Sandra Jatahy Pesavento: a historiadora e suas interlocuções (Segunda parte) | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2009

Com esta edição, o periódico Fênix – Revista de História e Estudos Culturais (Volume 6, Ano VI, Número 3 – Julho / Agosto / Setembro – 2009) dá continuidade à homenagem, iniciada no número anterior, à historiadora Sandra Jatahy Pesavento, falecida no início de 2009.

Estamos muito honrados, pois, neste número, Fênix – Revista de História e Estudos Culturais traz aos leitores a segunda parte do Dossiê intitulado “SANDRA JATAHY PESAVENTO: A HISTORIADORA E SUAS INTERLOCUÇÕES”, cuja organização ficou sob a responsabilidade das Profas. Dras. Nádia Maria Weber Santos (que também assina a Apresentação), Miriam de Souza Rossini e Maria Luiza Fillipozi Martini. Leia Mais

Lords of Finance: The Bankers Who Broke the World | Liaquat Ahamed

Durante a crise asiática, Liaquat Ahamed olhou com apreensão uma capa da revista Time com fotografias de autoridades econômicas com o título “o comitê para salvar o mundo”. Economista formado em Harvard e Cambridge, com longa carreira como banqueiro de investimentos, Ahamed pensou no fracasso dos titulares dos bancos centrais dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha em enfrentar a Grande Depressão da década de 1930. Do desconforto nasceu o excelente livro “Lords of Finance: The Bankers Who Broke the World”.

As biografias dos quatro protagonistas se entrelaçam com os dilemas de seus países. Montagu Norman, da Grã-Bretanha, era um aristocrata herói da guerra dos bôeres. Émile Moreau, da França, tecnocrata da prestigiosa Inspetoria de Finanças. Benjamin Strong, dos Estados Unidos, executivo de Wall Street que participara da organização tardia do Fed, após a sucessão de crises que afligiu “o primitivo, fragmentado e instável sistema bancário” (p.52) do país. O personagem mais interessante é Hjalmar Schacht, raro exemplo de self-made man da Alemanha imperial. Brilhante, mas de ambição desmedida, que o levou à aliança com os nazistas. O economista John Maynard Keynes foi o contraponto ao quarteto, na qualidade de intelectual em ascensão cujas opiniões críticas desafiavam a ortodoxia com a qual os banqueiros tentaram lidar com a Grande Depressão. Leia Mais

Cien años de propuestas y combates. La historiografía chilena del siglo XX | Julio Pinto Vallegos e María Luna Argudín

El texto que reseñamos es una interesante propuesta de difusión de las historiografías nacionales del siglo XX que coordina hace algunos años la historiadora María Luna Argudín en la UAM, unidad Azcapotzalco, y que tiene como finalidad responder a la necesidad de divulgar entre el público mexicano en general, y en particular entre los estudiantes universitarios de las áreas de historia y ciencias sociales (tanto de licenciatura como de posgrado), otras experiencias e interpretaciones históricas aparentemente ajenas al modelo elaborado en México.

El destacado historiador Julio Pinto Vallejos, asumió el reto propuesto por María Luna Argudín. En una versión preliminar fue ofrecido, en junio de 2002, como un curso que se organizó para la Maestría en Historiografía de México de la UAM, para posteriormente, en el 2006, con la introducción de algunas modificaciones, escribir dichas conferencias, brindando un balance de la historiografía elaborada en su país durante el siglo XX, texto que está dedicado íntegramente hacer un recorrido por las grandes corrientes o líneas de tensión que este quehacer ha exhibido en estos cien años. Leia Mais

La intervención social en Chile y el nacimiento de la sociedad salarial 1907-1932 | Juan Carlos Yánez

El siglo XX fue testigo de la irrupción del Estado de Bienestar a partir del trauma de la crisis económica mundial de 1929. Occidente apostó sus cartas al sostenimiento de esta variante capitalista, cuya funcionalidad estaba dada por la cooptación de las clases trabajadoras dentro de las retículas de derechos y deberes, donde el obrero se posicionaba en tanto individuo en relación con la asistencia social oficial, desplazando el ímpetu colectivo y revolucionario del cambio de siglo. Así entonces, se fue institucionalizando una modalidad moderna de control social relacionada más con una hegemonía legitimada sobre los derechos y beneficios que con las vías tradicionales de exclusión y represión.

La obra reseñada en estas páginas es un esfuerzo por aterrizar este fenómeno al caso local, indagando en las variables que confluyeron para dar forma a una suerte de Estado de Bienestar en Chile, tópico que de acuerdo al autor, sufriría un profundo vacío historiográfico. Leia Mais

Nacionales y gremialistas. El parto de la nueva derecha política chilena 1964-1973 | Verónica Valdivia Ortiz de Zárate

A lo largo de su carrera, la historiadora Verónica Valdivia Ortíz de Zárate ha prestado atención al impacto que tuvieron en el siglo XX chileno diversos movimientos nacionalistas y corrientes antiliberales, los que en general habían tendido a ser pasados por alto por nuestra historiografía. Quizás esta experiencia le ha dado la sensibilidad para contextualizar y entender los cambios vividos por la derecha chilena en la década de 1960 y dar cuenta de las transformaciones que sufrieron su ideario y sus pautas de acción.

Así, en su último libro, la autora pretende discutir una idea recurrente en textos historiográficos y politológicos chilenos, que ven en la derecha de la década de los 60 una tendencia eminentemente defensiva, sin proyectos, unida exclusivamente en torno al anticomunismo y a una actitud de reacción frente a las reformas estructurales planteadas tanto desde el centro como desde la izquierda política. Basándose en una exhaustiva revisión de fuentes, principalmente de carácter hemerográfico, Verónica Valdivia refuta esta tesis, sosteniendo que durante la segunda mitad de la década de 1960 y el período de la Unidad Popular, asistimos al nacimiento de una nueva derecha, la que habría abandonado sus ya tradicionales estrategias de negociación y cooptación de los nuevos sectores que accedían al poder político, para pasar a tomar una actitud confrontacional, orientada a recuperar su vocación de poder. En este período, la derecha habría comenzado a tomar un estilo programático y proyectual. Sin embargo, en su interior habrían coexistido diversos proyectos políticos paralelos, sin lograr que uno en particular alcanzara una posición hegemónica. Teniendo en cuenta estas consideraciones, la autora define al período como un “parto”, en el que tras serias complicaciones, dolores y conflictos habría surgido una nueva derecha. Si bien Valdivia tiene en cuenta una vasta cantidad de grupos clasificables bajo el rótulo de “derecha” en el periodo, se centra principalmente en los casos del Partido Nacional y el Movimiento Gremial. Leia Mais

Dourados: memórias e representações de 1964 | Suzana Arakaki

No livro, originário de sua dissertação de mestrado, a autora trata das conjunturas que levaram ao regime militar em 1964 e as reviravoltas políticas que foram geradas pela euforia do movimento no antigo sul do estado de Mato Grosso, especialmente a cidade de Dourados e a região da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), lugares grandemente influenciados pela ação do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). O contexto por ela analisado tem como recorte temporal a década de 1960, desde os primeiros momentos do governo de Jânio Quadros, concentrando especialmente na posse e governo de João Goulart (o Jango), destacando suas indefinições político-partidárias, até o golpe derradeiro com o Golpe e a tomada do poder pelo militares.

Para a elaboração do seu texto a autora vai fazer uso de notícias veiculadas no jornal douradense “O Progresso”, deixando clara a postura de direita assumida pelo mesmo e o apoio dado à derrubada do Governo Goulart, tendo como figura de destaque na propagando da pseudo-revolução o proprietário do jornal e deputado Weimar Gonçalves Torres. Em seguida ela não deixa de salientar a decepção que acometeu o mesmo deputado, assim como tantas outras pessoas da região com os resultados das ações dos militares. Para se utilizar dos jornais como fonte de sua pesquisa a autora elabora um pequeno histórico dos periódicos locais. Leia Mais

Sandra Jatahy Pesavento: a historiadora e suas interlocuções | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2009

Sandra Jatahy Pesavento foi uma mulher de desafios e inovadora. Inovadora no que pensou, no que fez, no que trouxe para o mundo da História neste espaço acadêmico do sul do país. E suas idéias atravessaram as fronteiras gaúchas, inspirando e ganhando interlocutores em vários circuitos acadêmicos nacionais e internacionais.

Em palestra proferida no Museu Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, em outubro de 1997 (quando ela mesma organizou a I Jornada de História Cultural, trazendo o historiador François Hartog, da École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris), a historiadora lançou a “pedra fundamental” do que seria o mote de sua vida profissional daí em diante: os pressupostos da História Cultural. Ela relacionou sete desafios e três impasses referentes a este novo campo historiográfico. Um destes desafios é a reafirmação da dúvida, enquanto princípio de todo o conhecimento, o que abre espaço para a incerteza, o desafio. É a História e suas várias interpretações; a possibilidade de contá-la sem antecipar a conclusão, a História como versão do que se passou, relativizando o contexto científico da mesma. Para Sandra Pesavento, a História Cultural veio firmar-se em uma nova postura epistemológica e em uma nova estratégia metodológica, apontando para um caminho de complexificação da História e refinamento da análise. Leia Mais

Da União à Fundação. A História da Panificação em São Paulo | Cristina Nilmara Perissini

A presente resenha se faz pertinente porque através dela coloco algumas preocupações referentes às normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), citações de fontes e revisão textual. Questões que ficaram evidentes na obra “A História da Panificação em São Paulo”, da autora Nilmara Cristina Perissini.

Com o livro em mãos, tive o primeiro contato com o resumo do currículo da autora, que é formada em História pela UNORP (Centro Universitário do Norte Paulista), e também autora dos seguintes livros: “Do Trigo ao Pão Sem Complicação”, lançado em 2003, e “Palestra Esporte e Clube. Histórias e Memórias”, lançado em 2000. É também responsável pelo Memorial da Panificação de São Paulo desde 1995. Além disso, vem de uma grande família de padeiros. A referida obra eleita para resenha possui dez capítulos e cento e setenta páginas, onde são narrados os principais acontecimentos que envolveram um dos mais antigos alimentos: o pão.

As padarias foram e são ao mesmo tempo um misto de comércio e indústria, e enfrentaram durante as décadas de 10 e 20 a concorrência de outros comércios, como os “quiósques”, que se dispunham a vender pão ao meio de moscas, bebidas alcoólicas, café, leite, cigarros de palha, fumo de corda, biscoitos, balas, jornais, bilhetes de loteria, graxas, cordas para sapateiros, entre outras mercadorias, que prejudicavam o aroma, o sabor e a higiene do pão. Estas e outras questões fizeram com que um grupo de panificadores liderados por Carlos C. Calia, Manuel R. Ladeira e Bignardi Albano fundassem a União Cooperativa dos Proprietários de Padarias de São Paulo, em 11 de fevereiro de 1915, e mais tarde, em 6 de junho de 1935, o Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria.

Essas organizações foram bastante importantes, pois defendiam a classe patronal dos panificadores, assim como também organizavam as relações com os padeiros. A maioria dos panificadores era de italianos, portugueses e espanhóis. Essa pequena diversidade de nacionalidades resultava também em uma diversificação na fabricação de pães.

As padarias das famílias italianas e espanholas faziam pães que pesavam entre um a dois quilos, e eram conhecidos como filões, roscas ou panholas.

Esses pães foram chamados de caseiros, pois eram feitos com fermentação natural, o que os tornava mais saborosos no dia seguinte. A maioria dos fregueses adquiria pão para dois ou três dias, permitindo assim que a padaria pudesse ficar fechada um dia por semana, oferecendo descanso semanal aos empregados, uma polêmica discussão sobre os direitos trabalhistas de padeiros e de funcionários ligados ao ramo panaderil.

O final da década de 20 e início da década de 30 marcou a presença das padarias chamadas “francezas”, que eram comandadas por portugueses.

Essa denominação estava relacionada à fabricação de pães que utilizavam o fermento biológico, esse derivado da cana de açúcar e do amido extraído da mandioca. Esse sistema de trabalho para a produção de pães permitiu aos padeiros fabricarem várias fornadas diárias, com pão quente toda hora.

Essa forma portuguesa de trabalhar inovou o modo de administrar as padarias, que a partir de então poderiam revezar os funcionários em turnos de trabalho, e garantia o funcionamento sete dias por semana à disposição do freguês, 20 horas por dia aproximadamente.

Havia também já no início do século XX as confeitarias de luxo, que se localizavam no Largo do Rosário e na Rua XV de Novembro. Temos como exemplo desse período a Confeitaria Castelões, que ficava aberta até às dez horas da noite. Outras de destaque foram a Fasoli, a Nagel, a Brassiere e Progredior, todas localizadas na rua XV de Novembro. Algumas delas como a Fasoli tinham até apresentação de orquestra.

A presente obra traz uma imensa contribuição para a área de humanas, sobretudo aos historiadores. Foi de suma importância a leitura deste livro para a pesquisa, e continua a ser relevante e pertinente às discussões no Núcleo de Estudos da História Social da Cidade – NEHSC – da PUC-SP, pois Nilmara consegue dar um panorama sobre tão importante tema, ainda mais quando traz à tona os problemas da história da panificação em São Paulo.

Isso posto, o motivo dessa resenha é chamar a atenção para as lacunas deixadas na obra que, sem dúvida, é de suma importância.

De início, algo chamou a atenção quando a autora narra sobre a alimentação portuguesa na ocasião do “descobrimento” do Brasil. Segundo a sua narrativa, houve um choque de paladar entre a base alimentar estruturada no pão, vinho e azeite, e os novos alimentos e sabores da culinária indígena, em que o consumo de mandioca e seus derivados, como a farinha, predominaram sobre a farinha de trigo.

Nessa discussão, a autora cita uma frase de José de Anchieta no século XVI: “Já deu trigo mas não o querem… Apenas semearam alguns grãos para hóstias e bolinhos…”

A citação acima não é devidamente indicada na presente obra resenhada. De onde foi tirada? De um livro? De uma carta? De um jornal? A dúvida sobre a fonte ficou eloqüente. A referida citação encontra-se na obra de Ernani Silva Bruno (1984, p. 33).

Nilmara continua a narrar sobre essa relação do homem com o pão, a escassez do trigo e hábitos alimentares. Assim, aponta que por volta de 1616, a Câmara Municipal de São Paulo registrou em suas Atas diversos pedidos de licenças para a instalação de moinhos. Mas também a autora não indica a localização das referidas atas [1], como também não indica a fonte documental sobre o trabalho feminino das chamadas padeiras, as quais era permitido fabricarem e venderem pães.

Mais adiante, a autora afirma que nos meados do século XIX, a sociedade paulistana estava influenciada pela presença dos imigrantes italianos na fabricação do pão de trigo. Com as famílias desses imigrantes surgiram as padarias italianas, como a Padaria Santa Tereza, fundada em 1872 e instalada na rua Santa Tereza, próxima à Praça da Sé; a Padaria Ayrosa, fundada em 1888, no Largo do Paissandu; a Padaria Popular, fundada em 1890, da família Di Cunto, na Rua Visconde de Parnaíba.

Após breve citação dos logradouros panaderis, a historiadora apresenta um depoimento oral do Senhor Alfredo Di Cunto, mas também não esclarece a fonte da entrevista. Algumas indagações surgiram: quando foi realizada a entrevista? Quem o entrevistou? A entrevista foi publicada na íntegra? O que foi perguntado ao Senhor Alfredo? Qual a importância desse cidadão no processo de panificação de São Paulo? O documento se perde por não ser devidamente apresentado.

Após esses e outros dados narrativos, o livro segue com um caderno de seis fotos, respectivamente: a Padaria Franceza; a Santa Tereza; a Nova Padaria Franceza; a Confeitaria da Sé; a Padaria União Brasileira; e a carrocinha de entrega de pão. Nenhuma das fotografias possui indicativo de arquivo, se este é público ou particular, e as datas das respectivas imagens são incertas. Por exemplo: por volta de 1900; por volta de 1910; entre outras questões lacunares sobre o trabalho com iconografia.

As atividades do ramo panaderil envolviam muitas questões a serem resolvidas e muitos problemas a serem enfrentados, desde a relação com a exportação do trigo quanto ao preço e venda do pão.

Com essa discussão, a autora cita um documento que se refere à Alimentação da Classe Obreira de São Paulo. Também não se sabe se é um livro, uma Tese, uma Dissertação, ou outro tipo de fonte documental, nem tão pouco a data e o local de publicação.

São inúmeras as citações de livros, Atas, depoimentos orais, revistas, jornais, relatórios de congressos e cartazes de cursos de panificação que não apresentam indicação de fontes, e o que existe de indicação está fora dos padrões da ABNT.

A autora não apresenta Bibliografia no final do livro, como também organização dos documentos utilizados como fontes. Alguns poemas e crônicas que foram utilizados também não estão devidamente apresentados. Vale ressaltar que a documentação eleita pela autora é variada e rica.

Outra questão que está em evidência é a falta de revisão textual, onde o revisor com o olhar atento deve corrigir os erros de digitação e impressão gráfica.

Ocorre que os historiadores têm uma responsabilidade muito grande com a transmissão da História, seja pelo ensino e/ou pela pesquisa, como também com os resultados obtidos por este ofício, expressos em artigos, resenhas, Teses, Dissertações, livros, comunicações, palestras, aulas, oficinas entre outros. Deve-se pensar como contribuir com qualidade e de forma diferenciada para a produção do conhecimento.

Sem dúvida, Nilmara Cristina Perissini tem dado grandes contribuições à historiografia, e com respeito e admiração pela colega de oficio, ouso resenhar a sua obra de forma crítica, pois a mesma trouxe-me preocupação com a referida documentação apresentada de forma lacunar e, por isso, não pude saborear melhor o saber sobre a história de um dos alimentos mais antigos do mundo, o pão!

Nota

1 As referidas atas encontram-se no Arquivo Municipal Washington Luiz, localizado na cidade de São Paulo, local por mim pesquisado recentemente.

Referência

BRUNO, Ernani Silva. História e tradições da cidade de São Paulo: arraial de sertanistas (1554-1828). São Paulo: Hucitec, 1984. v. 1.

Márcia Barros Valdívia – Professora Doutora em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Integra o Núcleo de Estudos da História Social da cidade – NEHSC – da PUC-SP. Atualmente desenvolve projetos de pesquisa junto ao NEHSC, entre eles “Padeiros Portugueses em São Paulo”, “Padarias na Cidade de São Paulo”, “Cantinas Portuguesas e a Cidade de São Paulo” e “História da Vila Madalena.


PERISSINI, Cristina Nilmara. Da União à Fundação. A História da Panificação em São Paulo. São José do Rio Preto: Mundial, 2005. Resenha de: VALDÍVIA, Márcia Barros. Para escrever e fazer pães: a necessidade da técnica e do método. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.2, 2009. Acessar publicação original [DR]

 

Peace in International Relations | Oliver P. Richmond

No campo de estudos, as Relações Internacionais surgiram com o fim último de evitar tragédias como a Primeira Guerra Mundial. Seus estudiosos, não lograram desenvolver um entendimento preciso da paz: ao contrário, concentraram-se nas dinâmicas do poder e da guerra, assumindo o entendimento realista de que a violência é inerente à natureza humana e às relações entre estados. Esta é a crítica mais ampla das pesquisas de Oliver Richmond e transparece nas publicações anteriores do autor, dentre as quais se destacam Maintaining Order, Making Peace (2002), The Transformation of Peace (2005) e Challenges to Peacebuilding: Managing Spoilers During Conflict Resolution (2006).

Em Peace in International Relations, Richmond aprofunda sua crítica e analisa as concepções de paz (frequentemente implícitas) nas teorias das Relações Internacionais. Ao apontar as limitações das abordagens deterministas/positivistas na primeira parte do livro, o autor clama por abordagens interdisciplinares e entendimentos plurais no estudo do tema. Nesse sentido, as abordagens póspositivistas, apresentadas na segunda parte, podem facilitar o desenvolvimento de ontologias, teorias e métodos que permitam um melhor entendimento da paz. Leia Mais

The Post-American World | Fareed Zakaria

Passadas quase duas décadas do fim da Guerra Fria e da rigidez bipolar, ainda hoje permanecem muitas incertezas acerca da natureza do atual sistema internacional. Assim, neste complexo cenário em que os destinos de seus atores se entrelaçam num contexto favorável a conexões da mais variada ordem, surgem algumas questões paradigmáticas. Qual o cenário que se desenha para o futuro próximo? E qual o papel a ser desempenhado pela superpotência remanescente nesta nova ordem? Estas indagações norteiam a reflexão que faz Fareed Zakaria em seu mais novo livro, The Post-American World, uma obra que se apresenta como uma lúcida leitura acerca do mundo pós-Guerra Fria e das tendências que lhe dão forma.

Apesar de o título, à primeira vista, nos remeter à assertiva “duroselliana” de que todo império perecerá (DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo Império Perecerá: Teoria das Relações Internacionais. Editora UnB: Brasília, 2000), The Post-American World não é mais um prelúdio sobre o declínio da proeminência norte-americana no mundo. A obra é uma saudação ao nascimento de uma genuína ordem global marcada pela ascensão de outros atores dotados de significativos recursos de poder. Para chegar a este ponto, inicialmente Zakaria descreve as três grandes mudanças tectônicas que ocorreram ao longo dos últimos quinhentos anos e que moldaram o sistema internacional. Leia Mais

Caio Prado Junior, o Sentido da Revolução | Lincoln Secco

A obra de Caio Prado Júnior foi um marco na história do pensamento brasileiro. Ao lado de Gilberto Freyre, autor de Casa-Grande e Senzala (1933); de Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil (1936), Caio Prado Júnior marcou esta geração de grandes intelectuais brasileiros da década de 1930, com a publicação de Evolução Política do Brasil (1933).

Caio Prado Júnior partilhou – assim como inúmeros intelectuais de sua geração – da ousada preocupação de tentar entender a realidade brasileira como uma totalidade dotada de sentido, através de grandes obras de síntese. Esta perspectiva foi em parte abandonada pelas gerações seguintes que em nome de uma crescente especialização do conhecimento passaram a produzir trabalhos de caráter cada vez mais fragmentário. Leia Mais

Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende 1970-1973 | Luiz Alberto Moniz Bandeira

“Fórmula para o caos”, expressão extraída de um telegrama da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), é o nome que o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira escolheu para seu livro sobre o golpe de Estado que depôs Allende, no Chile. O autor parte do pressuposto de que seria impossível se chegar à efetivação do modo de produção socialista pela via democrática como desejava Allende, e menos ainda pelo caminho das armas, como defendiam alguns movimentos revolucionários, já que a conjuntura local, regional e internacional era totalmente desfavorável. Recorre à história das guerras pela independência e da formação do Estado nacional na América Latina para explicar o surgimento do militarismo, que gerou o caudilhismo e que, por sua vez, criou a cultura do golpe de Estado contra projetos nacional-populares.

Não se pode esquecer, no entanto, que o triunfo da Unidade Popular em 1970, não se deu apenas por conta de uma divisão interna na classe dominante, mas culminou de um prolongado esforço de formação de consciências, de organização popular e de lutas comunitárias, cujas origens remontam ao início do século XX, no Chile. Por isso, a transição ao socialismo chegou a ser uma possibilidade nos anos 1970, pois não se tratava de um projeto de um grupo de intelectuais ou de uma ação limitada de alguma vanguarda desvinculada das massas, mas sim de algo surgido dessas mesmas massas e das organizações que não falavam em nome do proletariado, mas que efetivamente o representavam orgânica e ideologicamente. Os trabalhos desenvolvidos por Cueva e Vuskovic apontam para essas ideias2 Leia Mais

Caminhos cruzados: migração e construção do Brasil moderno (1930-1950) | Odair da Cruz Paiva

As marcas das primeiras levas de migrantes que chegaram ao bairro já em meados da década de 1930 continuam presentes, revelando as idades da história. A decodificação dos desafios do presente nos obriga, assim, a deslindar os diferentes tempos que o constitui. Questões e problemas gerados pelas gerações passadas mantêm-se para além do momento em que foram criados e assumem formas diferenciadas a cada novo presente. O trabalho do historiador deve apontar para um olhar sobre o presente e faz emergir o passado que igualmente o constitui.

Odair da Cruz Paiva (p. 279)

“Caminhos cruzados” já seria um título bastante oportuno para se atribuir a um livro que nasce de uma minuciosa pesquisa que tem como principal objeto de estudo o tema migração. Mas, ao se aprofundar na obra percebemos a cada momento que a expressão é muito mais significativa, vai além desse primeiro encontro. Ainda no prefácio, a Profa. Dra. Zilda Márcia Grícoli nos expõe que seu orientando, como pesquisador, consegue com sucesso transpor para a vida acadêmica seus próprios anseios, seus incômodos pessoais, gerados ainda no seio familiar e instigado principalmente pelas histórias contadas por sua mãe (migrante e nordestina). Por outro lado, continua a professora, esse envolvimento com o tema não o impede de priorizar o rigor metodológico, muito pelo contrário. E tal contexto é facilmente identificado ao nos defrontarmos com as 306 páginas da obra de Odair da Cruz Paiva, que nascem de uma pesquisa para obtenção do título de doutor em História Social pela USP.

Desse modo, torna-se bastante apropriada a leitura da obra em diversos aspectos, mas principalmente para percebemos como o autor, graduado pela PUC-SP, demonstra o quanto pode ser rico o ofício do historiador. Uma riqueza que está em conseguir dar conta tanto de aspectos gerais da sociedade, e, ao mesmo tempo, tornar possível a busca de respostas para questões que passam por um campo mais específico, porque não dizer individual. No caso de Paiva, como filho de migrantes nordestinos, questionamentos gerados de acordo com as contradições vivenciadas em sua própria história de vida foram fatores que nitidamente o impulsionaram para a construção desta bela obra.

Assim, fica evidenciado o importante papel do pesquisador, já que observamos a presença de um termo que não pode estar ausente: a experiência. A memória de Paiva entrecortada por memórias de outros, de migrantes antes de tudo, lhe indicavam que a migração nordestina para São Paulo precisaria ser melhor explicada. Pensar o porquê do deslocamento, o desenraizamento, os estranhamentos gerados, vem precedido de o porquê e como procurar. Dessa forma, através de experiências pessoais e da experiência acadêmica, o autor trilha um caminho em que irá cruzar uma diversidade muito grande de fontes. Em conjunto com memórias de vida – inclusive a sua própria – documentos dos mais variados tipos foram somados, alguns ainda inéditos, e mostraram-se valiosos do ponto de vista do historiador que enxerga além das aparências, que busca nas fontes oficiais ou não algo que pode ser encontrado, mas que aos olhos dos desatentos pode permanecer oculto.

O autor, em sua pesquisa, se deteve em muitos documentos produzidos pelo poder público entre os anos de 1930 e 1950. Em sua maioria tratam de dados estatísticos a respeito da demografia e economia de municípios do interior e da capital do estado de São Paulo. Documentos produzidos pela Secretaria da Agricultura, da Indústria e do Comércio que incluíam, ainda, números registrados pela Hospedaria dos Imigrantes. A análise realizada através de uma exaustiva pesquisa permitiu que se originassem muitas indagações e reflexões que culminaram com a construção de uma hipótese fundamental para o estudo da migração nordestina em São Paulo. Assim, Paiva formula a tese de que esse fluxo migratório tinha como característica principal em seu primeiro momento, já nas décadas iniciais do século XX, um sentido rural-rural estimulado por iniciativas públicas associadas aos interesses do capital agro-exportador. E, num segundo momento, teria se transformado em uma migração rural-rural-urbana, articulada por interesses da acumulação do capital, que havia se direcionado, por sua vez, para as atividades industriais.

Nesse sentido, Paiva busca entre as conseqüências da Primeira Guerra Mundial a origem de tal contexto. O conflito teria trazido um decréscimo significativo de braços produtivos para a própria Europa, por conseguinte, e de acordo com as estatísticas buscadas por Paiva, o número de trabalhadores estrangeiros que entravam no Brasil diminuía significativamente, já que em sua esmagadora maioria vinham das regiões mais afetadas pela guerra. Os imigrantes europeus, portanto, já não eram mais a melhor alternativa. A opção agora se direcionava para a valorização do elemento nacional, mais especificamente, do nordestino. Ao mesmo tempo, a Guerra e, principalmente a Crise de 1929, provocaram transformações no padrão de acumulação do capital, já que a cafeicultura apresentava sérios problemas e, conseqüentemente, o setor urbano-industrial recebia um grande impulso em São Paulo. Como o planejamento da elite paulista, em conjunto com o governo Vargas, já envolvia o deslocamento de grandes contingentes de mão-de-obra para o café, isto é, para o campo no Oeste Paulista e outras regiões (principalmente o Paraná), a necessidade aumentava na medida em que a industrialização se desenvolvia e assim surge a chamada “política de subsídios migratórios”. Uma política que consistirá basicamente em captar e encaminhar mão-de-obra em larga escala do nordeste para o interior de São Paulo, primeiro para a cafeicultura, depois para a cotonicultura e para as indústrias, estas sim localizadas na capital paulista.

Todo esse processo, vale lembrar, como diz Paiva, tem outro importante elemento facilitador. A “política de subsídios” foi beneficiada pela excelente malha ferroviária existente, que pôde transportar um enorme contingente de trabalhadores de forma simples e ágil por diferentes regiões, desde o norte de Minas Gerais, até a capital e o interior de São Paulo e arredores. Em outras palavras, café e indústria, elite agrária e urbana, tiveram interesses intrínsecos e a ferrovia foi um instrumento poderoso nas mãos dessa oligarquia paulista.

Nesse sentido, é importante dizer que mesmo a noção de inferioridade numérica da migração nordestina para São Paulo em relação à migração intra-regional nas décadas de 1930 e 1940 é bastante contestável. O autor, valendo-se das fontes ainda inéditas na utilização dessa temática, nos mostra que os estudos dos fluxos migratórios do interior para a capital de São Paulo não consideraram que muitos dos migrantes eram antigos nordestinos que haviam sido arregimentados em sua terra natal para servirem de mão-de-obra nas lavouras de café e só num segundo momento se dirigiram para a indústria. Logo, a migração rural-rural-urabana não foi computada pelas estatísticas e muitos nordestinos engrossaram indevidamente os números das migrações internas do estado de São Paulo.

Estruturado em três capítulos, o livro, já em sua primeira parte, nos instiga a refletir sobre o quanto sertão e cidade se confundem. Como, de acordo com suas próprias necessidades, os migrantes desenraizados “reeditam em São Paulo, aspectos de sua cultura e formas de sobrevivência de suas regiões de origem” (p. 41). Assim, o autor nos conduz à periferia de São Paulo, conceituando-a, caracterizando-a e exemplificando-a, principalmente a partir do caso de um bairro em específico: São Miguel Paulista. Ao realizar uma rica narrativa historiográfica, principalmente a partir da chegada do grande contingente nordestino quando da instalação da empresa Nitro Química em 1935, nesse distante lugar da cidade, Paiva faz com que seus leitores possam ter uma base concreta do quanto foi significativa a presença do elemento nordestino na constituição do que hoje é uma das maiores metrópoles do mundo. Lançando mão de outros estudos realizados e das memórias coletadas por outros pesquisadores, o autor nos traz a imagem de um migrante nordestino que se faz sujeito da história da cidade (construindo a periferia), da história do bairro (da “reedição” de muitos elementos de sua cultura de origem), da história da Nitro Química (do operário que tem consciência de sua classe e que pôde por vários momentos se mobilizar por melhores condições de trabalho).

No segundo capítulo, temos contato diretamente com o processo que permitiu ao autor chegar a sua tese principal. Paulatinamente, vai sendo desvelado todo o sistema de captação, triagem e encaminhamento da mão-de-obra migrante nordestina para São Paulo. O texto afirma que era uma reedição de mecanismos antigos que, naquele momento, porém, tinha um direcionamento diferente que se voltava para a valorização do elemento nacional. Ou seja, poder público e iniciativa privada participavam conjuntamente de um organismo que minuciosamente pensava qual trabalhador se deveria buscar e que estava atento em articular com as elites do próprio nordeste (já que estudos minuciosos sobre o perfil da população e da economia de vários municípios nordestinos foram encontrados por Paiva). Além disso, no interior desse sistema se verifica a entrada de outras entidades privadas que percebem nesse meio um excelente “negócio” financiado pelo Estado e que, por fim, demonstra que justamente por isso vai arregimentar mais braços do que as lavouras paulistas necessitavam. Por conseqüência, através de depoimentos e documentos da própria Secretaria, o historiador se depara com uma importante questão que lhe dará mais subsídios para sua tese: a questão da mobilidade. Segundo as palavras do próprio autor:

A questão da mobilidade da mão-de-obra migrante inserida no campo vem reforçar nosso argumento sobre a dinâmica do processo migratório que, em nosso ponto de vista, tinha dois aspectos inter-relacionados: num primeiro momento ele parte de uma dinâmica rural-rural e, em seguida, na saturação ou na inviabilidade da continuidade no campo, esses trabalhadores migraram para a cidade. (p. 169).

Desse modo, é aberto o espaço para a terceira e última parte do trabalho, que possui uma denominação bastante interessante e que está em plena conformidade com exposto acima: “A migração em São Paulo: modernização sem mudança”. Como é possível já antecipar, aqui o autor nos mostra que não ocorre nenhuma transformação na sociedade, apenas mudanças pontuais: investimentos transferidos do café para o algodão e para a indústria e mão-de-obra não mais imigrante, agora migrante. O conservadorismo dos grupos dominantes continua predominando. Sendo assim, a “política de subsídios migratórios” foi uma reedição da política de imigração, porém as velhas estruturas de dominação agora investem sobre um novo projeto de nação, que traz consigo a valorização do trabalhador nacional por um lado e, por outro, vem acompanhada de uma construção negativa do nordeste, que, no limite, contentará as oligarquias tradicionais. No que se refere às elites do nordeste do país, neste caso, caracterizar essa região como a imagem do atraso, resultado de uma geografia que simplesmente lhe coloca como produto da seca e que não lhe permite crescimento, facilitou a captação de recursos do Estado por parte desses que detém o poder local.

Já com relação às elites do Centro-Sul, que enfrentavam resistências à migração nordestina por parte de sua população, principalmente por meio da imprensa – nutridos por um sentimento eurocêntrico –, a idéia negativa do nordeste vai dar argumentos para uma espécie de “dever” que São Paulo teria para como os seus, neste caso, considerados compatriotas nordestinos. São Paulo sendo a “locomotiva do Brasil” – uma idéia que também passa a ser difundida nessa mesma época – teria os recursos e o saber técnico necessários para resolver o problema da região e, além disso, “educar”, melhor dizendo, “civilizar” os oriundos de outro ponto da nação que por uma questão “natural” não tinha condições de se desenvolver: um “esforço eugênico” (p. 206). Nesse caso, a obra nos traz mais um dado interessante. A Hospedaria dos Imigrantes, de acordo com relatos de ex-funcionários analisados por Paiva, era um local em que:

[…] buscava-se uma assepsia do trabalhador rural, informada por uma lógica urbana, […] regras de segurança e higiene ou procedimentos como o registro da matrícula e do encaminhamento eram impostos e, por vezes, transgredidos pelos trabalhadores; estas transgressões foram avaliadas como falta de higiene, falta de cultura ou pobreza [grifos do autor] (p. 212).

O livro de Odair da Cruz Paiva vem desse modo ao encontro do debate sobre as correntes migratórias internas, mas como podemos observar vai além. Ele vem acompanhado do debate inevitável sobre a questão das identidades e no caso específico a questão do nordestino em São Paulo. Bastante necessário se faz que essa discussão continue ganhando espaço em todos os níveis da sociedade, inclusive do ponto de vista acadêmico, já que na “São Paulo imigrante” o nordeste migrante foi por muito tempo silenciado.

Luciano Deppa Banchetti – mestrando no Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUCSP. Bolsista CNPq.


PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos cruzados: migração e construção do Brasil moderno (1930-1950). Bauru: EDUSC, 2004. Resenha de: BANCHETTI, Luciano Deppa. Nordestinos em São Paulo: o deslindar de uma trajetória. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.2, 2009. Acessar publicação original [DR]

A Batalha pela Espanha: a guerra civil espanhola (1936-1939) | Antony Beevor

A guerra civil da Espanha, um dos mais trágicos conflitos do século XX, foi contundentemente retratada em peças da literatura universal e em imagens marcantes do século, tendo sido eternizada na literatura mundial por Ernest Hemingway, em Por quem os sinos dobram, e o seu épico magistralmente ilustrado por Pablo Picasso, em Guernica. Romantizada, sem dúvida, pelos relatos dos envolvidos de lado a lado, a Guerra antecipou as oposições que se tornariam evidentes com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, tendo sido o palco da política de intervenção das potências européias e medida do enfrentamento feroz a que se entregariam poucos anos depois.

A Batalha pela Espanha, do pesquisador inglês Antony Beevor, é uma atualização de obra homônima publicada em 1982, que se fez necessária a partir da abertura do acesso a novas fontes documentais sobre o conflito, algumas delas na Espanha, mas principalmente na Rússia pós-soviética. Beevor é já conhecido do público brasileiro por outros títulos extraordinários que não versam propriamente sobre história militar, mas sobre dimensões político- diplomáticas de episódios da Segunda Guerra Mundial. Entre esses títulos, destacam-se Creta: Batalha e resistência na Segunda Guerra Mundial (2008), Stalingrado (2002), Berlim, 1945: A Queda (2004) e O Mistério de Olga Tchekova (2005), todos trabalhos construídos a partir de sólida e diversificada base documental. Leia Mais

Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende/ 1970-1973 | L. A. Moniz Bandeira

Recém chegado às livrarias, o novo livro de Moniz Bandeira (Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende, 1970-1973. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008) é sucesso de venda, tanto em sua versão portuguesa quanto espanhola. Conhecido por seus livros acerca da história das relações internacionais hemisféricas, o historiador angariou fama e respeito no mundo acadêmico, jornalístico e político, como profundo conhecedor dos Estados Unidos, do Brasil, da Argentina e de outros países da América do Sul.

A narrativa original sobre os três anos de governo de Salvador Allende, bem como sobre a trama interna e internacional que resultou no bombardeio do palácio La Moneda e na assunção de Augusto Pinochet, foi elaborada à base de documentação primária fornecida por arquivos chilenos, brasileiros e norte-americanos, especialmente os arquivos da CIA. Leia Mais

Los que dijeron No. Historia del movimiento de los marinos antigolpistas de 1973 | Jorge Magasich Airola

El colega e historiador chileno radicado en Bélgica, Doctor en Historia por la Universidad Libre de Bruselas y académico del Institut des Hautes Études des Communications Sociales (Bruselas), Jorge Magasich Airola, me ha obsequiado su último trabajo intitulado Los que dijeron No. Historia del movimiento de los marinos antigolpistas de 1973. Motivado por la conversación con Jorge Magasich y por la lectura misma del libro, osaré reseñar el trabajo antes citado.

A manera de presentación, ¿qué podemos decir y comentar? Desde el punto de vista formal y estructura del trabajo (más allá de la introducción y conclusiones) en sus más de 800 páginas distribuidas en VII capítulos y en dos volúmenes hay un profuso e interesantísimo trabajo de fuentes y bibliografía, entre las cuales podemos mencionar la revisión de los procesos judiciales, prensa de la época, memorias, y entrevistas (historia oral) a los protagonistas directos (uniformados y civiles) de los hechos. Pero además de aquello, el trabajo de Magasich Airola nos introduce en la historia más reciente de nuestro país y específicamente en uno de los episodios olvidados y tergiversados de nuestra historia reciente, como es el caso del movimiento de los marinos antigolpistas de 1973. Leia Mais

Amazônia e Defesa Nacional. | Celso Castro

Após o regime militar brasileiro (1964-1984), a Amazônia ganhou importância nas discussões sobre defesa nacional, com destaque para o projeto Calha Norte em 1985 e na década seguinte o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Tal livro pretende contribuir com os estudos sobre Amazônia e defesa nacional no meio acadêmico civil. Com a nova realidade e as novas posturas estratégicas sul-americanas (como uma maior presença e interferência dos Estados Unidos e as atenções voltadas para a Amazônia internacional, assim como a diminuição das preocupações estratégicas brasileiras com a Argentina), torna-se necessário mais estudos abrangendo tais temas, principalmente devido à importância atribuída à região amazônica.

No primeiro capítulo (As Forças Armadas Brasileiras e o Plano Colômbia), João Roberto Martins Filho disserta como a questão sobre defesa da Amazônia ganhou força após o final da Guerra Fria e a criação no Brasil do Ministério da Defesa em 1999, mesmo ano da implantação do Plano Colômbia. O autor afirma que o Brasil se viu obrigado a voltar suas preocupações para a defesa das fronteiras e aos conflitos em território colombiano. A postura do Ministério da Defesa reafirmou a não-interferência brasileira no combate ao narcotráfico na Colômbia, fato esse que passou a ser visto pelas autoridades brasileiras como um assunto de segurança e não mais de defesa, pois o tráfico de entorpecentes é encarado no Brasil como um problema interno, de responsabilidade policial e não militar, não cabendo a outros países intervir nesse tipo de assunto. Tal decisão ganhou força principalmente devido aos interesses e pressões norte-americanos para que o Brasil reconhecesse as guerrilhas colombianas como grupos terroristas e realizasse ações militares em território colombiano. Leia Mais

Recortes de Paisagens na Cidade do Recife. Uma Abordagem Geográfica | Edvânia Torres Aguiar Gomes

Este trabalho produzido originariamente sob a forma de tese em 1997 pode ser considerado de vanguarda em diversas acepções, analisando o seu conteúdo e suas advertências no plano das novidades que cercam a discussão contemporânea sobre Paisagem. Pode-se argumentar que se trata de um trabalho clássico na revisão dos conceitos mais primevos dos primeiros entendimentos sobre paisagem, desde a escola alemã, passando por alguns desdobramentos disciplinares inclusive para além da Geografia. Por outro lado, pode ser considerado crítico na perspectiva sócio-ambiental, ao se utilizar este trabalho no âmbito do urbanismo. Verifica-se o efeito denúncia que marca os embates entre o idealizado e o realizado, entre a cidade e o meio. A voz de distintos segmentos da sociedade se expressa através dos 600 questionários trabalhados, capturando as vertentes da representação da cidade no final do século passado. Através dessas falas são reveladas as idealizações e representações da cidade, podendo subsidiar o urbanismo e a gestão dos espaços públicos na metrópole recifense. Essa mescla guarda nexos marcados pelo esforço transversal, enunciando que não existe novidade na feitura das práticas e interesses – principalmente quando se trata de um mundo confeccionado colonialmente, que se busca num jogo de espelhos – e sim, que o mundo é permanentemente (re)criado. Este trabalho é uma excelente maneira de afirmar que não é por natureza que se compreendem e se estabelecem múltiplas aproximações ao objeto do saber. É preciso sentir, estar apaixonado, em conexão com referentes que historicamente constituem elos estruturadores da cidade, mas, e, principalmente, priorizar na escolha por tornar visíveis experiências vividas, na fala de seus usuários, identificando sentimentos profundos do povo na relação com trechos da cidade, para descobrir neles os elementos, mesmo confusos, que podem impulsionar relações de respeito por representações culturais fundamentais que reflitam, na paisagem, as necessidades humanas que a reproduzem. Trata-se de uma pesquisa instigante, qualitativa, e quantitativa de corte teórico e empírico, que passando pela apropriação fenomenológica, subsidiada por um rico elenco de fotografias, mapas, gráficos e gravuras conseguiu preservar a coerência entre o método de pesquisa e a apresentação da realidade estudada. A autora partindo das contribuições da geografia alemã leva-nos de passeio, pela trajetória da paisagem, aproveitando aportes de diversas disciplinas, em legados de historiadores, psicólogos, antropólogos, poetas, filósofos para analisar a composição da paisagem: o meio físico e o meio social, em estreito nexo com as percepções, o imaginário, a atividade humana constituída por atos, com os quais visa algo. A pesquisa tem como campo empírico o dilema na perspectiva das coexistências do planejador, do artista, do político, do cientista, do simples habitantes em uma cidade anfíbia, marcada por atributos da natureza e engenharia humana. As águas dos rios e dos manguezais que configuram o sítio da cidade são enfatizadas a luz desses diferentes segmentos da sociedade em suas práticas. No contemporâneo, até olhares menos atentos registram evidentes provas de agressão como negação a presença das águas na cidade, subestimando a sua morfologia genuína. Através de uma linguagem simples e dialogando com imagens, letras de músicas, poesias, o trabalho nos ajuda a entender que em função da subordinação à lógica da acumulação de riqueza, este processo de construir os espaços vividos se faz à custa de uma decadente condição da sociedade, singularizando alguns resultados que impactam os modos vida dos seus habitantes. Nesse campo, a autora dialoga com reflexões realizadas por renomados geógrafos como Josué de Castro, Milton Santos, Manoel Correia de Andrade, Rachel Caldas Lins e Jan Bitoun, bem como com poetas como Bento Teixeira, Augusto dos Anjos, João Cabral de Melo Neto, Chico Science, consegue ilustrar faces desses impactos no sítio urbano natural do Recife. Os historiadores, urbanistas, engenheiros pesquisados em suas obras propiciam apoio para firmar a posição da autora em suas críticas aos processos de planejamentos da cidade, com a adoção de mudanças que priorizam a técnica aplicada a demandas pseudo uníssonas, tornadas homogeneizantes na leitura de escala global. Como através de um painel, passando pelos primeiros esboços da cidade Mauricia até os dias atuais, com base nos trabalhos comparativos, Edvânia propicia uma revisão da concepção da paisagem idealizada para a cidade e refletida na estrutura do planejamento e suas práticas ao longo da história. O trabalho utiliza três eixos espaciais como referências para cotejar Recife à luz de algumas questões urbanas significativas e que dizem respeito ao cotidiano daqueles que animam a cidade do Recife. As variáveis eleitas espelham a história do presente e do futuro, revelando aproximações entre as representações das paisagens instituídas e divulgadas do Recife e as representações contidas nas falas e depoimentos de alguns usuários de seus espaços. As inquietações da autora são marcas indeléveis que saltam nas páginas deste livro realizando um arco interdisciplinar no sentido acadêmico, mas também no sentido da vivência. De um lado essas inquietações remontam as vivências cotidianas de lembranças primordiais de vida familiar percorrendo a cidade, mas também as interpelações da vida profissional na passagem como técnica em Órgãos de Planejamento Urbano Ambiental na cidade do Recife e, continuando como intelectual, no ideário Gramsciano que inspira as conexões entre intelectuais e o povo-nação. Evidencia-se, assim, a novidade do trabalho, no movimento que incorpora e o inspira, como uma importante contribuição da autora, que se tornará cada vez mais necessária para nos ajudar a recolocar na ordem do dia a agenda do meio físico e do meio ambiental nos espaços da vida urbana, numa cidade de referência histórica para a reprodução das culturas. Edvânia o manifesta nas inquietações finais: “Afinal o que é natureza? Esta pergunta aparentemente tão simples de responder não encontra eco plausível na história da confecção de Paisagens de nossas cidades. Os pilares sobre os quais foram edificados os espaços urbanos não contemplam entendimentos nítidos acerca da existência da natureza possível. No “mundo da engenharia e da técnica” ideologicamente os elementos físico-naturais são convertidos em acessórios subliminares até o surgimento de protótipos que os substituam”. A obra finaliza como se estivesse iniciando pela carga de provocações que evoca e pelas inquietações que ultrapassam a leitura e fazem vagar o pensamento. Nesse sentido, cabe concluir essa resenha retomando mais um importante atributo desse trabalho que é a forma como ele se encontra estruturado em seqüência ascendente partindo da teoria, história e a parte empírica. Dividido em blocos que podem ser lidos de forma solta, enfim degustados, o livro é uma referência sem dúvidas para aqueles que querem aprender a paisagem e apreender as paisagens e a história da cidade do Recife enquanto registro e nova metodologia.

Aura González Serna – Doutora em Serviço Social pela UFPE, (2005). Docente Pesquisadora, na direção do Grupo Território na “Universidad Pontificia Bolivarianam-UPB”. Campus de Laureles. Medellín, Colômbia. E-mail: aura.gonzalez@upb.edu.co


GOMES, Edvânia Torres Aguiar. Recortes de Paisagens na Cidade do Recife. Uma Abordagem Geográfica. Recife: Massangana, 2007. Resenha de: SERNA, Aura González. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.26, n.2, p.375-378, jul./dez. 2008. Acessar publicação original [DR]

 

História política do futebol brasileiro | Joel Rufino dos Santos

O livro História política do futebol brasileiro é de autoria de Joel Rufino dos Santos, um dos principais nomes do movimento conhecido como a Nova História do Brasil. Tal movimento foi formado por um grupo de intelectuais ligados ao Departamento de Historia do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Este último, por sua vez, criado em 1955 pelo então presidente Café Filho e vinculado ao Ministério da Educação e da Cultura, foi um instituto de pesquisa que pretendia ser um espaço de vanguarda no pensamento social nacional. Entre suas contribuições, está a formalização de um Projeto Nacional Desenvolvimentista, que, de certo modo, foi a base teórica para o projeto de governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961).

Em 1964, com o golpe militar e o estabelecimento de um regime de exceção, o ISEB foi extinto e muitos dos seus membros exilados. Mas o período no qual esteve ativo foi suficiente para impulsionar importantes ações, como a Nova História, por exemplo. Nesse caso, especificamente, a ambição fora desde o início a de reescrever a história do Brasil, “rompendo com a história oficial, factual e mitificada”. Nas palavras de Nelson Werneck Sodré, um dos seus idealizadores, pretendia-se mesmo “fugir à rotina dos compêndios”. Leia Mais

Historiografia contemporânea em perspectiva crítica | Jurandir Malerba e Carlos Aguirre Rojas

Apresentar os caminhos do pensamento histórico e de sua escrita no século XX. Esta é a proposta da obra aqui resenhada. Obviamente, o século XIX não pode ser deixado de lado, pois dele procede a matriz historicista, metódica, cientificista que transformou a história numa área acadêmica. Como demonstram diversos capítulos do próprio livro, essa matriz foi universalizada conjuntamente com a expansão da cultura ocidental européia.

Uma das grandes contribuições dos organizadores foi, todavia, demonstrar campos historiográficos muito além do eixo europeu. Ele está presente, claro, nos artigos sobre a recente movimentação historiográfica na França pós-crise dos Annales, no excelente texto acerca da historiografia alemã, nas análises da micro-história italiana, do pensamento histórico espanhol e lusitano. Mas há também estudos sobre as novas tendências da historiografia russa e, especialmente, uma destacada ênfase na produção latino-americana. Em outras palavras, em que pese a influência européia sobre as outras regiões, ela, a Europa, se torna provicializada no decorrer da leitura. Leia Mais

Tempos líquidos | Zygmunt Bauman

Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês, de descendência judaica, nascido em 1925, em Poznań. Quando a Polônia foi invadida pelo nazismo em 1939, sua família refugiou-se na União Soviética. Bauman serviu na Polish First Army, sob o controle dos soviéticos. Neste período, o autor tomou parte nas batalhas de Kolberg e Berlin. De 1945 a 1953, Bauman passou a servir na Korpus Bezpieczeństwa Wewnętrznego (KBW), esta unidade foi responsável pela repressão à resistência ucraniana e germânica. Neste momento de incertezas, foi que o autor iniciou seus estudos em sociologia na universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados e em 1968 foi afastado da universidade. Logo em seguida emigrou da Polônia, reconstruindo sua carreira no Canadá, Estados Unidos e Austrália, até chegar à Grã-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor titular da universidade de Leeds, cargo que ocupou por vinte anos. Responsável por uma prodigiosa produção intelectual, recebeu os prêmios Amalfi, em 1989, por sua obra Modernidade e Holocausto e Adorno, em 1998, pelo conjunto de sua obra. Atualmente é professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia.

Em Tempos Líquidos, o assunto primordial que permeia a obra é a insegurança. Um fenômeno que, para o autor, caracteriza a vida nas grandes metrópoles globalizadas. Neste sentido, as cidades são hoje verdadeiros campos de batalha, onde poderes globais se chocam com identidades locais. O resultado desta equação é a eclosão nímia da violência e da insegurança. Leia Mais

Minas e os fundamentos do Brasil moderno | Ângela de Castro Gomes

Minas e os fundamentos do Brasil moderno é uma obra capitaneada pela Fundação Israel Pinheiro e integra o projeto “Os caminhos do Brasil moderno”, um conjunto de ações promovidas pela própria entidade, que inclui também a edificação do Espaço Israel Pinheiro, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, além da criação do Museu Casa de João Pinheiro, na cidade de Caeté (MG). Ou seja, este livro deve ser compreendido como uma obra integrada a uma série de iniciativas que procuram preservar uma dada memória do desenvolvimentismo no Brasil, tendo como foco central a contribuição de João Pinheiro e, mais tarde, de seu filho Israel Pinheiro na política brasileira.

Em síntese, os artigos procuram sustentar a concepção de que a gênese do projeto desenvolvimentista já estava configurada desde o início da República na figura do próprio João Pinheiro, presidente do Estado de Minas Gerais, e que tal ideário teria sido conduzido por seus filhos, parentes e políticos de um círculo de influências que incluiu, entre outros, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. Para defender essa hipótese explicativa, o livro conta com um prefácio, uma apresentação, um texto de abertura e 10 capítulos divididos em três partes bem distintas – e bastante desiguais. Leia Mais

Adam Smith in Beijing: Lineages of the Twenty-first Century | Giovanni Arrighi

O bom leitor de Adam Smith em Pequim – bom por aceitar a recomendação do autor de lê-lo por inteiro – não deixará de ser intelectualmente estimulado e, em muitos casos, surpreendido, durante o itinerário dessa leitura. A começar pelo intrigante título. A meu ver, Adam Smith em Pequim apresenta um duplo e complementar sentido. O primeiro, extraído das páginas de A Riqueza das Nações, refere-se à reiterada referência de Smith a respeito do padrão chinês para a maturidade econômica como “o progresso natural para a opulência” ou “o curso natural das coisas”, de acordo com suas próprias palavras. Aqui, Smith exalta o virtuosismo do capital investido domesticamente – primeiramente na agricultura e, em seguida, no comércio varejista – como aquele que produz os efeitos mais sólidos e duradouros pelas conseqüências positivas para o crescimento do salário e da renda nacional. Contrasta o caminho chinês com o holandês, o caso “extremo de país que seguiu o caminho europeu para a maturidade econômica…. (percurso) não natural e retrógrado (p. 57) por assentar-se no grande comércio atacadista que “parece não ter residência fixa e pode vagar de um lugar para outro em busca de lugar onde possa comprar barato e vender caro.” (p. 59) Leia Mais

Museu do Ceará, 75 anos | Antônio Luiz M. Silva Filho e Francisco Régis Lopes Ramos

Resenhista

Júnia Sales Pereira – Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

Referências desta Resenha

SILVA FILHO, Antônio Luiz Macêdo e. RAMOS, Francisco Régis Lopes (org.). Museu do Ceará, 75 anos. Fortaleza: Associação Amigos do Museu do Ceará, 2007. Resenha de: PEREIRA, Júnia Sales. Trajetos. Fortaleza, v.7, n. 12, 2008. Acesso apenas no link original [DR]

A New Economic History of Argentina | G. Paolera e A. Taylor

O livro se apresenta como uma “homenagem” ao trabalho de Carlos Díaz Alejandro, autor de obras clássicas na historiografia econômica argentina, como… O livro o homenageia na medida em que busca “atualizar” e “expandir” a análise originalmente feita por Alejandro. Foi reunido, no livro de Paolera e Taylor, um grupo de pesquisadores de universidades argentinas, estadunidenses e européias, para a tarefa.

O resultado, como é de praxe numa obra coletiva, revela-se heterogêneo, tanto em sua forma, quanto em seus resultados. A questão da “regressão secular” da economia argentina é revisitada, a nosso ver, de uma maneira ligeiramente inferior à apresentada por Alejandro. Por outro lado, o capítulo sobre os ciclos econômicos argentinos é instigante e quase tão provocativo quanto o trabalho original de Guido di Tella sobre os ciclos decenais argentinos, publicado no final da década de 1960. Leia Mais

Historiografia contemporânea em perspectiva crítica | Jurandir Malerba

Apresentar os caminhos do pensamento histórico e de sua escrita no século XX. Esta é a proposta da obra aqui resenhada. Obviamente, o século XIX não pode ser deixado de lado, pois dele procede a matriz historicista, metódica, cientificista que transformou a história numa área acadêmica. Como demonstram diversos capítulos do próprio livro, essa matriz foi universalizada conjuntamente com a expansão da cultura ocidental européia.

Uma das grandes contribuições dos organizadores foi, todavia, demonstrar campos historiográficos muito além do eixo europeu. Ele está presente, claro, nos artigos sobre a recente movimentação historiográfica na França pós-crise dos Annales, no excelente texto acerca da historiografia alemã, nas análises da micro-história italiana, do pensamento histórico espanhol e lusitano. Mas há também estudos sobre as novas tendências da historiografia russa e, especialmente, uma destacada ênfase na produção latino-americana. Em outras palavras, em que pese a influência européia sobre as outras regiões, ela, a Europa, se torna provicializada no decorrer da leitura. Leia Mais

Inimigos da esperança; publicar/ perecer e o eclipse da erudição | Lindsay Waters

Este breve livro – ou breve ensaio – escrito pelo editor da Harvard University Press dá conta, em boa medida de argumentos, sobre o malestar que se espalha entre intelectuais estadunidenses e que, por conseqüências históricas, deve aportar no Brasil. A indisposição que motiva o livro é o frenesi da produção acadêmica que cresceu na mesma proporção em que se mantém(ve) desconhecida. Se quisermos, não consumida.

De um locus privilegiado, Waters realiza uma releitura do fenômeno da hiperprodutividade editorial que só fez crescer desde a segunda metade do século XX. Tal fenômeno decorreu das exigências adotadas pelas instituições universitárias e, principalmente, das agências de fomento que passaram a adotar o princípio da produção quantitativa como mote para mensurar a atuação dos profissionais vinculados à elabração do saber. Leia Mais

Inimigos da esperança; publicar/ perecer e o eclipse da erudição | Lindsay Waters

Este breve livro – ou breve ensaio – escrito pelo editor da Harvard University Press dá conta, em boa medida de argumentos, sobre o malestar que se espalha entre intelectuais estadunidenses e que, por conseqüências históricas, deve aportar no Brasil. A indisposição que motiva o livro é o frenesi da produção acadêmica que cresceu na mesma proporção em que se mantém(ve) desconhecida. Se quisermos, não consumida.

De um locus privilegiado, Waters realiza uma releitura do fenômeno da hiperprodutividade editorial que só fez crescer desde a segunda metade do século XX. Tal fenômeno decorreu das exigências adotadas pelas instituições universitárias e, principalmente, das agências de fomento que passaram a adotar o princípio da produção quantitativa como mote para mensurar a atuação dos profissionais vinculados à elabração do saber. Leia Mais

Con las riendas del poder. La derecha chilena en el siglo XX | Sofia Correa

Con variadas y sorprendentes afirmaciones se van a encontrar los ciudadanos interesados en leer el reciente libro de la historiadora Sofia Correa Con las Riendas del Poder, dedicado a estudiar la derecha chilena durante el siglo XX. Con un estilo excesivamente narrativo, la autora va construyendo la historia de la forma de “hacer política” de dicho sector político de la sociedad chilena.

Antes de iniciar el comentario crítico a la principal tesis expuesta en el libro, un breve apunte sobre el estilo utilizado por Sofia Correa. La narrativa historiográfica es una forma perfectamente válida de presentar los resultados de una investigación histórica destinada a tratar científicamente alguna problemática histórica, política o social que se desea conocer, comprender o analizar críticamente. La producción historiográfica es, desde hace ya bastante tiempo, el resultado de investigaciones científicas que tienen como objetivo explicar diferentes dimensiones del pasado histórico. En ello radica la diferencia entre la simple crónica histórica y el análisis científico de la historia. La historia para que alcance esa condición debe apuntar, por consecuencia, a explicar y no solo narrar. Para tal efecto, requiere de un método y/o de un modelo analítico. El libro de Sofía Correa carece de ambos. Leia Mais

Nem Todo o Petróleo é Nosso | Sérgio Xavier Ferolla

Sérgio Xavier Ferolla é engenheiro pelo ITA e brigadeiro-do-ar. Paulo Metri também é engenheiro e presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro. Os dois autores procuram fazer aquilo que há muito se faz na produção acadêmica internacional, sublinhar com fortes traços para deixar claro que os assuntos energéticos não são, e nunca foram, separados dos interesses políticos dos Estados, sobretudo àqueles qualificados como grandes potências. Claro, não que o pesquisador brasileiro desconheça essa assertiva. Mas digamos que o tema não alcançara tanta evidência como passou a ter a partir de 2003 e 2006. Há quatro anos por causa da entrada norte-americana no Iraque. E há um ano em virtude dos acontecimentos que envolvem a produção de gás natural na Bolívia de Evo Morales. Tanto uma questão, quanto a outra está ligada, em grande parte, à segurança energética.

No livro Nem Todo o Petróleo é Nosso, com prefácio de Carlos Lessa, Ferolla e Metri fazem um balanço histórica da política energética brasileira no que corresponde ao petróleo. O tema do petróleo passou a ser observado a partir da Constituição de 1934, no primeiro governo de Getulio Vargas, como amostra das preocupações que aquele estadista apresentava para o equilíbrio político e econômico do Brasil. Os dois engenheiros são da opinião de que aquele governo saído da Revolução de 1930 fora sensível com a sorte do Estado brasileiro ao perceber que assuntos energéticos, o que valia para todos os outros minerais também, não poderiam ser vislumbrados sem o acompanhamento do poder público nacional. Leia Mais

A Santa Cruz do deserto: a comunidade igualitária do Caldeirão: 1920 – 1937 | Tarcísio Marcos de Alves

ALVES, Tarcísio Marcos de. A Santa Cruz do deserto: a comunidade igualitária do Caldeirão: 1920 – 1937. Recife: Néctar, 2008. Resenha de: SILVA, Edson. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.25, n.2, p.349-354, jul./dez. 2007.

Acesso apenas pelo link original [DR]

Jango: as múltiplas faces | Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira

Em primeiro de abril de 1964, um furioso editorial intitulado “Fora” era publicado pelo jornal carioca Correio da Manhã. O golpe civil-militar efetivava-se no país, sem que a ordem de resistência, esperada por muitos, fosse dada pelo Presidente João Goulart.

O personagem, centro da crise instaurada a partir da renúncia de Jânio Quadros, do qual fora vice-presidente, sofreu, a partir de então, como toda a sociedade brasileira, as conseqüências do golpe civil-militar desencadeado contra o seu governo, amargando o exílio no qual morreu em dezembro de 1976. A partir do golpe, sofreria também constante julgamento de aliados, colaboradores e adversários dos mais diversos lugares sociais e políticos. Leia Mais

Rebeldes literários da República: história e identidade nacional no Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914) | Eliana Regina de Freitas Dutra

Corria a primeira década do século XX e a segunda da República no Brasil, quando a Livraria Garnier, uma das mais tradicionais e prestigiosas casas editoras do Rio de Janeiro, decidiu publicar um almanaque que marcaria os anos nos quais circulou: o Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914). Uma opção nada banal, pois se desejava utilizar a tradição de um gênero de impresso popular, consagrado na Europa há séculos e conhecido no Brasil, para conquistar leitores, divulgando, preferencialmente, autores e livros editados pela Garnier. Sem dúvida, uma moderna estratégia de mercado, mas que em nada prejudicava a possibilidade de difundir idéias e valores entre um amplo público leitor que acabava de ver proclamada a República. Ao menos, é assim que pensam os editores convidados para o Almanaque, Ramiz Galvão e João Ribeiro, bem como o amplo grupo de intelectuais por eles mobilizado para contribuir na publicação. Tratava-se, e esta é a tese da autora, de fazer do Almanaque Brasileiro Garnier um “vetor cultural” capaz de instruir e civilizar o povo da nova nação, ainda tão desprovida de escolas e de livros. Tratava-se de torná-lo um “substitutivo funcional do livro”, uma espécie de “biblioteca portátil” e, como tal, um instrumento eficiente para a difusão de um projeto político e intelectual (então indissociáveis), voltado para a construção de um Brasil republicano e moderno. Leia Mais

Forças Armadas e Política no Brasil | José Murilo de Carvalho

As reflexões sobre a história das Forças Armadas no Brasil têm mudado seu foco nos últimos anos. Com maior zelo empírico e com menor propensão para apriorismos teóricos e políticos, um conjunto crescente de pesquisadores – composto de civis e militares, é bom que se diga – tem ampliado seus interesses, fazendo com que a historiografia sobre as Forças Armadas no Brasil cresça em quantidade e qualidade. Melhor ainda: o debate historiográfico tem sido enriquecido pela variação temática e pelo aperfeiçoamento teórico e metodológico, com proveitos recíprocos. Ao invés de esses pesquisadores se ocuparem quase exclusivamente com a intervenção militar na política, a instituição castrense é estudada como um todo, sem prejuízo de suas relações com a sociedade não fardada.

Nesse sentido, é oportuna a publicação do livro de José Murilo de Carvalho, “Forças Armadas e Política no Brasil” (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005), coletânea de artigos e ensaios escritos pelo autor ao longo de mais de duas décadas de pesquisa sobre as forças armadas brasileiras. A estrutura do livro é dividida em três partes: a primeira delas, “História”, reúne os artigos mais “clássicos” e metodologicamente basilares das reflexões sobre a trajetória das Forças Armadas brasileiras no século XX. Leia Mais

For the soul of mankind: the United States, the Soviet Union, and the Cold War | Melvyn P. Leffler

Melvyn Leffler é um prolífico autor, tendo já redigido centenas de páginas sobre a Guerra Fria. Seu livro sobre a doutrina de segurança nacional do governo Truman é um dos maiores trabalhos sobre a política externa americana do século XX; seus embates com o historiador John Lewis Gaddis são igualmente relevantes para a historiografia americana. Tendo se dedicado tanto ao tema, podemos nos perguntar por que esse autor decidiu escrever outro livro sobre a Guerra Fria.

São duas razoes que justificam a publicação de mais um volume sobre o período. A primeira é que o autor, assim como outros estudiosos do período, não previu o fim do conflito. Subitamente, o mundo no qual ele vivia e estudava deixara de existir. Poucas pessoas anteciparam o fim; um grupo menor ainda de indivíduos conseguiu predizer em quais condições e como essa transição se daria. Para Leffler, além do desafio de entender por que o conflito terminou, há uma outra questão subjacente bem mais complexa e que merece um exame mais detido: se a Guerra Fria terminou ao final da década de 1980 em um processo aparentemente tão simples, por que isso não ocorreu antes? Leia Mais

Pancho Villa – una biografía narrativa | Paco Ignacio Taibo II

O México se prepara para comemorar o centenário de sua Revolução, considerada por vários historiadores daquele país não apenas um evento nacional, mas de alcance latinoamericano. Alguns líderes do processo revolucionário, como Emiliano Zapata e Venustiano Carranza, se referiam em seus discursos e escritos à influência regional desta primeira revolução social da América Latina, no século XX.

A historiografia mexicana sempre dedicou um grande espaço à Revolução, mas a partir das décadas de 1960 e 1970 começam a surgir novas interpretações deste evento, assim como o resgate de alguns de seus personagens, até então marginalizados e tratados de forma preconceituosa. O livro do historiador Adolfo Gilly (La revolución interrumpida. México: El Caballito, 1971), por exemplo, mostra não apenas como o processo revolucionário é o resultado de um extraordinário avanço de um capitalismo primário-exportador que aprofundou a dependência do país em relação aos centros desenvolvidos, agudizando uma guerra de classes, mas também a periodização completa do ciclo revolucionário de 1910 a 1920 e sua correlação com a conjuntura mundial. Para Gilly, a curva da revolução ocorreu em dezembro de 1914, quando as forças camponesas tomam a capital do país, e não em fevereiro de 1917 com a nova constituição. Se para a história oficial a Revolução Mexicana termina em 1917, para outros ela vai até 1920, com a retirada de Villa e o assassinato de Zapata um ano antes. Leia Mais

No território da Linha Cruzada: a cosmopolítica afro-brasileira | José Carlos Gomes dos Anjos

O livro No território da linha cruzada: a cosmopolítica afro-brasileira é escrito por José Carlos Gomes dos Anjos, e trata-se de um trabalho etnográfico no qual o autor, enquanto antropólogo, militante do movimento negro e filho-de-santo de um terreiro de Linha Cruzada, vale-se desses diferentes status, em diferentes momentos, para configurar sua problemática, colher seus dados e construir o texto etnográfico. Antropólogo já antes envolvido em pesquisas sobre religiosidade afro-brasileira, o autor volta seu olhar ao processo de remoção da Vila Mirim – uma vila de maioria negra no centro de Porto Alegre – para a implementação do entroncamento de três grandes avenidas, quando o movimento negro é acionado para mediar os conflitos que a iminência da remoção provocam. Dos 113 domicílios da área a ser removida, seis eram terreiros. É nesse contexto que dos Anjos se inicia como filho-de-santo de mãe Dorsa, uma das líderes da resistência contra a proposta da prefeitura de Porto Alegre de reassentar os moradores no bairro Rubem Berta, movimento instaurado em 1992, quando em reunião realizada num terreiro, formou-se a Comissão dos Moradores a serem removidos. A única reivindicação alcançada pela comunidade foi de não ser removida para Rubem Berta, mas para o bairro Chácara da Fumaça.

O autor, então, norteia suas análises acerca das estratégias políticas dos atores envolvidos nesse processo: a Comissão dos Moradores contra a remoção, a Associação dos Moradores da Vila Divina Providência (a favor da remoção), a Prefeitura de Porto Alegre e o Movimento Negro Unificado. Leia Mais

Salvador Allende | Gonzalo Correa

La revisión y el estudio de la historia reciente chilena generan todavía, por diversas razones, malestar en grupos académicos, políticos, intelectuales y parlamentarios, quienes, por uno u otro motivo, continúan reticentes a que se realicen análisis históricos sobre la Unidad Popular. Más aún cuando el autor es un connotado historiador de “talante conservador” (al decir de Álvaro Góngora Escobedo, autor del prólogo del libro Salvador Allende. El fracaso de una ilusión), que realizó una decidida oposición al gobierno de Salvador Allende en la revista Qué Pasa y que trabajó como Ministro de Educación durante el régimen militar de Augusto Pinochet. De todas formas, el abogado y profesor Gonzalo Vial Correa, como es habitual en él, especialmente a través de sus crónicas periodísticas publicadas en el periódico La Segunda, no tiene reparos en afirmar aspectos que para muchas personas pueden resultar incómodas, y hasta parece que fueran anacrónicas, pero que por la dureza y la manera frontal que tiene para manifestar sus ideas, incluso para quienes se declaran ser políticamente de derecha, no constituyen la opinión generalizada entre las personas. No será la excepción en esta oportunidad, menos aún cuando analiza una temática histórica que todavía divide a la sociedad chilena.

La principal motivación del autor para estudiar este dicotómico período de la historia reciente de Chile es la necesidad de responder a una pregunta que desde hace décadas persiste entre los chilenos y que podrían10s formular de la siguiente manera: ¿cuáles son los factores que explican la crisis que afectó a Chile durante la segunda mitad del siglo XX? Las explicaciones de Vial para comprender el colapso de la Unidad Popular y el término de la vía chilena al socialismo provienen de situaciones de más largo alcance, que tienen su explicación en procesos históricos de profunda raigan1bre social, política y cultural, y revela a su vez el que la sociedad chilena desde l 950 haya estado dividida en tres tercios irreconciliables, antagónicos, opuestos. Leia Mais

Entre el dolor y la ira. La venganza de Antonio Ramón Ramón. Chile/1914 | Igor Goicovic Donoso

El atentado de que fuera objeto el general Roberto Silva Renard el 14 de diciembre de 1914 en la calle Viel de Santiago ha sido objeto de algunos estudios, aunque permanece más bien olvidado. En realidad, pocos saben que el oficial que dirigiera las tropas que dispararon contra los obreros congregados en la Escuela Santa María de Iquique aquella fatídica tarde del sábado 21 de diciembre de 1 907 terminó sus días sufriendo los efectos de un ataque que se originó, precisamente, en esa acción ocurrida en el norte. Desenmarañando los pormenores del ataque y del juicio que vino a continuación, lgor Goicovic logró, a través del proceso que se siguió al agresor, establecer los detalles de una historia que nos pone frente a historias de vida, procesos y conflictos que ilumjnan una parte de nuestra historia. Como en una escenografia, el autor pone en movimiento personajes, historias y situaciones.

El primer cuadro nos muestra, descarnadan1ente, un país que en el curso de su historia cometió muchas injusticias, ocultas casi siempre con velos de silencio e impunjdad. En este cuadro, el autor explica cómo se construyó la pedagogía de la subordinación que apaga sueños y obliga al mundo popular a aswnir culpas de errores que no cometió. Es la pedagogía que lo obliga a aceptar la justicia solo en la medida de lo posible y que asegura las bases de la dominación que ejercen los grupos que manejan al país. Es la pedagogía que ha convertido a la represión en el más eficiente mecanismo de control social. La contrapartida está en una situación compleja que explica muchos episodios de nuestra historia pasada y reciente. Cuando el Estado, escribe Goicovic, “es incapaz de hacer justicia o cuando el mjsmo se convierte en agente de la injusticia, los sujetos quedan liberados de sus compromisos institucionales. Si, además, no exjsten alternativas políticas capaces de ofrecer instancias paralelas de justicia, el hombre puede retomar su estado natural y reparar las ofensas a su arbitrio” (p. 24 ). o se trata de legitimar la “ley de la selva” o admitir el derecho a hacerse justicia por mano propia, tal como queda demostrado en el epígrafe que abre el libro; sino, de llamar la atención sobre un hecho que, aunque no justifica, aporta claves para entender muchos actos de violencia ocurridos en Crule en el curso del siglo XX La justicia, agrega Goicovic, es irrenunciable y a esa justicia apela para configurar el relato de los lamentables sucesos que concluyeron con el atentado al general Silva Renard. Leia Mais

O integralismo nas águas do Lete: história, memória e esquecimento | Rogério Victor Lustosa

A problemática da memória e as suas múltiplas abordagens têm se tornado um tema recorrente na produção da História nas últimas décadas. A historiografia que aborda o movimento integralista não foge desse novo enfoque, tendo sido produzidos, nos últimos anos, vários trabalhos para analisar tanto a forma como os militantes da Ação Integralista (novos e velhos) interpretam e reelaboram seu próprio passado, quanto a maneira como outros agentes políticos e sociais interpretavam o movimento dos camisas-verdes.

Trabalhando nessa seara, o jovem pesquisador Rogério Lustosa Victor apresenta uma importante colaboração ao tema. No livro ora resenhado, o qual foi apresentado inicialmente como dissertação de mestrado na Universidade Federal de Goiás em 2004 e publicado no ano seguinte, a questão da memória integralista é trabalhada nos mais diferentes ângulos, sendo oferecidas importantes reflexões ao estudioso do tema. Leia Mais

The cold war: a new history | J. L. Gaddis

Em 1980, ao analisar a historiografia americana de relações internacionais, Charles Maier afirmaria que o campo regredia e estagnava, não tendo o interesse dos estudantes nem a atenção da grande academia do país.1 Anos depois, John Lewis Gaddis seguiria na mesma linha ao afirmar, em uma metáfora, que essa pequena e decrescente comunidade de historiadores parecia ocupar, no mundo acadêmico, “algo como o nicho evolucionário ocupado pelo crocodilo […] e a barata: [esses acadêmicos] estão por perto há muito tempo e não estão em perigo imediato de extinção; mas [são] ainda primitivos e, por esta razão, não muito interessantes.”2 A crítica não foi restrita aos dois historiadores e durante duas décadas uma crise que pairou sobre o campo parecia apontar para a própria extinção da área – o maior medo nos momentos mais agonizantes era a possibilidade do campo seguir o mesmo rumo da história marítima: a extinção pelas mudanças bruscas da modernização no mundo e na própria disciplina de história.3

A chamada Diplomatic History já tinha passado por um período crítico durante a década de 60 quando o pioneiro trabalho de William Appleman Williams implodiria consensos centrais do campo. Williams, que lideraria a chamada escola revisionista (também chamada de Escola de Wisconsin ou new left), afirmaria que o foco nas elites e nos grandes estadistas era equivocado quando se buscava explicar a política externa dos Estados Unidos. Para ele, dever-se-ia concentrar em aspectos internos, notadamente econômicos, que tinham profundo impacto na política externa americana. Dessa forma, essa nova abordagem diminuía o papel dos indivíduos e os efeitos do sistema internacional nas grandes decisões da política externa do país.4 A revisão no curso historiográfico foi bastante explícita, principalmente no que se refere ao tópico da Guerra Fria. Enquanto o primeiro grupo de historiadores acusava o desejo de Stalin de dominação da Europa como o aspecto central na origem da Guerra Fria, o grupo subseqüente, liderado por Appleman Williams, argumentava que a Guerra Fria foi, na verdade, uma resultante dos interesses econômicos profundos dos EUA. O debate entre a abordagem tradicional e revisionista ocuparia as páginas dos periódicos especializados, os seminários acadêmicos e as páginas dos jornais de grande circulação. Leia Mais

O camponês e a história: a construção da ULTAB e a fundação da CONTAG nas memórias de Lyndolpho Silva | Paulo Ribeiro Cunha

Em 1952, o Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB) resolveu chamar um amplo pleno sindical, que reformulou as linhas gerais de atuação dos comunistas frente ao movimento sindical. A resolução aprovada neste pleno orientava que os comunistas voltassem a atuar junto aos sindicatos existentes, ampliassem as reivindicações trabalhistas, forjassem alianças com outras forças políticas, notadamente os petebistas, e retomassem a luta pela sindicalização e unidade sindical.

A partir desse momento os comunistas vão investir fundo na “exploração dos espaços legais existentes”, procurando organizar o movimento sindical tanto “por baixo”, como “por cima”. “Por baixo”, fazendo um esforço para organizar a formação de “comissões de fábrica”, de “comissões de salários” e jogando as decisões fundamentais para as assembléias por categorias e gerais. “Por cima”, procurando criar organismos que pudessem contemplar a unidade da classe trabalhadora. Primeiro com o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), surgido durante a grande greve de 1953, mais conhecida como a greve dos “300 mil”; depois com o Pacto de Unidade e Ação (PUA) e por fim, com o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que se transformou na mais importante organização sindical vertical, fora da estrutura oficial, até o golpe de 1964. Aliás, o PCB só conseguiu liderar a “greve dos 300 mil” de 1953 e aquelas que a sucederam, nos anos imediatos, porque operou, previamente, “um realinhamento de sua política sindical, reaproximando-se dos trabalhistas e dos sindicatos oficiais e rompendo, neste ponto, com a estratégia maximalista e foquista que havia patrocinado experiências armadas no campo”, como bem frisou Gildo Marçal Brandão [2]. Leia Mais

Anos 70: Trajetórias | Antônio Risério, Maria C. M. Freire e Maria Rita Kehl

Resultado de um evento multidisciplinar realizado em São Paulo durante os meses de outubro de 2001 a janeiro de 2002, o livro Anos 70: Trajetórias compõe-se de 18 ensaios sobre a década de 1970, no Brasil, divididos em sete blocos temáticos, reunindo os seguintes autores: Nicolau Sevcenko, Antonio Risério, Maria Rita Khel e Cláudio Novaes Pinto Coelho falam sobre “Cultura e Contracultura”; Esther Hamburger, Silvia Borelli e Waldenyr Caldas, sobre “Comunicação e Indústria Cultural”; o debate sobre Literatura reuniu João Adolfo Hansen, Waly Salomão e Carlos A. Messeder Pereira; sobre “Artes Cênicas”, há os textos de Dulce Aquino, Luiz Carlos Maciel e Luiz Fernando Ramos; Luiz Tatit e Marcos Napolitano escrevem sobre “Música”; Paulo Sérgio Duarte e Cristina Freire, sobre “Artes Visuais”; e Daniel Revah, sobre “Educação”.

Como diz a apresentação do livro, os autores convidados viveram os anos 70, e seus textos, portanto, constituem, ao mesmo tempo, o relato pessoal dessa experiência e uma reflexão histórica sobre o período, buscando dar voz à pluralidade sem a preocupação de síntese. De fato, a variedade dos temas e autores favorece o interesse de leitores provenientes de distintas áreas de atuação, como permite também uma visão não unificada sobre o período em foco. Leia Mais

Do nacional-desenvolvimentismo à internacionalização no Brasil subnacional: o caso do Ceará | José Nelson Bessa e Déborah Barros Leal Farias

Eis uma obra plasmada pela oportunidade e inventividade dos seus autores. Do nacional-desenvolvimentismo à internacionalização no Brasil subnacional: o caso do Ceará demonstra a renovação que vem se impondo, com grande naturalidade, na reformulação nos cânones da pesquisa e do ensino das Relações Internacionais no Brasil. Claro, sucinto e bem escrito, o livro tem duas claras contribuições. Por um lado, escrutina aspecto extremamente relevante para as sociedades democráticas modernas: o limites da high politics ante a necessidade imperativa do avanço da low politics. Embrenham-se os autores no esforço de demonstração da capacidade dos entes subnacionais na conformação da política externa do Estado nacional. Evidencia-se, na leitura da obra, o quanto o Brasil está atrasado na matéria e o quanto está para ser feito. Leia Mais

Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920 | Eugênio Vargas Garcia

O livro resulta de tese de doutorado apresentada na UnB em 2001 e beneficiou-se de pesquisas do autor em arquivos nacionais e estrangeiros (EUA e Reino Unido), com o que ele construiu uma obra tão competente quanto necessária, uma vez que o período coberto permanecia uma espécie de “patinho feio” da nossa historiografia diplomática, prensado entre a “era do Barão”, na primeira década do século XX, e os episódios mais “excitantes” da fase da Guerra Fria. No próprio entre-guerras, os anos de depressão e conflitos econômicos e militares que se seguiram à crise de 1929 sempre receberam mais atenção dos historiadores que o período aparentemente “morno” que se situa entre o final da Primeira Guerra e o golpe de outubro de 1930, que inaugura a chamada era Vargas, de modernização e industrialização.

Eugênio Garcia formula, em primeiro lugar, uma série de perguntas, que ele tenta depois responder em sete capítulos temáticos que cobrem as principais áreas de atuação e os principais problemas diplomáticos – e desafios internacionais – do Brasil nos doze anos cobertos pela pesquisa. Como a política externa movia-se num triângulo atlântico formado pelos Estados Unidos, Europa e América do Sul, suas perguntas se dirigem aos problemas que serão depois analisados em cada um dos capítulos: “rumo à Europa”, ou seja, nossa participação na conferência da paz de 1919; “diplomacia econômica”, vale dizer, defesa do café e penetração de capitais estrangeiros; “equilíbrio estratégico na América do Sul”, com o rearmamento militar e as tentativas de equilíbrio de poderes na região; “comércio e finanças”, quando se assiste à competição entre os interesses britânicos e americanos nas duas vertentes; “a experiência da Liga das Nações”, nossa primeira tentativa, frustrada, de integrar o círculo dos “mais iguais”; “de volta à América”, quando se administra o afastamento diplomático da Europa; e “a diplomacia anti-revolução das oligarquias”, capítulo final no qual aparecem os problemas político-ideológicos que desembocariam na revolução de 1930. Leia Mais

A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II: 1959-1965 | José Oscar Beozzo

Resenhista

Márcio de Souza Porto – Universidade Federal do Ceará.

Referências desta Resenha

BEOZZO, José Oscar. A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II: 1959-1965. São Paulo: Paulinas, 2005. Resenha de: PORTO, Márcio de Souza. Trajetos. Fortaleza, v.4, n. 8, 2006.

Acesso apenas no link original [DR]

A misteriosa chama da Rainha Loana. Romance ilustrado | Umberto Eco

ECO, Umberto. A misteriosa chama da Rainha Loana. Romance ilustrado. Rio de Janeiro: Record, 2005. Resenha de: NEVES, Lucilia de Almeida. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.24, n.1, p.307-311, jan./jun. 2006.

Acesso apenas pelo link original [DR]

João Goulart: entre a memória e a história | Marieta de Moraes Ferreira

FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.). João Goulart: entre a memória e a história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. Resenha de: MONTENEGRO, Antônio Torres. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.24, n.1, p. 313-317, jan./jun. 2006.

Acesso apenas pelo link original [DR]

Os exuberantes anos 90 | Joseph E. Stiglitz

Em Os exuberantes anos 90 Joseph E. Stiglitz traça uma interpretação do grande boom e da subsequente retração da economia norte-americana durante a década de 1990. Trata-se preponderantemente de uma interpretação econômica, sob viés keynesiano, escrita em linguagem simples, sem gráficos nem tabelas, nem pretensões teóricas elevadas. Pelo contrário, Stiglitz quer escrever ao grande público, divulgando uma visão crítica e mais alternativa, que destaque não apenas os pontos positivos da década- que de fato existem, para ele, sob o ponto de vista da abundância material, para os EUA – mas principalmente as contradições do período, que em geral despertou apenas muito otimismo, e consequentemente muita ladainha laudatória.

De fato, o objetivo é menos perscrutar as causas do vigoroso crescimento econômico da economia norte-americana mas sim quais teriam sido as “sementes da destruição”- segundo sua própria expressão- da subseqüente queda, proporcional àquele crescimento, que jogou por terra a hipótese do desaparecimento dos ciclos dada uma suposta “nova economia da informação”. Para Stiglitz, as bases sobre as quais se apoiou a “exuberância irracional” econômica dos anos noventa nos Estados Unidos foram débeis, instáveis. As tintas com que os grupos e interessados as pintaram não passavam de véus míticos; suas justificativas de que passariam a trazer crescimento econômico e distribuição de riqueza de modo perene, erradas. Leia Mais

Ensaios sobre o capitalismo no século XX | Luiz Gonzaga de Mello Belluzo

Responda rápido: o que o grupo de rock Capital Inicial, o magnum opus de Karl Marx, O Capital, e a revista CartaCapital têm em comum? Não, não é a similaridade de nomes: é que todos eles se opõem, ao menos intelectualmente, ao capitalismo, ainda que dele não possam prescindir. O mesmo talvez deva ser dito desta coletânea sobre o velho capitalismo e suas novas roupagens.

Não sei se o autor aprecia o grupo de rock brasiliense, mas ele fez seu capital inicial escrevendo uma tese sobre “valor e capitalismo”, tornou-se um grande leitor de Marx (e de outros pensadores da economia, favoráveis e contrários ao capitalismo) e é membro do conselho editorial de CartaCapital, de onde foi tirada a maior parte dos artigos. A “mais valia”, neste caso, é que, além de textos sobre a história da economia capitalista, sobre a globalização e sobre os intelectuais críticos ao capitalismo, o livro também comporta quatro artigos sobre futebol, mas estes pertencem a uma espécie de “hora da saudade”, sem trazer valor agregado ao conjunto dos ensaios de vulgarização que integram as três primeiras partes. Leia Mais

As Garras do Condor. Como as ditaduras militares da Argentina/ do Chile/ do Uruguai/ do Brasil/ da Bolívia e do Paraguai se associaram para eliminar adversários políticos | Nilson Cesar Mariano

Uma exposição da covardia da ditadura, assim deve ser caracterizado o livro-reportagem de Mariano, jornalista do jornal Zero Hora. O livro é uma obra advinda de sua pesquisa sobre a cooperação entre as ditaduras militares do Cone Sul, desde 1993. O jornalista foi honrado com os principais prêmios jornalísticos, como o Esso e o Vladimir Herzog. O autor pretende informar que a perseguição no período das ditaduras do Cone Sul, entre 1954 a 1989, ultrapassou fronteiras, porque as ditaduras cooperaram entre si para prender os opositores de seus regimes, sem respeitar qualquer tratado de proteção a refugiados e órgãos internacionais, como o ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Dentre a cooperação, destacou-se a Operação Condor que foi idealizada pelo General Contreras, do Chile, tendo entrado em vigor em 1975.

O autor expõe fatos que fazem com que o leitor veja a ditadura nos países do Cone Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai) de forma bem mais crítica. É bastante conhecida a perseguição de opositores dos militares no período, entretanto o tratamento desumano a que essas pessoas foram submetidas não é muito mencionado. Para as relações internacionais, é demonstrado o fim das fronteiras geográficas e a ascensão das fronteiras ideológicas, algo que foi constante na Guerra Fria, mas pouco discutido na esfera sul-americana. A teoria das fronteiras ideológicas consiste na idéia de que para se alcançar objetivos não houve barreiras fronteiriças entre ditaduras, de forma que elas se uniram para combater seu inimigo comum, os comunistas. Leia Mais

Em guarda contra o “perigo vermelho”: O anticomunismo no Brasil (1917-1964) | Rodrigo Patto Sá Motta

Os trabalhos que discutem com propriedade o anticomunismo no Brasil, em sua maioria, são recentes. A dificuldade de acesso às fontes primárias e a preferência por estudos ligados aos movimentos de esquerda foram os maiores obstáculos para o crescimento desta vertente de pesquisa. No Brasil, ainda não existe uma historiografia consolidada sobre o ideário anticomunista, mas existem trabalhos interessantes e importantes para os historiadores que se interessam pelo tema – como, por exemplo, o livro de Rodrigo Patto Sá Motta. O autor procura estudar o anticomunismo entre 1917 e 1964, concentrando-se nos períodos de 1935-1937 e 1961-1964, alegando haver neles uma maior intensidade das manifestações anticomunistas.

Em relação à década de 1930, o autor identifica o manifesto escrito por Luiz Carlos Prestes – em maio de 1930, onde declarava sua adesão ao marxismo-leninismo e à causa do proletariado – como uma das primeiras influências de relevo no aumento do temor ao comunismo e, simultaneamente, dos sentimentos anticomunistas. Este aumento pode ser constatado, segundo ele, pela considerável expansão na publicação de livros anticomunistas. Além disto, o surgimento de várias greves, em 1934, em algumas capitais brasileiras, contribuiu para a criação de instrumentos repressivos legais, que se tornaram úteis ao governo na medida em que a esquerda ampliava a sua atuação. Entre 1930 e 1935, tais sentimentos estiveram ligados à percepção de que era necessária uma ofensiva em defesa da ordem, intensificada sobremaneira pela tentativa revolucionária comandada pelo PCB, em 1935, e pela Guerra Civil Espanhola, em 1936. Leia Mais

Luta subterrânea. O PCB em 1937-1938 | Dainis Karepovs

Só muito recentemente os historiadores brasileiros tomaram a si a tarefa de estudar a história dos partidos políticos no Brasil, área, até então, essencialmente ocupada por sociólogos e cientistas políticos. Em que pese este fato, demasiado relevante para as ciências humanas e sociais, tendo em vista as possibilidades metodológicas que se abriram com os estudos destes profissionais, são ainda poucos os trabalhos que recortam o tema à maneira dos historiadores. Ainda que se deva destacar o mérito do pioneirismo com que sociólogos e cientistas políticos promoveram tais estudos ao primeiro plano das grandes temáticas e preocupações da academia, não deixa de surpreender positivamente quando um pesquisador renuncia ao uso corrente de categorias funcionais, tipos ideais ou explicações essencialmente macroestruturais, numa investigação sobre as atividades e o pensamento de um partido político como o PCB, certamente o mais pesquisado do Brasil e um dos mais conhecidos entre os Partidos Comunistas do mundo, para mergulhar no universo pouco conhecido dos pormenores da produção intelectual e política dos seus principais dirigentes. Leia Mais

Da substituição de importações a substituição de exportações: a política de comércio exterior brasileira de 1945 a 1979 | Heloisa Machado Silva

O Modelo Substitutivo de Importações constituiu um conceito analítico “consagrado” de análise do processo de desenvolvimento brasileiro no século XX, em especial após a Revolução de 1930 e do período pós-Segunda Guerra Mundial. Também foi um modelo perseguido pelos sucessivos governos nesse mesmo período, impulsionado pelo desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Entretanto, seus impasses e vicissitudes não haviam ainda sido inteiramente analisados, bem como sua alteração para um Modelo Substitutivo de Exportações, quando o amadurecimento do desenvolvimentismo brasileiro. Nesse sentido, o livro da professora de Relações Internacionais Heloísa Machado da Silva procura desvendar as articulações entre modelo de desenvolvimento, política externa e comércio exterior, a partir dos conceitos de Substituição de Importações e Substituição de Exportações.

O livro, baseado na tese de doutorado da autora, defendida na UnB, inicia com um prefácio de Amado Cervo, que orientou a pesquisa. Conciso e provocador, o prefácio abre, de forma contundente, o debate-guia do livro (e, portanto, da pesquisa) de Heloísa Machado. Na introdução, a autora desvela as correntes teóricas sobre comércio internacional e desenvolvimento, dos clássicos aos neoclássicos, passando pelos keinesianos e cepalinos. O fio condutor é tentar observar as principais teses que orientam os governos nas conseqüências e resultados da política de comércio exterior. Leia Mais

Reagan and Gorbachev: How the Cold War Ended | Jack F. Matlock Junior

Em um belo dia do ano de 1983, Jack Matlock Jn., embaixador dos EUA na República da Tchecoslováquia, recebeu um inesperado telefonema da Casa Branca convocando-o a Washington, onde lhe foi oferecido uma posição-chave no Conselho de Segurança Nacional: a de desenhar uma estratégia de negociação viável frente à União Soviética. Especialista em história e cultura da Rússia e funcionário do Departamento de Estado, Matlock foi escolhido por ser um linha dura com experiência em negócios com os russos, e não – como outros membros no CSN – por ser apenas um teórico.

Na época se falava de uma nova Guerra Fria conduzida por Reagan com sua proposta de escudo antimísseis, seu agressivo projeto da Nova Direita baseado na desregulamentação da economia, no combate ao comunismo, no chauvinismo e na caracterização da União Soviética como o Império do Mal. Do lado Soviético, vivia-se uma longa crise iniciada com a morte de Brezhnev e marcada pela luta interna de poder, pela invasão do Afeganistão e pela manutenção da visão dual comunismo versus capitalismo. Leia Mais

Free Trade For The Americas? The United States’ Push for the FTAA Agreement. | Paulo Vizentini e Marianne Wiesebron

Um dos mais conhecidos fenômenos dos anos 1990 mas nem sempre corretamente percebido ou criticamente analisado foi a aceleração dos processos de integração regional, sugerindo-se que o mundo do pós-Guerra Fria seria organizado em torno de blocos comerciais e econômicos. Superado o conflito bipolar, o fortalecimento do entorno asiático, chinês e japonês, somado à evolução da União Européia (UE) e à criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), parecia indicar que a alternativa regional se fortalecia como meio de inserção mundial e progresso interno. Nesse contexto, mesmo países como os Estados Unidos, que nunca haviam demonstrado um interesse específico nessas políticas, apresentaram propostas de integração em seu hemisfério, começando pela Iniciativa das Américas (IA); depois o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), formalizando a interdependência pré-existente entre esse país, o Canadá e o México; até a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que visa abranger todo o continente.

Diante desses processos, muitos foram os que indicaram o início de uma nova era de prosperidade, sustentada nesses blocos, mas, principalmente, no fortalecimento das parceiras globais através desses novos atores. A despeito das implicações políticas e estratégicas que teriam tais acordos, essas discussões eram relegadas a um plano secundário à medida que o viés econômico, comercial e financeiro ganhava destaque, sendo percebido como motor de um crescimento e riqueza inevitáveis. Tais promessas eram particularmente disseminadas no continente americano, no qual os países menores percebiam a possibilidade de um acordo com os Estados Unidos como uma chance de recuperação doméstica e incremento de participação no sistema internacional. Porém, passada mais de uma década da eclosão da nova onda regionalista (a primeira fora nos anos 1950, com o nascimento da construção européia), poucos foram ainda os resultados reais em direção à prosperidade ou até na constituição dos acordos propostos. Leia Mais

A aliança não escrita: o Barão do Rio Branco e as relações Brasil-Estados Unidos | Bradford Burns

A obra de Bradford Burns, editada em 1966, examina a aliança não escrita entre o Brasil e os Estados Unidos no início do século XX. Ainda como fruto das comemorações do centenário da gestão do Barão do Rio Branco no Itamaraty, o trabalho traduzido pelo embaixador Sérgio Bath, em 2003, vem contribuir para um melhor entendimento das relações bilaterais entre as duas nações no primeiro decênio do século passado. Dessa forma, auxilia sobremaneira a compreensão acerca da formação do eixo estruturante das relações internacionais do Brasil, bem como o funcionamento inicial das denominadas relações especiais.

Organizada em nove capítulos, a obra de Bradford Burns utiliza-se dos mais variados assuntos para explicar as relações Brasil-Estados Unidos, percorrendo desde o perfil pessoal da formação do Barão a sua aceitação da Doutrina Monroe e do Pan-Americanismo. O autor perfaz a história desse relacionamento desde a suspeição, que emoldurou o início da amizade, às futuras recompensas que de fato ele trouxe para o Brasil. Leia Mais

Fascism outside Europe. The European impulse against domestic conditions in the difusion of global fascism | Stein Ugelvik Larsen

O norueguês Stein Larsen é um conhecido estudioso do tema do fascismo global. Entre seus vários trabalhos, destaca-se a coletânea Who were the fascists? Social roots of European fascism (Oslo, 1980), a qual se constitui num livro clássico a respeito das bases sociais do fascismo europeu, da teoria do fascismo e do estudo comparativo entre os vários movimentos e regimes fascistas da Europa.

No presente trabalho, Larsen mantém a sua predileção por grandes coletâneas com colaborações de autores dos mais diferentes países e continua a se dedicar à história comparativa com vistas à elaboração de uma teoria geral do fascismo. No entanto, ele ampliou sobremaneira, com relação ao seu trabalho anterior, de vinte anos atrás, o enfoque da comparação e também o tipo de perguntas a que ele pretende responder. Leia Mais

Caminhos da saúde pública no Brasil | Jacobo Finkelman

Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo

(Gabriel Garcia Marques, Cem anos de solidão).

Bem se poderia introduzir o livro Caminhos da saúde pública no Brasil pelo título talvez mais conhecido do escritor colombiano Garcia Marques, Cem anos de solidão. Este livro dá, em alguma medida, um termo de comparação às histórias das doenças públicas que coabitam o território brasileiro junto com suas diversas populações. Seja porque se pode dizer que Garcia Marques trazia em suas raízes uma relação cotidiana com diferentes processos de saúde e doença que fica aparente no livro — seu pai era proprietário de uma farmácia homeopática —, seja porque a América Latina, região não-imaginária de que fala o livro, também estabeleceu muito das suas relações internas e de vizinhança como um espaço de experimentação sobre a doença e a saúde, por exemplo como sede de um dos primeiros organismos internacionais de cooperação a atuarem no mundo, especialmente nessa área, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), criada em 19021. Leia Mais

Relatos de José Peralta | Gustavo Marín

La memoria está de actualidad. Desde hace años proliferan las investigaciones de Historia, Psicología, Antropología y otras disciplinas de las Ciencias Sociales y Humanidades centradas en la memoria colectiva de los pueblos. Probablemente en aquellas sociedades cuyo pasado relativamente reciente es más traumático, la explosión de los estudios sobre la memoria ha sido más espectacular o, a lo menos, es allí donde su repercusión social ha sido mayor. Debido a sus innegables connotaciones políticas, los trabajos sobre el Holocausto, los horrores del estalinismo o las dictaduras latinoamericanas de la segunda mitad del siglo XX, han tenido ecos que a menudo han trascendido las fronteras de las disciplinas desde las cuales fueron elaborados.

Pero estos estudios no habrían sido posibles sin una gigantesca acumulación de testimonios (orales, escritos y audiovisuales) aportados por los protagonistas y testigos de aquellos pasajes de la historia. Militantes, cientistas sociales y, a menudo los propios actores, han realizado una tesonera labor de recopilación, ordenamiento, preservación y difusión de relatos y recuerdos. Esto ha preparado el terreno para que los historiadores y otros especialistas efectúen su trabajo de transformación de las “memorias sueltas” o espontáneas en memorias historiográficas o sistemáticas 1. Leia Mais

Um médico brasileiro no front: diário de Massaki Udihara na Segunda Guerra Mundial | Massaki Udihara

É inverno. Um jovem de óculos, sentado em frente a uma lareira, escreve. Fora, cai neve nas montanhas da Itália. Esta imagem pareceria romântica, não fossem as condições em que o jovem de óculos escreve. Ele é Massaki Udihara, primeiro-tenente das Forças Expedicionárias Brasileiras, a FEB, durante a campanha brasileira na Segunda Guerra Mundial. Durante toda a sua participação na guerra, o jovem escreveu um diário, que começa no dia 29 de junho de 1944 e vai até o dia de seu retorno a São Paulo, 16 de junho de 1945.

O que é um diário senão as anotações mais íntimas daquele que escreve? É na realidade um monólogo consigo mesmo, uma forma de expressão daquilo que está ao seu redor, são observações, impressões, julgamentos que têm o centro no autor, sem a preocupação de ser avaliados por leitores ou críticos. O diário é uma forma de extravasar aquilo que se tem dentro de si através de palavras. Leia Mais

Culpa e coragem, historia das políticas sobre VIH/Sida em Peru, Lima | Marcos Cueto

A análise histórica das políticas sobre HIV/Aids no Peru, desenvolvida no livro de Marcos Cueto, representa mais um importante esforço para a compreensão das repercussões sociais de uma epidemia contemporânea que se caracterizou por apresentar um agente etiológico desconhecido, desafiar os sofisticados tratamentos médicos científicos do século XX e não ter cura.

Uma primeira contribuição importante do livro do historiador refere-se à possibilidade de conhecermos aspectos de uma das sociedades que integra a América Latina, aspectos estes nem sempre explorados nas reflexões desenvolvidas no Brasil no campo das ciências sociais e da saúde. Tendo em vista que os primeiros casos identificados de Aids datam do início da década de 1980, uma outra qualidade relevante do livro em questão está na utilização de uma perspectiva histórica acerca de uma epidemia contemporânea. Leia Mais

Fundação Ataulpho de Paiva — Liga Brasileira contra a Tuberculose: um século de luta | Dilene Raimundo Nascimento

O livro de Dilene Nascimento acompanha a trajetória da Fundação Ataulpho de Paiva ao longo de um século de existência, desde o surgimento da Liga Brasileira contra a Tuberculose, em 4 de agosto de 1900, até o tempo presente, apontando suas perspectivas. Contudo, muito mais que “conhecer” a história da luta contra a tuberculose no início do século XX, seu trabalho nos permite refletir sobre a relação entre a filantropia, a assistência médica e o Estado ao longo deste período.

A Liga Brasileira contra a Tuberculose, criada no Rio de Janeiro, reunia médicos, higienistas, intelectuais, membros da alta sociedade carioca que buscavam a cura desta doença, bem como sua profilaxia. O debate em torno desta doença era grande desde o final do século XIX, tanto na Academia de Medicina quanto na imprensa quotidiana. Nesta época, foi criada uma comissão chefiada por Domingos Freire para ir à Alemanha estudar a eficácia terapêutica da tuberculina de Koch, recém-descoberta (1890) e, logo depois, o Jornal do Commercio patrocinou experiências com a tuberculina de Koch nas enfermarias da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Toda esta ambiência criou um espaço propício para a reunião de um grupo de médicos e intelectuais em torno da idéia, lançada em 1899 por Cypriano de Freitas na Academia de Medicina, de se fundar um órgão específico para o combate da tuberculose. Deste “marco zero” à atuação contemporânea da Fundação Ataulpho de Paiva, é uma longa jornada. Leia Mais

Conflicting Missions. Havana, Washington and Africa, 1959-1976 | Piero Gleijeses

Conflicting Missions. Havana, Washington and Africa vem cobrir um vácuo na história da política externa de Cuba, relativo a um aspecto já tão discutido anteriormente, mas que, até aqui, não ia além de meras conjecturas sem provas: foi Cuba subserviente à União Soviética em seus envolvimentos de suporte a movimentos revolucionários na África? Desde 1991, Gleijeses realizou quatorze viagens a Cuba a fim de pesquisar nos documentos oficiais a história dessa época e trabalhou, ainda, com os arquivos norte-americanos, britânicos, alemães e belgas, além de realizar inúmeras entrevistas com personagens-chave africanos. Os resultados dos estudos de Gleijeses mostram nitidamente que os fatores que moveram Cuba em direção à África foram basicamente dois: uma “compulsão messiânica de liderar a revolução” e a sobrevivência da própria revolução cubana (p. 375). Para tanto, não houve nenhuma coordenação prévia com a União Soviética, e Cuba chegou, em alguns momentos, a pôr em risco relações importantes em função desses ideais.

Das 552 páginas do livro, cerca de 150 são constituídas por notas e referências bibliográficas e documentais. O restante está dividido em duas partes bem nítidas: a primeira inclui os primeiros dez capítulos e relata as intervenções na Argélia, no Zaire (hoje República Democrática do Congo), no Congo (hoje República do Congo) e na Guiné-Bissau; a segunda inclui sete capítulos referentes ao caso de Angola e as conclusões gerais. Todos os capítulos são enriquecidos de mapas e fotos explicativas e com referências adicionais às do texto. Leia Mais

A diplomacia do interesse nacional: a política externa do governo Médici | Cíntia Souto || As mudanças da política externa brasileira nos anos 80: uma potência média recém industrializada | Ricardo Sennes || A política externa do governo Sarney: a nova república diante do reordenamento internacional (1985-1990) | Analúcia Pereira

Esses são os três primeiros títulos da coleção Estudos Internacionais, coordenada pelo Professor Paulo Fagundes Vizentini e editada pelo Núcleo de Estudos de Estratégia e Relações Internacionais (Nerint) do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em parceria com a Editora da Universidade/UFRGS. A coleção é destinada a divulgar estudos, teses, dissertações e seminários produzidos ou orientados pelos pesquisadores do núcleo, bem como textos relevantes na área de relações internacionais.

Embora trabalhando com temporalidades diferenciadas, de certa forma os três livros têm uma linha de continuidade, pois discutem a mesma matriz de inserção internacional, formulada nos anos 1970 no Brasil e que vigorou até o final da década de 1980, mais conhecida pelo seu ápice, o Pragmatismo Responsável do governo Geisel. Mas a estruturação dessa matriz já vinha ocorrendo no período do Governo Médici, assim como, embora o regime militar tenha formalmente acabado em 1985, seu modelo de inserção internacional duraria até 1990. Nesse sentido, esses autores trabalham com os seus primeiros ensaios (no Governo Médici) e sua crise (já no final do governo Sarney). Leia Mais

Privilégios e imunidades diplomáticos | Sérgio Eduardo Moreira Lima || A imunidade de jurisdição e o Judiciário brasileiro | Márcio Garcia e Antenor Maragna Guimarães Lessa || A renúncia à imunidade de jurisdição pelo Estado brasileiro e o novo direito da imunidade de jurisdição | Antenor Pereira Madruga Filho

Durante o século XX, o direito diplomático experimentou mudanças substanciais, especialmente no que concerne aos privilégios e imunidades, que passaram a ser mais limitados, repercutindo diretamente sobre os agentes das missões diplomáticas e repartições consulares. A codificação das regras relativas às prerrogativas diplomáticas e consulares expressas na Convenção sobre Relações Diplomáticas de 1961 e na Convenção sobre Relações Consulares de 1963, ambas concluídas em Viena, possibilitou um tratamento mais uniforme sobre a matéria. Ademais, observou-se o papel da opinião pública internacional em demandar maior restrição às prerrogativas diplomáticas e consulares sempre que essas contrariassem o direito interno dos países acreditantes.

Essa evolução do costume para a codificação das normas de direito internacional tem tido efeito direto sobre os Poderes da União. No Legislativo, nota-se um movimento na elaboração de Immunity Acts, ou seja, leis que versam sobre os privilégios e imunidades dos agentes diplomáticos e consulares. No Executivo, observa-se o cuidado das Chancelarias em instruir as missões diplomáticas e repartições consulares em respeitar as jurisdições internas dos países acreditantes. No Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, que manteve por décadas a posição de reconhecer a imunidade absoluta de jurisdição e de execução dos agentes diplomáticos, mudou sua postura no começo da década de 1990, também como conseqüência das inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, que teve impacto direto sobre as questões trabalhistas envolvendo os Estados acreditados e seus funcionários locais. Paralelamente, a distinção entre os chamados atos de império – ação em que o Estado age como entidade soberana e os atos de gestão – quando o Estado se equipara ao particular, em atos de natureza trabalhista ou comercial – contribuiu para a relativização de imunidade de jurisdição. Leia Mais

Del ABC al Mercosur: la integración latinoamericana em la doctrina y práxis del peronismo | Andrés Cisneiros e Carlos Piñeiro Iñiguez || La dictadura argentina (1976- 1983): del golpe de estado a la restauración democrática | Marcos Novaro e Vicente Palermo || Tiempos de crisis/ vientos de cambio: Argentina y el poder global | Mario Papoport || Crítica de las ideas políticas argentinas | Juan José Sebrelli

O triênio 2000-2003 foi de intensidade singular para a vida social, econômica e política da República Argentina, cenário que tem sido alvo de estudos por parte de internacionalistas e pesquisadores de áreas conexas. No caso dos historiadores, a prudência os leva a aguardar mais alguns anos para se aventurarem a explicar os acontecimentos passados no período. De qualquer forma, a explicação dos fenômenos da atualidade não é feita apenas no presente mas principalmente pelo retorno ao passado, pela apreciação de recorrências factuais e pela utilização de regularidades e analogias.

Nessa linha, a obra de Raul Bernal-Meza, Sistema Mundial y Mercosul(Buenos Aires: Grupo Editor Latinoamericano2000), seria um marco dos estudos argentinos sobre a nova configuração da política internacional, tendo como pano de fundo a inserção da Argentina nesse mundo, característica marcante dos estudiosos portenhos de relações internacionais. Destarte, a dinâmica da produção argentina, tradicionalmente intensa, permaneceria fornecendo trabalhos consistentes sobre a atualidade, valendo-se da perspectiva histórica como instrumento-chave de análise. Leia Mais

Política externa da Primeira República: os anos de apogeu (1902 a 1918) | Clodoaldo Bueno

Nas últimas décadas, o grande historiador Clodoaldo Bueno vem se destacando como um dos mais abalizados sobre a política externa brasileira, fenômeno que agora se repete com o lançamento de sua mais nova obra. Esta já surge como leitura essencial para os que militam no campo da história das relações internacionais, uma vez que o autor, demonstrando amplo conhecimento do tema em questão, narra, de forma celebrável, o desenrolar da formulação da política externa nos anos seguintes à década do nascedouro da República brasileira. O prefácio do professor Amado Luiz Cervo fala por si: a obra “compõe, ademais, a tríade de obras hoje indispensáveis ao conhecimento da evolução da política exterior durante a denominada República Velha”, juntamente com outro livro de Bueno, A República e sua política exterior, 1889-1902 (São Paulo: Ed. Unesp, 1995) e a Tese de Doutorado defendida por Eugênio Vargas Garcia, Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920 (Universidade deBrasília, 2001).

Apresentando recorte temporal de 1902 a 1918, Bueno seduz o leitor com a forma que o argumento principal de seu livro é exposto. Tendo como desafio principal “reconstruir o sistema de idéias de Rio Branco” (p. 23), o autor a ele dedica a parte mais longeva da obra, sem que haja, no entanto, a ausência de uma correta exploração da formulação da política externa brasileira nos anos que antecederam e precederam a chancelaria do Barão (1902-1912). Leia Mais

A Era dos Festivais – Uma Parábola | Zuza Homem de Mello

Os festivais da canção realizados ao longo das décadas de 1960 e 1970 constituem, sem dúvida, marcos significativos na trajetória da história da música brasileira. Nesse período, novos talentos foram descobertos, movimentos musicais se renovaram e redimensionaram a música popular brasileira. Uma revisão do conceito de MPB impulsionou intensos debates acerca das relações entre a música e a política, fomentou discussões sobre a estética e suas articulações com o social. No bojo dessa efervescência cultural, compositores, músicos e intérpretes se depararam com as limitações impostas pelo regime militar, seus atos de exceção e, principalmente, pela ação censória. Não por acaso, muitos dos artistas envolvidos nos embates estéticos e políticos do período foram exilados, perseguidos e presos.

A Era dos Festivais – Uma Parábola reporta o leitor à magia dos festivais e o coloca diante da euforia do público, da competitividade entre os participantes, dos bastidores dos eventos musicais. O volume que integra a coleção “Todos os Cantos”, publicada pela Editora 34, se mostra envolvente como uma crônica, mas alia à narrativa romanceada uma vasta documentação, capaz de suscitar múltiplos interesses e chamar a atenção das mais distintas gerações. Zuza Homem de Mello atua como “testemunho ocular da história” – parafraseando o locutor do memorável programa Repórter Esso; envereda pela atmosfera agitada daqueles anos e apresenta versões controvertidas de casos pitorescos flagrados durante a realização dos festivais. Leia Mais

Relações internacionais: visões do Brasil e da América Latina | Estevão Chaves de Rezende Martins || A construção da Europa: a última utopia das relações internacionais | Antônio Carlos Lessa || Relações internacionais: economia política e globalização | Carlos Pio || Relações internacionais: teorias e agendas  | Antônio Jorge Ramalho da Rocha || Cooperação/ integração e processo negociador: a construção do Mercosul | Alcides Costa Vaz || Relações internacionais: cultura e poder | Estevão Chaves de Rezende Martins || Relações internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas | Amado Luiz Cervo || Relações internacionais e temas sociais: a década das conferências | José Augusto Lindgren Alves || Relações internacionais: dois séculos de história | José Flávio Sobra Saraiva

Com a publicação de mais quatro volumes, completa-se a coleção “Relações Internacionais”, do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (Ibri), organizada pelo diretor desse, José Flávio Sombra Saraiva. Com o apoio da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e o patrocínio da Petrobrás, a coleção vem ao encontro e confirma, ao mesmo tempo, a maturidade que tem alcançado a produção acadêmica brasileira na área de relações internacionais.

O volume organizado por Estevão Chaves de Rezende Martins, Relações internacionais: visões do Brasil e da América Latina, reúne uma série de trabalhos sobre diversos temas importantes, escritos por especialistas brasileiros, argentinos e europeus. O livro é uma bela e mais do que merecida homenagem a Amado Luiz Cervo, editor desta Revista, que tem uma produção acadêmica notável no âmbito da história das relações internacionais, particularmente da política externa brasileira. Leia Mais

Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula | Paulo Fagundes Vizentini

O estudo da política externa brasileira tem se valido dos avanços positivos experimentados por esse campo do conhecimento como um reflexo direto de programas de pesquisa cada vez mais consolidados e do incentivo à produção acadêmica provenientes das esferas pública e privada. Esses avanços, contudo, não representam um esgotamento dos temas a serem apreciados e das questões a serem resolvidas. Pelo contrário, o próprio caráter dinâmico da história faz com que o aperfeiçoamento do conhecimento seja a tarefa a ser buscada, o que de fato é exigido do estudo da história da política exterior do Brasil e dentro do qual o livro Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula é produto direto dessa preocupação eminentemente acadêmica.

A obra de Paulo Fagundes Vizentini responde às necessidades quase obsediantes daqueles diplomatas, professores, estudantes ávidos pelo conhecimento dos fatos mais relevantes da nossa história política contemporânea. Nesse sentido, destaque para a quarta parte do livro, na qual o autor enfoca o período de 1990 a 2002, apreciando e relacionando os impactos da globalização neoliberal com o culto irrestrito ao americanismo na passagem dos dois “Fernandos” pela presidência do Brasil, o que teria profundas repercussões sobre os rumos da política exterior do país. Além disso, procura demonstrar a fragilidade do Mercosul enquanto estratégia de inserção internacional, ao mesmo tempo em que aponta para o abandono do projeto nacional, que havia se amparado sobre o nacional-desenvolvimentismo no período anterior. Leia Mais

Holocaustos Coloniais. Calma, fome e imperialismo na formação do Terceiro Mundo | Mike Davis

Resenhista

Norberto O. Ferreras

Referências desta Resenha

DAVIS, Mike. Holocaustos Coloniais. Calma, fome e imperialismo na formação do Terceiro Mundo. Rio de Janeiro/São Paulo: Record Editora, 2002. Resenha de: FERRERAS, Norberto O. Trajetos. Fortaleza, v.2, n. 4, p.237-241, 2003.

Acesso apenas no link original [DR]

Norte-americanos no Brasil: uma história da Fundação Rockefeller na Universidade de São Paulo (1934-1952) | María Gabriela S. M. C. Marinho

En los últimos años han parecido varios y valiosos estudios sobre el papel de la Fundación Rockefeller, una institución creada en 1913, en la organización del conocimiento científico, la reforma de la enseñanza médica y la ejecución de campañas de salud internacionales. Originalmente, las primeros investigaciones se concentraban en el lado emisor, o norteamericano, y enfatizaban las motivaciones del mismo. Las motivaciones mas tradicionales eran las humanitarias y filantrópicas y las explicaciones mas críticas presentaban el programa de la Rockefeller como un medio más sofisticado para proteger e incrementar la productividad de las economías ligadas al capitalismo norteamericano y controlar a las élites locales a través de los sutiles mecanismos de la hegemonía cultural. Sin embargo, desde hace algunos pocos años los estudios sobre la relación entre la fundación y la ciencia se extendieron a varios países del mundo donde nuevos estudios empezaron a enfatizar el papel de la Rockefeller en los procesos locales de recepción, negociación y diferenciación entre grupos profesionales competitivos. Este importante libro de Marinho es ciertamente una contribución notable a esta renovada perspectiva de estudiar el impacto de la Rockefeller desde lo local. Leia Mais

Olhares sobre Gustavo Barroso | Anais do Museu Histórico Nacional | 2003

Organizador

Aline Montenegro Magalhães

Referências desta apresentação

MAGALHÃES, Aline Montenegro. Apresentação. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.35, p.177-178, 2003. Acesso apenas no link original [DR]

Acessar dossiê

O Rio no acervo do Museu Histórico Nacional  | Anais do Museu Histórico Nacional | 2003

Ser médico no Brasil: o presente no passado | André Faria de Pereira Neto

O livro Ser médico no Brasil: o presente no passado, de André de Faria Pereira Neto, examina de forma muito original como elites médicas se mobilizaram no início do século XX, com o objetivo de avançar o processo de profissionalização dessas carreiras no país.

Esmiuçando os debates ocorridos entre participantes de um congresso de médicos realizado em 1922, o autor destaca no passado vários aspectos que continuam marcando a prática médica nos dias de hoje, dando novo significado às situações que presenciamos no cotidiano da medicina. Seu primeiro achado foi destacar o Congresso Nacional dos Práticos como o evento relevante a ser analisado. Esta opção, entre vários outros caminhos que ele poderia ter tomado para pesquisar o tema, abordou com criatividade o mundo dos médicos às voltas com o profissionalismo. Assim, escolheu a dedo um evento que melhor lhe permitiria pesquisar as preocupações dos médicos com a profissão em um contexto de mudanças nas formas de se exercer a atividade. Leia Mais

Em busca do Povo Brasileiro – Artistas da revolução, do CPC à era da TV | Marcelo Ridenti

A utopia de uma efetiva aproximação entre os intelectuais, os artistas e o povo brasileiro é o tema central desse livro de Marcelo Ridente, que, em última instância, trata da produção cultural inspirada no âmbito da então sonhada Revolução Brasileira. Apesar das especificidades de cada uma das áreas artísticas abordadas, é possível observar, através do estudo proposto, as diversas problemáticas que nortearam a produção cultural brasileira, em meados dos anos 60 e 70 – um período de intensos debates sobre a viabilidade do projeto de modernização do País. Nessa direção, o estudo privilegia a análise de obras, cuja proposta não escamoteia a intenção do artista em revelar ao espectador a história de sua gente, analisar o presente e projetar o futuro da sociedade brasileira.

A pesquisa de Ridente se insere no âmbito das preocupações que se aproximam dos pressupostos teóricos e metodológicos da chamada História Nova, capaz de reconhecer, em todas as marcas da inteligência humana, objetos de estudo para a disciplina. A história – asseguraria Jacques Le Goff, um dos expoentes da Escola dos Annales – deve perscrutar as fábulas, os mitos, os sonhos da imaginação (1990, p. 107). Nesse sentido, os historiadores, no decorrer do século XX, propuseram a superação das premissas positivistas, responsáveis pelo confinamento das pesquisas aos documentos escritos, e muitas vezes, oficiais. A terceira geração dos Annales ampliou as possibilidades da escrita da história, propondo a utilização de tipos de fontes diferenciadas: documentos que abarcam formas de linguagem não escrita, depoimentos orais, registros judiciais, artísticos, literários, entre outros. Leia Mais

Relações internacionais: dois séculos de história | Entre a preponderância européia e a emergência americano-soviética | Entre a ordem bipolar e o policentrismo (1947 a nossos dias)| José Flávio Sobra Saraiva || Relações internacionais e temas sociais: a década das conferências | José Augusto Lindgren Alves || Relações internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas | Amado Luiz Cervo || Relações internacionais: cultura e poder | Estevão Chaves de Rezende Martins || Cooperação/ integração e processo negociador: a construção do Mercosul | Alcides Costa Vaz

Foram lançados em 2002 mais dois títulos da coleção “Relações Internacionais”, que se juntam aos quatro levados a público no segundo semestre de 2001. A coleção é publicada pelo Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) e organizada por José Flávio Sombra Saraiva, diretor-geral do Instituto, com o apoio da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e o patrocínio da Petrobras. O IBRI cumpre, assim, uma das importantes missões a que se propôs, que é a de difundir os estudos desenvolvidos no Brasil sobre as relações internacionais e sobre a inserção do país no cenário internacional. A coleção, distinta de outras que recentemente incorporaram-se ao mercado editorial do país, volta-se, com efeito, à exposição do atual pensamento brasileiro em relações internacionais.

Os dois volumes de “Relações internacionais: dois séculos de história”, organizados por José Flávio Sombra Saraiva, são, não por acaso, os dois primeiros títulos da coleção “Relações internacionais”. Trata-se de uma versão ampliada e revista de “Relações internacionais: da construção do mundo liberal à globalização (1815 a nossos dias)”, lançado em 1997, rapidamente esgotado. O primeiro volume intitula-se Entre a preponderância européia e a emergência americano-soviética (1815-1947) e o segundo Entre a ordem bipolar e o policentrismo (de 1947 a nossos dias). O leitor encontra nos dois caprichados volumes uma excelente síntese de quase dois séculos da história das relações internacionais, escrita de maneira acessível e instigante por quatro especialistas: além do organizador, José Flávio Sombra Saraiva, Amado Luiz Cervo, Wolfgang Döpcke e Paulo Roberto de Almeida. Os autores utilizaram bibliografia atualizada e da mais alta qualidade, trazida ao final de cada capítulo, o que permite ao leitor prosseguir facilmente no aprofundamento de temas que são de seu maior interesse. Leia Mais

A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e futuro | Celso Lafer

“… um balanço de minhas pesquisas e reflexões de muitos anos sobre a política externa brasileira, adensado pela minha experiência diplomática na década de 1990.” Assim define Celso Lafer seu mais recente livro, intitulado “A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e futuro”, que se junta, assim, a sua profícua produção intelectual.

Com efeito, além de conhecido pelas importantes funções que tem exercido – foi Ministro das Relações Exteriores em 1992, chefe da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas e à Organização Mundial do Comércio de 1995 a 1998, Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio em 1999, e chefe do Itamaraty novamente a partir de janeiro de 2001 –, Celso Lafer é autor de estudos importantes nas áreas de Ciência Política e Direito. Dentre eles, para nos limitarmos a poucas referências, destaquemos sua tese de doutoramento The Planning Process and the Political System in Brazil: a Study of Kubitschek’s Target Plan, 1956-1961 (1970), passagem obrigatória para quem estuda a implementação da política desenvolvimentista do período JK, e Uma interpretação do sistema das relações internacionais do Brasil (Revista Brasileira de Política Internacional, 1967), análise sistêmica que enfoca as articulações entre a esfera nacional e a política exterior do Brasil com o nível global e regional, até os anos 1960. E os mais recentes “A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira” (1998) e “Comércio, desarmamento, direitos humanosreflexões sobre uma experiência diplomática” (1999). Além disso, num tipo de exercício em que poucos se sobressaem, Celso Lafer se destaca: quantos de nós já não tivemos o prazer de abrir um livro e nos depararmos com seus prefácios, guias seguros e argutos de leitura, que muito enriquecem os trabalhos daqueles que tiveram a sorte de poder contar com esse precioso convite à leitura de seus estudos. Lembremos, dentre tantos, os primorosos prefácios aos livros O governo Kubitschekdesenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956-1961 (1976), de Maria Victória Benevides, e A legitimidade e outras questões internacionais (1999), de Gelson Fonseca Júnior.

A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira é uma obra sintética que abarca diversos aspectos da História do Brasil, ainda que se proponha mais especificamente “buscar e apreender as tendências inerentes à `duração longa’ da diplomacia brasileira”. Nela está muito presente a preocupação do autor com o sentido último e verdadeiro da construção da nação brasileira. É a leitura de Lafer sobre a especificidade brasileira, valendo-se de autores diversos que se debruçaram sobre a mesma reflexão, de um ponto de vista mais geral, como Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre, ou de um prisma mais pontual.

Entendendo como tarefa da política externa “traduzir necessidades internas em possibilidades externas para ampliar o poder de controle da sociedade sobre o seu destino”, Lafer começa seu estudo chamando a atenção para a crescente diluição entre as esferas interna e externa, do “nós” e do “outro”, que têm mudado a dinâmica das relações internacionais e a própria definição do campo de atuação da política externa e do que poderíamos chamar de seus insumos. Chama também a atenção para a importância do Itamaraty como depositário da memória da diplomacia do Brasil, conferindo à atuação diplomática coerência e continuidade, e para “fatores de persistência” que explicariam em larga medida a identidade internacional do Brasil: “o dado geográfico da América do Sul; a escala continental; o relacionamento com muitos países vizinhos; a unidade lingüística; a menor proximidade, desde a independência em 1822, dos focos de tensão presentes no centro do cenário internacional; o tema da estratificação mundial e o desafio do desenvolvimento”.

Tendo essas definições e argumentos maiores em mente, o capítulo “O Brasil como um país de escala continental …” enfoca a consolidação do extenso espaço territorial nacional, componente identitário bastante valorizado pelo autor. De fato, a busca da construção da escala continental do Brasil é considerada como “um dos sentidos da história do Brasil” e o “primeiro vetor da política externa brasileira”, que prevalece no período monárquico e adentra o período republicano, indo até o momento em que Rio Branco dirige a diplomacia brasileira (1902-1912). Rio Branco, “com virtù e fortuna“, equaciona as questões fronteiriças pendentes no começo do século XX e terá papel fundamental na fixação de padrões da atuação diplomática brasileira, que se caracteriza pelo realismo, ou pragmatismo, temperado pelo pacifismo e pelo jurisdicismo. Esse traço da diplomacia encontrará sua expressão maior no relacionamento com os vizinhos da América do Sul, tema do capítulo “O contexto da vizinhança…”.

O contraponto ao eixo de simetria das relações do Brasil com os países sul-americanos, em que vigora uma relativa igualdade, é a relação assimétrica com as grandes potências mundiais, sobretudo com os Estados Unidos (Rubens Ricupero). O capítulo “O Brasil no eixo assimétrico do sistema internacional …” trata dessa questão, que é outra condicionante do tipo de inserção internacional do País. Potência média, o Brasil tem, assim, apostado desde o começo do século XX – pensemos aqui em Rui Barbosa em Haia – na via multilateral como compensadora das assimetrias do sistema internacional. Nesse âmbito, sem dúvida alguma o tema do desenvolvimento é mais um elemento marcante da política externa brasileira, que teve, inclusive, um papel bastante ativo na inserção da ideologia do desenvolvimento no sistema da ONU. Esses são assuntos tratados no capítulo “A busca do desenvolvimento do espaço nacional: o nacionalismo de fins e a diplomacia da inserção controlada no mundo”.

A partir desses traços de identidade, qual política externa para o século XXI? Celso Lafer busca responder à questão no capítulo “O desafio do século XXI …”, último capítulo do livro. A resposta passa pela continuidade da disposição negociadora do Brasil, o aproveitamento dos foros multilaterais e a “internalização” do mundo, já que “mudanças significativas do funcionamento do mundo provocam e exigem de um país uma mudança da visão de seu papel, o que pode alterar significativamente sua identidade internacional”.

Enfim, a reflexão de Celso Lafer, lastreada que está em sua trajetória intelectual e de homem de Estado, busca a “coerência profunda” de nossa política externa, não se preocupando com as “incoerências conjunturais”. Ao leitor, no entanto, resta a impressão de que a concepção histórica que permeia a obra se enriqueceria com a contradição, a visão crítica; a tentativa de compreender por que, apesar de sua coerência, a política externa brasileira não conseguiu responder adequadamente ao interesse nacional prioritário, e imperativo, que é o desenvolvimento. Com efeito, parece possível combinar as palavras de Joaquim Nabuco, citado por Lafer como leitura norteadora – “O Brasil teve consciência do seu tamanho e tem sido governado por um sentimento do seu futuro” –, com a idéia de pluralidade. Transpor os mitos e encarar a história como campo de possibilidades.


Resenhista

Norma Breda dos Santos


Referências desta Resenha

LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001. Resenha de: SANTOS, Norma Breda dos. Revista Brasileira de Política Internacional, v.45, n.1, 2002. Acessar publicação original [DR]

El Cono Sur. Una historia común | Mario Rapoport e Amado Luiz Cervo

Relançado em edição revista e ampliada pela Editora Fondo de Cultura Económica, El Cono Sur.Una historia común (História do Cone Sul. Rio de Janeiro: Revan, 1998) amplia a oportunidade oferecida ao público das relações internacionais de conhecer uma nova história da América Latina, contada de forma conjunta por alguns dos mais renomados pesquisadores brasileiros e argentinos, como Amado Luiz Cervo, Mario Rapoport, Luiz Alberto Moniz Bandeira, Eduardo Azcuy Ameghino, Edmundo A. Heredia e Francisco Doratioto.

No momento em que mudanças políticas e econômicas fundamentais surpreendem os principais países latino-americanos, os trabalhos apresentados pelos autores servem como uma resposta às indagações muitas vezes feitas pelos tomadores de decisão a respeito da importância da renovação e aprofundamento dos laços de integração regional como forma de recuperação dos rumos do desenvolvimento. Leia Mais

Israel-Palestina: a construção da paz vista de uma perspectiva global | Gilberto Dupas e Tullo Vigevani

Há algo singular na apreciação das relações internacionais contemporâneas e na história das relações internacionais do século XX. Apenas um tema tem sido ultrapassado, em volume e proporção quantitativa, pelo estudo das questões Israel-Palestina: a Grande Guerra de 1914-1918. Isso evidencia algo a nos induzir a uma forte preocupação: mais do que a paz, como lembram os clássicos realistas, a guerra é ainda o cerne a dar fundamento epistemológico às relações internacionais.

Nesse sentido, à primeira vista, pareceria que o livro organizado por Dupas e Vigevani padeceria da síndrome do sucesso do tema em voga ou da pouco criativa recorrência ao lugar comum, ao já dito, ao já qualificado. Em outras palavras, ao déjà vu. Mas não é isso o que emerge ao longo da leitura da coletânea conduzida pelos colegas paulistas. O conflito Israel-Palestina é posto em tela de uma maneira original, no esforço teleológico da busca de caminhos da paz. Os autores, ao aceitarem o desafio, não reificam a guerra, mas a desconstroem, de fato, por meio de múltiplos olhares e binóculos distintos, mas a partir da mesma colina: a da vontade de celebrar a convivência de contrários. Leia Mais

Projeto e Missão: o Movimento Folclórico Brasileiro (1947-1964) | Luís Rodolfo Vilhena

VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão: o Movimento Folclórico Brasileiro (1947-1964). Rio de Janeiro: FGV, 1997. Resenha de: COSTA, Michel DalCol; SANTOS, Estilaque Ferreira dos. O Movimento Folclórico Brasileiro (1947-1964) e o Debate Atual Sobre Folclore. Dimensões. Vitória, n.14, p.521-525, 2002. Acesso apenas pelo link original [DR]

Lajja – Shame | Taslima Nasrin

Os problemas que ora se agudizam na denominada região da Caxemira remontam ao período imediatamente posterior à separação das regiões noroeste e nordeste da Índia, respectivamente no dia 15 de agosto de 1947, quando os ingleses deixaram a Índia e foi criado o Estado do Paquistão, e em 26 de março de 1971, quando o Paquistão oriental ganhou sua independência, tornando-se o país Bangladesh. Houve um tempo em que povos de crenças distintas conviviam com relativa harmonia naquelas terras hoje divididas e rebatizadas. Com a formação dos Estados do Paquistão e de Bangladesh em conseqüência dessa partilha do território indiano, iniciou-se o reordenamento de fundamentalistas religiosos em busca de novas causas. O desastre do domínio imperial britânico na região resultou no que hoje conhecemos de Bangladesh ou da região de Bengala (atual Bangladesh, Calcutá e arredores). O que era antes um dos lugares mais ricos do mundo tornou-se um abrigo da miséria humana:

Não resta dúvida de que o domínio imperial tenha sido um desastre. Veja a Índia por exemplo. Quando os britânicos chegaram pela primeira vez, Bengala era um dos lugares mais ricos do mundo. Os primeiros mercadores britânicos descreveram-na como um paraíso. Essa é, atualmente, a área de Bangladesh e Calcutá, um símbolo de desespero e pobreza (Chomsky, 1999 p. 84). 1 Leia Mais

Vizinhos distantes: universidade e ciência na Argentina e no Brasil | Hugo Lovisolo

O livro de Hugo Lovisolo, escrito numa prosa clara, fluente e não uniforme, ao mesmo tempo que conceitualmente precisa, parte de um tema rico e de um problema oportuno: realizar um estudo comparativo entre o desenvolvimento científico da Argentina e do Brasil, que, apesar das muitas semelhanças, seguiram caminhos distintos. O autor se pergunta, já desde o início, o que interessa às comunidades científicas de muitos países, particularmente as latino-americanas: “historicamente, desde a conquista, os vizinhos próximos herdaram tradições religiosas, políticas, culturais e posições econômicas estruturais bem mais semelhantes do que na comparação com os vizinhos distantes … . Diante do pano de fundo das semelhanças, emerge então com naturalidade a questão geral: como e por que foram geradas as diferenças” (p. 9). O período tratado vai, grosso modo, de 1900 a 1970, mas o século XIX acaba sendo englobado por conta da análise, imprescindível, da influência do positivismo, com suas nuanças e matizes, em ambos os países.

As 132 páginas dividem-se em cinco capítulos, além da ‘Introdução’, na qual o autor apresenta o livro, suas intenções e premissas, e adiciona os agradecimentos. Sua premissa básica é que, em princípio, desenvolvimento econômico e desenvolvimento científico e cultural caminham juntos. Nos dois casos sob análise essa relação não é direta, o que conduz a um paradoxo que terá função heurística, como explica o autor já na primeira página. Outra premissa importante é que comparações com não-vizinhos, principalmente com os freqüentemente citados Estados Unidos, Inglaterra e França, por haverem sido já muito exploradas, estariam agora, de certo modo, esgotadas como desafio intelectual, e portanto valeria a pena apostar na comparação com a América Latina. Leia Mais

Il gênio dello storico: le considerazioni sulla storia di Marc Bloch e Lucien Febvre e Ia tradizione metodológica francese | Massimo Mastrogregori

Resenhista

Raimundo Barroso Cordeiro Junior – Professor da Universidade Federal da Paraíba.

Referências desta Resenha

MASTROGREGORI, Massimo. Il gênio dello storico: le considerazioni sulla storia di Marc Bloch e Lucien Febvre e Ia tradizione metodológica francese. Napoli: Edizione Scientifiche Italiane, 1987. Resenha de: CORDEIRO JUNIOR, Raimundo Barroso. História Revista. Goiânia, v.7, 1-2, p.157-167, jan./dez.2002. Acesso apenas pelo link original [DR]

O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra | Antônio Pedro Tota || Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial | Roney Cytrynowicz

Os trabalhos de Roney Cytrynowicz e Antônio Pedro Tota têm em comum o fato de analisarem a história brasileira durante a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, suas abordagens e enfoques são bastante diversos, refletindo também preocupações temáticas e conceituais e, naturalmente, escolha de fontes e bibliografia.

O livro de Antônio Tota aborda um tema fascinante e, ao mesmo tempo, pouco estudado pelos historiadores nacionais: a ofensiva cultural realizada pelo governo americano no Brasil, dentro do espírito da ‘política da boa vizinhança’. São poucos os trabalhos sobre o tema — a começar pelo já clássico livro de Gerson Moura Tio Sam chega ao Brasil (1984). Este fato torna-se ainda mais evidente quando comparamos a produção nacional com o grande número de trabalhos americanos sobre o tema: basta conferirmos a própria bibliografia utilizada por Tota. O autor, além de trabalhar com uma vasta bibliografia norte-americana sobre seu tema, utilizou fontes textuais, sonoras e iconográficas, tiradas de arquivos norte-americanos e brasileiros. Suas fontes são, principalmente, governamentais, o que naturalmente reflete o recorte de seu objeto: a ação do Office of Coordinatior of Inter-American Affairs (OCIIA) no Brasil, com o objetivo de “seduzir” os brasileiros para uma aliança com os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar da inexistência de referências explícitas, a linguagem e a estrutura do livro nos fazem acreditar que se trata originalmente de uma tese de doutoramento. Leia Mais

Em defesa da honra: moralidade/ modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940) | Sueann Caulfield

Os leitores que já conheciam os artigos de Sueann Caulfield editados no Brasil certamente aguardavam com ansiedade a publicação completa do seu estudo, elaborado originalmente como uma tese de doutorado na New York University. No livro Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940), mais uma vez temos a expressão da sensibilidade da autora — que em antropologia poderíamos arriscar chamar de etnográfica — para tratar de temas como a honra e também de sua grande capacidade de articular inúmeras fontes e referências bibliográficas. Vale mencionar que o tipo de abordagem empreendido aproxima esse estudo de uma série de outros que nos últimos anos têm se caracterizado por privilegiar uma relação profícua entre história e antropologia. A natureza das questões propostas e a perspicácia na análise dos dados tornam a leitura do livro obrigatória não apenas para aqueles que se interessam pela história a partir da perspectiva das relações de gênero, mas para todos que querem compreender com mais profundidade o Brasil da primeira metade do século XX.

O estudo trata da honra sexual a partir do grande interesse que esse tema provocava na primeira metade do século XX no Brasil. Esse interesse aparecia expresso em diversos debates públicos e também, de uma forma mais particular, nas queixas que chegavam ao sistema jurídico-policial envolvendo vários tipos de delitos que contrariavam a moral sexual vigente. Para se ter uma idéia da magnitude do fenômeno, Caulfield revela que durante as décadas de 1920 e 1930, anualmente, cerca de quinhentas famílias procuravam a polícia da cidade do Rio de Janeiro para denunciar o defloramento de suas filhas e tentar algum tipo de reparação do mal. Os casos, sobretudo aqueles mais violentos, atraíam a atenção não apenas dos juristas, policiais, advogados, mas também da opinião pública em geral. E, se a importância da honra sexual parecia inquestionável, as concepções sobre o que ela de fato representava variavam bastante. Leia Mais

Vera: A Princesinha do Nortão. Uma contribuição ao estudo da ocupação da Amazônia Mato-grossense | Alexandre Panosso Netto

Vera: A Princesinha do Nortão. Uma contribuição ao estudo da ocupação da Amazônia Mato-grossense, de autoria de Alexandre Panosso Netto, licenciado em Filosofia e bacharel em Turismo pela Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande-MS e Especialista e Mestre em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Dourados.

Seu primeiro livro buscou resgatar a memória da cidade de Vera-MT, que se caracteriza como primeiro núcleo de colonização da Amazônia Mato-grossense a receber incentivos fiscais do Governo Federal após a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -INCRA. Leia Mais

Capanema: o ministro e seu ministério | Angela de Castro Gomes

Entre as personagens políticas do primeiro governo Getúlio Vargas, e mais especificamente do Estado Novo, o ministro da Educação e Saúde entre 1934 e 1945, Gustavo Capanema, é uma figura central na definição ideológica e nas políticas públicas implementadas. Seu ministério tinha, entre outras atribuições, a de formular um projeto cívico-pedagógico para engendrar um “novo homem brasileiro”. A reforma do Estado, da sociedade e do homem eram projetos que deveriam caminhar juntos. Educação, saúde e cultura eram pilares para a execução deste ideário. As interpretações mais difundidas sobre as idéias e ações de Capanema têm se apoiado em imagens cuja força, enquanto ícones de uma época, sobrepõem-se às tentativas de uma análise mais apurada. Dois podem ser os fatores determinantes destas interpretações.

Em primeiro lugar, Capanema foi político e intelectual dos mais complexos e de difícil apreensão, mesmo no contexto do ideário conservador. Ele mantinha uma teia de relações pessoais e de colaboradores, que incluía intelectuais de esquerda em pleno Estado Novo. Desta colaboração resultou a obra maior, segundo o ministro, que foi o edifício sede do Ministério da Educação no Rio de Janeiro, considerado um emblema da arquitetura modernista no país. A convivência entre a ditadura e o modernismo tem permanecido sob uma áurea quase enigmática. Leia Mais

Vera: A Princesinha do Nortão. Uma contribuição ao estudo da ocupação da Amazônia Mato-grossense | Alexandre Panosso Netto

Vera: A Princesinha do Nortão. Uma contribuição ao estudo da ocupação da Amazônia Mato-grossense, de autoria de Alexandre Panosso Netto, licenciado em Filosofia e bacharel em Turismo pela Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande-MS e Especialista e Mestre em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Dourados.

Seu primeiro livro buscou resgatar a memória da cidade de Vera-MT, que se caracteriza como primeiro núcleo de colonização da Amazônia Mato-grossense a receber incentivos fiscais do Governo Federal após a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -INCRA. Leia Mais

Físicos/ mésons e política: a dinâmica da ciência na sociedade | Ana Maria Ribeiro de Andrade

O ofício de historiador talvez possa ser comparado com aquele do encenador. Tem-se os fatos e os documentos, assim como as peças, até que, em uma nova iniciativa, alguém resolva recontar a história ou resgatar um texto dramatúrgico ao proscênio. Em ambos, a matéria está ali, mas a cada nova interpretação ou encenação tem-se uma nova visão, uma nova problematização, recorte ou idealização, a qual se juntam novos artefatos, sejam documentos, entrevistas ou, no caso do teatro, novos recursos cênicos. Essas ‘remontagens’ muitas vezes lançam novas perspectivas e entendimentos sobre fatos e textos, ainda não pensados ou vislumbrados, gerando um inesgotável manancial que, no caso da história, forma-se em historiografia.

Recontar a trajetória da formação da física no Brasil e os desdobramentos que levaram à criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), no ambiente das conseqüências da Segunda Guerra Mundial, tanto no campo internacional quanto no nacional, é o que se propõe a autora da obra em questão. Assim, embora já exista fornida bibliografia sobre o tema e, mais particularmente, sobre a criação do CNPq, o livro de Ana Maria Andrade revela uma nova visão, um novo olhar, ao esmiuçar e tecer as intricadas relações entre militares, cientistas e políticos que levaram à criação dos dois organismos. Leia Mais

O Dragão Chinês e os Tigres Asiáticos | Paulo Fagundes Vizentini e Gabriela Rodrigues

Não à toa os autores se propõem a falar da China e dos Tigres Asiáticos. O tema que por si só chama a atenção se torna cada vez mais necessário quando se trata de refletirmos sobre a nova ordem mundial.

Desse modo, além de fornecer um panorama introdutório acerca da história da Ásia, região pouco conhecida e estudada, trata-se de sugerir reflexões que dizem respeito à inserção dos países orientais na economia mundial e suas já sentidas e possíveis conseqüências para a organização, principalmente econômica, internacional. Leia Mais

Política I | Denis Fontes de Souza || O gás natural no Mercosul: uma perspectiva brasileira | Francisco Mauro Brasil de Holanda || Timor Leste: origens e evolução | João Solano Carneiro da Cunha

A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) é uma fundação vinculada ao Itamaraty. Instituída em 1971, está voltada para a discussão e a divulgação de questões ligadas às relações internacionais e à política externa brasileira, através da promoção de estudos e pesquisas, a realização de foros de discussão e reflexão, bem como a publicação de obras que são referência obrigatória à comunidade especializada em Relações Internacionais do Brasil e que auxiliam o leitor não especializado na compreensão dos desafios da inserção do Brasil no contexto mundial. Entre as publicações da FUNAG, encontram-se, por exemplo, algumas séries de documentos oficiais, como a Resenha de Política Exterior do Brasil, que reúne desde 1974 documentos diplomáticos publicados pelo Itamaraty, essenciais para o acompanhamento da prática diplomática brasileira. A série “Cadernos do IPRI” é uma coleção de pequenas monografias sobre a política exterior brasileira e a cena internacional contemporânea, organizada pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, órgão da FUNAG. “Política exterior do Brasil”, por sua vez, agrupa títulos específicos sobre o assunto, entre os quais Temas de Política Externa II, organizado por Gelson Fonseca Júnior e Sérgio H. N. de Castro, e o utilíssimo A palavra do Brasil nas Nações Unidas (1946-1995), que reúne os pronunciamentos brasileiros nas sessões de abertura da Assembléia Geral da ONU, acompanhados das preciosas notas de contextualização histórica preparadas pelo Embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa. Leia Mais

Os sucessores do Barão: relações exteriores do Brasil, 1912-1964 | Fernando P. de Mello Barreto

O livro de Fernando de Mello Barreto cumpre de maneira satisfatória o papel de informação geral sobre os eventos e processos que marcam as relações exteriores do Brasil desde a morte do Barão do Rio Branco até o advento da república dos generais. Mello Barreto adota um esquema cronológico, organizando seu racconto storico de meio século de vida diplomática republicana de acordo com as gestões dos chanceleres que, desde Lauro Muller até Araújo Castro, sucederam-se na cadeira do Barão. Os principais lances da política externa brasileira de 1912 a 1964 são seguidos ano a ano, em re-compilação exaustiva dos eventos, apresentados em cinco partes: a República velha, a era Vargas, a Guerra Fria, JK e a Operação Pan-Americana e a Política Externa Independente.

O livro confirma as qualidades da história factual e seu caráter indispensável ao pesquisador que pretenda realizar a inserção desses fatos na trama mais ampla das relações internacionais do Brasil, sobretudo em sua vertente econômica externa. Cabe, com efeito, destacar que, ao início de cada seção, Fernando de Mello Barreto apresenta informações objetivas, tabelas estatísticas, gráficos seriais ou quadros analíticos apresentando a situação econômica do país naquela conjuntura (comércio exterior, dívida, reservas, investimentos estrangeiros etc.). Leia Mais

Mercosul e Política | Marcos Aurélio Guedes de Oliveira

O cenário internacional dos últimos anos se apresentou para o Mercado Comum do Sul como palco de relevantes crises que chegam a pôr em dúvida a vida futura do bloco. Mesmo as visões de importantes nomes da academia ou da política dos países do Cone Sul tornam-se nebulosas ao olhar para o Mercosul e ao tentar perceber qual caminho tomará o bloco sul americano depois dos últimos acontecimentos.

Acompanhando as crises, é grande o número de informações e publicações que chegam aos leitores que não contemplam satisfatoriamente a essência dos problemas reais enfrentados pelo principal projeto de integração da América do Sul. Leia Mais

Brazil’s Second Chance: En Route toward the First World | Lincoln Gordon

Mr. Gordon, um americano conhecido direta ou indiretamente de todos os brasileiros que estudaram nossa route para a ditadura militar, é um simpático e atento espectador de todos os encontros sobre o Brasil realizados na capital do império americano. Com mais de 45 anos dedicados aos estudos sobre o Brasil, ele deve ser considerado um intérprete realista do itinerário econômico e político brasileiro das últimas décadas, e, a julgar pelo livro aqui resenhado, um crítico sincero de questões sociais tão velhas quanto a República.

Segunda Chance do Brasil estava no forno há pelo menos uma década e meia. Como confessa o próprio Mr. Gordon, as chances desse livro ser concluído tinham simplesmente desaparecido do cenário durante a década perdida de desarticulação macroeconômica dos anos oitenta e começo dos noventa. Ele foi salvo pelo rum creosotado do Plano Real, que devolveu ao país a esperança de sonhar com a retomada do crescimento e de aspirar ao eventual salto para o Primeiro Mundo, na interpretação do antigo embaixador americano nos governos João Goulart e Castelo Branco. Para aqueles que esperam ver no livro novas revelações sobre o envolvimento americano no golpe militar de 1964, a impressão é de um déjà vu again, pois o texto, a despeito de um relato circunstanciado dos eventos que levaram ao golpe, contempla, como documentos novos, tão somente uma troca de telegramas, nos dias 30 e 31 de março daquele ano, sobre as expectativas de Washington e a disposição da Embaixada no Rio de Janeiro em garantir um mínimo de legitimidade política aos conspiradores brasileiros contra Goulart, o que habilita Gordon a reafirmar sua convicção de que o golpe foi “100% brasileiro”. Leia Mais

As Relações entre o Brasil e o Paraguai (1889-1930): do afastamento pragmático à reaproximação cautelosa | Francisco M. Doratioto || José Martí e Domingo Sarmento: duas idéias de construção da hispano-América | Dinair A. Silva || Segurança Coletiva e Segurança Nacional: a Colômbia entre 1950-1982 | César Miguel Torres Del Rio || Entre Mitos/ Utopia e Razão: os olhares franceses sobre o Brasil (século XVI a XVIII) | Carmen L. P. Almeida || A Parceria Bloqueada: as relações entre França e Brasil/ 1945-2000 | Antônio C. M. Lessa || Políticas Semelhantes em Momentos Diferentes: exame e comparação entre a Política Externa Independente (1961-1964) e o Pragmatismo Responsável (1974-1979) | Luiz F. Ligiéro || Dimensões Culturais nas Relações Sindicais entre o Brasil e a Itália (1968-1995) | Adriano Sandri || Opinião Pública e Política Exterior nos governos Jânio Quadros e João Goulart (1961-1964) | Tânia M. P. G. Manzur || O Parlamento e a Política Externa Brasileira (1961- 1967) | Antônio J. Barbosa || Los Palestinos: historia de una guerra sin fin y de una paz ilusoria en el cercano oriente | Cristina R. Sivolella || Do Pragmatismo Consciente à Parceria Estratégica: as relações Brasil-África do Sul (1918-2000) | Pio Penna Filho || Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920 | Eugênio V. Garcia

As relações internacionais, enquanto objeto de estudo, vêm se desenvolvendo de maneira satisfatória nos últimos anos no Brasil. Parte desse avanço é devido ao surgimento de cursos de pós-graduação na área, que colocam o estudo das relações internacionais, de modo geral, e a inserção externa do Brasil, em particular, no centro das preocupações de pesquisa. O primeiro programa de pós-graduação em História das Relações Internacionais na América do Sul foi criado na Universidade de Brasília, em 1976. Em torno desse Programa formou-se uma tradição brasiliense de estudo de relações internacionais. Ao longo de mais de vinte anos de atuação, o Programa produziu cerca de sessenta dissertações de mestrado e, com a implantação do doutorado em 1994, doze teses.

Uma particularidade das teses de doutorado do Programa é a diversidade temática. A ampliação dessa linha de pesquisa permitiu a modernização da História das Relações Internacionais. Assim, junto com os estudos que privilegiam as relações bilaterais do Brasil, inseriram-se novos temas e objetos de investigação. Com efeito, há estudos que aprofundam a análise das parcerias estratégicas, a opinião pública, a imagem, a segurança internacional, o pensamento político, as relações internacionais do Brasil e as relações internacionais contemporâneas. Tais estudos evidenciam a diversificação de olhares sobre a inserção internacional do Brasil. Leia Mais

Anarquia e organização | Nestor Makhno

Aqueles que pesquisam sobre o movimento operário no Brasil durante e República Velha freqüentemente se deparam com propostas anarquistas e sua posição frente à Revolução Soviética. Não raro, contudo, os textos específicos do ideário (ou ideários) anarquista(s) que servem de parâmetro para interpretação da conduta dos militantes limitam-se a excertos pinçados dos chamados “grandes teóricos”: Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Reclus. Creio que isso ocorre por dois motivos. Um deles seria a ausência de instâncias organizativas em meio ao movimento anarquista capazes de definir com clareza o ideário. Com efeito, na ausência de um partido – mesmo que não de cunho eleitoral – efetuando congressos com certa freqüência, é difícil dizer qual seria a auto-definida como correta posição anarquista: em suma, é difícil definir o que seria a ortodoxia anarquista (se é que isso faz sentido). O outro motivo seria a ausência de textos em português, ou, de qualquer modo, mais acessíveis, de autores anarquistas explicitando seu pensamento. É certo que a coletânea de George Woodcock cumpre parcialmente essa função de prover um volume em português o suficiente denso de textos e contextualizações que sirvam de guia para a interpretação. Contudo, alguns problemas de tradução dessa coletânea interferem, por exemplo, na apreciação da relação que anarquismo e sindicalismo mantiveram durante o Congresso de Amsterdam, de 1907. 1

A coletânea aqui resenhada não resolve esse tipo de problema, mas tem dois grandes méritos. O primeiro é trazer textos anarquistas contextualizados e tematicamente organizados capazes de responder a uma questão específica: quais foram os efeitos da derrota anarquista na Revolução Soviética sobre a forma desses militantes pensarem seus modelos de organização? O segundo mérito é trazer textos praticamente inacessíveis aos que não têm acesso a bibliotecas e edições estrangeiras. Leia Mais

Rompendo o silêncio: uma fenomenologia feminista do mal. | Ivone Gebara

Quero em primeiro lugar saudar Ivone Gebara por sua coragem de Romper o Silêncio sobre a história social das mulheres e, sobretudo, destacar a inovação de uma teóloga mulher que se contrapõe de forma contundente às injustiças e às desigualdades. Quero destacar, sobretudo, o papel político desta obra.

Ao situar as mulheres no mundo da história da teologia, a autora estabelece uma relação fundamental entre a teologia e a vida social, na medida em que a teologia reflete as contradições do mundo social, onde a malignidade, muitas vezes, aparece, como coloca Gebara, como destino, desígnio de Deus, ou castigo pelos pecados ocultos, ou ainda, pelos pecados não purgados.

A fenomenologia do mal feminino aparece na dialética das malignidades identificadas pela autora como quatro formas do mal: o mal de não ter, não poder, não saber, não valer. Estes males atingem as mulheres e se manifestam com maior ou menor intensidade de acordo com suas inserções sociais.

O feminino como mal de não ter. Como satisfazer às suas necessidades e, sobretudo, efetivar as atividades de produção e reprodução da vida; como gerar e criar os filhos e filhas, administrar a vida doméstica e familiar em toda sua complexidade, papéis estes designados às mulheres. Como diz Gebara: “A vida das mulheres parece estar ligada a este aspecto primordial ou primário da manutenção da vida. Por conseguinte, o mal de não ter ou a falta do essencial para viver as atinge de modo particular”(p. 49).

O feminino como mal do não poder. Representado através da experiência de Violeta Parra, (p.60) que vivencia o seu não poder ao se filiar a um partido político de esquerda para participar do movimento de libertação do seu país e, paradoxalmente, vivencia sua luta pela liberdade às custas de sua própria liberdade. Isto nos remete a refletir sobre a saída das mulheres do mundo privado (do doméstico) para o mundo público (da política) que, no caso de Violeta Parra e de grande parte das mulheres que fazem este percurso via partidos políticos ou movimentos sociais, não experimentam uma mudança significativa no exercício dos papéis designados a elas, o que faz com que passem a exercer nesses novos espaços as mesmas atividades caracterizadas como femininas – de organização, manutenção entre outras – não conseguindo, na maioria das vezes, uma posição de igualdade na distribuição dos poderes com seus companheiros homens. Sendo reproduzidas no espaço público as situações de desigualdades e subordinações das mulheres nos espaços privados.

O feminino como mal de não saber. Gebara ilustra muito bem esse mal apoiando-se no exemplo da Irmã Joana Inês da Cruz, (p.62) do convento de São Jerônimo, no México, no século XVII. Qual o grande pecado dessa freira? Imiscuir-se no mundo das letras, querer provar das fontes do conhecimento – lugar eminentemente masculino, dirigido pela eclesiástica patriarcal romana, cuja divisão social do trabalho, sempre colocou para a mulher, o servir, a abnegação e a renuncia à capacidade de pensar. Pois bem, a Irmã Joana Inês da Cruz obteve como redenção o exílio do estudo e do conhecimento, com a sua adequação ao papel de serva, cuidando das atividades domésticas e das irmãs enfermas atingidas pela peste.

O feminino como mal de não valer. O valor é um lugar de dor para as mulheres. Mulheres valem como objetos, de prazer ou de ódio. A sociedade hierarquiza os seres humanos e multiplamente pune as mulheres, e as pune por sua condição de gênero, por sua condição de classe e pela cor de sua pele. As mulheres interiorizam esta hierarquização, onde elas estão em uma posição inferior, e purgam o seu sofrimento na malignidade de suas condições. É necessário que se leve em conta a extensão destas desigualdades entre os seres humanos e também as diferenças existentes entre as mulheres em suas vivências cotidianas. Deste modo, em diferentes classes sociais, em diferentes lugares e situações geracionais e étnicas, vivenciam-se diferentes situações de exploração da mulher.

Da realidade que coloca Gebara, existe uma tensão dialética que perpassa a construção da humanidade. Uma construção que decorre da consciência que cada ser tem do seu valor. Nos termos da autora “Quando o valor faz falta, as pessoas vivem um mal. “(p. 81) Existe uma confusão permanente entre as pessoas quanto à extensão e às possibilidades de afirmação do seu valor. Os carecimentos, as debilidades quanto ao acesso ao poder, o desconhecimento, a falta de reconhecimento e de pertencimento, fazem com que o mal se confunda com o bem e, como a autora coloca: ”No cotidiano de sua vida, o mal para elas parece ser a ausência de possibilidades de vida, a violência com a qual elas são tratadas, a insegurança à qual estão sujeitas, as faltas de calor e de afeição que caracterizam sua existência”. (p. 81/82)

Desde esta realidade, é necessário compreender o lugar das mulheres e as incompreensões que povoam o seu pensar e o seu agir, que dizem respeito ao bem e ao mal. Neste sentido, esta obra de Gebara é uma grata surpresa, pois só o olhar de uma teóloga feminista é capaz de discernir o mal travestido de bem, porque o mal de que Gebara nos fala, é um mal que anula as mulheres, impossibilitando a sua plenitude enquanto ser, quando nos deixa sem poder em nome do poder, quando nos deixa sem saber em nome do conhecimento, quando nos desvaloriza para gerar valor.

Esta leitura teológica feminista, considerando a mediação de gênero, revela o lugar subordinado das mulheres numa hierarquia social produzida por preconceitos que mesmo num discurso de igualdade de princípios como é o caso das teologias, mantiveram uma visão que desqualifica as mulheres.

Gebara cita, entre outras teóricas feministas, Joan Scott. A definição de gênero que faz Scott, constitui-se de duas partes e várias sub-partes, cujo núcleo essencial da definição baseia-se na conexão de duas proposições: “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primária de significar as relações de poder”.[1] Prosseguindo a definição de Scott, o gênero se constitui num contexto simbólico de múltiplas representações, tem efeitos normativos, fixa relações binárias e produz noções de subjetividade.

Neste sentido o homem e a mulher são construídos socialmente, desde uma cultura historicamente situada no tempo e dentro das circunstâncias possíveis, determinadas por essa temporalidade. Sujeitos de seu tempo, imersos em um conjunto específico de relações sociais historicamente situadas, cada ser mulher e homem, tem um grupo originário e está submetido às regras de comportamento que se firmam desde a ética hegemônica. Se em geral é assim, desde o ponto de vista da construção de sua especificidade de homem e mulher, são determinantes sua classe, raça, religião e a forma de inserção social na sociedade. Deste modo, a partir dessas variáveis fundamentais, constroem-se o ser mulher e o ser homem.

Na história do feminismo, principalmente a partir dos anos 60, houve uma busca sistemática de uma identidade coletiva das mulheres, tentando forçar sua legitimidade política. Neste curso, a busca por uma identidade coletiva única não respondia às cismas e dissidências dentro do movimento. Assim, as especificidades que transversalizaram a vida cotidiana das mulheres (por exemplo, etnia, classe, gênero, sexualidade, religião, etc.,) colocaram em dúvida a possibilidade de um sujeito universal desprovido de suas vivências específicas. Coube ao movimento repensar o novo sujeito contextualizado historicamente e, portando, diferenciado internamente.

Essa situação suscitou polêmicas no seio do feminismo. Sem embargo, em nossa compreensão, unir as mulheres em uma identidade de gênero única, crendo que todas as mulheres vivem as mesmas situações é ocultar a existência de distintas formas de vivenciar a opressão e, ao mesmo tempo, negar a existência de hierarquias existentes nas relações de poder entre mulheres que pertencem a diferentes classes sociais, grupos étnicos distintos e culturas diversas.

Um acontecimento importante dos anos oitenta, no nível da teorização, foi a constatação de que categorias como mulher, homem, masculino, feminino, possuem conteúdos históricos específicos e se toma analiticamente problemático tentar aplicar a estas categorias uma universalidade, sob pena de cometermos os mesmos erros que temos criticado. Estas preocupações são as mesmas trazidas por Gebara e suscitam o debate que se encontra na ordem dia do pensar feminista.

Considerando estas preocupações, nas quais a autora chama a atenção quanto ao uso da categoria gênero, que é não absolutizar a opressão das mulheres e o receio de se cair em construções utópicas universalizantes, que se mostraram incapazes de dar conta desta múltipla realidade, levando-nos a uma revisão de práticas e teorias.

Rompendo o silêncio. Uma fenomenologia feminista do mal é uma leitura instigante do início ao fim, possibilitando novas reflexões sobre o mal humano, particularmente o mal que atinge as mulheres.

Nota

1. SCOTI, Joan, Gênero: uma categoria útil para a análise histórica, Tradução: Christine Rufino Dabat, Maria Betânia Ávila, Recife, SOS Corpo, 1996, p. 11.

Maria de Fátima Guimarães – Professora Visitante do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco UFPE.


GEBARA, Ivone. Rompendo o silêncio: uma fenomenologia feminista do mal. Petrópolis: Vozes, 2000. Resenha de: GUIMARÃES, Maria de Fátima. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.19, n.1, p.221-224, jan./dez. 2001. Acessar publicação original [DR]

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