma gradação que ultrapassa os aspectos mais visíveis. Tempo e alteridade relaciona os artigos que melhor trataram da relação entre os formatos e tipos de transmissão da narrativa e a sala de aula; Memória e identidade se apresenta como uma miscelânea de textos que guardam significativa distância entre si, aproximadas em grande parte por discussões que circundam a bandeira do nacionalismo e os sentidos de identidade; e Formas de escrever e ensinar história ensaia uma discussão relativa à variação de tropos, problemas, e parâmetros de subjetividade na escrita da história.

Uma característica que fica clara é que enquanto alguns textos, como os de José Ricardo Oriá Fernandes e Margarida de Souza Neves, acerca da literatura de Viriato Correa, e da relação entre cartografia e memória, respectivamente, buscam suas respostas em elementos pertinentes à pesquisa no âmbito acadêmico, salientando um determinado valor da cultura histórica que se prolonga até o espaço escolar, outros se baseiam em manifestações contíguas à sala de aula, atentando para aspectos que vão das interpretações e entonações presentes no discurso do professor ao desdém dos alunos quanto à possibilidade de futuro, como é o caso dos textos Alteridade e ensino de história: valores, espaços-tempos e discursos de Cecília M. A. Goulart e Aprender e ensinar o tempo histórico em tempos de incerteza: reflexões e desafios para o professor de história, de Sônia Regina dos Santos.

Apesar da existência de dois vieses de análise, a prevalência dos questionamentos acerca das vicissitudes de uma pedagogia da história, para o entendimento do valor da história hoje, fica clara mesmo quando olhamos os artigos em separado. Embora a Parte I seja, dentre as três divisões, a única a trazer no título uma referência direta ao ensino, a temática predomina nos títulos ou conteúdos dos textos. As exceções ficam por conta dos artigos: O valor da vida dos outros… de Márcia de Almeida Gonçalves, Uma província em disputa: como os fluminenses lidaram com a memória imperial na década de 1920, de Rui Aniceto Nascimento Fernandes, e Memória e reconhecimento: notas sobre disputas contemporâneas pela gestão da memória na França e no Brasil, um trabalho conjunto de Lucianna Heymann e José Maurício Arruti.

Apresentando, respectivamente, a singularidade dos valores cognitivos dos relatos vivenciais, os usos políticos da construção memorialista, e as disposições e disponibilidades da gestão da história quanto às reivindicações e anseios reparatórios, os citados artigos procuram a atualidade da disciplina na reavaliação de velhos tópicos. A vinculação destes textos com os demais artigos se dá, principalmente, pelas opções de abordagem e teóricos mobilizados. É nítida a preocupação em estabelecer as diferentes modalidades de apreensão de passagem do tempo, e as subjetividades que derivam de cada definição.

Da fenomenologia de Husserl à crítica moral nietzschiana, vemos uma variedade de formas de inquirição das bases teóricas das principais acepções e conceitos de tempo histórico, e de suas inclinações meta-históricas, trabalhadas por um copioso número de perspectivas, tanto em função dos objetivos dos autores dos artigos, quanto pela diversidade de pensadores evocados. Apesar disto, no conjunto da obra, as preferências são claras: Wilhelm Dilthey, François Hartog, Reinhart Kosseleck, Jörn Husen, e Paul Ricouer recebem um tratamento mais aprofundado.

A pluralidade dos usos da história é uma premissa fundamental na organização da obra. Dado que, inclusive, engendra interessantes antíteses. Se na narrativa sobre as transformações das percepções do conceito de história, de Durval Muniz de Albuquerque Júnior, mergulhamos na história da história e somos apresentados às dissoluções e afirmações de sentido desta maneira de explicar o mundo, mais adiante recebemos a interdição de Valdei Lopes de Araújo à imputação de sentido, e somos recomendados a também mostrarmos aquilo que, do ponto de vista de uma tradicional ética presente nas análises historiográficas, não encontram amparo. Em que pese o fato de que mostrar: “a tragédia, a injustiça, o, o horror como parte integrantes de nossa condição”, nem sempre fez parte do discurso historiográfico, a asserção nos remonta a uma perspectiva contemporânea de história.

Este é um ponto fundamental. A condição humana como o valor premente da história hoje, surge como um discurso comum, e dá a uniformidade à coletânea para apresentar experiências e olhares distintos sobre a história, sobre a educação, ou sobre ambos. Se as definições, e conceitos sobre temporalidade ocupam uma parte considerável do livro, remetendo a uma maior proximidade com a academia, o reconhecimento de como esses conceitos podem ser instrumentalizados para produzir uma ética – vincada ao presente e a partir da sala de aula – nos dá a conhecer uma série de pesquisas e propostas que instigam a construção de um ensino de história diferente, abrangendo desde as séries mais elementares. Indo além, podemos dizer que os artigos colocam em xeque o próprio modelo de ensino de história.

O panorama que os textos descortinam reflete a preocupação em levar para o ambiente escolar a perspectiva de uma necessária orientação em relação a cultura histórica ampla, oferecendo alternativas à dominante narrativa canônica, muitas vezes derivadas do livro didático, e às concepções que parecem atemporais. É nessa chave que podemos interpretar as investigações encetadas pelas supracitadas Cecilia M. A. Goulart e Sônia Regina Fernandez, e por Luis Fernando Cerri e Helenice Rocha.

Esses textos ilustram a diversidades de interpretações que atualmente suscitam os relatos ou as conformações históricas. Tomando como referência apenas os dois últimos: em Nação, nacionalismo e identidade do estudante de história, de Cerri, se destacam as tonalidades e margens de discordância sobre os aspectos tradicionais e as novas questões em relação à nação e ao sentimento nacional entre os alunos. Já em A leitura da aula de história como experiência de alteridade, de Helenice Rocha, é reveladora a discussão que apresenta a maneira como os comentários e leituras com base no livro didático são modeladas pelas representações construídas pelo docente, não somente acerca dos conteúdos, como também da capacidade de entendimento do corpo discente.

Está claro que a publicação indica a ideia de que a história hoje é móvel, e essa mobilidade confronta tabus e abre novas perspectivas. Prova disso são as reiteradas citações sobre as possibilidades de produção de saberes pela incorporação de um viés anacrônico na aula de história. Perpassa-se o juízo de que os embates em torno do tempo, em torno da história, estão presentes de diversas formas a todo tempo, e em todo lugar; o que de maneira implícita reforça a sua contraparte: a experimentação da história está para além dos formatos que procura imprimir o historiador. Por isso, o livro também ilustra uma imposição de um fazer específico e profissional sobre um campo aberto.

A concepção da vigência de uma atualidade permeada de referências históricas, presente com clareza em Ana Maria Monteiro, com Tempo presente no ensino de história: o anacronismo em questão e Carmem Teresa Gabriel, e seu Que passados e futuros circulam nas escolas de nosso presente?, por exemplo, também circunda os outros textos. Eles sinalizam para o ensejo de uma reelaboração da figura do historiador/ educador diante deste quadro, em que a apreciação das narrativas põe em evidência um caráter valorativo da história concernente tanto à sua faculdade de orientação, quanto à sua capacidade em reafirmar e desqualificar memórias no jogo de legitimação de legados e realidades, que se sobrepõe, excluem-se e se complementam.

Apesar da miríade de possibilidades sugeridas e defendidas, e questões postas, a sintonia entre os artigos, e o objetivo claro da realização de uma problematização do campo, arrefecem, no leitor, o típico afã da obtenção de respostas definitivas. Todavia, os encaminhamentos são muito sugestivos. Na verdade, a sensação é de que a vertigem causada pelo profundo abismo, derivado do afastamento entre a sala de aula e a academia, já nos deixa menos mareados. Como ‘orientação’ desponta como a insígnia de Qual o valor da história hoje?, reafirmando a incerteza e a condição humana do fazer histórico, pode-se atribuir está qualidade à publicação, em termos de mapeamento das dificuldades a serem enfrentadas e de propostas que precisam ser evidenciadas.

O que se vê não é uma contraposição, e nem mesmo de complementaridade entre teoria da história e didática da história, mas a idéia de um prolongamento não-hierárquico entre os dois fatores. Se durante muito tempo, o precipício forjado entre ensinar e pesquisar se afigurou como virtualmente intransponível, hoje os esforços de superá-lo são explícitos, sendo Qual o valor da história hoje? parte integrante desse movimento. Fincando estacas nos dois lados do dilema, os artigos reunidos na coletânea procuram estender uma ponte obre a falha, possibilitando que a interpenetração de conceitos e a circulação de saberes gere para a disciplina histórica algo maior que a soma das partes.

Welinton Serafim da Silva.

GONÇALVES, Márcia de Almeida; ROCHA, Helenice; REZNIK, Luís; MONTEIRO, Ana Maria Orgs). Qual o valor da história hoje? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. Resenha de: SILVA, Welinton Serafim da. Construindo pontes, superando abismos: o valor da conciliação entre o ensino e a pesquisa em história. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, v.8, n.8, p.345-350, 2012. Acessar publicação original [DR]

 

11 de setembro de 2001: os Estados Unidos, o terrorismo e a globalização | Meridiano 47 | 2011

O segundo semestre de 2011 trouxe importante efeméride para a política internacional: em setembro, registrou-se o primeiro decênio dos atentados terroristas de fundamentalistas islâmicos a duas cidades dos Estados Unidos: Nova York, centro financeiro, e Washington, sede política.

O ataque simbolizou o fim da crença da inviolabilidade do território norte-americano. Durante quase duzentos anos, a parte continental do país permaneceu preservada de investidas de caráter ideológico – a última havia sido na Guerra de 1812 com a Grã-Bretanha. Outrossim, ele significou viabilizar a execução da denominada guerra preemptiva, isto é, a do ataque amparado na possibilidade eventual de agressão de um adversário de médio porte, na melhor das hipóteses. A II Guerra do Golfo, iniciada em março de 2003, foi o primeiro caso – diante da suposta existência de armas de destruição em massa por parte da ditadura iraquiana e do possível emprego contra a população norte-americana, Washington, a despeito da ferrenha oposição da comunidade internacional, empreendeu o confronto, de escassos resultados positivos. Leia Mais

Times of Terror: Discourse/ Temporality and the War on Terror | Lee Jarvis

Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 foram alvo de intenso debate ao longo dos últimos anos. Diversos foram os analistas que, por meio dos mais distintos vieses teóricos e metodológicos, procuraram avaliar o que aconteceu, o que mudou e o que se manteve inalterado no sistema internacional. Todavia, retomando a profícua distinção proposta por Lynn-Doty (1993) entre perguntas do tipo por que (why-questions) – interessadas em investigar porque determinadas ações e/ou decisões foram tomadas – e perguntas do tipo como (how-questions), cuja meta é entender como sentidos são produzidos e dados aos mais diversos sujeitos sociais, podemos argumentar com certa segurança que este ultimo tipo de pesquisa associado à Guerra ao Terror se desenvolveu apenas mais recentemente na área de Relações Internacionais. O livro ora resenhado é uma valiosa tentativa nessa segunda linha. Leia Mais

Timalchaca. Fiesta, tradición y costumbre en el Santuario de la Virgen de los Remedios | Alberto Díaz Rodrigo Ruz

El libro de autoría colectiva que es objeto de esta reseña, es un esfuerzo de un grupo de cientistas sociales, los cuales, partiendo desde el vínculo con la comunidad andina de Ticnamar, en particular con la “Asociación Cultural y Social Morenos de Ticnamar y Timalchaca” y la “Asociación de Alferazgos y Bailes Religiosos del Santuario de Timalchaca”, tomaron la tarea de responder al requerimiento de la comunidad en orden a objetivar su historia y su tradición, representadas significativamente por la festividad de Timalchaca, la cual se lleva a cabo en los días, 19 al 22 de Noviembre de cada año.

Los autores parten de una festividad con plena vigencia en la actualidad, pero indagan en torno a sus orígenes, realizando un recorrido histórico sobre el despliegue de las unidades administrativas coloniales y en relación con las agencias eclesiásticas en el territorio de los valles interiores de Arica. Cabe destacar que el ejemplo de religiosidad estudiado en el trabajo tiene sus raíces en el pasado colonial, en que las prácticas tradicionales originarias, cargadas de ritualidad, fueron objeto de disciplinamiento mediante instituciones eclesiásticas como la doctrina, mediante la cual se enviaba sacerdotes con la misión de extirpar las idolatrías; no obstante esto, en sectores alejados de los centros coloniales de dominación, como es el caso de las comunidades ubicadas en sectores altiplánicos, la periodicidad y efectividad de estas misiones nunca fue lo suficientemente fuerte como para evitar la persistencia del “ejercicio de manifestaciones culticas asociadas a dioses “paganos” propios de la cosmovisión indígena”1. Leia Mais

Mujeres insurgentes | Moisés Guzmán Perez

¿Por qué tan obstinada persecución contra mí? Tengo derecho a hacer cuanto pueda a favor de mi patria, porque soy mexicana. No creo cometer ninguna falta con mi conducta, sino cumplir con mi deber.

Luisa Martínez

Confiese V., Sr. Alamán que no sólo el amor es el móvil de las acciones de las mujeres: que ellas son capaces de todos los entusiasmos, y que los deseos de la gloria y de la libertad de la patria no les son unos sentimientos extraños; antes bien, suellen obrar en ellas con más vigor, como que siempre los sacrificios de las mujeres (…) son más desinteresados, y parece que no buscan más recompensas de ellos, que la de que sean aceptadas (…). Por lo que mí toca, sé decir que mis acciones (y) opiniones han sido siempre mui libres, nadie ha influido absolutamente en ellas, y en este punto he obrado siempre con total independencia, y sin atender a las opiniones que han tenido las personas que he estimado. Me persuado que así serán todas las mujeres, exceptuando a las muy estúpidas y las que por efecto de su educación hayan contraído un hábito servil. Leia Mais

El Nuevo Topo. Los caminos de la izquierda latinoamericana | Emir Sader

El Nuevo Topo. Los caminos de la izquierda latinoamericana, publicado por primera vez en el año 2009, constituye el último trabajo de Emir Sader, uno de los sociólogos más brillantes entre los intelectuales de la izquierda latinoamericana. Con este nuevo estudio, el autor se propone recorrer las estrategias de poder que la izquierda latinoamericana ha adoptado durante el siglo XX. Nos invita a una comprensión íntegra del surgimiento del neoliberalismo y nos sumerge en la problemática de la construcción de un orden alternativo. A través de una correcta reconstrucción del contexto histórico de América Latina, filtrado por un tamiz crítico, Sader se plantea comprender y reinterpretar, cual alquimista en tiempos modernos, que “no estamos hoy ante una época de cambios, sino ante un cambio de época”, como proclamara hace algunos años el presidente de Ecuador, Rafael Correa.

Retomando un concepto marxiano, consagrado en El 18 Brumario de Luis Bonaparte, afirma que el viejo topo no ha muerto. Este sale a la superficie en épocas de conflicto y luego regresa bajo tierra, no para hibernar pasivamente, sino para cavar sus túneles, perforar y avanzar, de forma tal que cuando el tiempo sea el adecuado saldrá nuevamente a la superficie. Pues bien, para Emir Sader, ese momento está próximo a llegar y su libro intenta, en ese sentido, investir de voz al topo, pues “sólo él puede retomar el hilo de la historia a partir de las formas concretas asumidas por la lucha anticapitalista contemporánea”. 2 Leia Mais

Brazilian Foreign Policy in Changing Times: the quest for autonomy from Sarney to Lula | Tullo Bigevani e Gabriel Cepaluni

Ao final da primeira década do século XXI, a visibilidade do Brasil no sistema internacional tornou-se mais evidente, graças, em grande medida, ao sucesso alcançado pelo país nos campos econômico e político-diplomático. Percebeu-se, em contraste, a existência de uma grande carência na literatura internacional, a qual, muito ocasionalmente, desvia seu foco dos países centrais do sistema internacional. Neste sentido, a obra de Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni aqui apresentada preenche uma importante lacuna editorial não apenas por ser publicada em língua inglesa, mas sobretudo por permitir que o público estrangeiro conheça as grandes linhas da política externa brasileira tanto do ponto de vista teórico quanto empírico, por meio do estudo de vasta literatura produzida por pesquisadores latino-americanos.

O tema central do livro é a busca brasileira por autonomia, desde a segunda metade dos anos 1980 – com a inauguração do regime democrático – até 2009. Segundo os autores, a noção de autonomia (capítulo 1) é entendida pelos latino-americanos como a capacidade de se proteger contra os efeitos mais nocivos do sistema internacional e dos constrangimentos impostos por países poderosos. Vigevani e Cepaluni explicam que a autonomia se expressa por meio de três táticas distintas: pela distância perante países dominantes; pela participação ativa em instituições internacionais; e pela diversificação de parcerias e fóruns de atuação. Leia Mais

The post-American World (T), Norton & Company | Fareed Zakaria

Uma intrigante narrativa acerca dos prognósticos da política internacional no século 21 se mescla a uma abordagem de futurologia no mais recente livro de Fareed Zakaria. Notório pelo teor crítico de suas análises na revista norte-americana NewsWeek, contra a política externa do governo Bush, Zakaria pendula entre o fascínio pelos novos poderes emergentes e o otimismo acerca do futuro da democracia liberal no mundo. O argumento central de Zakaria é que estamos entrando em um mundo pós-americano, no qual China e Índia representam uma nova perspectiva na configuração global de poder, muito mais disseminado, diluído e até certo ponto democratizado. Não se trata de uma obra sobre o declínio dos Estados Unidos, mas sobre “the rise of the rest”.

O objetivo da obra é instigar estudiosos e leitores interessados nas relações internacionais, e nas ciências humanas em geral, a vislumbrar os delineamentos e formas de um mundo novo: inventado não na ruína imaginada de um império colossal, mas na ascensão de uma ordem de grandes possibilidades. Para tanto, o autor divide The Post-American World em sete capítulos, que evoluem da emergência do novo até a continuidade do tradicional propósito norte-americano de preponderância. A narrativa inclui experiências pessoais de vida, desde sua saída da Índia em 1982 até suas recentes viagens de trabalho pelos países asiáticos, onde pôde constatar as transformações operadas naquelas sociedades. Apresenta ao longo do livro um enfoque globalista muito pertinente às explicações atuais das Ciências Humanas, mas que carece de uma visão acurada da realidade brasileira e sul-americana. Leia Mais

The Three Trillion Dollar War – The True Cost of Iraq Conflict | Joseph Stiglitz e Linda J. Bilmes.

Num mundo dominado por forças hostis, são sempre muito bem vindas pelos progressistas as obras em que a guerra e o imperialismo são criticados. Porém, a crítica não pode deixar de fazer a “crítica da crítica”, a troco de permitir reforçar as posições dos adversários às custas das próprias perspectivas que se julgam contestadoras – como mostrou uma vez Marx na crítica ao Programa de Gotha.

Chegou ao Brasil, praticamente no mesmo momento de seu lançamento nos Estados Unidos, a obra The Three Trillion Dollar War – The True Cost of Iraq Conflict, de co-autoria de Joseph Stiglitz e Linda Bilmes. Joseph Stiglitz é um economista de renome mundial, e dispensa maiores apresentações. Já ela, além de professora da Harvard University’s Kennedy School of Government, trabalhou em cargos do governo norte-americano, tendo sido, entre outros, secretária do Department of Commerce. Leia Mais

América latina no século XXI: em direção a uma nova matriz sociopolítica | Manuel Antonio Garretón

O livro América Latina no século XXI é o resultado de uma série de debates acadêmicos que se iniciaram no seminário Rethinking development theories in Latin America: democratic governance, process of globalization and societal transformations, promovido em 1993 pela University of North Carolina. Esses debates foram retomados em encontros na Universidad de Salamanca e, posteriormente, nos congressos da Latin American Studies Association (LASA) – uma entidade internacional que tem como missão fomentar a discussão intelectual, a pesquisa, o ensino e a “participação cívica através da construção de redes sociais e de debate público”1. A primeira versão desta obra coletiva foi redigida pelo sociólogo Manuel Antonio Garretón (Universidad de Chile) e teve como base vários artigos publicados por ele em revistas acadêmicas. Os demais autores contribuíram com seções e parágrafos ao longo do texto e o cientista político Jonathan Hartlyn (University of North Carolina) coordenou a revisão final.

A obra é dividida em seis capítulos que procuram elaborar um “modelo geral” para a interpretação das transformações sociopolíticas e das tendências históricas da região. A princípio, os autores argumentam que os países latino-americanos estão se dirigindo, ainda que de forma irregular, a novas estruturas políticas e padrões de governança ligados fortemente às mudanças sociais que essas nações têm vivenciado nos últimos anos. Ou seja, ao contrário daqueles que procuram uma análise estrutural fundamentada em grandes paradigmas, os autores defendem um estudo das interrelações entre a economia, a política, a sociedade e a cultura através de hipóteses de médio alcance – capazes, segundo eles, de reagir à “excessiva generalização teórica” e aos modelos que pensavam a América Latina exclusivamente em torno de questões como “desenvolvimento”, “revolução”, “dependência”, “modernização” e “democratização”. Leia Mais

Subdesenvolvimento Sustentável | Argemiro Procópio

Subdesenvolvimento sustentável, assim Argemiro Procópio sugestivamente descreve o modelo de desenvolvimento predominante na região amazônica compartilhada por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Ao longo de sua exposição Procópio desnuda a realidade dos “oito amazônicos” ao apontar que a Hiléia, em pleno século XXI, ainda carrega consigo vários problemas estruturais, herança de um longo passado colonial.

Neste contexto, o autor nos apresenta a região como produtora de commodities e manufaturados com baixo valor agregado. Cita a mineração, a exploração madeireira e de metais preciosos, as redes do agronegócio da soja, da carne, do couro e, atualmente, da cana-de-açúcar como protagonistas do “continuum da sustentabilidade do subdesenvolvimento em novas versões da economia colonial nos oito países amazônicos”. Leia Mais

Mystery Train | Luiz Bernardo Pericás

Há quem imagine que Mystery Train, de Luiz Bernardo Pericás, é um roteiro de viagens ou aventuras, mas é muito mais que isso. O autor vai além e inova ao apresentar uma obra que mescla experiência pessoal e ficção com cultura e história dos Estados Unidos. O livro de Pericás é fortemente inspirado em três destacados autores: Jack London e seu The Road, livro memorialístico, autobiográfico, no qual narra suas aventuras e desventuras de trem pelos Estados Unidos; Woody Guthrie, autor de Bound for Glory, um dos nomes mais importantes da cultura popular norte-americana, da primeira metade do século XX e criador da música folk moderna, cujas letras dão voz aos marginalizados de sua época (como os negros, os red necks e os operários); e Jack Kerouac e seu On The Road, considerada a bíblia da “geração beat“, que mostra o lado sombrio do “sonho americano” a partir da viagem de dois jovens, que atravessaram a “América” de costa a costa.

A chamada “geração beat”, formada por Jack Kerouac, William Borroughs, Gregory Corso, Allan Ginsberg e Lawrence Ferlinghetti, entre outros, exerceu enorme influência nos movimentos contraculturais dos Estados Unidos. Os beatniks ouviam muito jazz, usavam drogas, praticavam o sexo livre e mantinham-se com o pé-na-estrada. Queriam fazer sua própria revolução cultural por meio da literatura. Leia Mais

O século XXI no Brasil e no mundo | Maria Izabel Valladão de Carvalho e Maria Helena de Castro Santos

Theodore Hook, escritor inglês, afirmava que a melhor forma de predizer o futuro é inventando-o. Esse mote singulariza muito bem o empreendimento de desbravadores, inventores e vanguardistas da arte, pois a engenhosidade humana parece dispor de irrestrito estoque de surpresas que transformam o espaço e a consciência que temos de nós mesmos. É com artifício semelhante que gerações de pesquisadores perscrutam uma grande “invenção” coletiva, que é a realidade social que nos cerca.

Para examiná-la, criam-se métodos, derrubam-se axiomas e debatem-se idéias – um processo que redunda na grade de conhecimento que ajuda a tornar compreensível os complexos processos que enfrentamos. Nos últimos anos, contudo, esses exercícios demandam cada vez mais desvelo e mobilização por parte dos corifeus da academia, pois a realidade parece constituir um agregado difícil de decompor, de dar inteligibilidade e de explicar. Leia Mais

Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas | Paulo Roberto de Almeida

A área acadêmica das relações internacionais no Brasil não carece de manuais de estudo, recentemente publicados Há manuais apresentando a disciplina do ponto de vista do Brasil, além de outros manuais traduzidos de línguas estrangeiras. O livro em questão do diplomata Paulo Roberto de Almeida não conforma um manual no sentido clássico do termo para atender às necessidades dos muitos cursos de relações internacionais que apareceram nos últimos anos em nosso país. Mas ele corresponde a uma aproximação do que se espera seja a discussão dessa problemática a partir das preocupações e dos problemas brasileiros.

Paulo Roberto de Almeida tem se distinguido, desde o começo dos anos 1990, por uma produção constante e de reconhecida qualidade no campo da história diplomática e das relações internacionais do Brasil. Em novembro de 2001, coroando uma já longa lista de livros anteriores sobre o Mercosul ou a política exterior do Brasil (que ele divulga em seu website pessoal: www.pralmeida.org), Paulo Almeida lançou um grosso volume de pesquisa histórica sobre os fundamentos da diplomacia brasileira na área econômica: Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (São Paulo: Senac-Funag, 2001), que faz o balanço da inserção econômica internacional do Brasil ao longo do século XIX. Leia Mais