A Criação do IBGE no contexto da centralização política do Estado Novo | Eli Alves Penha

O trabalho de Eli Penha, inicialmente sua dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ em 1992, tem como proposta investigar o significado da criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, sua importância para a geografia e para a sociedade. Segundo o autor, mais um ponto de partida para a recuperação da memória institucional e menos uma história do Instituto.

Estruturada em quatro capítulos, introdução e conclusão, a publicação é prefaciada por Pedro Pinchas Geiger, geógrafo do antigo Conselho Nacional de Geografia, nome de peso na formação do campo disciplinar da geografia (Machado, 2009). Complementam-na os anexos referentes aos esquemas dos Sistemas de Serviços Estatísticos e Geográficos, o Plano Rodoviário Nacional e a “Lei Geográfica do Estado Novo”, isto é, o Decreto Lei, n° 311 de 1938, que dispôs sobre a divisão territorial do país, entre outros documentos. Leia Mais

A Geografia e os geógrafos do IBGE no período 1938-1998 | Roberto Schmidt de Almeida

No âmbito desta edição especial dedicada aos saberes e práticas geográficas desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, cabe registar o alentado trabalho de 634 páginas, dividido em dois volumes, do geógrafo Roberto Schmidt de Almeida. Intitulado A Geografia e os geógrafos do IBGE no período 1938-1998, o trabalho consiste em sua tese de doutoramento defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia no ano de 2000, sob a orientação da Profa. Dra. Lia Osório Machado. Com o intuito de reconstituir a memória de sessenta anos da história da instituição, em especial das atividades desenvolvidas pela sua comunidade de pesquisadores geógrafos, Almeida desenvolveu um copioso trabalho de pesquisa documental e pesquisa bibliográfica. Em termos de organização do texto, a tese é dividida em seis partes, cada uma com três capítulos, além da introdução e da conclusão. Contempla ainda um Anexo, que corresponde ao segundo volume tese, com a reprodução de documentos institucionais, relatórios, tabelas, mapas, uma galeria de fotos e, inclusive, o hino do IBGE. Leia Mais

El imaginario en novelas chilenas actuales: temas y estructuras | Carmen Balart e Irma Césped

Formalmente, este libro se articula en siete capítulos. En términos generales y a modo de resumen, es posible describir cada uno de ellos: el primero entrega en un formato de síntesis la estructura y el tema de cada capítulo del texto; el segundo gira en torno a los conceptos de imaginario y creatividad; además, plantea una propuesta metodológica que se centra en una perspectiva analítico – interpretativa. El tercero capítulo, en tanto, describe el contexto histórico en el que se insertan las novelas chilenas actuales seleccionadas, que constituyen el corpus de estudio. El cuarto se refiere a los cambios que debe enfrentar la literatura contemporánea y a la nueva realidad que la ficción novelesca representa. El quinto está dedicado a la nueva novela chilena, posterior al 11 de septiembre de 1973. En el sexto, se analizan un grupo de novelas representativas de la década de los 90 y, finalmente, en el séptimo y último capítulo, las conclusiones, que, en un gran espacio de síntesis, engloban los aspectos desarrollados en el texto y que singularizan a la novela contemporánea chilena: la realidad interiorizada, la libertad creadora, la diversidad, la globalidad, las problemáticas existenciales, la contingencia diaria junto con las inquietudes universales del ser humano, los rasgos de identidad chilenoslatinoamericanos, los valores culturales. Leia Mais

História, ensaio e literatura nas Américas no século XX | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2014

A 17ª edição da Revista Eletrônica da ANPHLAC traz o dossiê “História, ensaio e literatura nas Américas no século XX”, com a finalidade de contribuir para o sistemático e profícuo debate sobre as interfaces entre a história, o ensaio e a literatura. O objetivo do dossiê é apresentar um espaço plural de debate, com enfoques e perspectivas diferenciadas acerca do tema, e colocar em destaque propostas metodológicas e reflexões críticas que se traduzem em paisagens e cenários instigantes para as Ciências Humanas.

O conjunto de artigos que compõem o dossiê aborda temas como as capacidades imagéticas e representativas dos textos literários e do ensaio em suas relações com a história; as conexões texto-contexto; a interação entre discurso e prática; os vínculos com a cultura e a política; as dinâmicas criativas dos textos e os posicionamentos públicos de intelectuais nas Américas. O resultado é a constituição de um dossiê formado por doze artigos que abarcam temáticas variadas, apoiadas em fontes poéticas, ensaísticas, literárias e políticas produzidas no século XX por intelectuais, em sua maioria, latino-americanos. A 17ª edição da Revista Eletrônica da ANPHLAC recebe ainda, com grande satisfação, uma conferência, um artigo livre e três resenhas. Leia Mais

Guerra aérea e literatura | Winfried Georg Maximilian Sebald

O escritor judeu alemão Winfried Georg Maximilian Sebald, mais conhecido no Brasil como W.G. Sebald, aborda neste livro duas questões extremamente polêmicas, que se entrelaçam: a ausência do tema dos bombardeios das cidades alemãs na literatura alemã do pós-guerra e a brutalidade e o horror desses ataques (cuja consequência foi a dificuldade dos escritores em lidar com a história recente de seu próprio país).

O livro é composto por dois textos, antecedidos de uma breve introdução. Primeiro, temos as conferências que “não estão publicadas exatamente na forma em que foram proferidas na Universidade de Zurique no final do outono de 1997” (2011, p. 7). Na sequência, temos a um artigo sobre o escritor Alfred Andersch, por meio do qual ele pretende demonstrar como a literatura alemã foi influenciada de forma perniciosa pela atitude dos escritores que optaram por continuar no país. Eles teriam considerado como mais importante “a redefinição da ideia que tinham de si próprios depois de 1945” (Ibid., p. 8) e não “a apresentação das relações reais que os envolviam” (Idem), o que os levou a ignorar a História e, consequentemente, a tragédia que viveram. Leia Mais

Histórias de abandono: infância e justiça no Brasil (década de 1930) | Silvia Maria Fávero Arend

As duas últimas décadas do século XX, no Brasil, marcam um aumento significativo de estudos no campo da infância e da juventude, em diversas áreas das Ciências Humanas. Histórias de abandono é uma contribuição imprescindível ao campo no âmbito da História, narrando com sensibilidade as transformações, na vida das famílias pobres, decorrentes da implantação do Juizado de Menores em Florianópolis, na década de 1930. Utilizando uma vastidão de fontes documentais, com centralidade nos Autos, relatórios e ofícios produzidos por este Juizado, Silvia Maria Fávero Arend analisa sob a perspectiva de diferentes personagens o cenário social da Florianópolis do período, e nele, como viviam meninos e meninas sob os auspícios do abandono.

O livro foi produzido sob a forma de tese de doutoramento em História, estando dividido em cinco capítulos. O primeiro, chamado “Na cidade os primeiros parentes são os vizinhos”, decorre sobre a territorialidade espacial, étnica e de classe, dos meninos e meninas que ingressaram no programa social assistencial executado pelo Poder Judiciário. A historiadora demonstra que as transformações urbanas de caráter civilizatório, ocorridas na cidade nas primeiras décadas do século XX, bem como o movimento migratório de famílias rumo à Capital catarinense, fosse pela busca de emprego, fosse seguindo os passos da parentela, em caráter temporário, acabou originando todo um grupo de pessoas que não estava inserido nas redes tradicionais de auxílio da cidade. A partir deste dado são narradas as experiências migratórias, as condições de moradia e as formas de inserção social dos descendentes de açorianos e madeirenses, dos afrodescendentes e das famílias recém-chegadas à cidade, grupos cujas crianças são protagonistas dos Autos emitidos pelo Juizado, entre os anos de 1936 e 1940. Leia Mais

Encontros entre Brasil e Itália: intercâmbios acadêmicos | Fênix | 2014

Arte Constructivo 1943 Intercâmbios Acadêmicos
Arte Constructivo (1943), de Joaquín Torres-García | Imagem: UOL

O dossiê “Encontros entre Brasil e Itália: intercâmbios acadêmicos” que ora apresentamos aos leitores da Fênix – Revista de História e Estudos Culturais é fruto do esforço de um grupo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros interessados no que há de mais significativo no interior da pesquisa acadêmica: a possibilidade do diálogo. É impossível imaginar a constituição social sem os mais variados tipos de encontros. Não há produção humana que possa prescindir disso. Realizada no interior de uma comunidade, a pesquisa acadêmica só se concretiza tendo como pressuposto os intercâmbios de ideias, informações, análises, etc. Além dessas questões que envolvem a metodologia e a prática da pesquisa em si, os intercâmbios fazem parte da temática deste dossiê.

Em 2011 foi realizado na Universidade Federal de Uberlândia o I Colóquio – Circularidades Políticas e CulturaisPercursos Investigativos que congregou pesquisadores interessados na temática. 1 Nos anos subsequentes foram realizados mais três colóquios. Em 2013, na Universidade Presbiteriana Mackenzie e, em 2012 e 2014, na Università degli Studi di Genova. O que o leitor encontrará aqui é parte das exposições ocorridas em março de 2014 na Itália. O elemento que unifica os trabalhos apresentados nos colóquios e que, obviamente está presente no dossiê, é justamente a noção de circularidade cultural entre dois países distantes geograficamente, porém próximos do ponto de vista da formação histórica. Leia Mais

Operários da empreitada: os trabalhadores da construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil (São Paulo e Mato Grosso/ 1905-1914) | Thiago Moratelli

Thiago Moratelli, natural de Bauru, quilômetro zero da Noroeste do Brasil (NOB), graduou-se em História pela Universidade do Sagrado Coração e é mestre em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas, onde defendeu sua dissertação em 2009, que resultou neste brilhante livro sobre os trabalhadores da construção da NOB.

Durante a graduação, Moratelli estagiou no Museu Ferroviário de Bauru e passou a visitar o Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias de Bauru, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, para consultar fontes sobre os sindicatos de ferroviários, objeto de seu trabalho de graduação, em um contexto ainda impactado pelo processo avassalador de privatização da Rede Ferroviária Federal que provocou demissões em massa na NOB. Leia Mais

O tênis no Brasil: de Maria Esther Bueno a Gustavo Kuerten | Gianni Carta e Roberto Marcher

A resenha é do livro “O tênis no Brasil – de Maria Esther Bueno a Gustavo Kuerten”, de autoria de Gianni Carta e Roberto Marcher, publicado pela editora Códex em 2004, com 399 páginas. Marcher (1946) é porto alegrense, estudou e cursou mestrado em literatura na Florida State University, foi jogador de tênis, é um dos mais renomados técnicos do país, durante anos assinou uma coluna de tênis no jornal Folha de São Paulo, na Revista Tênis e colaborou na Revista IstoÉ. Carta (1963) é paulistano, estudou na University of California, mestre em Ciências Políticas pela University of Boston, foi professor de tênis no Brasil e nos Estados Unidos, trabalhou ao lado de Marcher como técnico/assistente, foi correspondente da rede de televisão norte-americana CBS, da Revista Europeia GQ e da Revista IstoÉ, atualmente é repórter da Revista CartaCapital e consultor internacional do site da Revista.

Os autores propõem uma história do tênis no Brasil contada pelos jogadores de destaque profissional. Foi traçado um perfil dos jogadores que figuraram entre os 50 do ranking da Association of Tennis Professionals (ATP) e da Women’s Tennis Association (WTA) e foram citados os que entraram para os 100 melhores do mundo. Visto que até 1973 não existia um ranking de tenistas profissionais, os autores recorreram à classificação tabulada pela revista americana World Tennis. Assim, “demos destaque aos melhores” tenistas brasileiros (CARTA & MARCHER, 2004, p. 14). Leia Mais

¿Qué fue de Los InteLectuaLes? | Enzo Traverso

Por medio de la editorial Siglo Veintiuno de Argentina, llega al público latinoamericano de habla hispana una de las últimas producciones del historiador italiano Enzo Traverso. Teniendo un pasado de militancia en el autonomismo marxista itálico, es investigador graduado en Historia Contemporánea por la Universidad de Génova y Doctor, bajo la dirección de Michael Löwy, en la prestigiosa Escuela de Altos Estudios en Ciencias Sociales de París (EHESS). Su trayectoria académica y de pesquisa la efectuó a lo largo de dos décadas en Francia, fundamentalmente en la Universidad de Picardía Julio Verne, y en la actualidad se encuentra trabajando en la Universidad de Cornell (Estados Unidos). También ha sido profesor invitado en casas de altos estudios de países de los continentes americano y europeo. Historiador especialista en la historia de la ideas, apropiadamente ha sabido converger las tradiciones historiográfi cas italianas y francesas. A través de la lente del mundo cultural e intelectual judío de Europa, Traverso trabajó sobre las relaciones entre diversas miradas y tradiciones intelectuales como el marxismo, la cultura judía de Mitteleuropa y la Escuela de Frankfurt, interpretadas en función de las catástrofes y genocidios del siglo XX. Entre sus libros publicados, en idioma español se encuentran: Siegfried Kracauer. Itinerario de un intelectual nómada) (1998); (La historia desgarrada. Ensayo sobre Auschwitz y los intelectuales) (2001); (El Totalitarismo. Historia de un debate) (2001); (Los marxistas y la cuestión judía. Historia de un debate) (2003); (La violencia nazi. Una genealogía europea) (2003); (Cosmópolis. Figuras del exilio judeoalemán) (2004); (Los judíos y Alemania. Ensayos sobre la simbiosis “ judío-alemana”) (2005); (A sangre y fuego. De la guerra civil europea (1914-1945)) (2009); (El pasado, instrucciones de uso. Historia, memoria, política) (2011); (La historia como campo de batalla. Interpretar las violencias del siglo XX) (2012); y (El final de la modernidad judía. Historia de un giro conservador) (2014). En el ámbito académico de las ciencias sociales, sus producciones sobre historiografía contemporánea, conformación de identidades colectivas y memoria son una referencia permanente. Leia Mais

Intelectuais partidos: os comunistas e as mídias no Brasil | Marco Roxo e Igor Sacramento

Os comunistas guardavam sonhos

Os comunistas! Os comunistas!

(…) Vida sem utopia

 Não entendo que exista

Assim fala um comunista.

(Caetano Veloso, 2012)

Os sonhos e a utopia são traços formadores da identidade comunista, entendida aqui da forma mais simples, como a imagem que um grupo cria e projeta de si, levando a ele mesmo e aos demais a reconhecê-lo de tal maneira. O caráter onírico presente no ideário comunista mistura-se com o materialismo também típico dos seguidores do marxismo. Essa conjunção entre a crença num futuro justo e a consciência das condições materiais e históricas para se alcançá-lo nem sempre se dá de forma harmônica. Sua dissonância fica ainda mais aguda quando se trata de intelectuais comunistas, acossados entre a independência da atuação intelectual e a disciplina militante.

“Intelectuais partidos”, organizado por Marco Roxo e Igor Sacramento, traz em seu título as pistas para que se perceba que o dilema entre a liberdade criadora e a subordinação às diretrizes partidárias é um dos temas que perpassa os artigos reunidos nesta coletânea. Seu subtítulo, “Os comunistas e as mídias no Brasil”, avisa aos leitores que se trata de um tipo bem específico de intelectuais: aqueles comunistas partidos (também) entre a mídia conservadora e a militante; entre a mídia partidária e a tentativa de atuação massiva.

O tema se sobressai num momento em que já se passam dos 90 anos de fundação do primeiro partido comunista no país, o PCB2 , que, segundo Ferreira Gullar, “não se tornou o maior partido do ocidente, nem mesmo do Brasil. Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele”. Não é no sentido de heroicizar seus feitos, contudo, que a coletânea se desenvolve. Ela busca dar vazão justamente a “outro lado” dos comunistas: a realização de diversas expressões artísticas, intelectuais e até profissionais, às vezes com o necessário pragmatismo para a sobrevivência econômica, em meio a crises de ordem política e estética.

A fragmentação que marca a trajetória do PCB chegou ao ponto máximo em 1992, quando se decidiu pela dissolução do partido – não aceita por parte de seus militantes – e criação do Partido Popular Socialista (PPS). Apesar disso e do enfraquecimento do poder de influência do PCB na política brasileira desde a ditadura militar até o surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT), inicialmente como nova força aglutinadora das esquerdas, a inserção de militantes e de ideias comunistas na esfera cultural foi bastante relevante. Se as portas da política institucional estiveram fechadas durante a maior parte da história do Partidão, frestas e janelas receberam os ares de sua atuação cultural em momentos cruciais da história recente do país. Discutir como esse fenômeno se desenrolou é uma chave de interpretação que ajuda a compreender como um todo o livro “Intelectuais partidos”, nesse desafio de se escrever sobre uma obra composta por doze textos distintos, assinados por doze autores diversos.

Esses autores vêm de diferentes instituições de ensino e áreas do conhecimento, especialmente da História e da Comunicação. A coletânea se divide em três partes: 1) “Os intelectuais e as políticas culturais comunistas”; 2) “As mídias comunistas”; 3) “Os comunistas nas mídias”. Em sua primeira parte, o artigo que abre o livro situa o leitor, de forma mais geral, no terreno da cultura comunista. Assinado pelo historiador Muniz Gonçalves Ferreira, abrange um largo período histórico, iniciando-se no século XIX (para dar conta das bases da imprensa periódica comunista, feita por Marx e Engels) e chegando até o golpe de 1964, no Brasil.

Os demais textos da primeira parte trazem aspectos particulares da relação dos intelectuais com as políticas culturais comunistas: a historiadora Ana Paula Palamartchuk aborda os romances e romancistas da geração de 1930 e sua relação com o PCB. Na sequência, o jornalista e doutor em Comunicação Dênis de Moraes, dentro deste mesmo tema, trata especificamente do escritor Graciliano Ramos, no fio da navalha entre as exigências do realismo socialista para a produção cultural, consubstanciadas na política djanovista, e o desejo de liberdade de criação e de contestação. A primeira parte se encerra com um artigo que foca o período de 1964 a 1968, que corresponde à instalação e início do recrudescimento do regime militar. Assinado pelo historiador Marcos Napolitano, o texto tem um recorte temporal, mas não por expressão artística ou personagem histórico, tratando da resistência comunista à ditadura no campo cultural.

A segunda parte, “As mídias comunistas”, apresenta artigos que abordam aspectos específicos, principalmente, da imprensa partidária: sua relação com a formação de quadros; com o cotidiano e a cultura carioca; com a cultura popular, expressa através do futebol. Os artigos são assinados respectivamente pelos historiadores Marcelo Badaró Mattos, Jayme Lúcio Fernandes Ribeiro e Valéria Lima Guimarães. Apenas o último texto dessa parte não se refere à imprensa, mas ao mercado editorial. Com enfoque sobre a Revista Civilização Brasileira, o sociólogo Rodrigo Czajka dá uma importante contribuição para que se compreenda a atuação cultural da esquerda no período ditatorial e sua relação com o mercado de livros e revistas.

Os artigos da terceira parte, “Os comunistas nas mídias”, dividem-se de acordo com as expressões midiáticas: jornalismo; teatro; cinema; rádio e televisão. O primeiro, assinado pelo doutor em Comunicação Marco Roxo, aborda o trânsito de jornalistas comunistas entre os veículos conservadores e os partidários. No segundo, a historiadora Rosangela Patriota trata da dramaturgia feita por comunistas ou autores próximos ao Partidão, da década de 1930 ao golpe de 1964. O comunicólogo Arthur Autran é responsável pelo texto que trata da atuação dos cineastas comunistas de 1945 a 1981. O livro se encerra com o artigo do doutor em Comunicação Igor Sacramento sobre o trabalho de intelectuais comunistas no rádio e na televisão a partir da trajetória de Dias Gomes.

A coletânea busca dar conta de um aspecto pouco estudado dos comunistas no Brasil. Sua relação com a mídia, em geral, é abordada a partir da atuação deles em veículos partidários ou na mídia alternativa. (O primeiro caso ainda aparece em “Intelectuais partidos”, porém com recorte inovador.) Quando se trata da grande mídia, é mais comum que se trate de como ela retratou os comunistas, como é o caso do livro “O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989)”, publicado por Bethania Mariani em 1998. A atuação dos comunistas nos veículos conservadores têm recebido pouca atenção das pesquisas, com exceção de alguns artigos e do livro “Depois da revolução, a televisão: cineastas de esquerda no jornalismo televisivo dos anos 1970”, de Igor Sacramento, um dos organizadores da coletânea.

Quando se trata de comunistas e mídia, o material mais encontrado refere-se à imprensa. “Intelectuais partidos” procurou fugir disso, abordando também o cinema, o teatro, a literatura, o rádio, a tevê e o mercado editorial. Contudo, um terço dos artigos ainda tratam de imprensa, um número grande se lembrarmos que há também os textos que não são recortados por linguagem ou veículo, porém um número que reflete a maior produção existente sobre o assunto. Uma lacuna é o papel dos publicitários comunistas, tema quase desconhecido, mas que é mencionado pela socióloga Maria Eduarda da Mota Rocha em seu livro “A nova retórica do capital: a publicidade brasileira em tempos neoliberais”.

Já o aspecto cultural da atuação comunista não apresenta exatamente uma novidade no universo das pesquisas brasileiras. Ainda assim, estão dispersas em livros, teses e artigos, por vezes sobre certas figuras intelectuais e artísticas, como Oduvaldo Vianna Filho, Graciliano Ramos ou Jorge Amado. Em outros casos, podem ser encontrados textos em coletâneas já consagradas e que tem temática mais geral, como em “História do marxismo no Brasil”. Nesse ano, foi lançada mais uma colaboração sobre cultura e comunismo: o livro “Comunistas brasileiros: cultura política e produção cultural” (organizado por Marcos Napolitano, Rodrigo Czajka e Rodrigo Patto Sá Motta).

Mesmo sendo alvo de mais publicações, a cultura comunista relacionada à mídia ainda está pouco presente em livros. Dos doze artigos de “Intelectuais partidos”, apenas quatro já tiveram seus temas ou temas correlatos publicados em livros individuais por seus respectivos autores (incluindo o de um dos organizadores, Igor Sacramento, já citado nesta resenha). Dessa forma, mesmo com suas lacunas – que sempre existirão em qualquer obra –, “Intelectuais partidos” é fundamental tanto para os que pretendem compreender o papel dos comunistas na esfera midiática e cultural quanto para a História da Comunicação no Brasil.

Nota

2 Em 1922, foi fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB) e, em 1962, a organização mudou de nome para Partido Comunista Brasileiro, mantendo a mesma sigla.


Resenhista

Mônica Mourão – Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Contato: monicamourao@gmail.com


Referências desta Resenha

ROXO, Marco; Sacramento, Igor (Orgs.). Intelectuais partidos: os comunistas e as mídias no Brasil. Rio de Janeiro: E-Papers, 2012. Resenha de: MOURÃO, Mônica. Entre o pão e a poesia: dilemas da atuação comunista nas mídias brasileiras. Revista Brasileira de História da Mídia. São Paulo, v.3, n.1, p.165-166, jan./jun. 2014. Acessar publicação original [DR]

Franco: la represión como sistema | Julio Aróstegui

Recentemente, a historiografia espanhola perdeu um de seus maiores expoentes. Em 28 de janeiro de 2013, faleceu o granadino Julio Aróstegui Sánchez, com 74 anos. A grande quantidade de manifestações publicadas na imprensa e na Internet, provenientes dos mais diversos lugares da Espanha e de vários outros países, dão uma ideia do amplo reconhecimento que possuía o catedrático emérito da Universidad Complutense de Madrid (UCM) e diretor da Cátedra Memoria Histórica del Siglo XX. No Brasil, sua obra mais conhecida é certamente La investigación histórica: teoría y método (Barcelona: Crítica, 1995), com uma tradução para o português publicada há alguns anos (Bauru: EDUSC, 2006).

A aposentadoria não afastou-o do trabalho. Na cátedra, em cujas atividades tive a satisfação de participar desde setembro de 2012, a presença de Aróstegui era constante. Com seu falecimento, os demais componentes do grupo viram-se diante de uma difícil questão: faria sentido dar continuidade às atividades da cátedra sem ele? Ao final, optaram pela criação do Seminario Complutense Historia, Cultura y Memoria, no âmbito do qual continuam desenvolvendo suas pesquisas e atividades acadêmicas. Leia Mais

Festa de negro em devoção de branco: do carnaval na procissão ao teatro no círio | José Ramos Tinhorão

A festa como temática em pesquisas é um assunto recente entre os historiadores, pois estes se interessaram pelo assunto apenas nas últimas décadas. No entanto, já é abordada há algum tempo por outros estudiosos, como os folcloristas, jornalistas e sociólogos brasileiros. O jornalista José Ramos Tinhorão, nascido em 1928 em Santos-SP, é crítico e pesquisador na área da história da música e história literária brasileira, autor de uma extensa e diversificada obra sobre temas relacionados à música e festas populares no Brasil e Portugal, com base na pesquisa histórica1.

Os textos publicados por Tinhorão tendem ao materialismo histórico. Em sua obra, é possível notar frequente denúncia sobre a alienação das classes dominantes e uma valorização das classes populares como detentoras da verdadeira cultura nacional. O autor, atravessado pelos novos paradigmas da historiografia, propõe um diálogo com outras disciplinas e utiliza uma diversidade de fontes em sua investigação que abrange desde fontes oficiais, como leis, regimentos e posturas até fontes que outrora não eram consideradas seguras pelos historiadores, como os testemunhos de contemporâneos, o teatro, a literatura de cordel e impressos (folhetos, farsas, entradas e loas). Leia Mais

Argentina y la guerra civil española. La voz de los intelectuales | Niall Binns

Este livro faz parte da monumental coleção Hispanoamérica y la guerra civil española. Em 2012, Niall Binns brindou a comunidade acadêmica com dois extensos volumes que iluminam uma zona temática silenciada nos longos 36 anos da abominável ditadura de Francisco Franco: Ecuador y la guerra civil española. La voz de los intelectuales e Argentina y la guerra civil española. La voz de los intelectuales. Do segundo livro consistirá esta resenha. Sobre o conteúdo da coleção, registro de verdadeiro resgate documental, Binns informa que cada livro oferecerá

uma espécie de radiografia do campo intelectual do país em questão entre os anos 1936 e 1939, no qual as lutas propriamente “intelectuais” conviviam com as vicissitudes da política interna e com as tensões internacionais. Leia Mais

Um novo olhar sobre o país vizinho. A cooperação cultural como crítica ao paradigma da rivalidade no contexto das relações Brasil-Argentina (1930-1954) | Raquel Paz dos Santos

O trabalho da historiadora Raquel Paz dos Santos traz contribuições aos que se dedicam a pensar um tema sempre atual: as relações entre Brasil e Argentina. Fruto de uma tese de doutorado defendida em 2008 na Universidade Federal Fluminense (UFF), o livro tem como recorte temporal os anos de 1930 a 1954. A pesquisadora lança luz especialmente sobre as iniciativas de colaboração cultural entre os dois países nesse período. Como alertado por ela, esse objeto foi, em comparação às relações políticas, econômicas e militares, um tanto quanto negligenciado pelos pesquisadores das Ciências Humanas.

Após a Primeira Guerra Mundial, houve, de modo geral, intensificação dos gastos dos Estados nacionais com ações de política externa que redundassem em aproximação cultural com outros povos. Para além dos objetivos econômicos, interessava a divulgação de uma imagem positiva dos países junto à opinião pública de outras nações, de modo a fortalecer laços, especialmente com os meios intelectuais e quadros dirigentes (2012, p. 41). Como demonstrado pela autora, essa preocupação desenvolveu-se no Brasil e na Argentina sobretudo a partir da década de 1930, quando se estruturaram oficialmente os setores culturais dos serviços diplomáticos dos respectivos países. Leia Mais

A transformação da esquerda latino-americana: um estudo comparado do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil e do Partido Socialista (PSCh) no Chile | R. F. de Carvalho e Silva

A partir do final da década de 1970, diversos partidos e movimentos da esquerda latino-americana iniciaram um processo de transformação conceitual, política e estratégica no que tange às suas concepções e relações propriamente práticas com a democracia política. De início, como oposição aos regimes ditatoriais e, em seguida, como partícipes dos processos de redemocratização que dariam legitimidade à nova ordem democrática instaurada, em sua maioria, no decorrer dos anos 1980. Parte fundamental dessa mudança encontra-se na atual interação com os sistemas políticos vigentes em vários países da região, onde tais partidos têm como grande meta a vitória nas eleições e, uma vez vitoriosos, a instituição de suas propostas programáticas, mediante alianças decorrentes da institucionalização do partido no sistema político nacional. Imersa nessa questão encontra-se a temática do livro A transformação da esquerda latino-americana: um estudo comparado do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil e do Partido Socialista (PSCh) no Chile, de Rodrigo Freire de Carvalho e Silva, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Seu principal objetivo é traçar “um estudo de um tipo específico da esquerda latino-americana contemporânea: a esquerda reformista social-democrática” (p. 15). O autor, apesar de destacar em sua Introdução, a título de exemplo, outras experiências latino-americanas, como as correntes frentistas de Uruguai e El Salvador, concentrará sua pesquisa nos casos de PT e PSCh, por serem “conceitualmente caracterizados como partidos políticos”, a partir das caracterizações empreendidas por autores como Moisei Ostrogorski, Max Weber e Robert Michels (p. 16). Leia Mais

Del Cordobazo al clasismo: protesta obrera y alternativas culturales | Archivos de Historia del Movimiento Obrero y la Izquierda | 2014

El período que abrió el Cordobazo de mayo de 1969 en la Argentina estuvo caracterizado por el ascenso de las luchas obreras y la radicalización ideológico-política. Si bien ello desembocó en una situación finalmente canalizada por el regreso del peronismo al poder, en el transcurso fue perceptible el crecimiento de las fuerzas de la izquierda revolucionaria y la emergencia de una nueva vanguardia sindical-política, que en el campo específico de los trabajadores se corporizó en el llamado “clasismo”. La salida electoral de 1973, sin cerrar esa etapa, la matizó con otros elementos. El objetivo de este dossier, “Del Cordobazo al clasismo: protesta obrera y alternativas culturales”, es abordar ese intenso y convulsivo ciclo de cuatro años a partir de algunas de sus especificidades. Su título en cierta manera quiere recordar el texto que hace veinte años escribiera uno de los protagonistas de esta historia, Gregorio Flores: Sitrac-Sitram: Del Cordobazo al clasismo. Un elemento que le confiere originalidad al enfoque global aquí planteado es el entrecruzamiento que se propone entre las dimensiones de la historia social, política, intelectual y cultural.

El artículo de Mariano Mestman explora la dinámica de la protesta obrera ocurrida en ese tiempo desde un ángulo particular: en las maneras en las que el cine político argentino las representó. Coteja los modos en que se utilizaron las imágenes de las ocupaciones de fábricas y la lucha de calles. Encuentra una suerte de disputa visual entre las producciones fílmicas privilegiadas en el estudio, ambas de carácter emblemático: La hora de los hornos (1968), del grupo Cine Liberación, vinculado al movimiento peronista; y Los traidores (1973), del grupo Cine de la Base, vinculado al PRT-ERP. Martín Mangiantini refiere al nacimiento y desarrollo del Partido Revolucionario de los TrabajadoresLa Verdad, tras la ruptura ocurrida en 1968 con la fracción liderada por Mario Santucho. Analiza el posicionamiento político global de dicha organización trotskista en el contexto de los años del pos Cordobazo y, en especial, considera las estrategias y tácticas que aquella dispuso para su objetivo de “proletarización”, es decir, de intentar insertarse en la clase obrera, desde los sitios de trabajo, los conflictos y la participación en las organizaciones gremiales. Adrián Celentano se ocupa de algunas interpretaciones que, en el campo de la “nueva izquierda intelectual” surgida en la segunda mitad de los años 60, se efectuaron respecto de la secuencia política desarrollada entre el Cordobazo y el Viborazo (1969-1971). Leia Mais

Chile 73: Memoria, impactos y perspectivas | Joan del Alcázar e Esteban Valenzuela

Existem certos momentos no devir das sociedades em que a memória emerge com mais força e de forma às vezes surpreendente. Nesses momentos, a experiência com determinados eventos remete as pessoas e os grupos sociais ao passado, trazendo à tona certas lembranças que por seu conteúdo desencadeiam reações no presente. Conforme definição de Jacy Seixas (2002 p.43-45), esse trajeto faz com que sejamos interpelados pelos problemas da atualização e da espacialização da memória. O livro hora resenhado e organizado pelo historiador espanhol Joan del Alcázar [1] e pelo político, escritor e pesquisador chileno Esteban Valenzuela [2], reúne nove artigos que refletem a preocupação desses acadêmicos, com o papel exercido pela memória do governo socialista de Salvador Allende (1970-1973) e da ditadura militar (1973-1990) no aperfeiçoamento da democracia chilena. De acordo com Alcázar e Valenzuela, a memória deste passado recente têm representado muitos dos antagonismos vividos no país e que estariam dificultando a produção de consensos e a plena democratização. Trata-se de uma dimensão dos acontecimentos pretéritos permanentemente latente e que retira do impacto exercido pelas referidas experiências limite, grande parte da força das representações que manifesta. Leia Mais

The crisis of zionism | Peter Beinart

Peter Beinart é professor associado de jornalismo e ciência política na City University of New York, ex-editor do jornal estadunidense The New Republic e autor de mais dois livros: The Icarus Syndrome e The Good Fight. Suas obras são perpassadas pela defesa aberta do liberalismo e pela denúncia do abuso do poder estatal em detrimento de direitos individuais. Liberal e sionista declarado, em sua mais recente obra – eminentemente política – Beinart faz uma reflexão crítica sobre o atual governo de direita em Israel, a comunidade judaica estadunidense e sua relação com o Estado judeu e denuncia o racismo inerente ao sionismo revisionista, bem como a ocupação dos Territórios Palestinos e a política externa vacilante de Obama.

Ao longo dos nove capítulos, o autor exalta a necessidade de fortalecer o sionismo liberal tal qual defendido por Theodor Herzl face às correntes conservadoras e exclusivistas que exaltam o caráter étnico de Israel como Estado judeu, lesando as garantias democráticas presentes em sua declaração de independência e os direitos da população árabe. Tendo como eixo central essa dupla natureza do país – judaica/democrática – e as divergências das propostas sionistas, Beinart expõe as divergências em torno do conflito na Palestina envolvendo a comunidade judaica dos Estados Unidos e os agrupamentos políticos e entidades neste país e em Israel. Sua conclusão é a de que, atualmente, o sionismo liberal tal qual vislumbrado por Herzl estaria ameaçado diante da ascensão da direita em Israel e do apoio incondicional prestado por entidades judaicas estadunidenses, cada vez mais controladas por setores indiferentes ou avessos aos preceitos democráticos daquele país. Por isso a escolha do título: “A crise do sionismo”. Leia Mais

Luchando por mentes y corazones. Las batallas de la memoria en el Chile de Pinochet | Steve J. Stern

Luchando por mentes y corazones. Las batallas de la memoria en el Chile de Pinochet del historiador estadounidense Steve Stern, cuyo título original es Battling for Hearts and Minds: Memory Struggles in Pinochet’s Chile, 1973- 1998, fue publicado por Duke University Press en el año 2006. Sin embargo, al no haber sido traducido al español, su difusión en nuestro país había sido bastante acotada. En septiembre de este año, en el marco de las múltiples actividades de conmemoración de los 40 años del golpe de Estado, el libro fue lanzado en su versión en español.

La obra es parte de una trilogía cuyo objetivo principal, como lo advierte el propio autor, es el estudio del significado que los chilenos han atribuido al golpe militar del 11 de septiembre de 1973 y a la violencia política masiva desplegada tras él, entendidos como un trauma social. En particular, el Libro Dos se centra en el análisis de esa construcción de sentido en el periodo comprendido entre 1973 y 1988. A lo largo de 583 páginas, Steve Stern, recorre la historia de aquellos turbulentos años desde la óptica de la memoria, para lo cual reconstruye la elaboración de memoria que los chilenos fueron haciendo de lo acaecido y lo que es más interesante como propuesta, de lo que fue acaeciendo. Leia Mais

Norberto Bobbio – Trajetória e obra | Celso Lafer

Tanto do ponto de vista pessoal quanto do ponto de vista intelectual, é possível que não haja nome mais autorizado no Brasil para escrever sobre o filósofo italiano Norberto Bobbio quanto o jurista Celso Lafer, que conhece a obra do grande filósofo italiano como pouquíssimos no Brasil e cujos pontos de interseção com o mesmo não são pouco numerosos. Como o próprio autor lembra no texto de apresentação a Norberto Bobbio – Trajetória e obra (2013), Lafer conhecera Bobbio pessoalmente quando da vinda deste ao Brasil, em 1982, oportunidade em que o mesmo palestrou na UnB e na USP, além de oferecer algumas entrevistas a jornais do país. Desde então, uma singela amizade entre ambos permitiu que Lafer pudesse participar de eventos acadêmico-científicos ao lado de Bobbio, visitar seu apartamento, trocar cartas, conhecer seu maior discípulo Michelangelo Bovero (que escreve na contracapa da obra), além de – o que considero a honra maior – ter seu grande livro A reconstrução dos direitos humanos (1988), sobre o pensamento de Hannah Arendt, citado na introdução de L’età dei diritti (1990), uma das últimas grandes obras bobbianas.

A obra que aqui resenhamos colige a grande produção de textos esparsos escritos por Lafer sobre a pessoa e, especialmente, o pensamento de Bobbio entre 1980 e 2011, dividido em cinco partes, dedicadas aos temas “perfil”, “relações internacionais”, “direitos humanos”, “teoria jurídica” e “teoria política”. Uma característica marcante e preciosa da obra são as pequenas comparações entre o pensamento bobbiano e o pensamento arendtiano que são oferecidas ao longo de todos os textos. Como Bobbio (positivista) e Arendt (anti-positivista) se ignoraram intelectualmente em praticamente toda a sua produção intelectual, tal comparação soa como uma leitura especialmente (ou talvez mesmo exclusivamente) laferiana do pensamento de Bobbio; em outras palavras, um encontro que apenas Lafer poderia, pelo menos entre nós, proporcionar. Leia Mais

De Atenas a Sidney: el cine y la televisión em los Juegos de verano | Juan Gabriel Tharrats

O registro dos Jogos Olímpicos é uma prática cultivada em todo mundo por profissionais e espectadores esportivos. As tentativas de eternizar momentos de superação dos atletas, das nações e do esporte enquanto prática cultural motiva o desenvolvimento de variadas estratégias para documentação. Neste sentido, destacam-se as formas de registros audiovisuais que acompanharam historicamente o nascimento dos Jogos Olímpicos da Era Moderna.

Inegavelmente, o cinema foi testemunho recorrente das transformações do esporte, e, apresentou registros de competições esportivas em produções desde sua origem em diversos países (Grã Bretanha, Austrália e Espanha) e com enfoque em diversas práticas esportivas (MONTIN, 2004). Leia Mais

Intelectuais e Comunismo no Brasil: 1920-1950 | Cândido Moreira Rodrigues

Seguindo o fluxo multidisciplinar na investigação de discursos, práticas, representações, imagens, memórias e esquecimentos, cinco professores – da Universidade Federal de Mato Grosso, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Universidade Estadual de Londrina e Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho – condensaram suas reflexões sobre ações, pensamentos e relações de intelectuais com o comunismo na primeira metade do século XX.

O capítulo inicial, a cargo de Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus, aborda o comportamento anticomunista de Gustavo Barroso. Bacharel, parlamentar, secretário de Estado e presidente da Academia Brasileira de Letras, Barroso liga-se, na década de 1930, à Ação Integralista Brasileira (AIB), nem sempre se submetendo às diretrizes de seus principais líderes. Leia Mais

E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico | Marcelo Badaró Mattos

A formação da classe operária inglesa (The Making of the English Working Class) [1] é considerado, pela comunidade acadêmica, uma das mais importantes obras do século XX, inspirando diferentes gerações de historiadores e cientistas sociais. A obra de Edward Palmer Thompson atacaria “duas ortodoxias ao mesmo tempo, a história econômica quantitativa e a marxismo dogmático” [2] tão presentes na intelectualidade da época. Publicado há 50 anos, este clássico teve sua primeira edição em língua portuguesa somente em fins dos anos 1980, causando um grande impacto na historiografia brasileira (assim como nas demais ciências sociais) por suas novas propostas teórico-metodológicas e, principalmente, pela prática de historiador proposta e vivenciada por Thompson.

E justamente a influência da obra de Thompson na historiografia brasileira é um dos pontos altos do livro E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico. Marcelo Badaró Mattos – autor de livros sobre os sindicalismos e a formação da classe trabalhadora brasileira e fluminense, além de ter ministrado uma série de cursos na Universidade Federal Fluminense, onde atua como professor do departamento de história – apresenta não somente a obra do historiador inglês, mas aspectos importantes da tradição de crítica ativa proposta pelo materialismo histórico, tão presente nos escritos de Thompson, e problematiza a recepção e a influência da obra do intelectual britânico na historiografia brasileira. Leia Mais

Dramaturgia do telejornalismo: a narrativa da informação em rede e nas emissoras de televisão de Juiz de Fora- MG | Iluska Coutinho

Uma CPI da corrupção, irregularidades no judiciário, o afundamento de uma plataforma de petróleo. Estes e outros cenários e personagens estão inseridos na “Dramaturgia do telejornalismo” título e conceito-chave da obra da pesquisadora Iluska Coutinho. No livro, a autora aponta para uma estrutura narrativa característica do drama nas notícias televisivas, favorecida por uma tendência intrínseca ao veículo, à sua forma de ordenamento das informações: a serialidade. Tendo como conceito base a concepção de “drama” proposta por Aristóteles, a autora observa, demarca e anuncia, por meio da análise dos telejornais de rede e regionais, uma distribuição de “papéis” e conseqüente categorização de personagens em vilões, mocinhos e heróis estereotipados, cuja frequência vai além das obras ficcionais.

De acordo com a pesquisa, na estruturação de notícias e reportagens ancoradas numa narrativa dramática, tanto em nível local quanto nacional, as ações se desenrolam na medida em que nos são dados a conhecer os personagens e ainda outros elementos daquela estória, tais como cenário, contextos, referências temporais. Tais fatores permitem observar fronteiras- se não demarcadas- ao menos próximas entre telejornalismo e show, com a conversão de tecnologia e tradição em estratégias comerciais ou editoriais que tentam posicionar cada edição no campo do “jornalismo”. Para Coutinho, embora diante das definições clássicas de jornalismo possa soar como heresia, não figura como algo forçoso o paralelo entre notícia e drama caracterizando uma “dramaturgia do telejornalismo brasileiro”. A convergência não apenas é possível como pode ser considerada um modelo hegemônico nos telenoticiários nacionais veiculados em rede, tanto os de caráter público quanto naqueles veiculados em televisões de âmbito privado. Leia Mais

Neocolonial/ Modernismo e Preservação do Patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil | Maria Lúcia Bressan Pinheiro

A noção de patrimônio histórico foi construída, ao longo do século XIX, paralelamente ao processo de formulação ideológica e política do Estado-Nação. Essa nova forma de conceber o Estado estava preocupada com a construção de uma identidade nacional pautada na elaboração da ideia de passado compartilhado.

Tal qual na Europa, houve no Brasil, desde o século XIX, uma preocupação com a definição de uma identidade nacional. O patrimônio nacional, nesse contexto, devia remeter-se a um passado relacionado a eventos, símbolos e personagens representados materialmente e referentes a uma história considerada remota. A história remota considerada conveniente à reescritura do passado dentro do projeto de constituição da identidade nacional brasileira foi a do período colonial.

Parte significativa do debate acerca dos elementos que deviam constituir essa tradição nacional deu-se no campo da arquitetura. Entre o final do século XIX e o começo do XX, defensores da arquitetura colonial entenderam que os edifícios construídos entre os séculos XVI a XVIII reuniam os elementos necessários para que fossem eleitos os melhores representantes dessa tradição artístico-arquitetônica nacional. Caberia, assim, aos arquitetos contemporâneos dar continuidade a tal tradição através da formulação de novas propostas arquitetônicas de caráter vernáculo, a partir das bases estilísticas lançadas pelos edifícios coloniais. Foi com tal intuito que durante as primeiras décadas do século XX surgiram duas novas vertentes arquitetônicas: a do estilo Neocolonial e a do Modernismo. Em Neocolonial, Modernismo e Preservação do Patrimônio no Debate Cultural dos anos 1920 no Brasil, na contramão de uma tradição historiografia que vê estas duas propostas como antagônicas, a historiadora Maria Lúcia Bressan Pinheiro, busca as conexões e as correspondências entre elas por meio do exame dos discursos proferidos pelos seus respectivos patronos.

O livro, fruto da tese de Livre-Docência da autora pela USP, traz uma análise dos debates em torno da formulação e da difusão dessas novas modalidades arquitetônicas na década de 20. Segundo a autora, a emergência do estilo Neocolonial e da Arquitetura Modernista foi fruto da necessidade de perpetuar o caráter tradicional da arquitetura brasileira através de novas práticas que se colocavam como legítimas representantes da tradição artístico-arquitetônica nacional.

Nos cinco primeiros capítulos, a autora tenta reconstituir o percurso de formação e difusão do Neocolonial através dos escritos de diversos personagens que atribuíram ao estilo a função de dar continuidade à tradição arquitetural brasileira. Para tanto, estabelece conexões entre figuras de opiniões aparentemente opostas: de um lado, Ricardo Severo e José Mariano Filho – defensores do Neocolonial; do outro, Mário de Andrade e Lúcio Costa, que consideravam a arquitetura Modernista a legítima herdeira das tradições arquitetônicas coloniais.

Segundo a autora, o contato de Mário de Andrade e Lúcio Costa com os discursos formulados por Ricardo Severo e José Mariano foi importante para que os modernistas formulassem seu próprio conceito de arquitetura tradicional. Estabelecendo tais conexões entre opiniões aparentemente divergentes, a autora pretende mostrar que a defesa da arquitetura tradicional promovida pelos agentes do Modernismo deriva, em grande parte, do diálogo estabelecido com os patronos do Neocolonial.

A relação entre o discurso dos defensores do Neocolonial e do Modernismo analisada pela autora vai, porém, muito além da interação entre Severo, Mariano, Mário e Lúcio. Outros tantos personagens serão mencionados pela autora como pertencentes à rede de agentes envolvidos no debate arquitetônico na década de 20, entre os quais podemos destacar: Jean-Baptiste Debret, Fernando de Azevedo, Heitor de Mello, Araújo Vianna, José Washt Rodrigues, Raul Lino, Alexandre de Albuquerque, Gastão Bahiana, Victor Dubugras, Gregory Warchavchik.

O primeiro capítulo do livro começa por uma breve explanação sobre a contribuição de Debret para a valorização da arquitetura colonial. Segundo a autora, o conjunto de gravuras de edificações coloniais realizadas pelo artista no século XIX pode ser considerado fundamental para a compreensão daquilo que foi definido como o caráter formal da arquitetura brasileira, uma vez que parte dos elementos decorativos e ornamentais ilustrados por Debret na sua Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil seria posteriormente adotada como referência para os projetos arquitetônicos que tomavam por base a arquitetura colonial.

Ainda nesse capítulo, a autora prossegue sua argumentação avaliando o impacto das gravuras de Debret na concepção da ideia de arquitetura tradicional expressa por Ricardo Severo nas Conferências que realizou em 1914 e 1917: teria sido baseado nas ilustrações do pintor que o arquiteto português haveria definido os atributos formais da tradição arquitetônica – de caráter predominantemente português – que deveriam ser tomados como padrão para uma moderna concepção arquitetônica, o Neocolonial. Em seguida, pondera sobre os efeitos que as Conferências tiveram na série de artigos publicada por Mário de Andrade na Revista do Brasil, em 1920. Nesses escritos, Maria Lúcia identifica aspectos minuciosos da influência que Severo exerceu na concepção de arquitetura tradicional do autor de Macunaíma.

Nos segundo e terceiro capítulos, a autora investiga a repercussão do estilo defendido por Ricardo Severo nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Ao comparar a difusão do Neocolonial nas duas capitais, conclui que a propagação do estilo foi muito mais rápida em São Paulo – capital que naquele momento acrescia sua importância no cenário político-econômico nacional – onde foi maior a popularidade dessa vertente junto aos arquitetos. Nomes como Ricardo Severo, Victor Dubugras e José Washt Rodrigues teriam assim contribuído para o “enriquecimento” arquitetônico de São Paulo, atendendo as exigências de uma elite que, segundo a autora, queria se diferenciar dos “estrangeirismos” arquitetônicos dos palacetes cariocas.

Os “estrangeirismos” arquitetônicos da então capital federal se deviam, na verdade, ao fato de que na cidade do Rio de Janeiro predominava uma arquitetura em estilo academicista, herdada do século XIX. Os estilos Neoclássico e Eclético preponderavam no panorama arquitetônico carioca durante a primeira década do século XX. De acordo com Maria Lúcia, somente a partir da Exposição de 1922, o Neocolonial começou a ser inserido no contexto carioca.

Contudo, no Rio de Janeiro os arquitetos do Neocolonial adotaram variantes ornamentais e decorativas da arquitetura tradicional que fugiam ao padrão encontrado em São Paulo. Fazendo uma análise dos projetos expostos no evento, a autora concluiu que neles predominavam elementos formais inspirados no estilo hispânico colonial. Essa peculiaridade do estilo Neocolonial edificado no Rio de Janeiro levou alguns dos defensores da “tradição colonial portuguesa” a criticarem a festividade, a superficialidade e a falsidade no uso dos ornamentos coloniais inspirados no estilo hispânico.

Um dos maiores críticos do uso dessa vertente hispânica foi o já mencionado José Mariano Filho. Considerado pela autora o paladino do Neocolonial no Rio de Janeiro, o pernambucano defendia que o caráter dos ornamentos tradicionais era eminentemente português – sinal de sua estreita relação com Ricardo Severo. Ambos, de fato, rechaçavam a prática comum entre os arquitetos de apenas imitar a decoração e os ornamentos dos edifícios coloniais, especialmente aqueles de tipo hispânico. Para eles, a verdadeira essência do Neocolonial devia ser a readaptação das formas tradicionais – ornamentos e decoração – às condições técnicas e materiais próprios do mundo “moderno”.

Assim, a autora sinaliza que dentre os projetos definidos como Neocoloniais havia divergências em relação ao emprego das formas tradicionais: enquanto para uns bastava reproduzir esses ornamentos para que as edificações fossem caracterizadas como Neocoloniais; outros, como Severo e Mariano, entendiam que o emprego correto das formas tradicionais dependia de uma “modernização” das mesmas a partir da realização de um estudo prévio, preferencialmente in loco.

No quarto capítulo (p. 155), a autora traz essas divergências em torno do emprego das formas tradicionais para o âmbito acadêmico, avaliando, também, como se deu a inserção e repercussão do estilo Neocolonial nas Escolas de Arquitetura de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Segundo Maria Lúcia, um dos maiores responsáveis pela inserção do Neocolonial no contexto acadêmico foi José Mariano Filho. Atuando na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, promoveu uma série de prêmios e excursões que, segundo a autora, intencionavam impulsionar os alunos a se dedicarem ao estudo da tradição artístico-arquitetônica nacional.

Um dos alunos beneficiados pelos prêmios e excursões promovidos por Mariano foi o futuro arquiteto modernista Lúcio Costa. De acordo com a autora, a amizade entre os dois se desenvolveu desde esse período, quando o jovem arquiteto ainda estava em início de carreira. A relação entre esses grandes estudiosos da arquitetura tradicional brasileira foi marcada por um diálogo inicialmente afetuoso, que, segundo a autora, pode explicar o flerte que Lúcio teve com o Neocolonial (p. 181). Todavia, ainda mais notória que a amizade de ambos foi o seu rompimento, que resultou numa inimizade publicamente admitida, cuja razão, segundo Maria Lúcia, nunca foi muito bem esclarecida.

A autora afirma que o rompimento com Mariano não significou necessariamente que Lúcio Costa deixasse de levar em consideração alguns dos princípios formais da arquitetura tradicional formulados pelos patronos do Neocolonial. Na realidade, para Maria Lúcia, não há dúvidas de que o contato com Mariano e o Neocolonial foi fundamental para que Lúcio formulasse seu próprio conceito de arquitetura tradicional. Essa influência que o Neocolonial exerceu sobre Lúcio Costa, segundo a autora, é suficiente para desmistificar a ideia de abismo entre Neocolonial e Modernismo.

Nos dois últimos capítulos (p. 229 em diante), a autora trata das discussões que se deram, nesse mesmo período, em torno da preservação do patrimônio no país, procurando perceber a influência que esse debate em torno do Neocolonial e do Modernismo teve sobre a trajetória de criação de políticas de tutela e salvaguarda do patrimônio edificado brasileiro.

Nesse percurso, Maria Lúcia destaca a atuação de Manuel Bandeira como um dos primeiros intelectuais a promoverem o debate sobre a salvaguarda do patrimônio em defesa da arquitetura tradicional. A autora ressalta, ainda, o papel que o colecionismo desempenhou para proteção dos bens compreendidos como elementos da tradição artística brasileira.

Em seguida, em sua conclusão, a autora faz uma ponte entre o debate preservacionista dos anos 20 e as iniciativas governamentais em prol do patrimônio promovidas nos anos 30, cujo maior exemplo é a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Sphan. Nesse contexto, sinaliza o quão importante são as concepções de arquitetura tradicional debatidas na década de 20 para definição dos critérios de preservação e tombamento estipulados pelo órgão federal.

No entanto, nessa relação que a autora estabelece entre o debate arquitetônico nos anos 20 e os critérios adotados pelo Sphan para definição de patrimônio, não faz qualquer referência às recentes contribuições da historiografia acerca das discussões em torno da elaboração das políticas de patrimônio do Serviço, a exemplo das pesquisas realizadas por Márcia Chuva e Antônio Gilberto Ramos Nogueira.

Além disso, a autora restringe a análise das influências teóricas estrangeiras no debate entre Neocolonial e Modernismo aos escritos de William Morris e, principalmente, de John Ruskin. No que tange, por exemplo, à definição estilística das edificações coloniais, não há menções à produção historiográfica profícua em torno do estilo “barroco” na Europa, estilo que vem a ser considerado símbolo da arquitetura tradicional a partir dos anos 20.

De resto, o livro ainda que acompanhado por um grande número de citações e fotografias extraídas de fontes primárias, tais como as revistas Illustração Brasileira e Architectura no Brasil – documentos riquíssimos para compreensão do debate arquitetônico nas primeiras décadas do século XX – peca por não dar alguma indicação sobre os arquivos nos quais foram localizadas essas fontes, tão pouco trabalhadas pelos historiadores, que podem ser cruciais à continuidade dessa análise da dialética entre o Neocolonial e Modernismo.

Marília de Azambuja Ribeiro – Universidade Federal de Pernambuco

Angélica Cristina de Paula Botelho – Bolsista PIBIC (FACEPE) do Projeto Espaço urbano, arquitetura eclesiástica e cultura tridentina da Profa. Dra. Marília de Azambuja Ribeiro (Departamento de História, UFPE).


PINHEIRO, Maria Lúcia Bressan. Neocolonial, Modernismo e Preservação do Patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil. São Paulo: Edusp, 2011. Resenha de: RIBEIRO, Marília de Azambuja; BOTELHO, Angélica Cristina de Paula. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.31, n.1, jan./jun. 2013. Acessar publicação original [DR]

 

A incrível história de Von Meduna e a filha do sol e do equador | Edmar Oliveira

Edmar Oliveira médico psiquiatra piauiense nos traz, em sua narrativa, seus percursos ao acompanhar o programa de saúde mental do Piauí. Edmar aborda a história do sanatório Von Meduna junto à trajetória do médico Clidenor Freitas Santos, importante nome da psiquiatria na história do estado. A experiência do trabalho de implantação do programa de saúde mental no Piauí foi transformada em livro e nos possibilita conhecer um pouco do que foi a constituição da psiquiatria na capital. Teresina foi uma das primeiras capitais brasileiras a ter uma “casa de doidos”. Ladislas Joseph Von Meduna, inventor da convulsão provocada pela medicação cardiazol, inspirou o nome do hospital psiquiátrico de Teresina, mais conhecido como sanatório Von Meduna.

Inicialmente o autor apresenta uma pequena introdução fazendo uma incursão histórica local, referenciando à composição étnica do Piauí, citando a presença dos “dois Domingos”: Domingos Jorge Velho e Domingos Afonso Mafrense, tidos pela historiografia tradicional e mais conservadora como heróis locais. Edmar ressalta a necessidade de repensarmos tal afirmação a esses personagens, uma vez que, dentre muitas de suas ações pelas terras dos meio-norte brasileiro, juntaram forças pra exterminar parte dos índios que ocupavam esse território. Dentro desta retomada histórica, também cita o importante papel da miscigenação junto à composição étnica do estado.

A criação do primeiro centro psiquiátrico do Piauí foi um feito do médico Areolino de Abreu, que teve a ideia de fundar uma casa para loucos, batizando esse centro como “asilo de alienados”. Mas, como o próprio texto aponta, a criação desse centro psiquiátrico não aconteceu devido à preocupação com os alienados – pois a alienação mental não parecia ser compreendida como um problema de saúde pública na época – mas sim com intuito de aferir uma condição asséptica à cidade e, concomitantemente, com a ambição de tornar Teresina uma cidade civilizada e “limpa”, servindo também para enaltecer o nome de seu criador, Areolino de Abreu.

Em 1940, o primeiro psiquiatra do Piauí, Clidenor Freitas, assume a direção do asilo e elabora um relatório denunciando as condições em que o mesmo se encontrava, propondo melhorias de acordo com o conhecimento da época. Entre os métodos defendidos pelo novo médico ganha-se destaque a retirada das correntes dos pacientes, substituindo esta prática pela inserção de métodos novos, como a malarioterapia (inoculação do vírus da malária em pacientes com demência paralítica causada pela sífilis) criada pelo cientista J. Wagner Jauregg, a insulinoterapia e a convulsão cardiazólica, de Von meduna.

Clidenor Freitas procurou modernizar o tratamento psiquiátrico no estado desde os métodos utilizados e até mesmo se preocupou em alterar o nome da casa de tratamento na tentativa de redimensionar o conceito que o nome impelia à instituição e sua prática, substituindo o nome “Hospital de Alienados” para “Hospital Psiquiátrico Areolino de Abreu”, já que, segundo ele, nem todo alienado podia ser considerado louco.

Em 1954, Clidenor inaugura o sanatório Von Meduna. Este mesmo foi construído no terreno de sua propriedade bem longe do perímetro urbano da capital. Outro marco na psiquiatria piauiense desta época foi a substituição dos tratamentos de choques insulínico e cardiazólico pelo aparelho de eletrochoque. A criação do Meduna foi considerada um marco, enquanto dispositivo modernizador dentro do movimento sociopolítico que engrenava os processos civilizatórios da cidade.

O sanatório Von Meduna, em Teresina, era a própria “encarnação da loucura”, dizia o autor, mas também trazia consigo os desejos e os projetos de trabalho e vida almejados pelo seu criador. Edmar Oliveira reproduz alguns trechos do discurso de inauguração e retratações pessoais feitos por Clidenor Freitas.

Carta aos meus filhos:

Quando houverdes atingindo a maturidade da vida, saberia compreender, em profundidade, os sentimentos que nessa data dominam o vosso pai. Sabereis que foi constante labor consciente de um homem que decidiu agir para concretizar um plano objetivo, real e tangível, destinado a amparar no conforto e na segurança, aqueles que perderam a razão (…) (FREITAS apud OLIVEIRA, 2010, p.43).

Em outro momento, Clidenor procura justificar os enormes gastos feito para a construção de sua obra maior, com o testemunho de Câmara Cascudo presente na inauguração.

Materialmente seu valor atual e bem elevado com, diria como dizem os medíocres para ‘fazer a independencia’ de um homem (…). O que importa não são os milhões que vale o sanatório, mas o objetivo a que ele se destina, (FREITAS apud OLIVEIRA, 2010, p.45).

Quatro anos após a inauguração do sanatório, Clidenor Freitas se envolve com a vida política e com outros empreendimentos empresariais. Durante esse tempo a direção do sanatório fica nas mãos de seu irmão mais novo. Clidenor Freitas morreu aos 87 anos, e, como o próprio autor diz, é necessário ressaltar sua importância na constituição da psiquiatria piauiense, anunciando novos métodos de tratamentos, defendendo a condição humana, considerando outras tentativas de inovações de cuidados para a época.

Alinhado a essa descrição histórica, Edmar Oliveira também não se exime de promover um propício debate sobre a crise de desumanização que os hospícios estão sujeitos: “por mais que se humanize um hospício ele tende a se desumanizar na sequencia, basta só um recorte de tempo”.

Menos de dez anos depois das reformas implantadas no hospício em Teresina, os pacientes voltaram a ser tratados de acordo com sua posição social. Muitos considerados indigentes, tratados de forma desumana, vivendo em ambientes com péssimas condições, tanto na área estrutural quanto na parte da alimentação, higiene, no isolamento total. Posteriormente com administração de Carlos Alves Araújo essa situação é revertida, melhorando a condição dos “indigentes”.

Em parte intermediária da obra, o autor promove um debate sobre a “competição” comercial que o capitalismo moderno suplantou nas “empresas médicas do estado”. Nesse sentido, Edmar menciona a restrição comercial que a “empresa” Von Meduna sofreu ao não participar das competições mercantis das empresas médicas do sistema de saúde de Teresina. Pois o esse sistema se tornou um ramo empresarial de grande porte à custa da maioria da população do estado, que dependeu na maioria das vezes do atendimento médico da capital. Nesse contexto ele cita como exemplo atual do Sistema Único de Saúde (SUS) que também tem suas inúmeras deficiências, até mesmo por não suportar a demanda de dependentes. Mas, por outro lado, o SUS permitiu que os hospitais Areolino de Abreu e Von Meduna dividissem a clientela de maneira igualitária, longe da concorrência das empresas médicas.

Entre as discussões propostas por Oliveira estão também os apontamentos que permeiam “novas” compreensões acerca do tratamento mental. Alguns pensadores como Foucault, Castel e Basaglia contribuíram pra que houvesse uma reforma no campo psiquiátrico no Brasil, entre os princípios que regem a reforma está a “devolução” ao paciente internado os direitos fundamentais de pessoa humana, devido a situação degradante dos sujeitos que são longamente internados e esquecidos. No Piauí, a luta por melhoria da condição humana dos pacientes, só irá se manifestar no inicio do século XXI, foi apenas em 2003 que pela primeira se comemorou “o dia da luta antimanicomial”.

A partir de 2004, surgiu o “serviço substitutivo” que ficou conhecido como Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (CAPSin), esse serviço tornou-se passivo de determinadas críticas por trazer consigo os mesmos vícios das políticas manicomiais. Em 2005, foi aberto o CAPS Norte e o CAPS Leste, essas instituições tinham serviços contrários ao modelo hospitalar das casas Areolino de Abreu e do Von Meduna.

A diminuição dos leitos implantados pelo ministério da saúde desencadeou na implantação de serviços residenciais de terapia em comunidades. Enquanto isso, os hospitais Areolino de Abreu e Von Meduna continuavam a funcionar sem tomar conhecimento dos novos métodos implantados. Esses novos serviços, segundo o autor, proporcionavam o enfrentamento da doença mental de maneira mais saudável e ampla. A utilidade dos hospitais Von Meduna e o Areolino de Abreu foram questionados por uma nova política de assistência pública.

Nos últimos capítulos, Edmar relata de maneira bem pessoal a sua volta aos sanatórios Areolino de Abreu e Von Meduna como consultor do ministério da saúde, enfatizando o fechamento do Von Meduna. A situação encontrada neste recinto não revelava nem de longe o esmero próximo àquele da época de sua fundação. Para justificar o “triste fim” que o hospital sofreu, Edmar Oliveira fez menção ao discurso escrito de inauguração do Von Meduna, feito por seu criador, Clidenor de Freitas, onde assevera que uso do dinheiro só fazia sentido a uma causa nobre. (OLIVEIRA, 2010, p.111)

Continuando, Edmar registra suas participações nas conferências nacionais de saúde mental, e os debates em relação ao fechamento do Von Meduna, situação que gerou muitas discurções, já que havia uma preocupação por algumas partes em relação ao destino dos “loucos” que lá estavam. Entretanto para Edmar Oliveira o fechamento do hospital Von Meduna significava a libertação do antigo regime manicomial e assim ele conclui com suas palavras:

Não se pode construir o existir quando é seqüestrado o seu lugar no mundo. E hospital não é morado de ninguém. Von Meduna retira-se sem fazer falta a uma cidade que passou, a saber, conviver e a tratar seus loucos na diversidade e na acolhida que os novos tempos anunciam… (OLIVEIRA, 2010, p. 132)

O fechamento do Von Meduna ainda foi alvo de questionamentos, o que ocasionou em dificuldades na consolidação dos novos modelos de tratamento psiquiátrico. Edmar oliveira encerra seu livro falando dos loucos que escaparam das ações psiquiátricas de Teresina, e que fazem parte da memória dos filhos da terra, também relata de maneira bem tocante à história dos loucos que estão na memória de sua infância, citando seus três preferidos: Manelão, Bibelô e Nicinha “eles eram da cidade, das ruas, das aglomerações. Nossos. Sem eles Teresina não tem sentido pra mim”.

A obra de Edmar Oliveira não se caracteriza apenas pela descrição histórica das instituições médicas e o tratamento da doença mental do estado. A obra é também uma abordagem crítica sobre as condições de tratamento dos sujeitos que são atravessados por uma maneira distinta de ver o mundo. O livro, em sua plenitude, é composto por uma visão crítica que compõe um posicionamento antimanicomial. Nele também observamos uma incursão pela história do Piauí, e da cidade capital, Teresina, palco de muitos dos personagens desterritorializados e marginalizados que fizeram parte da vida do autor. É um livro que também tematiza sobre experiência pela cidade e as memórias que retratam esse passado.

Referência

OLIVEIRA, Edmar. A incrível história de Von Meduna e a filha do sol e do equador. Teresina: oficina da palavra, 2010.

Valéria Santana Sousa – Discente do curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí.


OLIVEIRA, Edmar. A incrível história de Von Meduna e a filha do sol e do equador. Teresina: oficina da palavra, 2010. Resenha de: SOUSA, Valéria Santana. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.2, n.1, p. 325-329, 2013. Acessar publicação original [DR]

 

História e Historiografia: exercícios críticos | Jacques Revel

A obra “História e Historiografia: exercícios críticos”, do historiador Jacques Revel, é composta por nove artigos que refletem sobre o debate historiográfico no decorrer do século XX, em especial nas últimas décadas. No capítulo inicial, intitulado: “Construção francesa do passado: uma perspectiva historiográfica”, Revel propõe uma discussão sobre a historiografia francesa desde os fins da Segunda Guerra Mundial. Através dessa incursão, o autor analisa a contribuição dos franceses para a produção historiográfica. De acordo com sua concepção reflexiva, o debate historiográfico mediante novas proposições paradigmáticas, adquiriu certa retomada antes da Guerra, com as contribuições de Bloch e Febvre, porém esse não seria o marco inicial para tais discussões, esse debate teria sido proposto bem antes de 1929, ano de ascensão dos Annales.

Em 1870, as Universidades Francesas estavam passando por certa “elaboração da política universitária”. Isso porque a França via-se derrotada face aos conflitos políticos e econômicos protagonizados contra o novo “Reich” da Alemanha, o que alimentou junto aos franceses um sentimento de “revanche”, que, dentre outras coisas, impulsionou um modo de se repensar o ensino universitário no país. A disciplina história teve um papel fundamental nesse processo, pois serviu para reanimar uma nação que tinha sido humilhada pelos Alemães. Diante desses acontecimentos, o saber histórico passou por renovações. Tal proposição foi gestada no fim do século XIX, visava romper com a literatura e ganhar o status de ciência, constituindo-se como um saber “metódico”. Outras ciências como: geografia, psicologia, economia e em especial a sociologia de Durkheim vivam também um processo de renovação.

A mudança de paradigma proposta ao saber histórico subsidiou críticas por parte de outras frentes intelectuais. Os discípulos de Durkheim, por exemplo, criticavam a história mediante seu pleito em busca do lugar de ciência. Um deles, François Simiand, a criticava por argumentar que os acontecimentos factuais – campo de reflexão da história – não ofereceriam subsídios suficientes para arvorar ao status científico. As ponderações feitas por Simiand, e demais rivalidades, contribuíram com a proposta de Bloch e Febvre que absorveram tais críticas e propuseram uma nova forma de se pensar e escrever o conhecimento do passado.

O segundo artigo: “Mentalidades: uma particularidade francesa? História de uma noção e de seus usos”, o autor, a princípio, se volta a discutir a etnologia da palavra mentalidade e a partir dessa projeção promove uma análise em torno de seu significado. Revel assevera que o termo passa a ser difundido nos “vocabulários científicos” das diversas ciências como: antropologia, psicologia, sociologia e história, no decorrer do século. Dentre essas ciências o autor destaca a psicologia como sendo de suma importância para o debate nas áreas humanas. No desenvolvimento da análise são citados vários exemplos de estudiosos que se debruçaram no estudo da psicologia para a compreensão do social, dentre eles podemos citar o historiador Lucien Febvre que procurava compreender sobre a natureza das representações coletivas, se apoiando no conceito de “psicologia histórica”.

Revel volta às discussões associadas ao conceito e à aplicabilidade do termo ligado ao conhecimento social, retomando através de sua análise referências sobre os primeiros historiadores que desenvolveram uma abordagem histórica a partir do conceito “mentalidade”, e elencando os debates travados entre os campos da sociologia, psicologia e história, a respeito de sua apropriação, o que fez com que o conceito adquirisse amplitude em outras esferas intelectuais para além do seu domínio “mátrio” – França – apesar de ser afirmado como um gênero caracteristicamente francês.

O artigo seguinte: “A instituição e o Social”, tem por abordagem os debates e os discursos produzidos pelos historiadores em torno do modelo e conceito de “instituição”. Revel procura demonstrar que quando se pensa na categoria instituição a primeira dificuldade apresentada vem a ser a definição da palavra. Seguindo esse pressuposto, o autor propõe em seu artigo três formas de compreensões conceituais. O primeiro visa caracterizar a instituição como uma dimensão jurídica e política. O segundo traz a instituição num conceito mais amplo que se refere ao funcionamento e organização de determinados domínios, respondendo assim a uma demanda coletiva da sociedade. A última concepção, mas não menos importante, procura compreender a instituição como “toda a forma de organização social”.

A partir dessas conceituações, o autor constrói apontamentos em que relaciona a instituição e campo social. O primeiro conceito alimenta a lógica política quando se pensa nas questões institucionais, ligada à disciplina erudita. Durante muito tempo a historiografia prendeu-se a uma noção na qual considerou as instituições como locais que serviam para os arquivamentos de documentos, tornando assim sua compreensão restrita. Porém, outra compreensão para o termo, arrolando um sentido mais amplo, foi desenvolvida por Durkheim, da tradição sociológica moderna, sendo bastante difundida atualmente. Nesta baliza de pensamento elas seriam “criadoras de identidades” do núcleo social, isso porque os “fatos sociais são compreendidos como instituição”.

Revel relembra que, há muito, a tradição de pensamento sociológica foi desprezada pelos estudiosos, restringindo assim ao estudo político-jurídico, mas com o passar dos anos a abordagem sócio-histórica foi adquirindo vários adeptos. Essa mudança é chamada pelo autor de “evolução historiográfica”, onde os estudiosos passaram a tratar as relações sociais como constructos das instituições. Outro ponto abordado pelo autor vem a ser o estudo da posopografia ou biografia coletiva que seria um método utilizado na história, o qual permite observar os grupos sociais em suas dinâmicas internas e seu relacionamento com outros grupos.

O artigo “Michel de Certeau historiador: a instituição e seu contrário” vai desenvolver uma análise sobre a importância dos estudos de Certeau e o quanto este intelectual continua sendo amplamente estudado na academia por conta de suas pluralidades e perspectivas. Para iniciar essa análise, o Revel traz três momentos diferentes da obra de Certeau. O primeiro exemplo é uma obra em que Certeau tematiza sobre a espiritualidade jesuítica no início do século XVII. Jacques Revel procura dissertá-la demonstrando que a mesma se apresenta como uma não separação das experiências individuais e coletivas das instituições sociais. O segundo exemplo vem a serem os escritos que permeiam “A operação historiográfica”, discussão que ganhou força no terreno dos historiadores na contemporaneidade. De acordo com Revel a marca maior da operação historiográfica diz respeito à assertiva sobre a compreensão do oficio do historiador que ganha legitimidade a partir do lugar social na qual é produzido. O terceiro exemplo seria a imagem do próprio Certeau como um homem que gostava de viver em grupo, um homem plural.

No artigo subsequente “Máquinas, estratégias e condutas: o que entendem os historiadores”, Revel objetiva analisar o pensamento de Michel de Foucault e como esse pensador influenciou os historiadores em suas produções intelectuais, assim como a sua recepção na historiografia. O autor mostra que Foucault preocupou-se em pensar a função do autor, reflexão que os historiadores não tinham atentado em fazer até àquele momento. Para Revel os textos de Foucault são interpretados de diversas formas muitas vezes o deformando por completo. Em um texto de Foucault é como se existissem vários Foucault’s, isso porque os leitores construíram várias imagens muitas vezes deturpadas sobre ele. O “incômodo” de Revel nesse sentido refere-se ao fato que diversos historiadores se encontram satisfeitos com determinadas leituras reducionistas que são feitas ao pensador francês.

Para aprofundar sua análise o autor traz três imagens dele. O primeiro Foucault foi “descoberto” nos anos 60, este se aproxima muito das propostas dos Annales, e, assim como os historiadores de sua geração, Foucault produzia uma história estrutural. O segundo Foucault é aquele que trouxe a tona o conceito de “estratégia”, conceito esse que fez bastante sucesso entre os historiadores durante os anos 70. O terceiro é o Foucault seria aquele preocupado com as “condutas”, onde voltou-se a pensar sobre as relações de poder. A partir dessas três imagens, Revel vai elaborando uma análise de algumas obras consideradas importantes (Historie de La sexualité, L’ Archéologie Du savoir e etc.), trazendo conceitos de fundamental importância para a compreensão da trajetória de Foucault e assim este era visto pelos historiadores.

O artigo “Siegfried Kracauer e o mundo de baixo”, o Jacques Revel procura mostrar algumas reflexões feitas a partir da obra de Kracauer, onde este faz críticas sobre o campo da história. Primeiramente, Revel descreve uma pequena biografia do autor, assinalando inicialmente que este não era historiador e o seu interesse pela história aconteceu tardiamente, mas isso não o impediu de fazer um debate sobre o ofício de estudar o passado. Em sua obra History. The last things before the last. Kracauer traz algumas discussões sobre a cientificidade da história, historiadores, filmes e literatura.

De acordo com Revel, a questão da cientificidade da história é discutida em sua obra maneira enfática. Seguindo esta proposta, Kracauer alimenta a compreensão da história como uma disciplina da ciência social. Ele também promove um debate filosófico sobre as propriedades epistemológicas da história apoiando-se nas ideias de Dilthey, tomando por base os argumentos produzidos desde o fim do século XIX sobre tal discussão. Para ele a história pode reivindicar-se enquanto ciência social, a partir do momento em que ocorrem fenômenos que podem ser analisados e compreendidos em suas relações a partir de determinadas regularidades.

A segunda argumentação vem a ser do ofício dos historiadores, onde este trabalha com as fontes, que para ele são a “incompletude e a heterogeneidade das experiências humanas no tempo”. Revel relembra que Kracauer descrevera o modo como eram vistas as fontes no século XIX, sendo entendidas como detentoras de uma verdade absoluta e incontestável. Dando continuidade às suas reflexões, ele fala sobre literatura e filmes. Para ele, é importante se pensar no conceito de realidade. Segundo Revel, Kracauer faz uma analogia entre o literário e o historiográfico: o primeiro é livre de qualquer distinção realista, pois este vai compor a realidade a qual está inscrito, já o historiador não possui essa liberdade e é preso uma realidade limitada pelos indícios e fragmentos do passado que ganham personificação através das fontes.

O sétimo artigo “Recursos Narrativos e Conhecimento Histórico”, o autor vai abordar algumas contribuições do historiador Lawrence Stone que investiu nos programas de história científica entre os anos de 1930 e 1960. Segundo Revel, era necessário reintroduzir no debate historiográfico as questões da história científica, os dois historiadores que se encarregaram de tal desafio foram Stone e Carlo Ginzburg. Ambos produziram trabalhos no qual pensavam sobre tal problemática, a fim de “resgatar” o problema da narrativa na abordagem historiográfica.

Além desses autores Jacques Revel relembra a contribuição de outros pensadores sobre essa problemática. Podemos destacar a pessoal de Momigliano que se propôs a também pensar sobre as funções e os usos da narrativa, assim como Paul Ricoeur que aferiu um profundo debate sobre tal tema em muitos de seus trabalhos. O autor esclarece o quanto esse debate sobre a narrativa histórica já perdura por algum tempo, e que ainda se revela instável.

Revel também nos mostra a mudança na concepção de história ao longo dos anos. Se antes a compreensão histórica era vista como um “repertório de exemplos e lições a serem seguidas”, ela passou por inúmeras transformações, o que o autor chamou de “virada capital da historiografia”. Para ele, essa mudança ocorreu principalmente por conta de dois fatores. O primeiro fator vem a ser a desqualificação da retórica como instrumento de conhecimento. O segundo é a própria mudança na concepção de história que alimentamos. Com todas essas transformações, alterou-se também o papel do historiador, sua relação com o objeto, e, concomitamente, exercício crítico das fontes históricas.

No penúltimo texto, “A biografia como problema historiográfico”, como o titulo indica, é feita uma análise da utilização da biografia no campo historiográfico. A biografia como gênero amplamente utilizado nas produções historiográficas, possibilita uma variedade de públicos leitores, o que facilita a sua popularidade. Outro aspecto retratado por Revel vem a ser a conjuntura científica em torno da biografia. Nesse foco Revel toca nos debates referentes a duas questões que permeiam o tema: o “problema da biografia histórica” e “a biografia como problema”. Esse debate, para o autor, é “tão velho como a própria historiografia”. Para começar a discussão Revel compara os escritos de Aristóteles entre poesia e história. A poesia ou qualquer outra narrativa de ficção permitem a generalização, a modelagem da experiência humana, já a história está submetida à experiência, e no caso da biografia essa experiência é voltada para o indivíduo.

Com relação a uso da biografia como gênero historiográfico esta se encontra limitada a utilização das fontes. O ponto central do projeto biográfico é a importância de se analisar uma experiência singular e situá-la no contexto social, isso torna tal gênero pautado em complexidade. Para finalizar o autor propõe a utilização de três tipos de biografias: biografia serial (prosopografia), a biografia reconstruída em contexto e biografia reconstruída a partir de um texto (frequentemente utilizado na autobiografia).

O último artigo, intitulado “O fardo da memória”, é dedicado a discutir a experiência histórica e a memória da França. Nele, Revel destaca três tipos de memórias. A primeira é a comemoração. No final do século XX a França teria celebrado muitos fatos importantes do passado francês (datas comemorativas). A segunda forma de memória é a patrimonialização a questão da consciência com o patrimônio, que aconteceu tanto no campo ideológico como nas construções de museus. A terceira forma é a produção da memória, a própria mudança na escrita da história, o que antes era restito aos grandes homens passou estar vinculado às memórias esquecidas, ou seja, historiadores e memorialistas começaram dar visibilidade às narrativas da história “vista de baixo”. Para Revel essas três formas estão interligadas e contribuem para se pensar a memória com relação à história francesa contemporânea

A proposta feita por Jacques Revel à luz de tais perspectivas centra-se em torno de pensar a produção historiográfica na França, do século XX até a contemporaneidade. A partir desse foco, o autor procurar mostrar em sua obra os movimentos e as transformações sofridas no ambiente acadêmico, o hasteamento das disciplinas ao status de ciência, assim como a influência dos Annales na “construção” do conhecimento histórico, através da renovação da pesquisa histórica.

Em sua plenitude, o livro revela um enriquecedor conteúdo, propondo ao leitor apontamentos e compreensão acerca das ciências sociais e suas contribuições no campo historiográfico. O Revel procurou explanar sua proposta, mostrando ao longo dos nove artigos a importância das ciências sociais e sua proximidade com a história.

Referência

REVEL, Jacques. História e Historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Ed UFPR, 2010.

Samila Sousa Catarino – Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus Clóvis Moura.


REVEL, Jacques. História e Historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Editora UFPR, 2010. Resenha de: CATARINO, Samila Sousa. Nos rastros da História: análise da obra “História e Historiografia – Exercícios críticos”, de Jacques Revel. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.2, n.1, p. 330- 335, 2013. Acessar publicação original [DR]

 

Cuba e a Eterna Guerra Fria: mudanças internas e política externa nos anos 90 | Marcos Antonio da Silva

Cuba, certamente, enquadra-se entre os países-chave para se entender parte da história do século XX. Mesmo sendo uma pequena Ilha do Caribe, este país, a partir da ruptura com a ditadura de Fulgencio Batista, em janeiro de 1959, transformou-se em um dos principais agentes políticos mundiais, em especial para a América Latina e demais regiões periféricas do capitalismo.

Neste seu trabalho, Marcos Antonio da Silva demonstra como Cuba teve protagonismo nas relações internacionais durante as décadas de 1960-70-80. E isso tanto do ponto de vista cultural quanto do político-militar. Entretanto, apesar dessa sua força, a Ilha possuía um elemento de fragilidade para a sua organização social: o aspecto econômico. Em grande medida, será essa situação de debilidade econômica que criará para os cubanos um vínculo de dependência em relação à URSS. A partir da década de 1990, com a crise soviética, ocorre uma radical mudança nas relações exteriores de Cuba, forçando-a para uma postura mais diplomática. E é essa transformação o eixo central do livro. Leia Mais

Revista de Historia y Geografía | 40 años del golpe cívico-militar en Chile | 2013

La Escuela de Educación en Historia y Geografía tiene una larga tradición en el estudio de la historia reciente, especialmente en los temas vinculados con el Régimen Cívico-Militar desarrollado en Chile entre los años 1973-1989. En no poca medida, ha sido una tarea conjunta con nuestros estudiantes, pues se han dirigido Seminarios de Grado en los que se ha estudiado el rol del Cardenal Silva Henríquez, de la Vicaría Sur de Santiago, de la Conferencia Episcopal, de la Vicaría de la Solidaridad. También, el manejo de la prensa, las dinámicas del miedo, el ejercicio de la violencia por parte de la DINA, los tipos de represión política, el impacto territorial de los centros comerciales desde 1980, o socioterritoriales de la relocalización de la industria en la comuna de Quilicura desde 1980 hasta hoy, el conflicto del Beagle con Argentina, la educación popular desde 1970, la relación entre la PUC y el Régimen Cívico-Militar. Seguramente se nos escapan varios temas. Además, sobre este período se han publicado libros y artículos por parte de los profesores de la Escuela y se han expuesto sus contenidos en Chile y el extranjero. Sin duda, la figura del Cardenal Silva Henríquez nos invita a pensar nuestro quehacer y proyectar estos conocimientos para comprender en mejor forma como se produjo desde esos años hasta hoy la desestructuración de la identidad comunitaria y la estructuración de la identidad individualista, proceso funcional a la instauración del neoliberalismo y al empobrecimiento de las prácticas democráticas. Justamente, comprender la forma en que se lesionan los Derechos Humanos nos parece central para que nuestros estudiantes, cuando se desempeñen como profesores, enriquezcan el necesario debate al respecto, desde una posición informada. Leia Mais

Revolucionarios cibernéticos. Tecnología y política en el Chile de Salvador Allende | Eden Medina

El libro que vamos a reseñar a continuación corresponde a la traducción al castellano del primer trabajo de la historiadora Eden Medina, publicado originalmente en Estados Unidos el año 2011 con el título Cybernetic Revolutionaries: Technology and Politics in Allende’s Chile. En este estudio la autora, abocada al estudio de la historia de la ciencia y tecnología desde una perspectiva social, se propone como principal objetivo investigar la relación que se dio entre tecnología y política durante el gobierno de la Unidad Popular, período en donde los profundos cambios que se intentaron llevar a cabo en nuestro país, generaron un clima propicio para la aplicación de novedosas ideas del campo de la cibernética, ciencia interdisciplinaria enfocada en el control y la comunicación, y que permitirían a su vez efectuar tales transformaciones, principalmente en el ámbito de la dirección del sector estatal de la economía chilena, por medio de un sistema tecnológico llamado Cybersyn en inglés, o Synco (Sistema de Información y Control) en nuestro idioma. También en esta obra se busca entender la manera en que se integraron principios e ideas políticas en el diseño técnico, así como las dificultades y limitaciones que se presentaron en este ámbito, y la utilidad que conlleva el estudio de la tecnología para tener una mejor comprensión de una época determinada. Para lograr estos fines, Medina hace uso de una amplia gama de fuentes, desde cartas e informes oficiales hasta entrevistas con los principales actores involucrados, principalmente científicos y técnicos, considerados por la autora como “nuevas voces” que la historiografia no había incorporado hasta ahora, este aspecto a nuestro juicio constituye uno de los méritos de este trabajo; por otro lado el marco teórico que orienta la investigación se basa en la historia de la tecnología, abocada al estudio de las relaciones entre el desarrollo técnico y el marco social y político en el que se desenvuelve. Leia Mais

Chili 1970-1973 Mille jours qui ébranlèrent le monde | Frank Gaudichaud

Las Presses Universitaires de Rennes (PUR) acaba de publicar en su colección Des Amériques, Chile 1970-1973: Mil días que sacudieron al mundo (Chili 1970- 1973: Mille jous qui ébranlèrent le monde), de Frank Gaudichaud. Este trabajo representa una continuación de las temáticas trabajadas anteriormente por el autor, centrado en las izquierdas latinoamericanas.

Fruto de este trabajo son las diversa publicaciones del autor, tanto en países de América latina como en Francia. Fruto de su investigación de doctorado, este trabajo aborda la experiencia de la Unidad Popular (UP) a partir de la emergencia de lo que denomina “poder popular constituyente, entendido como la creación de experimentaciones sociales y políticas de contra-poder y de contra-hegemonía organizadas” (pág. 292). La matriz disciplinaria, siendo estructurada a partir de las ciencias políticas, se abre a la utilización de métodos y herramientas tanto de la historia como de la sociología (pág. 20), privilegiando un cruce que enriquece notablemente el análisis del autor. Leia Mais

La Democracia Cristiana y el crepúsculo del Chile popular | Rodolgo Fortunatti

Desde el punto de vista formal, el texto se divide en cinco capítulos, a lo cual debemos agregar una presentación, perspectiva y un apéndice muy interesante con algunos textos, declaraciones y referencias a titulares del diario La Prensa de los últimos meses del gobierno de Salvador Allende.

En las primeras líneas, el autor se pegunta ¿cuánto de verdad y mito existe sobre el rol jugado por la Democracia Cristiana en el golpe de Estado de 1973?. Aquello es visto por Fortunatti sobre la tensión que se da entre la historia y la memoria, es decir, los recuerdos y evocaciones y los datos de la realidad sometidos e interpretados conforme a un método (pág. 10). Leia Mais

La internacional justicialista. Auge y ocaso de los sueños imperiales de Perón | Loris Zanatta

Libros sobre América Latina en su totalidad – y por tanto, en su extensa complejidad, hay pocos. Después de las monumentales obras de Jorge Abelardo Ramos, Historia de la Nación Latinoamericana, o Luís Vitale, Historia General de América Latina (por citar dos de las más representativas de este género) la producción histórica y científica–social se abocó a otros temas. Historia reciente, imaginarios sociales o transiciones democráticas coparon una agenda de investigación que recelaba de las totalidades y que buscaba nuevos métodos y conceptos para desarrollar una nueva agenda investigativa.

En este contexto disciplinar, La Internacional Justicialista de Loris Zanatta, profesor de Historia de América Latina en la Universidad de Bologna, Italia, y comentarista habitual de periódicos como La Nación, Argentina, viene a reactualizar un modo de hacer historia y ciencia social. Actualiza cierta épica propia de los meta – relatos, pero con un estilo llano y directo que hace muy simple la lectura y asimilación de conceptos, temas, fechas, nombres, países y toda la gama y diversidad que hacen del periodo que va desde 1946 hasta 1955, de una enorme complejidad histórica. Claro que a pesar de dicha complejidad, el libro puede presentar interés para un público no especializado en el área. Leia Mais

Uma breve história do mundo | H. G. Wells

A obra aqui resenhada foi editada pela primeira vez em 1922, pouco depois da I Guerra Mundial. Mantém-se ainda com fortes atrativos para sua leitura, tendo-se em vista que sua linguagem conserva uma combinação entre o rigor analítico e o descritivo, sem apresentar-se extensa ou profunda em excesso em um ou outro. Parecer dirigir-se ao leitor iniciante, como alunos do curso de graduação em História, assim como interessados na leitura de um texto objetivo, sucinto e altamente informativo e formativo.

O livro possui 67 capítulos, em geral curtos e escritos num estilo que se assemelha ao jornalístico. Seus primeiros 12 capítulos cobrem a formação da Terra e o desenvolvimento da vida, até chegar aos “primeiros homens verdadeiros” e ao “pensamento primitivo” (dois temas que intitulam, respectivamente, os capítulos 11 e 12). Obviamente, as bases em que o autor escreve esses primeiros capítulos acham-se defasadas perante as descobertas e avanços científicos verificados ao longo do Século XX. Apesar disso, mostram uma descrição e análises rigorosas a respeito, com o que havia disponível nas primeiras décadas do Século XX. A seguir, destacam-se alguns pontos do livro, tendo-se em vista tratar-se de um número de capítulos que inviabiliza a descrição de cada um deles no espaço de uma resenha. Leia Mais

O olhar e a palavra – Fotojornalismo de José Medeiros na revista O Cruzeiro | Ranielle Leal

A fotografia produzida pelo fotojornalista José Medeiros durante sua passagem na revista O Cruzeiro termina por construir uma determinada memória histórica que nos remete ao Brasil de meados do século passado. Um Brasil de profundos contrastes e de uma rica diversidade cultural, característica desconhecida por boa parte dos brasileiros, em especial nos chamados grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo. Neste momento de reconhecimento nacional, que perpassa todo período da Era Vargas até a criação de Brasília, é possível afirmar que as lentes de Jose Medeiros foram fundamentais no desbravamento destes Brasis, em especial, durante sua fase na revista O Cruzeiro. É a partir deste prisma que navega o livro da piauiense Ranielle Leal, e ao discutir a análise das imagens coletadas pelo fotógrafo José Medeiros nos desvela parte do Brasil deste período, um Brasil anônimo e pouco conhecido pelo grande público. É neste quadro que a revista O Cruzeiro se inscreve no panteão das grandes publicações nacionais, assim como a norte-americana Life que também teve o mérito de apresentar os Estados Unidos e o mundo e para boa parte dos norte-americanos, a revista O Cruzeiro tornou acessível a multiplicidade do Brasil para milhões de brasileiros das chamadas camadas médias. Leia Mais

Censura e propaganda: os pilares básicos da repressão | Carlos Fico

O presente texto divide-se em seis tópicos, dos quais se faz presente a narrativa do processo da ditadura militar no Brasil: a) introdução; b) Espionagem; c) Polícia Politica; d) Censura; e) Propaganda; f) Conclusão; Logo na Introdução o autor aborda a questão teórica da historia do regime militar, enfatizando que há varias maneiras de se contar a história, partindo por diversas perspectivas. Mostrando o interesse pelo período da ditadura militar no Brasil que não é recente, destacando dois aspectos interessantes: “a facilidade com que a desarticulada conspiração se tornou vitoriosa, no dia 1º de abril de 1964 e o pasmante crescimento da repressão – que prendeu arbitrariamente e torturou desde o primeiro momento, e não somente depois de 1968…” (p.169). Depois temos o relato a partir de fontes de jornais como O Correio da manha e outros, que demonstram variam denuncias sobre as torturas. Essas perspectivas históricas de abordagem são ressaltadas na introdução onde vemos que “existem miudezas que são fundamentais para o entendimento da história , tanto algumas explicações estruturais tendem a claudicar quando confrontadas com os fatos discretos”. (p. 173), onde vemos a importância das fontes em questão.

No tópico seguinte, temos A Espionagem, que relata a experiência de Golbery do Couto Silva, que foi responsável pelo recolhimento de informações anterior ao Golpe militar. Contudo é Costa e Silva que em 1965 com o Ato Institucional nº2, “aumenta o prazo para as cassações e suspensões de direitos políticos” (p.175). Havia vários órgãos responsáveis pela espionagem: O Sisni: Sistema Nacional de Informação; Aesi: Assessoria Especial de Seguranças e Informações; CGI: Comissão Geral de Investigação; Sissegin: Sistema de Segurança Interna, dentre outros. Uma questão relevante abordada é que muitos foram prejudicados, por causa das interpretações que esses órgãos poderiam fazer, pelo fato por exemplo de uma simples pichação em um determinado muro poderia “conter ameaças à segurança nacional” (p.180).

Durante a ditadura, além dos casos óbvios de perseguição, prisão, tortura e morte de militares e quadros organizados, praticados pela polícia política, milhares de pessoas foram espionadas, julgadas e prejudicadas pela comunidade de informações. (FICO, 2007, p.181)

Assim, a espionagem que garantiria a manutenção da ordem no país e o domínio do governo militar, também não estava isento de erros e falhas. Pois cada órgão possuía uma determinada autonomia, contudo estavam interligados.

No tópico Policia Politica o autor destaca “o endurecimento da repressão a partir do Ato Institucional nº5, de dezembro de 1968” (p.181). Esse ato foi motivado pela insatisfação da linha dura, que viam as punições sendo barradas pela justiça, por meio de habeas corpus. O órgão citado acima, Sissegin foi implantado que propunha diretrizes uniformes para cada estado brasileiro. Assim eram criados os Condi: comandos de defesa interna; Codi: Centro de Operações de Defesa Interna; DOI: Destacamento de Operações de Informações; todos sobre o comando do Exercito respectivo, ou ZDI: zona de defesa interna. Mais tarde com a morte do jornalista Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho, que morreram no DOI de São Paulo em 17 de janeiro de 1976, o órgão Sissegin foi se desestruturando.

No tópico Censura, o autor desperta o leitor ao se referir que antes da ditadura já havia censura, onde este afirma: “não se pode falar propriamente no “estabelecimento” da censura durante o regime militar porque ela nunca deixou de existir no Brasil”. (p.187). “A censura estava em todos os lugares” Além da imprensa e mídia, as atividades artísticas, culturais, e recreativas eram reguladas pela ditadura, como o cinema, o teatro, o circo, os bailes musicais, as representações de cantoras em casas noturnas, etc.” (p.189) foram estabelecidas diversas leis de segurança nacional, que abriram margem e fortificadas pelo Ato institucional nº5, para censurar a imprensa. Tudo o que fosse contra a defesa da moral e dos bons costumes, estipulados pela ditadura militar no Brasil, deveria ser censurado.

No tópico Propaganda, temos a exaltação do Brasil, como o país que ia pra frente no desenvolvimento graças à politica militar. Contudo, essa propaganda era negada pelos militares, mas era formada pelo jargão: “motivar a vontade coletiva para o esforço nacional de desenvolvimento” (p.196). “Na verdade, Otávio Costa negava, em entrevistas aos jornais da época, que estivesse fazendo divulgação do governo ou propaganda politica: estava, apenas, estimulando a “vontade coletiva para o fortalecimento do caráter nacional”. (p.196). A televisão passava por uma grande fase de desenvolvimento no País, e Otavio Costa a utilizou com pequenos filmes que eram divididos em: “natureza educativa e caráter ético-moral” (p.197) enaltecendo assim o governo militar da época.

Na Conclusão o autor destaca que os sistemas que compunham o aparato da ditadura militar não foram inventados no regime militar no Brasil, mas que foram reinventados, de tal maneira que foram até copiados fora do Brasil. Esse aparato não foi harmônico nem integrado, onde “os setores estavam que praticavam a tortura e o assassinato politico estavam bastante cingidos aos DOIs e aos Dops” (p.199), mas claro que os órgãos reinventados não estavam também sobre completa autonomização. O autor ressalta que “a anistia de 1979 foi reciproca, isto é, os torturadores também foram anistiados.” (p.200) também interessante destacar que alguns órgãos permanecem hoje, como por exemplo o SNI, sistema Nacional de Informação, hoje é a ABIN que é a Agencia Brasileira de Inteligência, sendo “ainda mal estruturada, não havendo mecanismos sociais de controle efetivo, através do Congresso Nacional, de suas atividades, e, de tempos em tempos, temos noticias de atividades escusas de espionagem no país” (p.200).

Concluímos portanto que o presente texto se faz de fundamental importância para compreendermos o sistema politico brasileiro, dado pelo regime militar de 1964 a 1985, observando novas perspectivas abordadas pelo autor Carlos Fico, alargando assim a nossa zona de conhecimento do processo histórico em questão. Percebendo que os órgãos criados, mesmo assim eram falhos, onde como exemplo, podemos citar: O caso do Maranhão onde em 9 de abril de 1969 José Sarney assume o governo, e logo o capitão de infantaria Marcio Viana Pereira entrega ao seu comandante direto um dossiê de 17 paginas com 25 documentos anexados, com o título “Corrupção na área do estado”. Esse documento foi enviado para a base do Comando Geral de Investigação , onde foi apenas arquivado. Os órgãos de combate a corrupção haviam sido criados, contudo ainda existia corrupção politica. Mas não cabe o historiador julgar os fatos e sim analisá-los.

Ricardo de Moura Borges – Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Piauí. Graduando em Licenciatura em Filosofia pelo Instituto Católico de Estudos Superiores do Piauí, ICESPI.


FICO, Carlos. Censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Orgs). O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. (p. 167 – 201). Resenha de: BORGES, Ricardo de Moura. Contraponto. Teresina, v.2, n.2, jan./dez. 2013. Acessar publicação original [DR]

Lucha obrera y militancia antiburocrática del peronismo a la actualidad | Archivos de Historia del Movimiento Obrero y la Izquierda | 2013

Seis meses después de iniciar su recorrido, Archivos de historia del movimiento obrero y la izquierda publica su segundo número, con la satisfacción de constatar que su propuesta tuvo una muy auspiciosa recepción. La primera entrega de la revista agotó su stock de venta y conoció una amplia distribución en librerías de todo el país. Más importante aún, nos parece que concitó una genuina atención por parte de una significativa porción de investigadores, docentes y estudiantes, también de muchos militantes, e incluso de un público menos especializado pero igualmente interesado en las temáticas trabajadas. Los comentarios fueron muy alentadores, así como las recomendaciones y aportes de ideas.

En esta ocasión Archivos ofrece un dossier dedicado a la historia del movimiento obrero y la izquierda en la Argentina, que aborda la etapa siguiente a la tramitada en el primer número. Bajo el título “La hidra que renace: lucha obrera y militancia antiburocrática, del peronismo a la actualidad”, se agrupan cuatro artículos en donde se analizan procesos clave que en los últimos setenta años signaron la perseverante dinámica conflictiva de los trabajadores en este país. Un hilo conductor hilvana todos los textos: el examen de las distintas experiencias de resistencia obrera a las políticas del Estado y de la burguesía (tanto dentro como fuera de los sitios de trabajo), de los fenómenos de reorganización antiburocrática desde abajo y del rol que en ellos cumplieron el peronismo, las dirigencias sindicales y la izquierda. La elección de estos ejes responde a considerar que constituyen claves fundamentales para interpretar el pasado, pero también para debatir la situación del movimiento obrero hoy. Leia Mais

Fervor das vanguardas: arte e literatura na América Latina | Jorge Schwartz

Pienso en dónde guardaré los quioscos,

los faroles, los transeúntes, que se

me entran por las pupilas.

Oliverio Girondo

O livro Fervor das vanguardas: arte e literatura na América Latina (Companhia das Letras, 2013, 312 páginas) explora de maneira interdisciplinar aspectos emblemáticos da produção plástica e literária da América Latina, inseridos no contexto das transformações incitadas pelo modernismo, na primeira metade do século XX.

Com a circunspecção de quem se dedica ao estudo das vanguardas numa trajetória acadêmica longa, Jorge Schwartz – doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (1979), docente de literatura hispano-americana na mesma universidade e diretor do Museu Lasar Segall, em São Paulo – pesquisou, nos últimos anos, os diálogos entre os países americanos e os centros internacionais, as contradições e reformulações que incitaram a construção de novos projetos em literatura e artes plásticas no cenário conturbado do modernismo latino-americano. Leia Mais

Um metódico à brasileira: a história da historiografia de Afonso de Taunay (1911-1939) | Karina Anhezini

Apesar da importância da obra de Afonso de Taunay, durante muito tempo sua obra permaneceu pouco pesquisada. Nos últimos anos esse quadro foi alterado, como nos informa o sugestivo estudo de Ana Claudia Fonseca Brefe, O museu paulista: Affonso de Taunay e a memória nacional (2005), no qual se dedica a analisar parte da obra deste autor, especialmente, conjecturando sua contribuição na remodelação do Museu Paulista, quando foi seu diretor.

O trabalho de Karina Anhezini (2011) – fruto de sua tese de doutorado, defendida em 2006, e agora publicada – avança ainda mais nessas questões, ao propor analisar a história da historiografia de Afonso de Taunay, tendo em vista os locais que passou, e em que medida contribuíram com sua produção histórica. Assim, contrariando, de certa forma, aos cânones instituídos pela história do pensamento social e político brasileiro, o seu estudo procurou justamente inquirir a história da historiografia construída na obra de Afonso de Taunay, entre 1911 e 1939, e nos oferece uma bela contribuição para o estudo da temática. Leia Mais

Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da academia | Russell Jacoby

Em meio à última greve nas Instituições Federais de ensino, a leitura de Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da Academia, levanta um debate franco sobre o papel das universidades brasileiras, de seus professores e de sua bandeira: ensino, pesquisa, extensão. Esgotado no Brasil e pouco conhecido, o livro de Russel Jacoby, um professor exmilitante de esquerda apresenta uma crítica sobre o papel do intelectual frente aos problemas do seu tempo. Foca-se na área das ciências humanas e da literatura estendendo-se um pouco ao jornalismo e aos contextos do antes e do pós-guerra nos Estados Unidos, momento da expansão dos campi por todo o país. O autor defende a tese de que naquele país o intelectual público desapareceu completamente, não deixando ninguém no seu lugar, exceto um punhado de professores universitários tímidos, dominados por um jargão peculiar nos quais ninguém na sociedade prestava muita atenção, independentemente, se conservadores ou esquerdistas. Além desse trabalho, o único prublicado no Brasil, Jacoby é autor de Social Amnesia (1975), The dialetc of Defeat (1981) e The Repression of Psychoanalysis (1983). Leia Mais

Nova história em perspectiva. Propostas e desdobramentos (v. 1) | Fernando A. Novais e Rogério Forastieri Silva

Pensar os caminhos e desdobramentos da Nova História, suas implicações teóricas em meio aos discursos dos historiadores e situá-la no contexto geral da historiografia são algumas das propostas que norteiam este denso e instigante trabalho.

Organizado por Fernando Novais e Rogério Forastieri da Silva, professores de brilhante trajetória em universidades como a Universidade de São Paulo, Instituto de Economia da Unicamp e participação internacional em universidades como Louvain, Coimbra e Lisboa, este vem a ser o primeiro volume de uma coletânea de dois volumes: o primeiro intitulado “Propostas e desdobramento” e o segundo “Debates”. Leia Mais

Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô | Peter Schröder

Quando se trata dos “índios”, no geral e mesmo ainda no meio acadêmico, após alguns anos de pesquisas e de convivência nesse ambiente com colegas de diferentes áreas do conhecimento, constatamos que um dos maiores desafios é a superação de visões exóticas para abordagens críticas, aprofundadas sobre a história, as sociodiversidades indígenas e as relações dos povos indígenas com e na nossa sociedade. E além do mais, quando diz respeito a povos como os Fulni-ô, falantes do Yaathe e do Português, sendo o único povo bilíngue no Nordeste (excetuando o Maranhão), habitando em Águas Belas no Agreste pernambucano a cerca de 300 km do Recife.

Sobre as sociodiversidades indígenas em nosso país o índio Gersem Baniwa (os Baniwa habitam as margens do Rio Içana, em aldeias no Alto Rio Negro e nos centros urbanos de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos/AM), que é Mestre e recém-Doutor em Antropologia pela UnB, publicou o livro O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje, onde escreveu:

A sua diversidade, a história de cada um e o contexto em que vivem criam dificuldades para enquadrá-los em uma definição única. Eles mesmos, em geral, não aceitam as tentativas exteriores de retratá-los e defendem como um principio fundamental o direito de se autodefinirem. (BANIWA, 2006, p.47).

Após discorrer sobre as complexidades das organizações sociopolíticas dos diferentes povos indígenas nas Américas, questionando as visões etnocêntricas dos colonizadores europeus o pesquisador indígena ainda afirmou:

Desta constatação histórica importa destacar que, quando falamos de diversidade cultural indígena, estamos falando de diversidade de civilizações autônomas e de culturas; de sistemas políticos, jurídicos, econômicos, enfim, de organizações sociais, econômicas e politicas construídas ao longo de milhares de anos, do mesmo modo que outras civilizações dos demais continentes europeu, asiático, africano e a Oceania. Não se trata, portanto, de civilizações ou culturas superiores ou inferiores, mas de civilizações e culturas equivalentes, mas diferentes. (BANIWA, 2006, p.49).

Na Introdução do livro aqui resenhado, o organizador da coletânea Peter Schröder de forma bastante emblemática e provocativa afirmou: “É fácil escrever alguma coisa sobre os Fulni-ô” sendo o bastante recorrer a uma bibliografia existente. Mas, no parágrafo seguinte Schröder enfatizou o quanto é difícil escrever sobre aquele povo indígena, diante do desconhecimento resultante de barreiras impostas pelos Fulniô que impedem o acesso ao conhecimento da sua organização sociopolítica e expressões socioculturais, notadamente a língua e o ritual religioso do Ouricuri. E ainda as contestações e questionamentos dos índios aos escritos a seu respeito, elaborado por pesquisadores, mais especificamente pelos antropólogos.

Após o texto onde o organizador da coletânea procurou situar de forma resumida a história territorial Fulni-ô, segue-se o texto de Miguel Foti que resultou da Dissertação de Mestrado na UnB em 1991, onde o antropólogo procurou descrever e refletir a partir do cotidiano durante seu trabalho de campo, o universo simbólico Fulni-ô baseado na resistência do segredo das expressões socioculturais daquele povo indígena.

O texto seguinte de Eliana Quirino, que teve sua promissora trajetória de pesquisadora interrompida com o seu falecimento repentino em outubro de 2011, é uma discussão baseada principalmente na sua Dissertação de Mestrado em Antropologia/UFRN. Tendo como base as memórias Fulni-ô, a exemplo do aparecimento da imagem de N. Sra. da Conceição, a participação indígena na Guerra do Paraguai, a marcante e sempre remorada atuação do Pe. Alfredo Dâmaso em defesa dos índios em Águas Belas, a autora discutiu como essas narrativas são fundamentais para afirmação da identidade indígena e os direitos territoriais reivindicados.

Um exercício de discussão sobre a identidade étnica a partir do próprio ponto de vista indígena foi realizado no texto seguinte por Wilke Torres de Melo, indígena Fulniô formado em Ciências Sociais pela UFRPE e atualmente realizando pesquisa de mestrado sobre o sistema político daquele povo indígena. Em seu texto, Wilke procurou evidenciar as imbricações entre identidade étnica e reciprocidade, discutindo as relações endógenas e exógenas de poder vistas a partir do princípio da união, do respeito e da reciprocidade baseados na expressão Fulni-ô Safenkia Fortheke que segundo o autor caracteriza e unifica aquele povo indígena.

A participação de Wilker na coletânea é bastante significativa por se tratar de uma reflexão “nativa” e, além disso, como informou o organizador na Introdução do livro, numa iniciativa inédita e antes da publicação todos os artigos foram enviados ao pesquisador indígena para serem discutidos entre os Fulni-ô, como forma de apresentarem sugestões e as “visões Indígenas” sobre conteúdos dos textos.

Uma contribuição com uma abordagem diferenciada é o artigo de Carla Siqueira Campos, resultado de sua Dissertação em Antropologia/UFPE onde a autora discute a organização e produção econômica Fulni-ô, fundada no acesso aos recursos ambientais no Semiárido, nas diferentes formas de aquisição de recursos econômicos por meios de salários, aposentadorias e os tão conhecidos “projetos” (aportes externos de recursos financeiros) e as suas influências na qualidade de vida dos indígenas.

O artigo seguinte da coletânea de autoria de Áurea Fabiana A. de Albuquerque Gerum uma economista, e Werner Doppler estudioso alemão de sistemas agrícolas rurais nos trópicos, a primeira vista parece muito técnico devido às várias tabelas e gráficos. Seus autores discutiram com base em dados empíricos as relações ente a disponibilidade de terras, a renda das famílias a o uso dos recursos produtivos entre os Fulni-ô.

No último artigo da coletânea, Sérgio Neves Dantas abordou como as músicas Fulni-ô expressam aspectos das memorias identitárias e mística daquele povo indígena. O autor procurou também evidenciar a dimensão poética e sagrada dessa musicalidade. Sua análise baseia-se, sobretudo, na produção musical contemporânea gravada por grupos de índios Fulni-ô, como forma de afirmação da identidade étnica daquele povo.

Publicado como primeiro volume da Série Antropologia e Etnicidade, sob os auspícios do NEPE (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade), um dos núcleos de pesquisas no Programa de Pós-Graduação em Antropologia/UFPE, o livro é composto por sete artigos é complementado com uma relação bibliográfica comentada sobre os Fulni-ô, trazendo ainda em anexo vários documentos relativos às terras daquele povo indígena.

A publicação dessa coletânea é muito oportuna pelo fato de reunir um conjunto de textos, com diferentes olhares e abordagens que procuram fugir do exotismo, como também do simplismo em tratar sobre um povo tão singular, situado no contexto sociohistorico do que se convencionou chamar-se o Semiárido no Nordeste brasileiro, onde a presença indígena foi em muito ignorada pelos estudos acadêmicos e deliberadamente negada seja pelas autoridades constituídas, seja também pelo senso comum.

Diante exíguo conhecimento que se tem sobre os Fulni-ô e da dispersão dos poucos estudos publicados a respeito daquele povo indígena, provavelmente a primeira edição dessa importante coletânea será brevemente esgotada. Pensando em uma segunda edição seguem algumas sugestões. A primeira diz respeito ao próprio titulo do livro, pois da forma com estar ao ser referenciado os Fulni-ô aparecem como última parte do título: Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô. Para um efeito prático da referenciação bibliográfica propomos então uma inversão no título para: os Fulni-ô: cultura, identidade e território no Nordeste indígena.

Sugerimos também a inclusão de mapas de localização de compreenda o Nordeste, Pernambuco, o Agreste e Águas Belas onde habitam os Fulni-ô. A nosso ver tais mapas são imprescindíveis, pois possibilitarão a visualizar o povo indígena em questão e contexto das relações históricas e socioespaciais onde o grupo estar inserido. Sabemos que imagens de uma forma em geral encarecem a produção bibliográfica, todavia a inclusão de fotografias, ao menos em preto e branco, também enriqueceria e muito as abordagens dos textos.

Por fim, uma pergunta: para enriquecer mais ainda a coletânea, porque não acrescentar na Introdução de uma reedição comentários sobre quais foram às argumentações dos Fulni-ô a respeito das leituras prévias dos textos antes da publicação e como ocorreu a recepção daquele povo ao receber o livro publicado?

Lamentamos a ausência na coletânea de artigos na área História. Infelizmente frente ainda ao pouco interesse de historiadores sobre a temática, colegas de outras áreas, principalmente da Antropologia, cada vez procuram suprir essa lacuna, realizando pesquisas em fontes históricas para embasarem seus estudos e reflexões a respeito dos povos indígenas.

Ainda para uma segunda edição ou um possível e merecido segundo volume da coletânea, lembramos o estudo A extinção do Aldeamento do Ipanema em Pernambuco: disputa fundiária e a construção da imagem dos “índios misturados” no século XIX, apresentado em 2006 por Mariana Albuqquerque Dantas como Monografia de Conclusão do Curso de Bacharelado em História/UFPE.

A mesma autora defendeu na UFF/RJ em 2010 a Dissertação de Mestrado intitulada História dinâmica social e estratégias indígenas: disputas e alianças no Aldeamento do Ipanema em Águas Belas, Pernambuco. (1860-1920). São duas pesquisas amplamente baseadas em fontes históricas disponíveis no Arquivo Público Estadual de Pernambuco e nas discussões da produção bibliográfica atualizada sobre os povos indígenas no Nordeste.

No momento em que a sociedade civil no Brasil, por meio dos movimentos sociais principalmente na Educação, questiona os discursos sobre uma suposta identidade cultural nacional, a publicação dessa coletânea reveste-se, portanto, de um grande significado. A afirmação das sociodiversidades no país, questionando a mestiçagem como ideia de uma cultura e identidade nacional, significa o reconhecimento dos povos indígenas (Silva, 2012), a exemplo dos Fulni-ô, em suas diferentes expressões socioculturais.

Buscando compreender as possibilidades de coexistência socioculturais, fundamentada nos princípios da interculturalidade,

a interculturalidade é uma prática de vida que pressupõe a possibilidade de convivência e coexistência entre culturas e identidades. Sua base é o diálogo entre diferentes, que se faz presente por meio de diversas linguagens e expressões culturais, visando à superação de intolerância e da violência entre indivíduos e grupos sociais culturalmente distintos. (BANIWA, 2006, p.51).

Essa coletânea é uma excelente referência tanto para pesquisadores especializados no estudo da temática indígena, como para as demais pessoas interessadas sobre o assunto e principalmente professores indígenas e não-indígenas que terão em mãos uma fonte de estudos sobre o tema, mais precisamente ainda na fragrante ausência de subsídios, objetivando atender as exigências da Lei 11.645/2008 que determinou a inclusão no ensino da história e culturas afro-brasileira e dos povos indígenas nas escolas públicas e privadas no Brasil.

Referências

BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília, MEC/Secad; Museu Nacional/UFRJ, 2006.

DANTAS, Mariana Albuqquerque. A extinção do Aldeamento do Ipanema em Pernambuco: disputa fundiária e a construção da imagem dos “índios misturados” no século XIX. Recife, UFPE, 2006. (Monografia de Bacharelado em História)

_______. História dinâmica social e estratégias indígenas: disputas e alianças no Aldeamento do Ipanema em Águas Belas, Pernambuco. (1860-1920). Rio de Janeiro, UFF, 2010. (Dissertação Mestrado em História).

SILVA, Edson. História e diversidades: os direitos às diferenças. Questionando Chico Buarque, Tom Zé, Lenine… In: MOREIRA, Harley Abrantes. (Org.). Africanidades: repensando identidades, discursos e ensino de História da África. Recife, Livro Rápido/UPE, 2012, p. 11-37.

Edson Silva – Doutor em História Social pela UNICAMP. Leciona no Programa de Pós-Graduação em História/UFCG (Campina Grande-PB) e no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena na UFPE/Campus Caruaru, destinado a formação de professores/as indígenas. É professor de História no Centro de Educação/Col. de Aplicação-UFPE/Campus Recife E-mail: edson.edsilva@gmail.com


SCHRÖDER, Peter. (Org.). Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012. Resenha de: SILVA, Edson. Os Fulni-ô: múltiplos olhares em uma contribuição para o reconhecimento das sociodiversidades indígenas no Brasil. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.30, n.2, jul./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]

La conquista de las vacaciones: breve historia del turismo en la Argentina | Elisa Pastoriza

No final dos anos 1980, quando o historiador francês Alain Corbin escreveu sobre o nascimento do desejo da beira-mar, ele demonstrou minuciosamente o quanto um hábito local é culturalmente constituído de significados que são mutantes no tempo histórico. Assim, aquilo que atualmente parece ordinário ànossa relação com as férias, como as viagens à praia, àserra ou aoutro país, advém de uma prática social construída historicamente.

Na América Latina, o tempo livre, seus usos e representações tem sido objeto de estudo no campo da antropologia e da sociologia do trabalho e do lazer. Esses temas tambémvem desvelando novas possibilidades de investigação no campo historiográfico, que tem prestigiado a investigação do objeto por meio de estudos comparativos, ressaltando e clareando o intercâmbio de práticas e saberes relacionados ao tempo livre e a história dos balneários marítimos no Cone Sul.

O livro La conquista de lasvacaciones: breve historia del turismo enla Argentina, de Elisa Pastoriza se inscreve nessa perspectiva. Seu período de investigação divide-se em três tempos: partindo do final do século XIX, com o surgimento de Mar del Plata e a instalação dos primeiros balneários, prossegue com o fenômeno democratizador e a fundação de novos balneários nos anos 1930, e finaliza com apopularização econsolidação das férias e da vilegiatura marítima nas décadas de 1940 e 1950.

Tanto na Europa quanto nos mares do Sul da América Latina, as águas marítimas foram procuradas inicialmente com finalidades terapêuticas. Neste contexto, o hábito de ir ao mar era uma prática aristocrática, que posteriormentefoi incorporado ao gostodasclasses sociais, tornando-se, inclusive, uma conquista trabalhista. Desde os primórdios até sua democratização, Mar del Plata permite uma reflexão sobre a ascensão e o progresso da sociedade argentina, quereivindicava espaços apropriados para integração e sociabilidade.

Ao que concerte este aspecto que permite uma vida atemporal junto aos espaços de descanso, os centros costeiros podem ser analisados por meio dos seus espaços de sociabilidades, como a orla marítima, arambla, o hotel, o cassino e os clubes de divertimento. Esse arquétipo de balneário europeu teve expressão na América Latina, que ao reconhecer a necessidade do ócio social, incorporou ao imaginário social a ida aos banhos de mar, criando espaços apropriados de integração durante a estação estival.

Para tal hábito, a inauguração do Hotel Bristol em 1888, marca um dos primeiros intentos de modelar a cidade balneária a exemplo dos balneários franceses e ingleses, pois Mar del Plata era o ponto de encontro preferido pela elite portenha. Estas mudanças que se operavam no modo de vida da sociedade Argentina, iam ao encontro da necessidade do ócio e a vida junto à natureza.

Muitos dos balneários surgidos na Argentina nesta primeira fase foram consolidados em terras privadas e seguiram a experiência modelar citadina, com igreja, hotel, serviços, cafeterias e transportes. Este progresso local teve visível impacto no meio ambiente, pois para edificar as cidades necessitou-se conter o movimento das areias por meio do plantio de espécies “adequadas” como pinus, alamos e tamareiras, que acabaram por homogeneizar a paisagem. Ao que concerne esta questão, a autora não contempla em sua análise algumas problemáticas relacionadas ao impacto ambiental, como a drenagem de dunas, a urbanização, a erosão costeira e a poluição, que tanto a vilegiatura marítima quantoo turismo de massa desencadearam no litoral.

As estações balneares podem ser analisadas como um negócio de investimento, que tiveramcomo personagensempresários belgas, franceses e uruguaios, cujo intento foi criar estações marítimas semelhantes aquelas de seus países. A transformação de Mar del Plata em balneário vincula-se ao projeto de modernidade periférica, que por meio de investimentos público e privado, urbanizaram um grande balneário argentino. Além disso, o auspício de Mar del Plata também está relacionado à expansão ferroviária, que apesar de ter sidoum meio de transporte para famílias abastadas, facilitava o acesso de curistas e turistas à beira-mar.

Neste sentido, diferentemente do Brasil, o desenvolvimento de muitas cidades balneárias ocorreram devido à rede ferroviária, no entanto, apesar da ferrovia ser mencionada ao longo do livro, a investigação não prestigia aspectos para uma história das sensibilidades, que poderia abranger o prazer de viajar, a percepção e assimilação da paisagem mutante, a relação com os demais passageiros, ou até mesmo, o antes e o depois da viagem.

Para a maioria da população argentina, osonho de passar férias junto ao mar foi possível a partir da década de1930, quando houve a democratização dos balneários devido à implantação de uma variedade de políticas públicas. Neste período, as estações balneares experimentaram transformações significativas na paisagem social e na estrutura urbana, sendo o governo responsável pelos investimentos em estradas, parques, pavimentação, e ainiciativa privada a responsávelno cuidado com o embelezamento das vias, construção da rambla e dos hotéis. Esta democratização social dos balneários implicou em uma tensão entre a velha e a nova elite, que incorporaram o veraneio com diferentes usos sociais, diferentes daqueles dos primórdios de uma vilegiatura aristocrática.

Com a democratização dos balneários, foram criadas ao longo de uma década novas alternativas para atrair turistas a Mar del Plata e acabar com a ideia de que o veraneio era algo caro e acessível somente a quem possuía recursos financeiros. Para analisar essa questão, a autora investigou fontes diversas, como propagandas de rádio, filmes, revistas, jornais, guias, folhetos e cartões-postais. Sua analise também destaca outros meios de incentivo ao turismo, como a diminuição do valor dos bilhetes de trem, introdução da categoria de segunda classe, criação de pacotes em hotéis, colônias de férias e calendário com programação especial durante o verão.

Na medida em que o veraneio tornou-se turismo possível a todas as esferas sociais, novos lugares de descanso passaram a ser procurados pelos argentinos. Esses locais tinham uma conotação mais alternativa e estavam conectados com a natureza, sendo uma forma de contraponto ao perfil urbano e massivo que Mar del Plata havia adquirido. Assim, a paisagem da serra de Córdoba, as cataratas de Iguaçu e as novas praias solitárias, como Pinamar e Villa Gesell, “marcaram o futuro dos novos âmbitos do turismo na Argentina”.

Elisa Pastoriza sublinha que esses novos balneários se distinguiram dos anteriores devido à nova concepção do traçado urbano e pela valorização do meio natural, que até então não contemplavaespaços para passeios e praças. Como exemplo deste novo modelo de balneário está Pinamar, que surgiu em 1943, como resultado da parceria entre Jorge Bunge e Valeria Guerrero Cárdenas. Estes, por sua vez, intentaram a harmonia entre a natureza e a urbanização moderna, constituindo um espaço de ócio, que se denominava como um “lugar que se recomenda de amigo a amigo”.

O impacto e a significação social das férias se consolidaram na memória coletivadurante os anos do governo peronista, sobretudo para a classe trabalhadora. Em sua presidência, Perón colocou em prática um programa de políticas públicas que, juntamente com as iniciativas geradas desde a sociedade civil, buscava responderas demandas sociaispelo tempo livre em âmbitonacional. É diante deste marco que se apresenta a conquista das férias pagas, que já era privilégio de alguns nos anos 1930, mas que se generalizou nos primeiros anos do governo peronista. Este fator também aumentouo consumo a outros entretenimentos populares, como salas de cinema, espetáculos esportivos e, consequentemente, o crescimento do turismo.

Tal programa de ócio e turismo peronista estava ligado a um discurso político, de caráter nacional, no qual o tempo livre sugere um fomento ao amor à terra em que o indivíduo nasceu, elegeu para viver, mas que pouco conhecia. A ampliação deste “projeto de turismo social” deu-se através de uma aliança entre o governo e os sindicatos, que foram responsáveis por orientar o povo com o argumento de que “viajar, passear e fazer férias era um meio de enriquecer a cultura e conhecer outros trabalhadores”. Sobre as problemáticas e questões relacionadas as férias trabalhistas, a autora sinaliza que esta conquista não deve ser considerada uma mera reinterpretação ou réplica dos costumes da elite, carecendo um melhor cuidado por parte dos historiadores na interpretação dos fatos.

Assim, de alpargatas à beira-mar, os argentinos constituíram uma história da vilegiatura marítima em seu país, da qual a passagem da conquista do veraneio para o princípio do turismo de massa é o fio condutor apresentado por Elisa Pastoriza. A conquista das férias implicou uma nova paisagem, que corresponde a mudanças físicas no território por meio de uma série de equipamentos, como hotéis, ramblas, casinos, estradas, parques e outros, mas também transformações sociais, políticas, culturais e rituais que refletem na prática do veraneio. Este estudo permite repensar as relações entre os países da América Latina, possibilitando novas investigações que fortalecem a identidade eas histórias individuais de cada paíspor meio de um hábito comum que se repete todos os verões à beira mar.

Joana Carolina Schossler –  Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas.


PASTORIZA, Elisa. La conquista de las vacaciones: breve historia del turismo en la Argentina. Buenos Aires: Edhasa, 2011. Resenha de: SCHOSSLER, Joana Carolina. Urbana. Campinas, v.4, n.2, p.184-187, jul./dez. 2012.  Acessar publicação original [DR]

 

Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica | Luiz Bernardo Pericás

Muitos trabalhos sobre o cangaço, principalmente sobre Lampião, já foram publicados. O cangaço serve e serviu de tema para diversas pesquisas acadêmicas ou de intelectuais não vinculados aos centros universitários, cordelistas, romancistas e cineastas. Em 2010 foi publicado o livro “Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica” do historiador Luiz Bernardo Pericás. Apesar de ter uma trajetória de pesquisa aparentemente um pouco distante dos cangaceiros, Pericás foi mais um que se encantou com o tema e realizou uma brilhante pesquisa cujo resultado é o excelente livro citado.

O livro aqui resenhado teve como meta analisar as diversas explicações dadas ao fenômeno do cangaceirismo. Assim, algumas generalizações são desconstruídas rompendo com interpretações românticas, fatalistas e deterministas acerca do tema. Um dos elementos mais importantes do livro (e talvez a contribuição mais positiva) foi o de tirar (ou ao menos contestar) os cangaceiros do enquadramento do banditismo social, defendido por Eric Hobsbawm. Além disso, não podemos deixar de lembrar que Pericás procurou analisar o que foi escrito sobre outros cangaceiros que circularam no sertão nordestino antes de Lampião: Antonio Silvino, Sinhô Pereira, Jesuíno Brilhante e Lucas da Feira. Leia Mais

Memoria y Política en la Historia Argentina Reciente: una lectura desde Córdoba | Marta Philp

“Memoria y Política en la Historia Argentina Reciente: una lectura desde Córdoba” nos invita a reconstruir un período específico de la historia argentina: la etapa 1969 – 1989, desde un lugar determinado: Córdoba. Es éste ya uno de los puntos a destacar de la obra. Efectivamente, con la valiosa perspectiva de quienes investigan las historias provinciales; como alternativa y complemento al gran relato de la historia nacional, la autora aborda las relaciones entre historia, memoria y política, centrando el análisis en las conmemoraciones y homenajes. Éstos constituyen una vía particularmente rica para analizar cómo el poder político construye su legitimación mediante los usos y significaciones atribuidos al pasado.

Escrita en un lenguaje claro, sólido; “Memoria y Política en la Historia Argentina Reciente: una lectura desde Córdoba” aborda una temática aún conflictiva para la mayoría de los argentinos, cuyo tratamiento es considerado campo de abordaje por historiadores y periodistas; y todavía se halla en pleno proceso de construcción desde lo metodológico y lo analítico. De allí que, pese a ser una obra de buena lectura, una comprensión cabal apunte a entendidos. Leia Mais

Dourados e a democratização da terra: povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956) | Maria Aparecida Ferreira Carli

Convidado especial do 13º Congresso Internacional da Rede Mundial de Renda Básica que foi realizado em 2010 na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, o historiador Luis Felipe de Alencastro proferiu uma brilhante palestra sobre as implicações históricas das desigualdades sociais brasileiras. Além da ênfase, como não poderia deixar ser, à questão da escravidão, Alencastro tocou em um dos temas mais polêmicos da história do Brasil: a alarmente injustiça social na distribuição de terras em nosso país.

O historiador iniciou suas reflexões chamando atenção do público ouvinte para o fato de a Lei de Terras ter sido aprovada pelo parlamento do Brasil apenas três semanas após a proibição do tráfico negreiro. Para Alencastro, não há nenhuma coincidência nesse fato, mas sim a comprovação de que a lei número 601 de 18 de setembro de 1850 era a base de uma política que tinha como objetivo preparar o país para receber imigrantes que iriam substituir a mão-de-obra escrava. O papel dessa regulamentação das terras públicas era, mediante um novo contexto vivido pela nação, impedir que os imigrantes recém-chegados pudessem vislumbrar a possibilidade de possuir propriedades rurais, garantindo, desse modo, a força de trabalho necessária para a produção nos grandes latifúndios do país. Leia Mais

Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo | Maria H. R. Capelato

Na presente obra, Maria Helena Rolim Capelato, apresenta uma análise comparada entre a propaganda política varguista no Estado Novo (1937-1945) e o peronismo (1945-1955). O objetivo é mostrar como o conteúdo e a forma das mensagens propagandísticas circularam da Europa para o Brasil e a Argentina, onde foram reproduzidas com sentido novo, relacionado às conjunturas históricas particulares.

Utilizando-se de vasta documentação e conceitos como representação e imaginário social, Capelato procurou resgatar o significado da propaganda política idealizada e posta em prática por Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón na configuração de governos autoritários em momentos históricos distintos de Brasil e Argentina. Destaca-se, contudo, que a propaganda política torna-se estratégia em qualquer regime, porém, adquire força maior naqueles em que o Estado detém o monopólio dos meios de comunicação, caso exemplar do Estado Novo e do peronismo. Leia Mais

The Shock of the Global: the 1970’s in perspective | Niall Ferguson

Recentemente, os anos 1970 tem chamado a atenção de muitos estudiosos, pelo fato de ter lançado muitas das bases do nosso mundo hodierno, em especial a globalização do final do século XX. Na introdução do livro, Niall Ferguson aponta como a porcentagem de crescimento do PIB mundial vem declinando desde os anos 1970 em todas as regiões, com exceção do Extremo Oriente. Mesmo assim, não se pode caracterizar os anos 1970 como um período de crise, pois a década de 1980 também foi marcada pela crise econômica mundial. Os anos 1970 podem ser vistos mais como o início das crises que afetaram o mundo no período subsequente e não como uma década de crise aguda em si. O milagre chinês, o colapso soviético e a efervescência política no mundo islâmico, todos têm suas raízes nos anos 1970. Leia Mais

K. | Bernardo Kucinski

Uma ficção que preenche as lacunas que a História oficial recusa-se a contar e, ao mesmo tempo, rompe “a muralha de silêncio” (para usar as palavras do Bernardo Kucinski) que ainda está erguida ao redor deste trecho da História brasileira. O livro K. se esforça por re-contar a História da ditadura militar brasileira a partir da visão dos vencidos.

Na introdução, o escritor nos alerta: é um livro de ficção, embora quase tudo tenha realmente acontecido. Após 40 anos do desaparecimento de A. (é apenas a inicial que aparece no livro), a família conseguiu reconstruir um quebra-cabeça cheio de falhas sobre esta história ainda proibida. Sabe-se que ela foi presa pelo Estado, talvez torturada, morta e, seu corpo, foi desaparecido. O esforço de K. (o livro e o personagem) é recriar o “como”. A ficção que busca dar conta do que o real se nega a contar. Leia Mais

Brutalidade jardim: a Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira | Christopher Dunn

Publicado em 2001, nos Estados Unidos, Brutalidade jardim: a Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira é fruto da descoberta da música tropicalista pelos norte-americanos na década de 1990. Partindo do seu encantamento pelas canções e da perspectiva dos estudos culturais, o brasilianista Christopher Dunn escreveu uma história da Tropicália a partir de um recorte temporal amplo, mesmo admitindo que o movimento tropicalista foi atuante somente entre os anos de 1967 e 1969. A cronologia proposta por Dunn para tratar da Tropicália tem início na Semana de Arte Moderna de 1922 e alonga-se até o ano 2000.

O título do livro destaca a ligação do movimento tropicalista com o modernismo; a expressão “brutalidade jardim” foi retirada de um romance de Oswald de Andrade, “padrinho literário e espiritual da Tropicália”, e utilizada na letra de Torquato Neto para a música “Geleia geral”. O autor utiliza a expressão para se referir, também, à realidade brasileira após o golpe militar, que exploraria a imagem do paraíso tropical – e as premissas ideológicas embutidos em seu uso – e a violência imposta pela ditadura. Jardim e brutalidade coexistem, então, em uma aproximação contraditória. Leia Mais

Alô, Alô, Joinville! Está no ar a Rádio Difusora! A radiodifusão em Joinville/SC (1941-1961) | Izani Mustafá

O livro da jornalista e professora Izani Mustafá é resultado de sua dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-graduação em História da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), em 2009. Nele, a autora narra a implantação do rádio em Joinville, SC, detendo-se nas três primeiras emissoras que se instalaram na cidade, a Rádio Difusora AM, em 1941, e as rádios Colon, em1958, e Cultura, em 1959.

Com o objetivo de “estudar a radiodifusão em Joinville para conhecer e compreender as motivações pessoais, políticas, sociais e culturais que contribuíram para que as três primeiras emissoras funcionassem”, Mustafá recorre a uma metodologia que combina pesquisa em fontes primárias com história oral, que se complementam na tarefa de reconstituir o período de 20 anos – entre 1941 e 1961 – em que as rádios foram implantadas. É neste recorte temporal que são inventariados os passos dos pioneiros do rádio joinvilense em busca da concretização de suas ambições; também nestes vinte anos identificam-se as alianças políticas e empresariais que permitiram tornar realidade os sonhos destes precursores. Leia Mais

História da televisão no Brasil. Do início aos dias de hoje | Ana Paula Goulart Ribeiro, Igor Sacramento e Marco Roxo

História da televisão no Brasil

Do início aos dias de hoje, como o nome diz, trata dos primórdios da televisão no Brasil, dividindo sua trajetória em décadas em seis partes, de 1950 até os anos 2000. A obra, porém, não se prende à ordem cronológica, pois tanto aprofunda temas específicos quanto discute problemas e objetos relativos à televisão pertinentes a período mais largo, tais como as telenovelas, o telejornalismo e sua interpelação pela matriz popular, os formatos híbridos, a relação com outros meios, tais como o rádio e o cinema, a formação do público e o recente processo de digitalização. O leitor pode transitar pelas seis primeiras décadas de nossa relação como esse novo meio de se comunicar, analisando, junto com os autores, a experiência audiovisual televisiva no Brasil.

Organizado pelos professores Ana Paula Goulart Ribeiro, Igor Sacramento e Marco Roxo, a publicação reúne trabalhos de 15 pesquisadores, além da participação dos próprios organizadores em dois dos capítulos. Ao mesmo tempo em que fornece um panorama geral da História da Televisão, o livro abre várias frentes. Ele permite atualizar o leitor de modo rápido, pois mapeia diferentes vertentes de estudo e ainda fornece novas ideias e abordagens para pesquisadores dedicados ao tema. Leia Mais

Dictadura, represión y sociedade en Rosario, 1976/1983: Un estudio sobre la represión y los comportamientos y actitudes sociales en ditadura | Gabriela Aguila

O livro é resultado da tese de doutoramento da autora, Historia social, memoria e dictadura. El GranRosario entre 1976 y 1983, apresentada e defendida em 2006 na Universidad Nacional de Rosario. Já no prefácio Gabriela alerta que a proximidade do período estudado, a influência que aqueles anos tiveram em sua trajetória e, principalmente, as demandas ainda existentes por justiça e pela busca da verdade interferem sim no trabalho científico e intelectual e obrigam uma reelaboração permanente de posições, suposições e praticas no ofício do historiador. Para ela, embora a repressão nas diversas províncias da Argentina fizesse parte de um amplo plano nacional, ela assumiu características peculiares nas diferentes regiões do país. Descobrir quais foram estas especificidades em Santa Fé e na sua capital é um dos objetivos de seu trabalho.

Além de mostrar como se operou a violência do Estado em Rosário, quais foram seus agentes e principais vítimas, Gabriela procura analisar aquelas pessoas que atravessaram este período num espaço intermediário, em outras palavras, que não estiveram ao lado da repressão – pelo menos diretamente – nem foram atingidos por ela. Ou seja, como a sociedade de Rosário comportou-se e de que maneira esse comportamento coletivo se articulava com a brutalidade do regime. Assim como na ditadura civil-militar brasileira de 1964, na Argentina, segundo a autora, esse consentimento se deu em termos de silêncio e passividade, mas à medida que mais pessoas foram sendo atingidas não apenas pela violência física, mas também pela crise econômica, isso foi diminuindo e vozes de oposição, não necessariamente de grupos de esquerda, começaram a se ouvir. Atitudes e práticas sociais, tanto de resistência como de conivência, foram se alterando com o decorrer do regime. Leia Mais

O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a literatura escolar Brasileira (1934- 1961) | Ricardo Oriá

O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a literatura escolar Brasileira – 1934-1961 do historiador José Ricardo Oriá Fernandes traz um conjunto de ideias que aludem ao universo escolar de crianças e jovens dos anos 1930, através da revalorização da obra História do Brasil para crianças, de Viriato Corrêa, reeditada entre os anos de 1930 e 1960.

Os seis capítulos que integram o livro, divididos em três partes – “A literatura escolar para a infância brasileira: livros de leitura e ensino de História”; “Viriato Corrêa e a Companhia Editora Nacional” e “História do Brasil para crianças e o ensino primário” – têm por propósito explorar a produção historiográfica escolar brasileira. Inicialmente o historiador centra as análises nas propagandas feitas pela Companhia Editora Nacional e no processo de divulgação dos livros de História do Brasil para o público infanto-juvenil, com destaque para a História do Brasil para as crianças, sucesso entre os jovens leitores e assinado por Corrêa. Além disso, Oriá propõe discutir a denominação feita entre a literatura escolar e a literatura infantil ressaltando as dificuldades em se estabelecer as devidas diferenças. Referenciando-se nas análises realizadas por Leonardo Arroyo que destaca o exemplo de Monteiro Lobato, Oriá apresenta-nos o panorama editorial dos primórdios republicanos e o florescimento de uma literatura infantil, calcada nas “modernas” propostas educacionais da Escola Nova. Ainda no primeiro capítulo intitulado História do Brasil para crianças: que livro é esse?, o autor traceja os contornos do aparecimento dos primeiros livros para crianças no Brasil, no início do século XX, com o advento da República, associado a uma preocupação veemente em modernizar o país. Leia Mais

Protestantismo Ecumênico e Realidade Brasileira: Evangélicos Progressistas em Feira de Santana | Elizete Silva

Investigar a diversidade do mundo protestante não é tarefa fácil para historiadores. É comum encontrar preconceito, por parte das lideranças, contra a própria realização da pesquisa. Prefere-se as efemérides e os registros comemorativos, ao invés da análise histórica, mesmo que compreensiva. Outro problema são as fontes existentes, nem sempre disponibilizadas. Na verdade, boa parte delas foi sequer conservada, sendo comum as igrejas jogarem fora os “papéis velhos” para liberar espaço. Há ainda as grandes divergências internas, as vezes por motivos aparentemente pequenos, só perceptíveis para quem observa de perto o campo evangélico.

Foi o que fez a autora dessa obra, tanto em termos de escolha do movimento pesquisado quanto em termos de escala geográfica. A cidade de Feira de Santana, segundo município em presença populacional e em importância econômica no estado da Bahia, oferece um micro-cosmo para a análise local das tendências históricas mais gerais. O protestantismo brasileiro entrava em sua terceira geração quando buscou fincar raízes sociais e culturais, já não era uma proposta trazida por estrangeiros, e esse é o tema da obra: o protestantismo progressista. Leia Mais

Intelectuais, identidades e discursos na América Latina no século XX | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2012

É com muita satisfação que informamos que o grande número e a qualidade dos artigos recebidos e aprovados pela Revista Eletrônica da Associação Nacional de Pesquisadores e Professores de História das Américas – ANPHLAC – por ocasião da chamada de trabalhos dedicada ao dossiê “Intelectuais, nações e identidades nas Américas nos séculos XIX e XX”, resultou na organização de dois dossiês em 2012: a 12ª edição “Intelectuais, identidades e discursos na América Latina no século XX”, que aqui apresentamos aos leitores, contendo onze artigos, todos relacionados ao tema no século XX; e o de número 13 “Intelectuais, nações e identidades nas Américas – séculos XIX e início do XX”, contendo onze artigos e uma resenha, que compõem a 13ª edição da Revista. Ao fazer esta proposição o periódico buscou abarcar uma temática que nos últimos anos tem apresentado um significativo crescimento com o desenvolvimento de pesquisas centradas na relação entre intelectuais, construção de nações e identidades nacionais ao longo dos séculos XIX e XX.

Como sabemos a intelectualidade latino-americana não ficou imune às várias transformações ocorridas nos dois últimos séculos. O período em questão foi extremamente fecundo no debate intelectual na América Latina, tendo sido marcado por profundas mudanças nos campos político e cultural, o que faz com que esse recorte temporal seja um dos mais privilegiados pela historiografia nas análises acerca dos inúmeros projetos desenvolvidos pelos intelectuais do continente. Leia Mais

Movimiento de Izquierda Revolucionaria. Coyunturas y vivencias. 1973-1980 | Carlos Sandoval Ambiado

El Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), nacido en 1965, fue un grupo político que albergó en su seno fundacional a distintos sujetos provenientes de variadas corrientes revolucionarias chilenas (trotskistas como Humberto Valenzuela, cristianos como Clotario Blest o jóvenes socialistas encantados con la revolución cubana como Miguel Enríquez) y que además se encuadró bajo el surgimiento de lo que podríamos denominar “Nueva Izquierda Latinoamericana”, ésta última, además, matizó a la izquierda continental de elementos que se alejaron de las lógicas hegemónicas que hasta mediados de la década del cincuenta habían preponderado en las izquierdas de la región. En ese sentido, el MIR, como otros grupos políticos de nueva cepa1, se convierten en elementos importantes para el estudio de los movimientos políticos de la segunda mitad de los años sesenta, ya que su nacimiento se engloba bajo una lectura propia del contexto epocal y del surgimiento de nuevos paradigmas revolucionarios para la región y el mundo: la Guerra Fría, el impulso de la lucha armada en América Latina tras la Revolución Cubana o el surgimiento de una generación política que –parafraseando a Gabriel Salazar y Julio Pinto– decepcionada de sus antecesoras formas de hacer política, agigantó, de la mano del “Che” Guevara y el “Hombre Nuevo”, su compromiso ético y político para realmente hacer la revolución en Chile2 .

De ahí, que revisar un libro como “Movimiento de Izquierda Revolucionaria. Coyunturas y Vivencias. 1973- 1980”, publicado por Ediciones Escaparate, sea pertinente, ya que, si bien no se enmarca en la época fundacional, el estudio aborda un contexto que sin duda estuvo permeado por varios de los aspectos que nacerán con la propia historia del MIR, como el influjo de la Revolución Cubana y la ética militante. Algunos de esos aspectos también son abordados por Sandoval en estudios anteriores3. Leia Mais

Nazi Germany and the Jews, 1933-1945 | Saul Friedländer

Saul Friedländer, catedrático de História da Universidade da Califórnia em Los Angeles, tem se dedicado, há tempo, ao estudo da História Contemporânea e, em particular, à Alemanha nazista e a perseguição aos judeus. Ganhador de diversos prêmios, o historiador nascido na década de 1930 em Praga, em família judia de idioma alemão, viveu a infância na França e enfrentou a ocupação. Após a Segunda Guerra (1939-1945), imigrou para Israel e desde o final da década de 1980 é professor na Califórnia. Este volume é uma versão resumida do original que ganhou o prêmio Pulitzer, resultado do belo trabalho de Orna Kenan, e que permite o acesso mais amplo à obra.

Logo na introdução de Kenan, o leitor é apresentado à tese de Martin Broznat, do Instituto de História Contemporânea de Munique, de que até o final da guerra a população alemã nada sabia sobre a Solução Final (o extermínio de judeus e outros povos) e que deveria ser considerado um período normal da História alemã e europeia. Friedländer questionou a noção de normalidade e apontou que o antissemitismo era popular (völkisch) e, para isso, examinou, em detalhe, a documentação referente ao período em que o nazismo controlou o estado alemão, a partir de 1933. Fica claro que as restrições aos judeus foram crescentes, atingindo, também de maneira cada vez mais intensa, os chamados mestiços (Mischlinge), como quando em 15 de abril de 1937 os doutorandos de sangue judeu não poderiam defender suas teses. A radicalização, contudo, ocorreu a partir de 1938, com a anexação da Áustria e o estabelecimento de um modelo de ação contra os judeus que antevia a solução final. A Noite dos Cristais e a intensificação à perseguição foram consequências imediatas. Leia Mais

Noturno do Chile | Roberto Bolaño

O aclamado Roberto Bolaño, na época com 47 anos, lança em 2000 o livro Noturno do Chile. Bolaño, nascido em 1953, em Santiago do Chile2, tem 12 obras traduzidas para o português3 e mais de 20 obras em sua língua de origem4, distribuída por todo o mundo. Em 1968, foi com a família para o México. Com ideias revolucionárias, retorna ao Chile em 1973 e é preso após o golpe de mesmo ano. Seguiu para o exílio em El Salvador, voltou ao México e finalmente assentou-se na Espanha em 19775 até sua morte em 2003.

A obra Noturno do Chile é contada em apenas dois parágrafos, sob a narrativa de 1ª pessoa, a vida do religioso, soberbo e como Bolaño dita: lamentável6, padre Sebastián Urrutia Lacroix, um crítico literário, escritor e padre, que delirante em seu leito de morte confronta-se consigo mesmo os erros e acertos do passado, que revela em uma fomentada e quase polêmica voz a sua conduta, que pouco condiz com sua batina, ou sua carapuça, como o próprio diz. Isso pode ser visto quando o personagem repudia camponeses por sua feiura e até a velhice de seu amigo, que o induziu ao mundo intelectual, o crítico literário e amigo pessoal de Pablo Neruda, Farewell. Há também uma culpa impregnada na narrativa, que nos é permitida sentir pela figura do jovem envelhecido, que provoca e aborrece o doente padre: é o próprio, debochando de seu estado atual. Leia Mais

A religião contestada: elementos religiosos formadores do messianismo do Contestado | J. de Almeida Junior

Uma obra singular que propõe abordar, em três centenas de páginas, um assunto de amplo desconhecimento por parte daqueles que estão ausentes da vida e história do Sul do Brasil. Acrescente-se ainda a intersecção realizada por Almeida Jr. de um viés antropológico-religioso, e a leitura de A religião contestada torna-se mais instigante e inusitada, como o antropólogo João Baptista Borges Pereira sinaliza em seu curto, porém rico e profundo prefácio.

Elaborado com uma introdução em que o autor delineia as fronteiras de seu trabalho – resultante de uma dissertação de mestrado –, definido por ele mesmo não como um estudo de caso, mas como uma “abordagem histórico-descritiva” que transita entre a teorização e a narrativa. O que acabará conferindo à obra um salutar dinamismo, afastando-a do enfado que por vezes está presente nos trabalhos acadêmicos transformados em literatura (ALMEIDA JR., 2011, p. 17). A obra divide-se em cinco capítulos que são enunciados a partir de um paralelo com o que seria o crescimento da árvore sagrada, temática tratada com mastreia pelo autor, que tem formação teológica e a usa, não como constritora das ideias, mas como um instrumento que auxilia e enriquece a abordagem a que se propõe. Leia Mais

La sociedad del salitre. Protagonistas, migraciones, cultura urbana y espacios públicos | Sergio González Miranda

El desierto de Atacama ha sido caracterizado comúnmente como un espacio hostil, inhóspito, un anecúmene, donde las posibilidades de habitarlo quedan reducidas por sus agrestes características geográficas. Bajo este presupuesto La Sociedad del Salitre de Sergio González, es una compilación de una serie de artículos que buscan desmitificar la injusta visión de Atacama como la de un “descampado”, o como territorio despoblado.

Esta obra propone ampliar la problemática y las discusiones en torno al ciclo salitrero desde una perspectiva que rechaza observar este periodo como mero enclave económico. Mediante un diálogo interdisciplinario esta apuesta historiográfica apunta a explorar y profundizar aún más en las investigaciones sobre la explotación del nitrato de sodio, desde nuevos enfoques y perspectivas teóricas que amplían temporal y teóricamente el debate en torno al ciclo del salitre. Leia Mais

Aquellos otros inversores | Raúl Jacob

En la década de 1970, pero con mayor empuje en las dos décadas siguientes, los Históriadores uruguayos comenzaron a estudiar a la industria y a los empresarios, tanto nacionales como extranjeros, y a la inversión exterior. Con la renovación del campo historiográfico en el país y en América Latina, al abordarse temáticas económicas y sociales, este tipo de investigaciones ayudaron a deconstruir y problematizar ciertos lugares comunes. Una visión vulgar de la História uruguaya – aún presente, no obstante, en la academia – marcaba la presencia insoslayable del estado, en especial en la etapa batllista, como industrializador del país, ante una burguesía nacional débil o inexistente, considerando además, a la inversión británica, como la única de envergadura durante el siglo XIX y las primeras décadas del XX. La obra de autores como Luis Stolovich, Alcides Beretta Curi y Raúl Jacob1, ha servido para corregir o matizar estos planteos. En las Jornadas Rioplatenses de História Comparada: Respuestas reformistas al Estado oligárquico (1890 – 1930) organizadas por el CLAEH en 1989, evidenciado el desarrollo de estos estudios, se les dio cabida.2 No obstante esto, en la agenda institucional y en el interés del público, estas temáticas siguen siendo marginales. Quizás pueda deberse esto a la especificidad de las investigaciones, a un abordaje más descriptivo que interpretativo, o a un enfoque basado en la teoría de redes, la microHistória o los estudios de caso; pero tampoco se puede desechar la desidia o la pereza intelectual de los lectores y/o académicos ante planteos poco transitados. Leia Mais

Energia Elétrica: Estatização e Desenvolvimento, 1956-1967 | Marcelo Squinca Silva

O impacto do trato com as fontes de energia sobre o crescimento (e desenvolvimento) econômico é ponto mais do que pacífico no debate econômico. Em uma sociedade de mercado, a maneira pela qual se organizem as relações produtivas de determinada fonte energética pode representar a diferença entre o desenvolvimento ou subdesenvolvimento de uma economia. Ao se observar uma economia subdesenvolvida, como a nossa, surgem várias explicações atribuindo as causas de tal condição a distintos fatores, pertinentes às mais diversas ordens.

Dada, retrospectivamente, a criatividade intelectual em vislumbrar problemas inexistentes, questões vazias e falsos dilemas, ora reinventando a roda, ora atribuindo-lhe ângulos que lhe expliquem a aerodinâmica, não é sem grande alívio que recebemos a publicação da Tese de Doutoramento de Marcelo Squinca, que usa um método antigo e simples para analisar as deformações estruturais de nosso setor elétrico: a análise histórico-econômica. Leia Mais

Hotel Tropico: Brazil and the challenge of African decolonization, 1950-1980 | Jerry Dávila

‘We are going to be Africans, we are going to be Africans!’ It’s going to

be great! `We are all Africans, all Africans.’

Maria Yedda Linhares

Esta resenha examinará o livro Hotel Tropico: Brazil and the challenge of African decolonization, 1950-1980. O trabalho é de autoria de Jerry Dávila e foi publicado ano passado pela Duke University Press (2010, 328 páginas, ISBN: 0822348675). O livro é leitura essencial para historiadores (relações Brasil-África), antropólogos (debate sobre raça e identidade), economistas (promoção comercial e relações econômicas Brasil-África) e internacionalistas (um dos primeiros ensaios da diplomacia sul-sul brasileira). Ele é dividido em nove capítulos – além de introdução e epílogo. Há alguns temas recorrentes, como o impacto das relações com Portugal, o ideário da “democracia racial” e seus desdobramentos na diplomacia, a reconstrução dos laços na década de 1970 e a dimensão comercial. Apesar de falar da descolonização do continente, Gana, Senegal, Nigéria e Angola são, na verdade, os únicos países examinados com profundidade. Os temas também não são novos. Muitos atores já se debruçaram sobre as questões examinadas no livro – de José Honório Rodrigues a Adolpho Bezerra de Menezes, de Alberto da Costa e Silva a Florestan Fernandes, de Maria Yedda Linhares a José Flávio Saraiva. O autor tampouco é neófito no tema, pois publicou artigo na Revista de Antropologia em 2008 sobre a experiência de diplomatas brasileiros na Nigéria (Dávilla: 2008). Leia Mais

Fronteiras do Café: Fazendeiros e ‘Colonos‘ no Interior Paulista (1917- 1937) | Faleiros R. N.

O livro Fronteiras do Café: fazendeiros e ‘colonos‘ no interior paulista (1917-1937) resulta da tese de doutorado defendida por Rogério Naques Faleiros, em 2007, no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. A publicação deste trabalho, pela EDUSC, possibilita, aos leitores interessados, um bom texto que aborda o fado enfrentado pelos produtores diretos (empreiteiros e parceiros, ambos chamados pela literatura de colonos do café) no bojo da efervescente marcha leste–oeste dos cafezais, a qual transformou amplos sertões em verdadeiros mares de café. Leia Mais

The Euro: The battle for the new global currency | David Marsh

Ainda sem tradução para o português, o livro The Euro: The battle for the new global currency, de David Marsh, se apresenta como mais uma obra lançada no calor da crise que abala os países da Zona do Euro. Porém, não é apenas mais uma obra sobre o assunto que trate de teorias sobre finanças ou mercados. Pelo contrário, o livro tem uma interessante proposta de análise histórica dos eventos relacionados à criação da moeda europeia e da crise que atinge as nações que a adotaram.

O autor, David Marsh tem larga convivência com o assunto, como articulista do jornal Financial Times desde 1978, colecionando fatos que ajudaram a dar substância ao livro. Leia Mais

O mundo se despedaça | Chinua Achebe

O romance O mundo se despedaça, de Chinua Achebe, é um livro muito interessante. Os detalhes narrados pelo autor tornam essa obra riquíssima. Apesar de ser o primeiro romance do autor, o livro, que foi escrito em 1958 (dois anos antes da independência da Nigéria), foi traduzido para mais de quarenta línguas, e é indispensável para qualquer africanista. O fato de o autor contar apropriadamente da cultura e da ancestralidade Ibó (da qual é descendente) imprime ao livro um caráter histórico, além do literário.

O livro conta a história de Okonkwo, que, apesar de ter um pai (Unoka) preguiçoso e imprevidente, havia-se tornado um grande homem dentro de seu clã Umuófia. Fora um grande guerreiro, e ficou famoso aos dezoito anos, quando derrotou Amalinze (apelidado de “o Gato”, pois suas costas nunca haviam tocado o chão), depois de sete anos de invencibilidade. Seu clã era temido pelos outros ao seu redor, e todos evitavam entrar em guerra com ele. Okonkwo era um agricultor esforçado e tinha três esposas. No decorrer do livro, o autor cita inúmeros traços da cultura Ibó, detalhando os costumes e a vivência dentro destas sociedades. Leia Mais

Nervos da terra – Histórias de Assombração e Política entre os Sem-Terra de Itapetininga-SP | Danilo Paiva Ramos

“Nervos da terra” é uma obra que nasce do desejo de Danilo Ramos refletir sobre as tensões e as experiências dos sem-terra do Assentamento Carlos Lamarca, em Itapetininga, São Paulo, implantado no ano de 1998, após inúmeras ações das famílias acampadas, desde 1996.

A história narrada pelo autor traz a marca do sujeito coletivo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a perpassar as histórias e memórias de cada um dos narradores, seja para legitimar a proximidade com o MST ou mesmo para negá-la. Leia Mais

Tereza Batista cansada de guerra | Jorge Amado

Esta resenha objetiva descrever e analisar algumas passagens do romance acima citado no intuito de perceber as relações elencadas por Jorge Amado, que possibilitam um conhecimento da época, do espaço e das relações sociais, que todas as obras literárias carregam nas entrelinhas de sua trama. No caso de Jorge Amado, escritor baiano que começa a escrever na década de 1930, estas relações são postas intencionalmente para mostrar a sociedade na qual o autor está inserido e é observador atento do cotidiano do povo. Aqui identificaremos estas relações enfocando a mulher como sujeito social no cenário proposto pelo autor.

Posto que Jorge Amado trabalha com uma temporalidade que descreve os meandros por que perpassam a memória, fazendo uma alusão ao caráter popular que ele dá as suas obras, traçaremos aqui uma linha cronológica que nos permita caminhar por uma ordem que não segue necessariamente a do livro.

Tereza ficou órfã muito cedo e passou sua curta infância com uma tia. Foi uma criança livre, gostava de correr e subir em árvores. Com os meninos, seus colegas, aprendeu que um bom guerreiro não chora. Aos doze anos ela foi vendida ao Coronel Justiniano, por uma quantia irrisória e um bracelete barato. Seu tio foi contra a venda, não por um gesto altruísta, mas por desejar ser ele a tirar o “cabaço” da menina. Sabendo que sua esposa conhecia suas intenções, não se atreveu a falar nada.

Já neste momento o autor sinaliza a falta de alternativa de Tereza. Era condição de ela perder a infância, pois se o Coronel não a desvirginasse violentamente o tio faria, fazendo-a perder, portanto a chance de ser uma “mulher direita”, posto que para isso era necessário ser virgem. Ela é coisificada e pela dimensão da violência deste processo ela é obrigada a aceitar esta condição.

Na casa do Coronel “Justo”, Tereza viveu um verdadeiro inferno a começar na sua chegada, na condição de “coisa sexual”, depois de resistir bravamente à primeira “cavalgada” (termo usado pelo próprio Coronel para referir-se aos estupros que comete) continua a ser estuprada. A descrição detalhada que o autor faz destas violências sexuais carrega nos detalhes a angústia, a raiva, a impotência do leitor, sensação esta que nos faz refletir sobre a nossa condição como participantes desta sociedade que carrega embaixo de um fino pano as injustiças contra a mulher.

Tereza foi escrava sexual por cerca de três anos, até ser seduzida por Daniel, jovem boêmio, sem caráter, muito semelhante fisicamente ao anjo pendurado na parede do quarto do Coronel, que presenciava toda a violência cometida contra a menina. Por Daniel, Tereza foi capaz de matar o Coronel quando ele descobrir a relação dos dois e humilhou o rapaz.

Neste momento o autor nos desvela que o Coronel não conseguiu anular a coragem da menina, agora mulher, com as surras e os estupros. A coragem lhe era inerente, só ficou adormecida por um tempo, despertando na primeira oportunidade.

Quem libertou Tereza da prisão, já que ela matou o Coronel na presença de Daniel que a denunciou acusando-a covardemente (e nós leitores sabemos que ela o fez para salvá-lo), foi o Coronel Emiliano, este já havia se encantado pela menina quando lhe fez uma visita ao, agora, falecido Justo, e tentou, na ocasião, “comprá-la”, mas não teve sucesso. A menina viveu durante seis anos na condição de “amásia” do Coronel Emiliano, ele a colocou numa casa, lhe deu vestidos, contou-lhe uma porção de coisas e ensinou-lhe a ser uma “senhora”. Porém nunca tornar-se-ia uma “senhora”, posto que as “mulheres de família” suportavam as “protegidas” dos Coronéis por medo e respeito aos mesmos, sua condição de “mulher da vida” iria acompanhá-la para sempre, como uma sombra.

Apesar desta condição de “amásia”, Tereza foi feliz durante aqueles anos, e quando finalmente o Coronel revelou seu amor por ela (dizendo-lhe inclusive que pensava em lhe dedicar parte da herança), confessando sua infelicidade no seio familiar, ele morreu, durante o ato sexual, dentro de Tereza. Novamente sem ninguém e sem nada a menina-mulher “cai na vida”.

O Coronel Emiliano reproduziu com Teresa a mesma lógica de todos os Coronéis, inclusive a do Coronel Justino, o vilão do primeiro capítulo. Mas pela primeira vez a menina, que perdeu a infância, foi tratada com carinho, ele fez o papel de pai e amante e este fato em contraste com os momentos vividos com o outro primeiro Coronel acabou aliviando a culpa deste.

O contraste também se faz presente na estrutura do texto, que nos transporta para dois momentos respectivamente: ora são descritos os momentos de felicidade de Tereza ao lado do coronel Justino, ora o desfecho da morte deste e o sofrimento da perda por Tereza, aliado a chegada da família, que o Coronel dizia nunca tê-lo amado. Neste momento as lembranças da menina são nossos guias, pois o autor nos faz enxergar o Coronel pelos olhos da personagem.

As relações dos dois espaços da mulher nestas cidades são descritas neste capítulo quando Amado narra a função de Tereza como “amásia”: a mulher sustentada e protegida por um Coronel próspero. Estas mulheres normalmente são tiradas de prostíbulos e colocadas na casa de descanso destes Coronéis, a maioria tem que estar consciente de seu papel; elas esperam os Coronéis terem vontade de estar com elas, fazendo, quando isso acontece, todas as vontades deles. Esta relação de submissão fica clara quando Tereza aborta, ao saber, pela boca do Coronel Emiliano, que ela não era mulher para ter filhos dele.

O Coronel então morreu durante o ato sexual e quando a família legitima dele chegou, Tereza se viu obrigada a ir embora sem nada. O autor deixou explicito o orgulho da personagem e o amor sem interesses materiais que ela mantinha pelo falecido, indo embora sem reivindicar nada. Ao partir, deixou todos os bens materiais que recebeu do Coronel para a família que se mostrava avarenta, pois mostravam-se mais preocupados com a herança do que com a morte do ente. Este é um cenário sempre presente na obra de Amado, tendo em vista sua busca por retratar as famílias patriarcais, tradicionais baianas, onde as diferenças sociais sempre são a tônica central.

Tereza instalou-se numa cidadezinha e lá trabalhou como “rapariga” (termo usado para designar as profissionais do sexo). Logo conheceu um médico e mudou-se com ele para uma cidadezinha do interior quando ele foi promovido. Mas em meio à tranqüilidade da saúde na cidade, houve um surto de Bexiga Negra, o médico que permaneceu por pouco tempo no local, recebeu a ajuda de Tereza que neste curto período aprendeu um pouco sobre a doença e o tratamento. Quando o médico fugiu, num ato covarde, com medo de contrair a doença, assim como fizeram as autoridades da cidade (sobraram apenas os mais pobres, que não tinham como fugir), Tereza ficou para tentar amenizar o problema. O autor a descreve como uma guerreira, que mesmo diante de tão heróicos feitos é condenada pelas más línguas da cidade devido ao seu passado e sua condição. O autor nos mostra a dificuldade de aceitação de uma mulher que foge das regras da sociedade, seja esta uma condição ou uma escolha.

Antes de encontrar a paz, Tereza ainda passaria por mais uma batalha. Este último capítulo é iniciado por uma Mãe de Santo que fala do destino de Tereza. Ela era querida no lugar onde agora vivia e trabalhava novamente como “mulher da vida” de coronéis muito poderosos, devido a sua exuberante beleza. Em sua narrativa, o autor nos apresenta uma distinção sócio-econômica entre os prostíbulos: existiam os mais simples, onde era aceito qualquer cliente, e os mais sofisticados, onde os clientes eram ricos e em sua maioria coronéis, estes tinham mulheres fixas, como Tereza que também se apresentava em shows de dança.

O governo decidiu deslocar os prostíbulos mais pobres para uma região de condições precárias. O autor descreve detalhes destas relações puramente políticas, sem preocupação social, mostrando como a vida do povo estava subjugada aos desígnios das autoridades locais. Por mais que Tereza não estivesse envolvida, tomou aqueles acontecimentos como se fossem dela, pois quando as mulheres se recusaram a sair, a polícia as reprimiu violentamente. A idéia veio de Tereza, as “profissionais do sexo” não trabalhariam enquanto o problema não fosse resolvido. Concomitantemente estava por chegar um navio com muitos marinheiros americanos que iriam movimentar a cidade com seus dólares, porém sem a atuação das “mulheres da vida” este movimento se reduziria significativamente.

A polícia ao saber da greve tentou violentamente reprimi-la, mas com a ajuda dos Deuses africanos, os Orixás, Tereza incentivou todas a não voltarem às atividades naquela noite. “A greve do balaio fechado”, um dos possíveis títulos para este capítulo sugerido pelo autor, deu certo, mas Tereza foi presa e apanhou muito na cadeia.

As torturas não foram suficientes para acabar com sua beleza e ela foi pedida em casamento por um antigo pretendente. Tereza por ter perdido seu grande amor, um marinheiro que ela conheceu quando ele a salvou da polícia no inicio do livro, e por ela estar acreditando que ele havia morrido no mar, sem nenhuma esperança de amar novamente aceitou o casamento. Porém, momentos antes de se casar, seu grande amor apareceu reivindicando seu lugar no coração de Tereza.

Finalmente ela encontrou a paz nos braços de quem amava, no convés de um barco, e foi no mar que ela descarregou as três mortes que pesava em suas costas: o Coronel Justo que ela matou com uma facada, o Coronel Emiliano que morreu durante o ato de amor e seu filho que ela matou ainda no ventre dela.

Através dos olhos de um narrador que se diz presente na história contada e que sempre coloca sua opinião apaixonadamente influenciando desta forma a opinião do leitor, Jorge Amado denunciou uma realidade dolorosa, cruel e ainda atuante. Tereza Batista é a personagem que carregou em suas costas as experiências de meninas que se tornam mulheres condicionadas a um futuro de escolhas limitadas. Tereza parece ser o grito desesperado de denuncia que Jorge Amado vem trazendo em todas as suas obras, estereotipada na mulher baiana que é muito sensualizada e que só encontra saída na sujeição do próprio corpo.

A estratégia estrutural do texto nos induz aos caminhos da memória, onde podemos ouvir a voz e as impressões do narrador presente, que tudo indica ser um taxista que conta a história para um passageiro, relembrando o que viu unido ao que ouviu da boca do povo que até transformou a história em cordel. Para dar veracidade à história ele usa o argumento desta ser conhecida nas ruas da Bahia, valorizando a oralidade e a tradição oral como forma de perpetuação da História de um Povo (deste povo marginalizado e oprimido que nunca é privilegiado pela história oficial). Esta tradição oral que veio nos navios negreiros e esta tão presente nas religiões e costumes de origem africana, com as quais o autor sempre trabalha.

Conhecemos Tereza Batista por meio da “Memória”, a mulher forte e inteligente é fruto de uma vida de violências físicas e psicológicas de uma sociedade machista, limitadora, patriarcal, injusta, desigual e muito violenta. Tereza pagou o preço por nascer mulher, negra, bonita e pobre, mas ela não desistiu, não se rendeu e venceu a guerra, cujas as batalhas por serem tão violentas fazem com que, nós leitores, duvidemos que seria possível vencê-la. Tereza perdeu o medo de apanhar, de sentir fome, de ser sozinha e talvez tenha sido isso que a fez querer enfrentar este monstro que é a sociedade, apresentando-se a ela na figura de um coronel, de uma doença (Bexiga Negra), da prisão, da lei, a mulher sem infância a enfrentou e mesmo diante de tanto sofrimento e desilusão, não perdeu a capacidade de amar.

Luciana Santos Barbosa – Mestra em História Social pela PUC-SP.


AMADO, Jorge. Tereza Batista cansada de guerra. São Paulo: Martins, 1972. Resenha de: BARBOSA, Luciana Santos. O grito de denúncia de Tereza: história, corpo e literatura. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.7, p. 403-411, jul./dez. 2011. Acessar publicação original [DR]

 

Capitalismo Global: história econômica e política do século XX | Jeffry A. Frieden

Empolgante e concisa, contudo polêmica. A obra do professor Frieden é empolgante e concisa quanto ao capitalismo e seu dinamizador, o comércio internacional, mas é polêmica quando relata um difícil período vivido pela população do Congo sob tutela do rei Leopoldo II e também quando se refere a Lord Keynes em uma comparação com Schacht, economista alemão. Realmente teria sido mister fazê-la em ambos os casos? Suprimindo, momentaneamente, uma resposta para essa questão, faz-se, sim, necessário dar os devidos créditos ao autor de Capitalismo Global.

Professor titular da Harvard University, Jeffry A. Frieden, além de poliglota (fluente em francês, espanhol, italiano, português e marginally competent em russo, como destacado em seu curriculum vitae), é especialista em economia política internacional. Frieden traz em sua obra um ponto de vista diferenciado da história econômica e política do século XX. O autor busca a gênese do capitalismo global através da explicação e detalhamento dos desdobramentos históricos do comércio internacional. Comércio global que praticamente se iniciou no século XVIII, com o declínio do mercantilismo e a erupção da Revolução Industrial e das novas tecnologias (transporte, comunicação) dela decorrente, e estende-se até este início de século XXI. Leia Mais

Militares/ Democracia e Desenvolvimento: Brasil e América do Su | Maria Celina D’Araújo

O papel dos militares na política do Brasil e dos demais países da América Latina, ao longo do século XX, é amplamente estudado, embora exista predominância do período compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o da Guerra Fria, quando estiveram à frente do poder da maior parte dos países do subcontinente. Conquanto tenham sido um dos principais atores políticos dos países sul-americanos até meados da década de 1980, quando as ditaduras da região começaram a ser substituídas por governos civis, não perderam a grande relevância no cenário político interno e externo dessas nações. No livro “Militares, Democracia e Desenvolvimento: Brasil e América do Sul”, Maria Celina D’Araújo1 analisa o papel contemporâneo das forças armadas no Brasil e nos demais países da América do Sul, com foco nas atuações em defesa dos regimes democráticos de direito, nas cooperações militares regionais, nos aspectos hodiernos da corporação. O supramencionado livro é dividido em duas partes principais, que tratam, separadamente, da América do Sul como um conjunto e do Brasil, individualmente, em oito capítulos. Leia Mais

O Brasil e a Segunda Guerra Mundial | Francisco Carlos Teixeira da Silva, Karl Schuster, Ricardo Cabral e Jorge Ferrer

O livro O Brasil e a Segunda Guerra Mundial aborda, a partir da comparação, as novas pesquisas sobre a participação do país no conflito. Com mais de 30 artigos, o trabalho é dividido em 8 partes, com o objetivo de comportar os diferentes objetos de estudo, das relações internacionais até o cotidiano da sociedade brasileira na guerra.

A primeira parte do livro possui debates teóricos fundantes para a compreensão não somente do conflito mundial, mas dos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais que nortearam a participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial, seja através da Força Expedicionária Brasileira (FEB) ou a partir do cotidiano de jornais das cidades brasileiras. Esta parte do livro também analisa a historiografia brasileira sobre a 2ª Guerra, procurando avaliar suas diferentes perspectivas ao longo do século XX. Há, igualmente, um profundo debate sobre a economia brasileira e mundial no período. Leia Mais

LTI: A linguagem do Terceiro Reich | Carlos Fonseca

“La hora era inusual…” É assim que Fonseca inicia sua narrativa, referindo–se à última noite de 13 prisioneiras, que horas depois seriam fuziladas pelo regime franquista (1939-1975), que há poucos meses – 28 de Março de 1939 -havia conquistado Madrid. Seu livro – Trece Rosas Rojas – La historia más conmovedora de La guerra civil – narra a história das treze jovens que foram presas e condenadas à morte por fuzilamento, ocorridas na madrugada de 5 de agosto do mesmo ano. Carlos Fonseca promove um diálogo entre inúmeros documentos do período com o forte desejo de conhecer mais uma das tragédias da perseguição promovida pelo ditador Franco. A morte do grupo de jovens, sendo sete delas menores, e as demais com pouco mais de vinte um anos que, devido a idade, foram chamadas de rosas, converteu-se em uma das piores tragédias da guerra civil espanhola.

O autor preocupa em ser fiel aos relatos históricos, no entanto procura conduzir o leitor à tentativa de tornar as treze jovens, não apenas personagens de um evento histórico, mas torná-las pessoas comuns que lutavam por uma causa, naquele momento, perdida. Procura também levar o leitor a ver em cada uma das jovens a filha dedicada, a mãe amorosa, a esposa, a namorada apaixonada, mas, ao mesmo tempo, mulheres que sabiam o que faziam e que lutavam da forma que podiam contra o regime ditador que se havia se instalado na Espanha. A história de vida de cada uma se mistura à história da defesa da Madrid sitiada, de uma Espanha dominada e depois de uma Madrid conquistada. Leia Mais

Siegfried Kracauer: las ambigüedades del siglo XX/Historia y Grafía/2011

Siegfried Kracauer es conocido en el medio académico como lo es un personaje secundario en una novela.1 El personaje secundario de la literatura siempre aparece en segundo plano. Ése es el caso de Kracauer. ¿Pero quiénes son esos personajes principales que se encuentra en primer plano en la historia intelectual? Heidegger, por supuesto, Adorno, Walter Benjamin, Simmel, también Horkheimer, y no podemos olvidar a Gadamer y a Habermas y a muchos otros. Al pasar por la lectura de las obras de estas criaturas textuales de primer orden siempre nos topamos con una referencia a Kracauer. Siempre en algún pasaje o en una nota a pie de página aparece este personaje secundario. Podemos afirmar que hemos visto varias veces su nombre sin prestarle atención. Como se dice comúnmente, es sólo un ruido que nos estorba en nuestra lectura. Quizás una mosca que nos molesta un poco. Leia Mais

Mujeres. Historias Chilenas del Siglo XX | Julio Pinto Vallejos

Esta obra que vamos a presentar se puede ver como una de las contribuciones más reciente a la temática de la historia de las mujeres en Chile, que junto a otras (Montecinos (Comp., 2008) entrega un panorama que disminuye la ausencia que presentaban las mujeres como objetos del estudios de las disciplinas sociales y humanas. El estudio que compila el destacado historiador Julio Pinto Vallejo que se encarga de agrupar los trabajos de una Pléyada de destacadas autoras cuya producción ha sido significativa en el mundo de la historiografía nacional.

El libro surge desde las reflexiones y autocríticas que los(as) cientistas sociales se han efectuado por motivo de un nuevo centenario de vida independiente. Como señala el compilador el último siglo de vida nacional fue un periodo feraz de enjuiciamiento y cambio social, tanto en Chile como en el mundo, que se manifestó, entre otros fenómenos, en la aparición de la mujer en espacios sociales que anteriormente fueron vedados para ellas. Contribuyendo a una reconfiguración de los lugares en donde el patriarcalismo era la fuerza imperante a lugares en donde distintas hegemonía estaban en disputas. Leia Mais

A história ou a leitura do tempo | Roger Chartier

Fruto das pesquisas de Roger Chartier sobre as mutações da disciplina da história, realizadas desde o final dos anos de 1980, A história ou a leitura do tempo apresenta um panorama da historiografia nas três últimas décadas. O ensaio aborda os principais debates recentes da disciplina da história, desde seu estatuto de verdade, passando por sua aceitação social, a difícil relação entre história, memória e ficção, até o surgimento do livro digital e as novas formas de apresentação do texto historiográfico. Desde seu primeiro livro publicado no Brasil, A história cultural entre práticas e representações (1990) e seu célebre artigo “O mundo como representação”, publicado na revista dos Annales em 1989, o historiador vem se mostrando atento às reflexões teórico-metodológicas da disciplina. Em estudos posteriores, o autor buscou aliar a crítica textual à história do livro e da cultura, além estudar o recente impacto da cultura digital sobre a tradição escrita. Leia Mais

¡Aprender a vivir siendo otro! Construcción histórica de los pueblos huilliche y mapuche (Walmapu, siglo XX) | Carolina Carillanca

Carolina Carillanca pertenece, con toda propiedad, al grupo de jóvenes historiadores que están iniciando su formación profesional en la Universidad de Los Lagos de Osorno, al alero del Programa de Estudios y Documentación en Ciencias Humanas (PE DCH) que impulsa el profesor Patrick Puigmal. Junto a Jorge Muñoz y Hernán Delgado, son tal vez los más desatacados de esta generación. En el libro que ahora reseñamos, Carolina Carillanca logró reunir siete trabajos que se discutieron en Osorno en noviembre del 2010 en el Seminario Estado y Sociedad: construcción histórica de los huilliche durante el siglo XX, organizado por ella misma con el apoyo del PEDCH y al que asistieron varios historiadores jóvenes y otros de más larga trayectoria. Como señala la editora en la presentación, su propósito era “una invitación a reflexionar sobre el despojo y la asimilación en la construcción histórica del sujeto indígena” en el siglo XX con el objetivo de integrarlo al quehacer nacional.

El libro se inicia con su artículo “Despojo y asimilación de los huilliche en el proyecto de las élites dirigentes chilenas (Chaurakawin, 1930-1973)”, que da cuenta del despojo de las tierras indígenas en Osorno (Chaurakawin), mediante engaños, préstamos, cesiones de derecho y otros mecanismos que, a juicio de las elites santiaguinas, permitirían el avance del progreso en aquella región. Este criterio reguló la constitución de la propiedad en el sur, muchas veces con violencia y vulnerando los derechos de la población indígena. De este modo, señala Carolina Carillanca, la sociedad indígena experimentó un proceso de pauperización que afectó incluso a otros sectores de la sociedad regional, castigados por una política estatal de escasa sensibilidad social. Los esfuerzos de la elite de integrar al indígena a la sociedad nacional, transformándolo en pequeño agricultor y recurriendo a la educación, desconoció las distintas realidades territoriales de las comunidades indígenas sobre las que actuó indiscriminadamente. En suma, la autora reclama examinar este capítulo de la historia regional, cuyo esclarecimiento “es de vital importancia para la comprensión de los fenómenos constitutivos de la historia huilliche”. Leia Mais

O Crime do Restaurante Chinês – Carnaval, Futebol e Justiça na São Paulo dos anos 30 | Bóris Fausto

Considerações iniciais

Há no panorama teórico da historiografia uma intensa discussão conceitual, que tem sido descrita como uma disputa entre paradigmas rivais (CARDOSO, 1997: 3). De um lado, aqueles que embasam seus esforços numa ótica iluminista, o que significa acreditar na capacidade da razão humana em descobrir e ordenar as forças em atuação no universo. Entre estes, ainda de acordo com Cardoso, podem ser enquadrados os marxistas, positivistas e mesmo aqueles ligados à “Nova História”. Trabalhos realizados a partir dessas diretrizes tendem a buscar uma visão holística do processo histórico, agregando os fenômenos sob explicações totalizantes.

Na outra ponta estão aqueles que abandonam tentativas generalizantes de explicação, enfatizando a singularidade dos objetos e a impossibilidade de reuni-los sob uma mesma rubrica sem que se percam suas qualidades fundamentais. A esses se atribui a filiação a certo “paradigma pós-moderno”. O movimento tendencial parece apontar para a ascensão da ótica pós-moderna em detrimento do paradigma iluminista. Leia Mais

História & Cinema Cubano-soviético | ArtCultura | 2011

Em Cuba e na União Soviética o cinema ocupou lugar de destaque nas políticas culturais inauguradas pelas respectivas revoluções. Dentre as motivações que levaram esses regimes, distantes temporalmente, a privilegiarem em seus programas a produção e difusão da sétima arte, poderíamos citar seu destacado potencial de propaganda política (que atingia o público analfabeto), o grau incontestável de sedução exercido por essa linguagem, bem como a pretensão governamental de registrar e difundir a história de uma “nova era”1 .

O artigo de Emmanuel Vincenot explora a perspectiva fundacional que marca a história do cinema cubano pós-revolução ao focar o esquecimento a que foram relegadas algumas produções anteriores a 1959, caso do documentário Jocuma (1955). Vincenot contrapõe a trajetória desse documentário, uma denúncia aguda da miséria de um povoado cubano durante o governo de Fulgencio Batista, com a de outro realizado no mesmo ano, El mégano, mitificado como o único documentário comprometido realizado antes da Revolução. O artigo explora os diversos motivos que contribuíram para essa seleção, bem como para a exclusão de seu realizador do grupo de cineastas que integraria o Instituto estatal de cinema. Vincenot, professor de Língua Espanhola da Universidade François Rabelais, em Tours (França) e pesquisador vinculado ao Centre Interuniversitaire de Recherche sur l’Educationet la culture dans le Monde Ibérique et Ibéro-Américain, é autor de uma ampla pesquisa de doutorado sobre o cinema cubano, de sua origem à Revolução. Organizou, na França, em 2009, um importe colóquio sobre o tema (Colóquio Paradoxes du Cinema Cubain). Leia Mais

Cultura & Música Popular na Primeira e Segunda Repúblicas | ArtCultura | 2011

Justo no momento em que a ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte beira a casa de 800 assinantes, temos a satisfação de lançar seu número 22, que consolida ainda mais a parceria estabelecida entre a Edufu, o CNPq, a Capes e a Fapemig. Desde os idos de 2007/2008, quando passamos a contar com recursos oriundos dessas agências de fomento à pesquisa, a revista ganhou em musculatura e ampliou significativamente suas redes de interlocução. Já há algum tempo ela recebe demandas de publicação dos mais diferentes estados do Brasil e do exterior, com destaque para Alemanha, Argentina, Colômbia, Cuba, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Jamaica, México e Portugal, como que a atestar a extensão do seu raio de alcance. Nesta edição, por exemplo, para além de pesquisadores nacionais, o elenco de colaboradores inclui intelectuais de três desses países, o que também equivale, a julgar pelo seu perfil, a uma reafirmação do caráter transdisciplinar deste periódico.

Depois de publicarmos mais de um minidossiê/dossiê sobre História & Cinema (v. ArtCultura n. 10, 13 e 18), chegou a hora de reduzirmos a escala de observação. Desse afunilamento do objeto de estudo surgiu novo minidossiê, que faz da relação entre História & Cinema Cubano-soviético seu ponto de ancoragem. Sua organização foi confiada a uma expert no assunto, Mariana Martins Villaça, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-Guarulhos), que, para dar lastro internacional a esse conjunto de quatro artigos, convocou – sendo prontamente atendida – um pesquisador francês e outro cubano. Leia Mais

A Revolução Mexicana | Carlos Alberto Sampaio

Em novembro de 2010 a Revolução Mexicana completou o seu centenário. O marco propiciou uma série de debates sobre o legado e o significado desse evento no México, como também na América Latina. E o Brasil não ficou ausente de tais altercações.

A coleção da editora UNESP “Revoluções do Século 20”, dirigido pela profª drª Emília Viotti da Costa, tem como proposta realizar um estudo sobre os principais eventos revolucionários do século anterior, que segundo defende a autora, foram embalados por ideais socialistas. Dos 14 títulos já publicados pela coleção, faltava o estudo da primeira revolução de cunho social do século XX, como definido por Eric J. Hobsbawm (1988, p. 396): a Revolução Mexicana. Leia Mais

Templos modernos, templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil | Marcus Marciano Gonçalves da Silveira

Desde a independência política do Brasil, já durante o período monárquico, surgiu a preocupação com a criação de uma identidade artístico-arquitetônica para o novo estado em vias de formação. Foi no contexto da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, por exemplo, que Manuel José Araújo de Porto Alegre encetou os primeiros debates acerca de um estilo arquitetônico nacional.

Entretanto, é somente a partir do movimento modernista e da institucionalização de uma política patrimonial para o país, com a criação do Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), durante o Estado Novo, que estratégias mais incisivas em torno da criação de um modelo artístico identitário nacional começaram a ser colocadas em prática.

Na verdade, seriam os mesmos arquitetos promotores do movimento modernista aqueles que a parir do final da década de 1930, ajudariam o governo Vargas a forjar a política patrimonial do Sphan e a elaborar a “versão oficial” da memória patrimonial e artística do Brasil.

O paradoxo que caracterizou a trajetória desse grupo de arquitetos-intelectuais, marcada pelo seu envolvimento direto tanto nas políticas de preservação do “Barroco Colonial” – em especial o “Barroco Mineiro” – elevado por eles à condição de símbolo da identidade artística nacional, quanto no projeto de criação de novo “estilo brasileiro”, o moderno, também por eles legitimado, é o ponto de partida do estudo de Marcus Marciano Gonçalves da Silveira.

O livro consiste na publicação da Dissertação de Mestrado em História e Culturas Políticas do autor, junto a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nele, a partir do caso da cidade de Ferros (MG) – cuja Igreja Matriz dedicada a Santa Ana, originariamente em estilo colonial, foi demolida, na década de 1960, para a construção de um edifício em estilo modernista –, o autor procura estabelecer relações entre o processo de difusão da arquitetura religiosa modernista no Brasil, nas décadas de 1940 a 1960, com uma ideologia estatal de cunho desenvolvimentista e a escolha de políticas “modernizantes” por parte de determinados setores da Igreja Católica.

Diante do silêncio das principais narrativas sobre a história da arquitetura modernista no Brasil que, centradas na arquitetura civil, geralmente, só mencionam duas obras de arquitetura eclesiástica: a Capela da Pampulha e a Catedral de Brasília de Oscar Niemeyer, o autor se propõe a tirar da obscuridade outros projetos arquitetônicos modernistas para edifícios religiosos.

Para tanto, faz um levantamento dos projetos de igrejas em estilo modernista publicados nas principais revistas brasileiras de arquitetura entre as décadas de 40 e 60 (leia-se: Acrópole; Habitat; Arquitetura e Engenharia; Arquitetura; e, Arquitetura, Engenharia e Belas Artes).

Todavia, apesar do título do primeiro capítulo “A trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil” somente ao seu final (pp. 88-97) encontraremos uma lista e algumas imagens de projetos e de igrejas efetivamente construídas. Mesmo somando-se a esses, os projetos colocados – sem razão evidente – no Anexo A, o autor está longe de fazer um levantamento sistemático sobre o assunto: os exemplos mencionados, praticamente, só dizem respeito ao sudeste e, em número menor, ao sul do país e, além disso, o autor não se preocupa em destacar quais projetos efetivamente saíram do papel.

A primeira parte do livro, na verdade, se ocupa muito mais dos fatores ideológicos e políticos que legitimaram a destruição dos edifícios antigos e sua substituição por templos modernos.

O autor procura investigar de que forma o modernismo conseguiu fomentar a associação entre passado e atraso, e entre modernidade e progresso. O modernismo coloca-se como alternativa a um passado atrasado, não pelo seu valor histórico e estilístico, mas por ser carregado de estrangeirismos.

Neste sentido, “o projeto modernista” vincularia a idéia de retrógrado, de ultrapassado, sobretudo, aos chamados “estilos históricos”, a partir de uma construção discursiva que também reverberaria na política do próprio Sphan, uma vez que houve pouquíssimos tombamentos de edifícios em estilo eclético neste período.

Segue-se uma reconstrução da rede de interesses que uniu os arquitetos modernistas e alguns setores da Igreja. A Igreja buscava fugir de sua “identidade museológica”, a partir da retirada dos elementos decorativos que preenchiam todo o corpo do templo, tirando a atenção do altar. Assim, a ânsia de alguns setores do clero por uma renovação litúrgica que adequasse os templos à sua funcionalidade ajudou nessa aproximação.

No que tange, por exemplo, o caso da Matriz de Ferros, segundo o autor, a preocupação com o estado deplorável do templo era muito mais centrada na sua falta de funcionalidade do que no seu valor enquanto patrimônio histórico.

Neste sentido, a ausência de posicionamento do Sphan em relação à proposta de demolição da Matriz de Sant’Ana, ratifica a afirmação do autor de que o estilo “Barroco Nacional” legitimado pelos modernistas, foi praticamente o único padrão artístico que despertava o interesse da instituição, a qual deixava na mão da Igreja a responsabilidade absoluta sobre aqueles templos que “fugiam da norma”, incluídos aqueles em estilo colonial tardio.

Desta forma, a aproximação entre religiosos e arquitetos e a inércia/desinteresse dos órgãos institucionais, segundo o autor, teriam ajudado o modernismo a se colocar como a possibilidade arquitetônica capaz de atender aos desejos do clero por novas formas litúrgicas, mais adequadas ao espírito desenvolvimentista no qual o país estava mergulhado.

Na segunda parte do livro, o autor desenvolve seu estudo de caso, reconstruindo, com rica documentação, todo o processo que conduziu a demolição da antiga e a ereção da nova Matriz.

Ele destrincha toda a polêmica acerca da demolição, o Movimento Verde – pró- modernismo –, seus antagonistas, os pontos de vista, os discursos, o papel da imprensa, a decisão por meio de plebiscito, a atuação da Igreja – mais especificamente do Movimento Litúrgico –, o desinteresse dos órgãos de salvaguarda do Estado, etc.. As imagens colocadas no Anexo B muito enriquecem a percepção do leitor acerca da importância e do impacto que todo o processo teve para a cidade.

Assim, partindo de um plano mais geral, o da consolidação do modernismo como proposta mais conveniente a um Estado cujo programa político estava voltado para a “modernização” do país, o autor chega às conseqüências – a seu ver, nefastas – que a colocação em prática desta política de renovação teve para a pequena cidade de Ferros, no interior de Minas Gerais.

Destaca-se, nesta parte, a força narrativa com a qual o autor constrói seu discurso acerca da falência do projeto “modernizador” dos modernistas. Tocante é seu relato acerca de como o contraste entre o fórum – em estilo colonial – e a nova igreja representavam a memória de um arrependimento coletivo.

A imagem da estrutura arquitetônica modernista – hoje já não mais “moderna” – transformou-se assim no vestígio vivo de uma “modernidade” que não veio. A crença na eficácia da inferência arquitetônica como propulsora do progresso mostrou-se vã.

O estudo da dissolução da “paisagem tradicional mineira” na cidade de Ferros, deste modo, torna-se uma importante reflexão sobre a ausência de preocupação com o restante da paisagem urbana que caracterizou o “projeto modernista”, bem como uma lição para aqueles que fazem e implantam políticas patrimoniais neste país.

A eleição de uma ou outra forma patrimonial como mais “legítima”, em detrimento de outras, consideradas retrógradas, via de regra, acaba por retirar das gerações vindouras o direito de conhecer o seu próprio passado.

Marília de Azambuja Ribeiro – Departamento de História, UFPE.

Angélica Cristina de Paula Botelho – Bolsista PIBIC (Propesq/UFPE) do Projeto Espaço urbano, arquitetura eclesiástica e cultura tridentina da Professora Doutora Marília de Azambuja Ribeiro (Departamento de História, UFPE).


SILVEIRA, Marcus Marciano Gonçalves da. Templos modernos, templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. Resenha de: RIBEIRO, Marília de Azambuja; BOTELHO, Angélica Cristina de Paula. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.29, n.1, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

 

Futuros imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global | Richard Barbrook

Agraciado com o Prêmio Marshall Macluhan, na categoria “Livro do Ano sobre Ecologia de Mídias 2008”, Futuros Imaginários é resultado de pesquisa documental aliada à recordações de uma experiência pessoal marcante de seu autor, o inglês Richard Barbrook: a Feira Mundial de Nova York de 1964. Embora não seja um historiador de formação, o Doutor em Ciências Políticas e professor de Hipermídia da Faculdade de Ciências Sociais, Humanidades e Letras da Universidade de Westminster, resgatou com competência este importante episódio ocorrido durante sua infância, situado durante os efervescentes anos 1960, época em que ele crescia na cidade que sediou o tal evento. Acrescendo às suas memórias uma cuidadosa pesquisa amparada num conjunto de variadas fontes bibliográficas, que contribuíram para que ele reconstituísse o período compreendido entre 1964 e 1966, quando o tal evento preenchera a agenda cívica norte-americana, para dali extrair reflexões atualizadas acerca dos rumos das sociedades contemporâneas em detrimento da relação de seus sujeitos com as tecnologias que vêm desde então dando o tom de seu desenvolvimento.

Enfocando os desvios das utopias tecnológicas que anunciavam o advento de sociedades futuras baseadas no intenso fluxo de informação, bem como de uma nova economia adequada aos novos paradigmas de um novo contexto global, centrado entre o processo de desenvolvimento de novas linguagens midiáticas e sua aplicação em políticas internacionais de uma nova espécie de imperialismo, diga-se, virtual, o livro posiciona os Estados Unidos, fortalecidos com o fim da Guerra Fria, na vanguarda desta corrida pela liderança tecnocientífica, destacando sua influência sobre o quadro econômico e cultural mundial. Desde aquela época a construção de uma rede de informações, que viria a ser denominada como internet já se apresentava como a meta primordial de uma corrida tecnológica que determinaria as futuras lideranças mundiais merecendo, por isso, total atenção do governo norte-americano.

A obra também apresenta os paradoxos deste país como pioneiro de um suposto comunismo cibernético, ocasionado pelas intenções de implementação de uma ideologia de combate ao socialismo russo, mas que se mostrou substancialmente próximo às ideologias soviéticas que intencionavam combater. Negando o stalinismo, os estadunidenses, como propõe o autor, criaram uma Esquerda da Guerra Fria amparada por teorias marxistas e macluhanistas, que acabaram criando sua própria versão de futuro imaginário socialista. A ideologia americana do consumo, disfarçada em meio à políticas neo-liberais guiadas por profecias de um determinismo tecnológico, que outrora fora responsável pela criação dos futuros imaginários norte-americanos jamais concretizados, estabeleceu um inédito espaço de participação política, demandando novas táticas de ativismo que soubessem explorar as novas linguagens midiáticas. E tudo veio se configurando numa nova e complexa rede de relações sociais que desviou a realidade daquilo que, na Guerra Fria, parecia ser um destino quase certo.

As sociedades contemporâneas desenvolveram-se amparadas sobre três ícones tecnológicos fundamentais, que vieram desde o fim da Segunda Guerra Mundial ditando o curso de seu progresso: energia nuclear, viagens espaciais e os computadores, com a ambição de um dia se chegar à almejada inteligência artificial. Em plena Guerra Fria, os Estados Unidos da década de 1960 preocuparam-se em apresentar ao público as aplicações pacíficas destas tecnologias que alimentavam a indústria bélica. Como constata Richard Barbrook, a Feira Mundial de Nova Iorque de 1964, evento que por dois anos procurou divulgar para os norte-americanos e para todo o mundo que aquele país era o pioneiro nos mais diversos quesitos, científicos, econômicos e sociais, contou com a participação de órgãos governamentais, grupos religiosos e as principais empresas e instituições financeiras estadunidenses, trazendo à cena os computadores da IBM, os reatores nucleares da General Eletric e os foguetes espaciais da NASA, que se destacaram como as principais atrações dentre os 140 pavilhões que compunham o evento, seduzindo toda uma geração de indivíduos ávidos em consumir um futuro tornado produto, sem perder de vista o dever patriótico. Prometiam algumas das principais ideias já apresentadas ao público pela ficção científica – tradicional fonte geradora de futuros imaginários –, como as viagens de turismo espacial, energia farta e barata para todos e robôs inteligentes dentro dos lares e ambientes de trabalho, poupando seus proprietários de riscos e esforços desnecessários.

Tudo isso deveria acontecer, como prometiam os expositores, dentro de duas ou três décadas. Mas apesar dos avanços conquistados nestas três áreas, nenhuma destas metas fora atingida da forma como haviam sido divulgadas. No entanto, cumpriram os seus papéis naquele momento, que eram o de convencer os cidadãos quanto a importância do desenvolvimento de tais tecnologias para que estes dessem seu apoio coletivo incondicional a tais empreendimentos, ao custo de que mantivessem sua posição privilegiada no cenário mundial. Este apoio não viria enquanto a população estivesse aterrorizada pela possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial, afinal, as consequências dos conflitos mundiais anteriores se faziam ainda presentes. Era necessário inverter as imagens que pululavam no imaginário daquela geração, que testemunhara os ataques nucleares ao Japão, para que enxergassem que os

[…] reatores nucleares eram geradores de eletricidade barata, e não fábricas de bombas atômicas. Foguetes eram construídos para levar heróicos astronautas para o espaço, não lançar ogivas nucleares em cidades russas. No momento em que eram colocados em exibição pública, quase todas as pistas de suas origens militares desapareciam.[1]

As revoluções tecnológicas do pós-Segunda Guerra, que vieram na forma dos reatores nucleares, foguetes espaciais, satélites e computadores não trouxeram a revolução social que o projeto iluminista incumbira-se de promover. Segundo Barbrook, a invasão da tecnologia nesta segunda metade do século XX, sobretudo sob a forma dos computadores, para dentro dos locais de trabalho criou uma competição desigual entre o trabalhador comum, assalariado, e uma nova força informacional de trabalho, que concentrava em si o controle sobre todo o ritmo de produção, sem exigir direitos ou, sequer, remuneração: as máquinas pensantes. Embora a inteligência artificial ainda esteja restrita ao campo de temas da ficção científica, os softwares de gerenciamento adotados pelas empresas, como ferramenta de controle da produção, são um fato.

Ele ainda lembra que a fabricante de computadores IBM veio desde o final da Segunda Guerra Mundial promovendo […] a fantasia ficcional das máquinas pensantes (mas), […] ironicamente, a fantasia otimista dos gurus dos computadores dos anos de 1960 confirmou o pesadelo dos escritores de ficção cientifica dos anos 1930: a inteligência artificial era o inimigo da humanidade.[2]

A inclusão progressiva de todos, a partir do desenvolvimento tecnocientífico, fora uma meta não alcançada pelas sociedades modernas, que apenas viu ampliarem-se as disparidades sociais. Atento a este contra-senso, Barbrook pretendeu apontar as contradições de uma sociedade cujo desenvolvimento tecnocientífico se mostrou proporcional aos seus desavanços sociais. As tecnologias originalmente idealizadas para servir ao homem mostraram, a partir dos anos 1940, sua outra face: “ao invés de criar mais tempo de lazer e melhorar os padrões de vida, a informatização da economia sob o fordismo aumentaria o desemprego e cortaria os salários”[3], tornando o homem uma força de trabalho cada vez mais dispensável, pois que, como enfatiza o autor, “a nova tecnologia era um servo dos chefes, não dos trabalhadores.”[4]

A cada página, Barbrook conduz o leitor à constatação de que embora, em parte, os referidos ícones tecnológicos mais influentes da segunda metade do século XX, acima citados, passassem gradualmente a dividir o espaço com novas tecnologias, notadamente voltadas aos campos da comunicação e da informática, as últimas quatro décadas prosseguiram perpetuando a avidez desta sociedade pela tecnologia aplicada ao cotidiano, marcando esta etapa atual da história como uma era da informação. As transformações sociais compreendidas nesse período são na obra apontadas como consequentes desta nova relação homem-tecnologia que se desenvolveu com esta geração, da qual o autor faz parte, fortemente influenciada pelo contexto da Guerra Fria, mas que vira esta meta nacional de manutenção de sua hegemonia esvair-se dentro de um novo e amplo cenário mundial que convencionou-se chamar, erroneamente na opinião de Barbrook, de Aldeia Global, sem negar a permanência das aspirações pelos avanços técnicos que continuam guiando o curso progressista das sociedades contemporâneas ao redor do globo.

Ao final da leitura, oferece-se um item chamado Tradução em Imagens que é uma compilação de ilustrações produzidas pelo artista plástico inglês Alex Vennes. Ordenadas em sequência e acompanhadas de título e legendas, propiciam uma leitura imagética da obra complementando as questões discutidas. A edição brasileira também conta com ilustrações de Lúcio de Araújo e Cláudia Washington, que antecedem cada um dos quinze capítulos que compõem o livro, totalizando 447 páginas entre o prefácio, assinado por Wanderlynne Selva, uma introdução à edição brasileira redigida pelo próprio Barbrook e as referências bibliográficas.

Cabe também lembrar que esta adaptação para o português de Imaginary Futures é resultante de um esforço conjunto entre seu autor, que doou a propriedade intelectual de sua obra para a tradução e subsequente lançamento em língua portuguesa e os pesquisadores e colaboradores do DES).(CENTRO, que, desde 2002, realizam por todo o Brasil projetos de pesquisa e eventos voltados às discussões acerca das novas tecnologias de mídia e seu impacto sobre as sociedades contemporâneas. Futuros Imaginários constitui-se numa enriquecedora referência aos estudiosos com interesse nas relações entre história, mídias e contemporaneidade fornecendo, a partir das “profecias novaiorquinas” não cumpridas, uma base de elementos de apoio a uma leitura do contexto atual, que nos auxiliam no entendimento dos processos engendrados num dado presente que nos conduzem a este ou aquele futuro.

Notas

1 BARBROOK, op. cit., 2009, p. 68.

2 BARBROOK, op. cit., 2009, p. 100 e 102.

3 BARBROOK, op. cit., 2009, p. 94.

4 BARBROOK, op. cit., 2009, p. 96.

Luiz Aloysio Rangel – Graduado e mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Desenvolve pesquisa sobre temporalidades e representações urbanas na produção cinematográfica, com foco nas relações entre humanidades e tecnologias e fenômenos da contemporaneidade. Atua como pesquisador do Arquivo Estado.


BARBROOK, Richard. Futuros imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global. São Paulo: Peirópolis, 2009. Resenha de: RANGEL, Luiz Aloysio. As profecias nova-iorquinas não cumpridas. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.6, p. 373-380, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

A história escrita. Teoria e história da historiografia | Jurandir Malerba

A teoria da história é mais do que apenas um pensamento sistemático sobre a História e sua escrita; a narrativa história se mostra, cada vez mais, complexa, por suas tensões entre fatos e ficções, verdade e imaginação, objetividade e subjetividade, fontes documentais e as retóricas do discurso; a historiografia não é apenas o discurso circunstanciado sobre as obras históricas, mas fixa-se, cada vez mais, em todo discurso sobre o passado. O que a coletânea de textos organizados por Jurandir Malerba nos mostra, em resumo, é um ‘fazer história’ mais denso e articulado, com as questões de nosso tempo.

Ao reunir as contribuições de Horst Walter Blanke, Massimo Mastrogregori, Frank Ankersmit, Jörn Rüsen, Angelika Epple, Masayuki Sato, Arno Wehling, Hayden White e Carlo Ginzburg, nos oferece uma mostra do resultado dos debates das últimas décadas a respeito da história da historiografia, da teoria da história, da epistemologia histórica, quanto ao princípio de realidade, ao gênero, a comparação e a narrativa. Para ele:

O critério principal para a seleção dos textos que constituem a presente obra foi a intenção de compor um painel, o mais amplo possível, dos campos problemáticos presentes na construção de uma teoria da historiografia, com vistas ao aprimoramento prático de uma revigorada história da historiografia. Nesse sentido, os textos […] reunidos oscilam da reflexão teórica acerca do conceito de historiografia para a reflexão crítica de uma epistemologia da história, passando necessariamente pelas potencialidades e limites metodológicos que cada caminho apresenta. Tratam-se, como é notório, de autores consagrados do pensamento histórico contemporâneo, provenientes das mais distintas tradições nacionais e simpatias teóricas.[1]

Para articular tais textos, o autor os posicionou em quatro blocos, a saber: a) os de que “o foco recai primordialmente sobre o conceito de historiografia e o estatuto teórico do texto historiográfico”, como se vê no texto de Blanke, Mastrogregori e de Arkersmit; b) “por ensaios com propostas mais teórico-metodológicas para o campo da história da historiografia propriamente dita”, como nos casos de Rüsen, Sato e de Epple; c) “discussão teórica da prática historiográfica para o campo da epistemologia”, em que se apresentam Wehling; d) e, no último “seria quase um exemplo das implicações políticas do exercício historiográfico, que tomamos propositadamente no exemplo-limite da história do Holocausto”, por meio do debate entre os textos de White e Ginzburg.

Além dos textos ora indicados, a coletânea ainda é enriquecida com o capitulo de Malerba, que indica os principais eixos das discussões sobre teoria e história da historiografia ocorridas no século passado. Para ele, haveria, sem dúvida, uma tensão entre, de um lado, o “anti-realismo epistemológico, que sustenta que o passado não pode ser objeto do conhecimento histórico ou, mais especificamente, que o passado não é e não pode ser o referente das afirmações e representações históricas”[2] , e, de outro, o “narrativismo, que confere aos imperativos da linguagem e aos tropos ou figuras do discurso, inerentes a seu estatuto linguístico, a prioridade na criação das narrativas históricas.”[3] Em ambos os casos, a pesquisa histórica esteve ancorada em matrizes, senão frágeis, ao menos em constante pressão, e com necessidade de justificação perante as outras áreas do saber. Mas, o “caráter auto-reflexivo do conhecimento histórico talvez seja o maior diferenciador da História no conjunto das ciências humanas.”[4]

Para Blanke, a “história da historiografia é uma atividade nova”, que esteve ao lado “do desenvolvimento da história como disciplina independente e com pretensões científicas”, com início “na época do iluminismo.”[5] Suas características estariam balanceadas entre tipos (história dos historiadores, história das obras, balanços gerais, história da disciplina, história das idéias históricas, história dos métodos, história dos problemas, história das funções do pensamento histórico, história social dos historiadores, história da historiografia teoricamente orientada) e funções (afirmativa e crítica). Não por acaso, Mastrogregori ressaltará que as “possibilidades de contato são certamente inúmeras”[6], visto a complexidade da tarefa de se efetuar adequadamente uma história da historiografia. Para Ankermist, tal tensão “nos confronta diretamente com o problema do relativismo resultante da historicização do sujeito histórico.”[7] Como nos indica Rüsen, a “historiografia é uma maneira específica de manifestar a consciência história”, porque “apresenta o passado na forma de uma ordem cronológica de eventos apresentados como ‘factuais’, ou seja, com uma qualidade especial de experiência.”[8] Por isso:

Não há cultura humana sem um elemento constitutivo de memória comum. Ao relembrar, interpretar e representar o passado, as pessoas compreendem sua vida cotidiana e desenvolvem uma perspectiva futura delas próprias e de seu mundo. História, nesse sentido fundamental e antropologicamente universal, é uma reminiscência interpretativa do passado de uma cultura, que serve como um meio de orientar o grupo no presente. Uma teoria que explica esse procedimento fundamental e elementar de dar sentido ao passado consoante à orientação cultural no presente é um ponto de partida para a comparação intercultural. Tal teoria tematiza a memória cultural ou a consciência histórica que define o objeto de comparação em geral. Ela serve como definição categórica do campo cultural no qual a historiografia toma forma. […] [e] a historiografia aparece, na sua estrutura geral da consciência histórica ou memória cultural, como uma forma específica de uma prática cultural básica e universal da vida humana.[9]

Ao levarem a cabo uma intensa discussão sobre o caso do Holocausto, White e Ginzburg promovem uma verdadeira investigação a respeito do lugar do enredo na narrativa histórica e de que maneira se configura o princípio de realidade, que dá forma e modela o discurso histórico.

Em todos esses aspectos, a coletânea em pauta, traz mostras de um panorama rico e denso dos intensos debates que circunstanciaram a produção da história da historiografia no século passado, cujas marcas e implicações ainda vemos nos resultados apresentados pela pesquisa histórica.

Notas

1. MALERBA, op. cit., 2006, p. 8.

2. MALERBA, op. cit., 2006, p. 13.

3. MALERBA, op. cit., 2006, p. 14.

4. MALERBA, op. cit., 2006, p. 15.

5. MALERBA, op. cit., 2006, p. 27.

6. MALERBA, op. cit., 2006, p. 87.

7. MALERBA, op. cit., 2006, p. 98.

8. MALERBA, op. cit., 2006, p. 125.

9. MALERBA, op. cit., 2006, p. 118

Diogo da Silva Roiz – Doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), bolsista do CNPq. Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).


MALERBA, Jurandir. (Org.) A história escrita. Teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006. Resenha de: ROIZ, Diogo da Silva. Teoria da história e historiografia. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.6, p.367-371, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

 

O capitalismo tardio. Contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira | João Manuel Cardoso de Mello

A Editora Unesp, em parceria com a Facamp está relançando um conjunto de obras clássicas sobre a história econômica do Brasil. Uma destas, O Capitalismo Tardio, de João Manuel Cardoso de Mello, estava esgotada há doze anos. Trata-se de sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, um Instituto criado em 1967, tendo como núcleo a área de economia, em 1975. No prefácio da tese — excluído das edições em livro — João Manuel Cardoso de Mello explica que sua intenção inicial era “examinar o papel do capital estrangeiro em nosso desenvolvimento”. Entretanto, à medida que o trabalho avançava o autor foi percebendo as fragilidades da escola de economia política na qual se educara, a Cepal (Comissão econômica para a América Latina e Caribe). O propósito se deslocou, assim, para a ideia de que “era preciso pensar o desenvolvimento brasileiro como formação de um certo capitalismo, de um capitalismo que nascera tardiamente”. Leia Mais

Del hogar a las urnas. Recorridos de la ciudadanía política femenina. Argentina, 1946-1955 | Adriana María Valobra

Adriana María Valobra é doutora em História pela Universidad Nacional de La Plata e professora desta mesma universidade. Pesquisadora do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Cientificas y Técnicas), ela ganhou vários prêmios, dentre eles um da Academia Nacional de História, em 2000, e outro da Secretaria de Direitos Humanos Bonaerense, em 2005. Diferente da maioria dos/as doutoras/es, Adriana é de origem muito humilde; foi criada em uma casa de aluguel, onde moravam várias famílias que compartilhavam o mesmo banheiro e a mesma cozinha. Com certeza, foram as dificuldades que ela enfrentou desde criança que a influenciaram em sua forma de fazer história. Cheia de paixão na pesquisa, a autora reconhece, no início de sua obra que não compreende outra forma possível de escrever que não seja com essa “fogosidade efusiva”; seu livro é uma mostra dessa entrega total, não deixando detalhe sem analisar, nem questionar. Adriana é uma pesquisadora que, além de possuir uma rica formação, teve uma enriquecedora experiência de vida, que ela bem soube aproveitar. Seus alunos aprendem a cada dia que para ser bem-sucedido na profissão de historiador/a, não é preciso ter origem em uma família de classe média intelectual; é só querer muito, gostar de história e ter muita dedicação. Leia Mais

Tragédias, batalhas e fracassos: as derrotas brasileiras nas Copas do Mundo (1950-1982) | Leonardo Pacheco Turchi

Não são apenas as vitórias que compõem o imaginário futebolístico. “Instrumento de renovação da vida” e o “começar de novo”, tal como afirmou Carlos Drummond de Andrade – oportunamente citado por Leonardo Pacheco na introdução do seu livro “Tragédias, Batalhas e Fracassos” – as derrotas têm um papel essencial dentro do universo esportivo. Publicado com base em seu doutorado defendido no Departamento de História da UFM, o livro de Leonardo tem como objetivo pensar as derrotas brasileiras nas Copas do Mundo entre 1950 e 1982 a partir das narrativas, discursos e imagens dos períodos pesquisados que, em sua maioria, centravam as análises nas questões ligadas à masculinidade e ao envelhecimento2. Para isso, relacionou estes dois temas principais para analisar o universo futebolístico, aqui compreendido por meio de seu principal momento ritual: a Copa do Mundo de Futebol.

Dividido em seis capítulos, cada dedicado a uma Copa do Mundo, o livro permite evidenciar que embora as questões e elementos vinculados às derrotas variem a cada evento, assinalados por um caráter multifacetado, que alternam concepções valorativas ora positivas e ora negativas, tais discursos relacionados às masculinidades e envelhecimento são marcados por certas permanências. A compreensão hegemônica de masculinidade é problematizada e reelaborada ao longo do trabalho, visto que é possível pensar a existência de múltiplas masculinidades em um mesmo contexto. Nesse sentido, faz-se importante o estudo do masculino em relação a outros conceitos e marcadores (geracional, de classe, corporal, racial etc.), decisivos para uma compreensão relacional do que é ser homem em determinados contextos socioculturais. Nesse sentido, o autor pensa o gênero como um conceito plural e relacional, construído e reconstruído socialmente, que abarca múltiplas experiências e marcado por diversas relações de poder. Leia Mais

A Revolução Cubana e a Questão Nacional | José Rodrigues Mao

A Revolução Cubana sempre foi mais do que um objeto de estudo acadêmico. Desde os primeiros textos produzidos pelos intelectuais que buscaram compreender o significado histórico da aça político-militar que libertou a Ilha de Cuba das garras do império norte-americano, a tônica foi sempre o engajamento. Intelectuais que transitavam do prestígio acadêmico para o compromisso revolucionário incorporaram essa mutação política. Wright Mills, acostumado a desnudar os mecanismos de reprodução das classes dominantes no centro do Império, viu Cuba como uma centelha de esperança. Jean-Paul Sartre, perturbado com os impasses do comunismo soviético, escreveu seu belo depoimento chamado “Furacão Sobre Cuba”. Na mesma época ele fazia o prefácio do mais eminente livro dos anos 60: “Os Condenados da Terra” de Franz Fanon, que, na esteira da Revolução Cubana e em plena Revolução Argelina, dava dignidade poética à violência revolucionária. Leia Mais

Do dom à profissão: a formação de futebolistas no Brasil e na França | Arlei Sander Damo

Há uma tese, bastante difundida nos círculos onde o futebol é discutido, que versa sobre a habilidade ímpar do jogador brasileiro diante dos atletas das demais nacionalidades. Graças ao seu dom, este jogador apresentaria um diferencial na maneira de praticar futebol capaz de suplantar qualquer limite técnico. Essa imagem, amplamente explorada no chamado futebol espetacularizado, cujo monopólio pertence à FIFA (Federação Internacional de Futebol) fornece a base para a formação/produção e a venda de jogadores brasileiros.

É este o principal cenário investigado por Arlei Sander Damo em Do dom à profissão – a formação de futebolistas no Brasil e na França. O livro, originalmente uma tese de doutorado4, apresenta minucioso trabalho etnográfico que analisa o processo de formação de jogadores de futebol no Brasil, no Sport Club Internacional, de Porto Alegre, e na França, no Olympique Marseille. O dom, noção amplamente utilizada no meio futebolístico, figura como tema central, pois fornece a base simbólica para o processo de formação dos jogadores brasileiros. Leia Mais

Lampiões acesos: o cangaço na memória coletiva | Marcos Edilson de Araújo Clemente

Diferente das abordagens históricas que visam reconstituir a trajetória de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, bem como o movimento de resistência sertaneja das primeiras décadas do século XX conhecido como cangaço, o professor da Universidade Federal do Tocantins, Marcos Edilson de Araújo Clemente, propõe analisar a forma como a temática tem sido apropriada pela Associação Folclórica e Comunitária Cangaceiros de Paulo Afonso (Bahia). Lampiões acesos: o cangaço na memória coletiva é também “consequência direta” das lembranças do próprio autor que, em sua infância assistia às apresentações desta agremiação..

Antes, contudo, Clemente busca entender o modo como outras cidades nordestinas se apropriaram deste legado histórico-cultural. Os lugares escolhidos refletem os caminhos trilhados pelo “rei do cangaço”, a citar, Serra Talhada e Triunfo, PE; Mossoró, RN; Poço Redondo, SE e Piranhas, AL. Assim como foram diferentes as circunstâncias da passagem de Lampião em cada uma dessas regiões, também são os modos de apropriação das memórias que resistem, sobretudo nas últimas décadas, através de instituições conhecidas por “museus do cangaço”. Sendo Lampião exaltado ou mesmo condenado, a exemplo da memória construída em Mossoró, importa é que, de qualquer forma, sua representação e a do cangaço são recorrentes na promoção das identidades destes lugares de memória. Leia Mais

Relaciones tumultuosas: Estados Unidos y el primer peronismo | Mario Raport e Claudio Spiguel

Estamos en presencia de una muy importante contribución a la historiografía argentina, en una temática que siempre suscita renovadas preguntas y debates. A lo largo de una introducción, 16 capítulos y una conclusión se analiza una época decisiva, no sólo de la historia nacional, sino también del devenir de la historia internacional. Dos apéndices, uno estadístico y el otro documental cierran el libro, ofreciéndole al lector valiosos elementos adicionales para su propia evaluación crítica. Los ocho primeros capítulos están dedicados a los antecedentes inmediatos de la década del primer peronismo. Se establecen allí las grandes líneas de las relaciones argentino-norteamericanas a partir de 1933, conectándolas siempre con el más antiguo vínculo británico y el entonces tan polémico tema de la Alemania nazi. El legendario choque entre el embajador Spruille Braden y Juan Perón (1945-46) se ubica justamente en la sutura entre dos épocas, yuxtaponiendo buena parte de los mitos y realidades de la Segunda Guerra Mundial al inicio de las tensiones mundiales que se convertirán en la Guerra Fría. Leia Mais

Lampiões acesos: O cangaço na memória coletiva | Marcos E. Clemente

Estamos na década de 1960 e mais especificamente às vésperas do golpe militar de 1964. Na tela do cinema, um público entusiasta assiste ao lançamento de Deus e o Diabo na terra do sol, de Glauber Rocha. Num dos episódios da saga glauberiana, Corisco é o rebelde cangaceiro:

O filme pretende demonstrar a inutilidade das tentativas anarcóides como a fuga “in alto”, isto é, para misticismo e/ou a violência pura, como forma de resolver um estado de crise perene. A tomada de consciência seria a única solução positiva (VALENTINETTI, 2002:59). Leia Mais

Riesgo País. La jerga financiera como mecanismo de poder || Controversias y debates en el pensamiento económico argentino | Ricardo Aronskind

Una característica sobresaliente de estos dos libros de Ricardo Aronskind que aquí se presentan es el acercamiento desde el ámbito académico –desde cierto ámbito académico– a un público más general. En ese sentido el núcleo central de estos dos trabajos –y de las dos colecciones en las que se incluye– es potenciar el debate desde un lenguaje al alcance del lector interesado y alejado del discurso propio del ámbito universitario. Esta pretensión de máxima, la de convidar a la reflexión política, económica y social sobre las últimas cuatro décadas en la Argentina, es posible luego de la crisis que conmovió al país en diciembre de 2001. Probablemente antes de esa fecha estos trabajos y las colecciones que los reúnen, por la dinámica intrínseca del proceso político y social argentino no habrían contado siquiera del interés editorial suficiente para su divulgación.

En este esfuerzo y con estos objetivos es que Ricardo Aronskind (quien es economista, master en relaciones internacionales, profesor de la Universidad Nacional de General Sarmiento y de la Universidad de Buenos Aires) caracteriza retrospectivamente al proceso que culminó en la mayor de las crisis políticas y sociales de la historia argentina. Editado en 2007, Riesgo País. La jerga financiera como mecanismo de poder es un análisis de cómo el Indice de Riesgo País (término técnico-económico y al mismo tiempo políticamente utilizado por los sectores dominantes del capital financiero, local e internacional) “dejó de constituir un resultado a posteriori del desempeño económico, para ser un condicionante activo de ese desempeño” (p. 96). Aronskind argumenta, con pertinencia, cómo este indicador desbordó la órbita específica de la economía para –a través de los medios masivos de comunicación– ser el “termómetro” del malestar y la angustia colectiva. Se trata de una metáfora social basada en el esquema vigente durante la década de 1990 de cambio fijo con sobrevaluación de la moneda local (explícitamente institucionalizada en la ley de Convertibilidad de 1991) que, por sus características, impedía la consolidación de un programa sustentable de desarrollo, a la vez que amparó intereses claramente identificables y marginó a grandes sectores de la población mediante mecanismos de “ajuste”. Leia Mais

La historia política del Nunca Más. La memoria de las desapariciones en la Argentina | Emilio Crenzel

Apenas dos palabras conforman la frase más emblemática de la lucha por los derechos humanos en Argentina, frase que sintetizaba el deseo compartido de clausurar definitivamente un pasado traumático: nunca más. Ese fue el nombre elegido por la Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas (CONADEP) para dar a conocer su informe acerca de las desapariciones ocurridas durante la última dictadura militar argentina. El informe Nunca más, publicado en 1984, generó un gran impacto entonces y años después. Por un lado, contribuyó a sentar las bases del acuerdo social sobre el cual se estableció la restauración democrática. Por el otro, configuró la interpretación de la memoria colectiva sobre el pasado reciente.

Sin embargo es llamativa la ausencia de estudios sobre la historia política de ese informe, considerando el amplio consenso que la memoria del Nunca más logró construir en los años de la transición hacia la democracia. En La historia política del Nunca más el sociólogo Emilio Crenzel explora los procesos que signaron la elaboración de dicho informe, así como los usos y resignificaciones de los que fue objeto con el transcurso del tiempo. En su libro analiza cómo la interpretación del pasado del Nunca Más se fue convirtiendo en la memoria hegemónica, asociada a la estrategia de legitimación del incipiente gobierno constitucional tendiente a clausurar un ciclo e inaugurar una nueva etapa democrática. Es que el informe Nunca más cristaliza la “teoría de los dos demonios”, que afirma que en Argentina existió una guerra entre dos “demonios” (la “guerrilla” y las Fuerzas Armadas) en la que la sociedad, como víctima inocente, quedó atrapada por la violencia desatada entre ellos. Desde esta perspectiva los jefes de ambas organizaciones eran los únicos responsables y culpables por lo acontecido. Esta interpretación, institucionalizada además con el juicio a la cúpula militar en 1985, ofreció una visión del pasado cercano acorde con las necesidades y expectativas del momento. Leia Mais

MAPU o la seducción del poder y la juventud. Los años fundacionales del partido-mito de nuestra transición (1969-1973) | Cristina Moyano Barahona

El libro que reseñamos pone en la palestra la política encarnada en las vivencias y configuraciones simbólicas y discursivas de un grupo de sujetos, en uno de los períodos más álgidos de la historia chilena, en el cual se daba “una poco común confluencia de factores de larga y corta duración” (Grez). Es allí que emergió con fuerza juvenil el Movimiento de Acción Popular Unitaria, MAPU. Cristina Moyano, como esboza el título del libro, presenta una investigación en torno a este partido en su período fundacional, dando cuenta de un cúmulo de problemáticas, en las que destacan, la tensión reforma/revolución al interior de las izquierdas, la convergencia cristianismo-marxismo y, a la que la autora da mayor énfasis, la conformación de una cultura política que se mantiene latente en la memoria colectiva, a varios años de la desaparición estructural de este referente. De allí la discusión que hace a Jocelyn-Holt resucitar al MAPU, situándole en posiciones hegemónicas en la administración de Frei Ruiz-Tagle, y encarnando en ellos el paradigma de la renovación (“del avanzar sin transar al transar sin parar”) y el sociólogo Eugenio Tironi que ha oficiado en sus escritos el responso de esta organización (véase como ejemplo el prólogo del libro). Leia Mais

Arqueologia da repressão e da resistência – América Latina na era das ditaduras (1960-1980) | Paulo A. Funari, Adrés Zarankin e José Albertoni Reis

Nas ciências humanas, acostumou-se a pensar no trabalho do arqueólogo focado exclusivamente em áreas remotas da existência humana, nas quais o registro escrito nem existia e a reconstituição das formas de ser social se realizava dos fragmentos da cultura material. Essa visão, que delimita um período histórico distante como o único tempo estudado pela Arqueologia, vem sendo posta em xeque pelo envolvimento de arqueólogos em pesquisas do passado recente da história latino-americana. Um vigoroso esforço para trazer a público os vínculos entre a Arqueologia e a História Contemporânea – particularmente a que se refere às histórias de repressão no continente latino-americano – é encontrada no livro Arqueologia da repressão e da resistência – América Latina na era das ditaduras (1960-1980).

Organizado por Pedro Paulo A. Funari, Andrés Zarankin e José Alberioni dos Reis, o livro traz novas dimensões para os estudos sobre as ditaduras militares no continente, apontando a contribuição da Arqueologia no esclarecimento daquilo que a documentação escrita ou oral nem sempre dá conta. Assinala, ainda, a possibilidade de um refinamento no trato com as fontes, na medida em que os estudos arqueológicos podem auxiliar no questionamento das versões deixadas na documentação escrita dos setores dominantes durante esse período, bem como preencher algumas das lacunas encontradas nesses documentos, uma vez que essa ciência tem como recurso o estudo de elementos da cultura material e a busca dos restos humanos dos “desaparecidos”. Leia Mais

Kissinger e o Brasil | Matias Spektor

A trama desenvolvida por Matias Spektor em “Kissinger e o Brasil” encapsula um importante episódio das relações bilaterais entre o Brasil e os Estados Unidos e narra como Henry Kissinger tornou-se um ponto focal para a diplomacia brasileira na consecução do projeto de Brasil Potência. Jovem intelectual da nova geração de historiadores das relações internacionais brasileiros, Matias Spektor coordena o Centro de Estudos sobre Relações Internacionais do CPDOC/FGV e vive intensamente a realidade da pesquisa arquivística no Brasil. No livro, o argumento central é que o Brasil construiu seu caminho no sistema internacional, procurando impor seus próprios termos e desígnios nacionais às relações com os outros países. Perante os EUA procurou exercer um papel protagônico em três sentidos: a) afastou-se de uma postura de rivalidade ou de submissão; b) buscou estabelecer-se como um dos alicerces da ordem global; e c) evitou seguir inadvertidamente os preceitos do “gigante do norte”.

O objetivo da obra é traçar a evolução da aproximação entre os governos de Washington e Brasília sob os comandos diplomáticos de Henry Kissinger e Azeredo da Silveira durante a década de 1970. Portanto, não se trata de uma biografia sobre um Homem de Estado, mas um estudo histórico das idéias de mandatários como Geisel e Nixon, mas principalmente Silveira e Kissinger, que impactaram diretamente nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Leia Mais

Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825/1909): o patriarca do Serra Negra e a política oitocentista em Sergipe | José Ibarê Costa Dantas

Ibare Dantas 2009 Imagem Infonet Intercâmbios Acadêmicos
Ibarê Dantas (2009) | Imagem: Infonet

Resenhista

Samuel Barros de Medeiros Albuquerque – Professor da Universidade Federal de Sergipe (NMU/UFS). Doutorando em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: samuelalbuquerque@ufs.br .


Referências desta Resenha

DANTAS, José Ibarê Costa. Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825/1909): o patriarca do Serra Negra e a política oitocentista em Sergipe. Aracaju: Criação, 2009. Resenha de: ALBUQUERQUE, Samuel Barros de Medeiros. Sob a lupa de Ibarê. Ponta de Lança- Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. São Cristóvão, v.3, n. 5, p.117-121, out. 2009/abr. 2010. Acesso apenas pelo link original [DR].