Posts com a Tag ‘Saúde’
A Vulva é uma Ferida Aberta e Outros Ensaios | Gloria Anzaldúa
Gloria Anzaldúa | Imagem: American-Statesman
O ato de falar e de escrever é marcado por relações de poder e atravessado por modelos epistemológicos que tentam suprimir línguas e formas de existir (Conceição EVARISTO, 2021). Questiona-se: quem ousa falar tem o poder de se fazer ouvir? É da complexidade que envolve essa pergunta que sugerimos a leitura de Gloria Anzaldúa. A autora, ao produzir teorias sobre a sua existência nas fronteiras, dá cores e tons a sua linguagem insubmissa que desafiou os olhos do homem branco. A tradução do livro de Gloria Anzaldúa, A Vulva é uma Ferida Aberta e Outros Ensaios, foi lançada no Brasil em 2021, pela editora A Bolha.
O livro reúne seis ensaios e um poema produzidos em momentos distintos da sua carreira. Neles se encontra uma amálgama de discussões sobre as questões de mestiçagem, fronteira, raça, gênero, sexualidade, classe, saúde, espiritualidade, escrita e linguagem, que são questões centrais em sua obra. Cláudia de Lima Costa e Eliana Ávila (2021), tradutoras da obra de Gloria Anzaldúa no Brasil, assinam o prefácio do livro e destacam a importância da autora para o surgimento da discussão sobre diferenças – sexual, étnica e pós-colonial – no bojo feminismo norte-americano. Já o posfácio é um ensaio de AnaLouise Keanting (2021), professora na Texas Women’s University, em estudos de mulheres, e é a atual depositária do Gloria Anzaldúa Literary Trust. Nesse texto encontramos uma importante reflexão sobre as teorias mais recentes de Gloria Anzaldúa, pós-Borderlands/La Frontera, tornando a leitura de A Vulva é uma Ferida Aberta e Outros Ensaios ainda mais instigante. Leia Mais
Entre la vida y la muerte. Salud y enfermedad en el Uruguay de entresiglos | Andrés Azpiroz, Ana Cuesta, Gabriel Fernández e Laura Irigoyen
Entre a vida e a morte. Exposição | Imagem: Museo Histórico Nacional de Uruguay
Entre la vida y la muerte. Salud y enfermedad en el Uruguay de entresiglos es el catálogo de una muestra del mismo nombre organizada por el Museo Histórico Nacional en el marco de la celebración del Día del Patrimonio, que en el año 2020 el Ministerio de Educación y Cultura a través de la Comisión del Patrimonio Cultural de la Nación, tuvo como lema «Medicina y salud: bienestar a preservar» y homenajeó a la figura del Dr. Manuel Quintela (1865- 1928), el prestigioso médico que hacia 1910 tomó la iniciativa de crear el Hospital de Clínicas en el ámbito de la Facultad de Medicina de la Universidad de la República. El contexto excepcional de pandemia de COVID/19 que vivía el mundo en ese momento, envistió al Día del Patrimonio y a la exposición del Museo de un carácter singular.
La exposición Entre la vida y la muerte. Salud y enfermedad en el Uruguay de entresiglos fue inaugurada al público en la Casa Rivera del Museo Histórico Nacional el 3 de octubre de 2020, cuando comenzaron a reabrir los espacios culturales luego de la pandemia. Aunque estuvo disponible al público hasta el 29 de abril de 2022, durante 2020 permaneció cerrada en algunas ocasiones en función de la situación de la pandemia en el país. La muestra fue el resultado de un trabajo colaborativo entre el Museo Histórico Nacional, el Departamento de Historia de la Medicina de la Facultad de Medicina de la Universidad de la República, el Laboratorio de Microbiología de la Intendencia de Montevideo y el Espacio de Recuperación Patrimonial del Hospital Vilardebó. Contó además con las gestiones del historiador de la medicina Juan Gil Pérez y el aporte de coleccionistas privados como Andrés Linardi, Carlos Hernández y Fernando Lorenzo. Leia Mais
Peripheral nerve: health and medicine in Cold War Latin America | Anne-Emanuelle Birn e Raúl Necochea López
Anne-Emanuelle Birn | Imagem: University of Toronto
Scholars of Latin America are familiar with the narrative of the Cold War in the region. The stories we tell about the second half of the twentieth century often rely on narrative scaffolding provided by the Cold War; after all, the global influence of the ideological, political, economic, and military battles between the United States and Soviet Union permeated all aspects of people’s lives to various degrees. In these stories, the Latin American Third World is presented as influenced, persuaded, and pressured by the two global superpowers while politicians and policymakers made decisions about the path nations would take towards development and globalization (see, e.g., Smith, 2007). In Peripheral nerve: health and medicine in Cold War Latin America , Anne-Emanuelle Birn and Raúl Necochea López present a different way to look at the Cold War era in Latin America, with a more nuanced view of how different people in different places experienced, reacted to, and acted during the Cold War. This is not an alternative approach meant to decenter the Cold War: on the contrary, the authors and editors illustrate the complexity of the Cold War on the ground, on the so-called peripheries of development. This book demonstrates that people in Latin America had the “nerve” to face international pressures and make choices that, while under the veil of the Cold War dichotomy, had more to do with the individual local realities than the larger battle between First and Second Worlds. To learn how Latin Americans dealt with the Cold War on a local and international level this book is essential. Leia Mais
História da Mídia e Saúde (Parte 2) | Revista Brasileira de História da Mídia | 2021
No primeiro semestre de 2021, continuamos enfrentando a maior crise sanitária que o Brasil já teve. Foram cerca de 500 mil vidas perdidas e o processo de imunização da população brasileira continua lento. Mesmo assim, temos esperança de que todos possam ter acesso à vacina. Diante de situação tão grave, a Revista Brasileira de História da Mídia (RBHM) se solidariza com as famílias que perderam entes queridos, alguns dos quais familiares dos pesquisadores do campo da Comunicação.
A edição compartilha dessa dor coletiva e publica a segunda parte do dossiê “História da Mídia e Saúde”, contendo abordagens a respeito da doença e suas reverberações no campo social e cultural. São artigos contendo estudos que indicam a pluralidade de pesquisas que se relacionam à temática da saúde no tempo e em variados espaços. Leia Mais
As novas políticas sociais brasileiras na saúde e na assistência: produção local do serviço e relações de gênero | I. P. H. George e Y. G. dos Santos
O que há de novo nas políticas sociais brasileiras? Em que a discussão de gênero pode contribuir para pensar essa novas políticas? Mercantilização da pobreza, privatização e terceirização dos serviços na saúde e na assistência? Em que medida a experiência paulistana contribui para pensarmos o contexto de emergência e popularização de políticas voltadas a programas de transferência condicionada de renda? Ao lermos o título e o sumário do livro, surgem essas questões, que nos fazem avidamente percorrer cada página em busca de novos olhares e discussões sobre o tema. E, de fato, as autoras conseguem discutir cada um desses pontos ao longo desta obra, que é resultado de uma extensa pesquisa de caráter etnográfico na periferia da maior cidade da América Latina.
A zona leste da cidade de São Paulo representa um lócus emblemático devido ao seu histórico de lutas por acesso a direitos sociais. Apesar disso, atualmente, a área é considerada uma das zonas mais socialmente vulneráveis da cidade. É nesse local, mais especificamente em três bairros periféricos da região, que as autoras buscam analisar a presença do Estado por meio de observações participantes e entrevistas semidiretivas com profissionais que atuam ao longo da cadeia dos serviços da saúde e da assistência, bem como com as usuárias destes. Leia Mais
La salud en Chile. Una historia de movimentos, organización y participación social | Carmen Muñoz Muñoz
El libro La salud en Chile. Una historia de movimientos, organización y participación social fue escrito por la Dra. Carmen Muñoz y publicado por Ediciones UACh. El texto se presenta de manera muy atractiva, no sólo para profesionales del ámbito de la salud, sino también para otras disciplinas, como Trabajo Social, Historia, Ciencias Políticas o cualquier otra interesada en conocer la injerencia, desde una óptica sociohistórica, de los movimientos sociales en las políticas de salud.
La Dra. Muñoz busca construir un relato historiográfico del movimiento social relacionado con la salud en Chile, lo que pone en tensión y contexto el estado actual de la salud en el país. Para lo anterior, recurre a la perspectiva de la Salud Colectiva, posicionamiento declarado por la autora para realizar un análisis diacrónico que reconstruye diversos episodios de forma cronológica, lo que permite interpretar la relación entre los movimientos sociales y la salud. Así, la obra emplea diversas voces para construir una panorámica de la participación social en salud, empleando entrevistas a expertos/as, análisis documental en prensa escrita y revistas, revisión de textos históricos, entre otros. Leia Mais
Hospitais e saúde no Oitocentos: diálogos entre Brasil e Portugal | Cybelle Salvador Miranda
Por um vasto oceano uniram-se dois continentes, com uma língua e um passado partilhados. Entre as viagens, sobreveio um profícuo e interessante linguajar oitocentista entre vários actores e instituições portugueses e brasileiros. Essas “conversas”, influenciadas por uma Europa de referência elitista, por um maior poder económico e um rápido incremento de estatuto social, foram cruciais para a apropriação e a utilização de conceitos na arquitetura da época. Cybelle Salvador Miranda e Renato da Gama-Rosa Costa, no livro Hospitais e saúde no Oitocentos: diálogos entre Brasil e Portugal , publicado em 2018, pela Editora Fiocruz, organizam relatos históricos de uma viagem icónica entre esses dois mundos que, aparentemente diferentes, beberam da mesma fonte.
Os diversos poderes imperiais e não imperiais que, nesse arco cronológico, sofreram metamorfoses são, também, agentes produtores de registos cruciais, pois, em última análise, a decisão é um poder executivo. Nessa obra, não são apenas os detalhes históricos centrados em sistemas governativos, mas também as visões dos doentes para com os seus decisores, invertendo a narrativa para ilustrar a importância da doença e do tratamento – o relato pelas elites resulta, normalmente, numa linha histórica rapidamente solúvel. As diversas peças do puzzle são extensivamente analisadas nos textos, entre as quais a questão da mudança da direcção médica das instituições, a consolidação científica, a título de exemplo. A arquitetura é um “espelho de Alice” que, além de refletir imagens da sua realidade, revela, por detrás, um mundo desconhecido de premissas e locuções – as mesmas que, também, o livro desvenda. Leia Mais
Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental – PORTO (TES)
PORTO, Marcelo Firpo de Souza. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012, 2. ed., 270 p. Resenha de: MIRANDA, Ary Carvalho de; TAMBELLINI, Anamaria Testa. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.12, n.1, jan./abr. 2014.
A abordagem de Marcelo Firpo de Souza Porto, em Uma ecologia política dos riscos…, traz uma contribuição valorosa ao debate, não só acadêmico, mas do conjunto da sociedade, sobre os riscos à saúde humana e ao ambiente a que estamos submetidos, decorrentes do modelo de desenvolvimento socioeconômico em curso. A partir da identificação dos conflitos socio-ambientais, fundamenta, com a complexidade conceitual que este campo de conhecimento e- prática exige, o escopo metodológico de abordagem de riscos ambientais e ocupacionais, não só fazendo a crítica aos modelos reducionistas utilizados, mas também apontando para caminhos que nos permita um desenvolvimento que tenha como preocupação fundamental a condição humana.
A compreensão sobre Vulnerabilidade Social é colocada no centro deste estudo como fio condutor da construção metodológica sobre os riscos, numa perspectiva integradora de diversos campos de conhecimentos, incluindo aqueles oriundos de fora do meio acadêmico. Deste modo, a sabedoria que provém da experiência das pessoas atingidas pelos problemas estudados se constitui também num pilar fundamental na construção do conhecimento necessário aos seus enfrentamentos. Unificando a ciência acadêmica com o conhecimento advindo de fora dela, no exercício da transdisciplinaridade, o autor nos apresenta caminhos mais consistentes aos desafios dos riscos em contexto no qual as complexidades tecnológicas de sistemas e produtos consumidos pela sociedade já não permite conferir à Ciência Normal e ao Estado a exclusividade de seus enfrentamentos. Os vários exemplos de acidentes ampliados, decorrentes de tecnologias complexas, como as tragédias de Chernobyl e Bhopal, apenas para citar dois acidentes que ganharam enorme notoriedade, pela gravidade e extensão, atestam esta realidade.
É preciso, portanto, desnaturalizar e contextualizar o risco, com base em uma visão crítica às concepções tecnicistas que sistematicamente desconsideram as populações afetadas, sobretudo as mais vulneráveis. Tal contextualização permitirá também estabelecer conexões entre os fenômenos locais e aqueles de natureza mais global, conferindo à análise das situações concretas de riscos a capacidade de articulá-los aos modelos socioeconômicos que imperam no mundo globalizado em que vivemos. Esta opção, particularmente, destaca o autor, “não é apenas uma técnica didática para facilitar a vida do leitor”, mas tem sua origem numa concepção teórico-filosófica que faz parte dos vários conflitos que marcam a crise da chamada Ciência Normal, tal como formulada por Thomas Kuhn, em A estrutura das revoluções científicas. Trata-se, então, de uma cosmologia que coloca o universo epistemológico necessariamente mediado pela ética, sem a “neutralidade” propagada pela ciência moderna e que supera a dicotomia entre o pesquisador e seu objeto de estudo. É uma abordagem metodológica que permite que o conhecimento gerado para construção de soluções concretas, diante dos riscos a que estamos submetidos, possa ser apropriado pelo conjunto da sociedade, proporcionando soluções compartilhadas, fazendo da ciência um componente importante na tomada de consciência social e adoção de medidas que possam pavimentar não a sustentabilidade do modelo vigente, mas uma sociedade sustentável.
Tendo tais princípios como referência às abordagens metodológicas para prevenção de riscos ambientais e ocupacionais em suas complexidades, o autor destaca que não existem respostas fáceis nem exclusivas. O desafio deve incorporar, de forma integrada, conceitos provenientes de diversos campos de conhecimento, tais como a saúde coletiva, as ciências sociais, as ciências ambientais, a ecologia política e a economia ecológica. Com esse pressuposto, estrutura o trabalho em cinco capítulos, traçando um recorrido que começa apresentando os referenciais empíricos e teóricos, ponto de partida fundamental aos estudos de riscos. Já neste momento está destacada a incorporação das dimensões éticas e sociais inerentes à sua abordagem, sustentando a necessidade de superação dos limites reducionistas para compreensão dos territórios. Tal superação será buscada nos postulados de Milton Santos sobre o território, ou seja, é um lugar de projetos e disputas, de onde emergem, ademais, questões sociais, ambientais e de saúde. É nos territórios onde a vida se constrói, expressando as contradições de uma sociedade estratificada econômica e socialmente. Esta estratificação gera contextos diferenciados, tornando inadequada a generalização de modelos científicos na análise, controle e prevenção de riscos. Nessa diferenciação se expressa a vulnerabilidade de grupos sociais, reveladora da lógica de modelos de desenvolvimentos que se dão em nome do crescimento produtivo, que concentra poder e riqueza ao mesmo tempo que gera exclusão social e pobreza. É nesse cenário que o autor traz o conceito de ‘vulnerabilidade’ como elemento central para o desenvolvimento de análises integradas e contextualizadas dos riscos. A partir deste conceito, destaca suas diversas dimensões, prioriza a Vulnerabilidade Social como componente fundamental do pro- cesso analítico, articula o local e o global, revela as limitações da Ciência Normal e assume uma nova base epistemológica: as concepções da Ciência Pós-normal, tal como formulada por Funtowics e Ravetz.
Deste modo, as respostas sociais tornam-se componente de destaque na perspectiva de enfrentamento dos riscos socioambientais. O autor enfatiza, então, a importância do Movimento pela Justiça Ambiental e as ações solidárias em rede, como manifestações dos movimentos sociais voltadas para a transformação da realidade e destaca o princípio da precaução, colocando-o como desafio civilizatório no enfrentamento das incertezas decorrentes da complexidade tecnológica, que cada vez mais é incorporada à vida social. Nesta dimensão, a incerteza passa a assumir condição de destaque nas avaliações de risco. E são vários os tipos de incertezas assignados. Vão da incerteza técnica, relacionada, por exemplo, à qualidade de bases de dados utilizados para a formulação de cálculos, passando pela incerteza metodológica, expressa na margem de valores relacionados a intervalos de confiança, chegando à incerteza epistemológica, esta a mais grave, pois, conforme assinalado no livro, expressa uma “lacuna estrutural entre o conhecimento disponível e a capacidade de analisar e realizar previsões acerca do problema analisado”.
Para melhor precisar o referencial conceitual analítico na análise dos riscos, ou seja, a Vulnerabilidade, e, apoiado nos marcos da epistemologia ambiental da ciência Pós-normal, o trabalho destaca que a Vulnerabilidade é um conceito polissêmico, utilizado em diversos campos de conhecimentos e, portanto, em diversas situações. No mundo fisicalista, analisado pela física, química e as engenharias, a Vulnerabilidade está relacionada a máquinas, instalações e processos produtivos possíveis de acidentes e falhas. Trata-se de uma abordagem funcionalista, cujo universo considera apenas a perda de função do sistema técnico. A ergonomia francesa do pós II Guerra dá uma passo adiante com relação a esta abordagem reducionista, ao transformar sistemas técnicos em sociotécnicos, relacionando, assim, a confiabilidade técnica à humana.
No mundo da vida, analisado pelas ciências biológicas e biomédicas, a Vulnerabilidade é um conceito relacionado aos sistemas complexos dos seres vivos, envolvendo organismos e ecossistemas. No universo da biologia e da ecologia, é considerada como perda de vigor, incapacidade adaptativa ou descontinuidade de espécies ou ecossistemas. Na biomedicina, a noção de vulnerabilidade está referida à existência de indivíduos ou grupos sociais suscetíveis com predisposição para contração de doenças diante de situações de risco. Ao desconsiderar as dimensões sociopolíticas, econômicas, culturais e psicológicas, na análise das situações de saúde, este paradigma reduz a vida a sua dimensão biológica ou genética, cujo exemplo histórico ficou cunhado na difusão da eugenia aplicada pelos nazistas para produzir, com base na seleção humana sustentada pela genética, a superioridade de certas ‘raças’.
Na perspectiva de superação do reducionismo do paradigma biomédico, o campo da saúde pública passa a incorporar elementos sociais, culturais e econômicos na análise de situações de riscos a determinadas doenças. Será, então, no mundo do humano que a noção de Vulnerabilidade ganha sua dimensão mais complexa, estando relacionada a sistemas sociais, sociotécnicos e de relações de poder. Tem, então, como campos de conhecimento as ciências sociais e humanas, assim como a filosofia, exigindo que questões de natureza ética e moral sejam incorporadas às suas análises. Visto sob esta perspectiva, o estudo destaca a natureza humana e social da Vulnerabilidade, valorizando os processos históricos no condicionamento dos riscos gerados pelos modelos de desenvolvimento econômico e tecnológico. Trata-se, então, de considerar Contextos Vulneráveis. Nesses contextos, o conceito de Vulnerabilidade Social protagoniza-se e está tipificado em dois componentes: o das populações vulneráveis, aquelas mais atingidas em situações de injustiça ambiental, e aquele relacionado ao Estado e à sociedade civil.
O primeiro componente, chamado de ‘Vulnerabilidade Populacional’, corresponde a grupos sociais submetidos a determinados riscos, decorrentes de maior carga de danos ambientais que incidem em populações de baixa renda, grupos sociais discriminados, grupos étnicos tradicionais, bairros operários e populações marginalizadas em geral. Expressam-se, por exemplo, através de discriminação social e racial, que se concretizam por desigualdades no acesso à renda, educação, moradia, proteção social, atenção- à saúde, assim como em precárias relações de trabalho. São grupos sociais muitas vezes ‘invisíveis’, com baixa capacidade de organização e influência nos poderes decisórios, situação que contribui, também, para a invisibilidade dos riscos a que estão submetidos, tornando-os ainda mais vulneráveis.
O segundo componente, a Vulnerabilidade Institucional, relaciona-se ao papel do Estado, envolvendo capacidade institucional (incluindo recursos técnicos e humanos), assim como as políticas econômicas, tecnológicas e arcabouço jurídico. Resulta de relações complexas de alcance internacional, nacional e local, expressando contradições e disputa de interesses decorrentes do antagonismo de classes. No escopo deste componente da Vulnerabilidade Social, o autor destaca o fenômeno da globalização atual que procura impor a quebra de barreiras de proteção aos Estados nacionais, fazendo fluir fluxos financeiros internacionais, cuja dinâmica pode produzir colapsos em economias nacionais, com importantes impactos sociais.
Por fim, são expressos 11 princípios norteadores da proposta de análise integrada e contextualizada de riscos em situações de vulnerabilidade e injustiça ambiental, no sentido de proporcionar uma visão abrangente dos problemas ambientais e ocupacionais, em situações de importantes desigualdades sociais, como é caso da realidade brasileira. Englobam a ecologia política dos riscos; a visão ecossocial da saúde humana; os aspectos multidimensionais e cíclicos dos riscos; as relações entre os níveis local e global; a necessidade de integração de conhecimentos e práticas; o agravamento dos ciclos do perigo em contextos vulneráveis; as singularidades de contextos onde os riscos ocorrem; a importância do conhecimento local e das metodologias participativas nas abordagens analíticas dos riscos; as incertezas inerentes a situações de risco; a importância da prevenção, precaução e promoção e o destaque às articulações dos movimentos sociais no enfrentamento das ameaças. São, em verdade, 11 pilares sobre os quais a análise integradora de situação de risco é sustentada com maior firmeza metodológica.
Toda esta construção metodológica traz consigo a busca de uma “ciência sensível” superando as dicotomias estabelecidas entre o técnico, o humano e o social, incrustadas nos discursos e práticas reducionistas da ‘ciência normal’. Com esta superação articula técnicos, cientistas, trabalhadores e cidadãos em geral na defesa da vida e da democracia. Enfim, é um trabalho solidário, justo e de grande densidade intelectual, refletindo a possibilidade concreta de encontros produtivos da ciência com os afetos.
Ary Carvalho de Miranda – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: ary@fiocruz.br
Anamaria Testa Tambellini – Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: anatambellini@gmail.com
[MLPDB]Na saúde e na doença: História, Crises e Epidemias. Reflexões de História Econômica na época da Covid-19 | Rita de Cássia da Silva Amico
Diante da crise pandêmica que se alastra no Brasil e no mundo, os estudos sobre a COVID-19, nas mais diferentes áreas das ciências, ganharam forças no meio acadêmico. Nesse cenário, foi produzida a obra Na saúde e na doença: História, Crises e Epidemias, Reflexões de História Econômica na época da Covid-19. O livro foi organizado por Rita de Cássia da Silva Almico, docente da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), por James William Goodwin Jr., professor de História do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) e por Luiz Fernando Saraiva, professor adjunto do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O prefácio faz menção a Eric Hobsbawn e às suas análisessobre a saúde e as doenças. O falecido historiador deu sua contribuição no sentido de pensar as complexas relações entre as doenças e as sociedades; destacar as formulações da ciência e das pessoas a respeito do corpo e sobre os conflitos que existiam (e existem) decorrentes de visões distintas; refletir sobre as causas das doenças e dos condicionantes sociais que as propagam e combatem. Todas essas questões permanecem atuais.
Na saúde e na doença é escrito por profissionais de diferentes áreas, tais como História, Geografia, Economia e Sociologia. A primeira parte do livro, intitulada “Pandemia vem do grego”, se inicia com o texto do historiador Alexandre Santos Moraes, “Apolo e as marcas de sua epidemia na Ilíada”, texto no qual o autor procura sintetizar as marcas das epidemias na Ilíada, de Homero. Moraes faz menções à peste ateniense, ocorrida em 429 a.C., que levou a óbito Péricles, como descrito por Tucídides, na guerra do Peloponeso, e enfatiza, inclusive, as disputas entre Aquiles e Agamêmnon naquele contexto. No capítulo “A peste em Atenas de Péricles”, o historiador Alexandre Carneiro Cerqueira Lima analisa a peste em Atenas descrita por Péricles e o elogio aos mortos, realizado em um funeral coletivo representando o corpo social.
A segunda parte do livro tem por título “Conhecimento é poder (I): doenças, saberes médicos e ordem política”. O capítulo incial, “Cirurgiões e seus saberes práticos em Minas setecentistas”, escrito pela museóloga Ethiel Mizrahy Cuperschmid e por Maria do Carmo Salazar Martins, é parte de um estudo sobre a saúde dos escravos, no século XVIII, que eram submetidos a maus tratos e pouca alimentação e desprotegidos de doenças e pragas. As autoras abordam como, diante das adversidades das doenças, a medicina religiosa se espelhava na vida dos santos e dos mártires e em sua devoção para rogar ao todo poderoso a cura ou a solução de problemas. O historiador mineiro José Newton Coelho Meneses é autor do capítulo “’Águas passadas […] movem moinhos’, água, abastecimento, higiene e o processo saúde-doença na modernidade”, que procura analisar os processos de saúde e doença na modernidade. Ainda nesta segunda parte, Glauber Miranda Florindo, em “Epidemia e Estado: um “jogo” antigo ainda jogado”, analisa o Brasil do século XIX, em especial a atuação das câmaras municipais frente às epidemias.
Na terceira parte, intitulada “Gente vendida, doenças circulando: daquilo que não se quer ver”, o historiador Roberto Borges Martins, em “Gripes, micróbios e lombrigas: nota sobre a primeira globalização da era moderna”, afirma que, quando os espanhóis chegaram à América, as populações do México e do Peru tinham, há muitos séculos, densidade suficiente para sustentar as epidemias transmitidas de pessoas para pessoas. Já Luiz Fernando Saraiva, no capítulo “O fim do tráfico, o fim de um mundo e o início de outro”, sintetiza o fim do tráfico e o início de um novo mundo”. Nesse texto, o autor retoma uma das primeiras discussões historiográficas, sobre o porquê de o Brasil se manter coeso no processo de independência do final do século XVIII, ao contrário da América espanhola, que se fragmentou em dezenas de países. Elione Silva Guimarães, em “As pandemias e as populações invisíveis: do Brasil do século XIX ao Brasil da COVID-19”, procura fazer comparações entre as epidemias que afetaram as populações do Brasil no século XIX e no ano de 2029, enquanto Silvio Humberto Passos Cunha, em “Negro drama: um olhar sobre Salvador nesses tempos de pandemia Covid-19”, analisa os espaços sociais de Salvador diante do tema do “Negro drama”.
A quarta parte do livro tem por título “O perigo mora ao lado: doenças no espaço urbano”. Para Pedro José de Oliveira Machado, autor do capítulo “Economia, saúde e comportamento social em dois momentos da história de Juiz de Fora”, o ano de 2020 ficará marcado por pandemias que afetarão as relações sociais e pessoais na cidade de Juiz de Fora. O autor remonta, ainda, aos séculos XIX e XX para abordar as relações entre economia e salubridade. Carlos Henrique Carvalho Ferreira Jr. e Fania Fridman, no texto “Epidemias e ordem pública: a cidade do Rio de Janeiro no século XIX”, tratam de aspectos das epidemias que afetaram o Rio de Janeiro no século XIX. No capítulo “São Paulo na década de 1890 e em 2020: epidemias, enfrentamentos e reprodução de desigualdades”, Fábio Alexandre dos Santos analisa as epidemias nos anos 1890 e em 2020, bem como as reproduções das desigualdades nesses contextos. A quarta parte se conclui com o texto de Maria Alice Rosa Ribeiro, “História que as epidemias nos contam”, que analisa os questionamentos que não estavam presentes na documentação sobre as epidemias de febre amarela no final do século XIX.
Na quinta parte do livro, “A peste, a fome, a guerra e a morte: os quatro cavaleiros da crise”, Jorge Prata de Souza escreve “Epidemias e condições de saúde: a cólera durante a guerra do Paraguai”, texto no qual analisa as epidemias durante a guerra do Paraguai. Marcos Lobato Martins, em “Tifo murino, cólera-morbo e o declínio da Companhia do Mucuri”, analisa as doenças nas terras da bacia do Mucuri durante o período colonial. Já James William Goodwin Jr., em “A peste e a fome: dois cavaleiros visitam Diamantina, MG”, analisa a questão das epidemias na cidade de Diamantina em Minas Gerais. Teresa Cristina de Novaes Marques, em “Epidemia e cerveja: um paralelo entre 1918 e 2020”, compara dois diferentes tipos de epidemias ao longo de cem anos. Rita de Cássia da Silva Almico, em “A morte sem pudor: reflexões sobre duas gripes”, analisa as mortes diante da gripe espanhola e as mortes provocadas pela COVID-19.
Na sexta parte do livro, intitulada “A bolsa ou a vida: política econômica para pensar as crises”, João Felippe Cury Marinho Mathias, no capítulo “Não há alternativa? Uma breve reflexão sobre o falso dilema ético e os efeitos da pandemia”, analisa as questões que envolvem os efeitos morais e éticos da epidemia. Ivan Colangelo Salomão, em “Crise econômica, aprendizado político: a repetição trágica e farsesca da história”, analisa as crises econômicas presentes nos momentos em que as pandemias surgem. Victor Leonardo de Araujo, em “Crise econômica e ajuste fiscal: o que o Paeg nos ensina?”, sintetiza seu pensamento sobre o que o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) representa nas crises econômicas e sobre os ajustes fiscais promovidos pelo governo Brasilero. Fábio Pensavento conclui a sexta parte do livro com o capítulo “As crises financeiras do século XX e a COVID-19: comparar para medicar?”, no qual analisa as crises econômicas que cercam a pandemia de COVID-19.
Na sétima parte do livro, “Conhecimento e Poder (II): solidariedade em tempos doentes”, Luiz Eduardo Simões de Souza escreve “A epidemia de meningite da ditadura militar”, texto no qual analisa a crise de meningite durante o regime militar, demonstrando como o golpe de 1964 e a ditadura que a ele sobreveio representaram uma ruptura no direcionamento das políticas de saúde. O alinhamento político dos golpistas com o interesse externo e em benefício de setores detentores dos meios produtivos no país demandou que, uma vez no poder, se realinhasse a distribuição do produto em favor dos partícipes do butim. Aline Cristina Laier e Fernando Gaudereto Lamas, em “Acesso desigual ao conhecimento científico e seus recursos: uma breve análise sobre a epidemia do ebola na África”, analisam as epidemias de ebola no continente africano. O vírus que ganhou o nome de ebola já havia sido identificado desde a década de 1970, mais especificamente em 1976, mas só ganhou notoriedade mundial na década de 1990, quando a imprensa internacional noticiou não somente a propagação do surto da doença em países africanos, como também a possibilidade de sua expansão para outros países, especialmente da Europa. No capítulo “Resistências nos tempos de pandemia no Brasil e na Argentina”, Flávia Braga Vieira e Javier W. Ghibaldi indicam que há tempos os historiadores têm apontado a solidariedade e o comunalismo como valores que marcam e definem as lutas dos oprimidos. Os autores apontam para as propostas de organização de relações de trabalho mais igualitárias e de ajuda mútua, em oposição às mercantis capitalistas, reivindicadas hoje por cooperativas populares e redes de ajuda mútua, mas que já apareciam, de forma explícita, nos países centrais no sáculo XIX, justamente quando o projeto capitalista triunfava como sistema global. No Brasil, o momento mais expressivo da conjunção destas duas influências se deu no final da ditadura militar, mais especificamente no final dos anos 1970 e ao longo de toda a década de 1980, em um contexto de redemocratização pela base. Já na Argentina, as lutas nos bairros e nas fábricas fazem parte de uma forte identidade de classe operária e da própria formação urbana ao longo do século XX.
O livro Na saúde e na doença: História, Crises e Epidemias, Reflexões de História Econômica na época da Covid-19 representa uma tentativa de se pensar a história das epidemias dentro de um contexto global e de refletir sobre ações adotada por cada sociedade analisada e sua devida importância para o presente.
Resenhista
Douglas de Castro Carneiro – Mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Bolsista CAPES-FAPEG. E-mail: douglascarneiiro229@gmail.com
Referências desta Resenha
ALMICO, Rita de Cássia da Silva; GOODWIN, James William; SARAIVA, Luiz Fernando (Org.). Na saúde e na doença: História, Crises e Epidemias. Reflexões de História Econômica na época da Covid-19. São Paulo: Hucitec, 2020. Resenha de: CARNEIRO, Douglas de Castro. Politeia: História e Sociedade. Vitória da Conquista, v. 19, n. 1, p. 164-167, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]
l Sitio Chenque I. Un cementerio prehispánico en La Pampa occidental. Estilo de vida e interacciones culturales de cazadores recolectores del Cono Sur americano – BERÓN (IA)
BERÓN, Monica (Comp.). El Sitio Chenque I. Un cementerio prehispánico en La Pampa occidental. Estilo de vida e interacciones culturales de cazadores recolectores del Cono Sur americano. Buenos Aires: Sociedad Argentina de Antropología, Buenos Aires, sd. 532p. Resenha de: DILLEHAY, Monica. Violencia, salud y vida social expresada en patrones mortuorios de cazadores y recolectores de La Pampa. Intersecciones en Antropología, Buenos aires, v.20, n. 2, ago./ dic., 2019.
Mónica Berón y sus colegas presentan un excelente análisis interdisciplinario de las prácticas de entierro para explorar las relaciones de salud, sociales y demográficas de los cazadores y recolectores en el cementerio de Chenque I en el Parque Nacional de Lihué Calel en La Pampa occidental.
El sitio data de hace 1050 a 290 años, con un hiato entre 700 y 400 AP, probablemente debido a la sequía y el abandono en la zona. Los datos son únicos en calidad y detalle debido al énfasis en el uso a largo plazo, pero intermitente, del cementerio comunal. Al ver los entierros en el cementerio como elementos activos de distintos grupos sociales a lo largo del tiempo, los autores analizan un conjunto de datos locales que demuestran el uso de ciertas tradiciones de entierro y las diferencias socioculturales, y cómo ciertos factores afectaron la deposición y preservación del entierro. Además, las prácticas mortuorias expresan una igualdad social abierta y una membresía comunitaria más inclusiva a medida que los niños se incorporaban al cementerio.
En general, los datos de entierro sugieren los cambios diacrónicos en el género, las definiciones de grupos sociales y la salud, aunque en tiempos históricos tempranos se muestran estados sociales ligeramente diferentes, pero no tanto entre los sexos como entre las edades.
Más específicamente, el diseño espacial de los entierros –principalmente en forma de paquetes discretos temporalmente– y el tratamiento de cuerpos en Chenque I demuestran varias fases de desarrollo. En las fases iniciales, los entierros eran primarios simples, secundarios simples y múltiples y disposiciones simples. Para las fases posteriores, los entierros más complejos están presentes en forma de primarios dobles y presentan diferentes formas de tratamiento de los cuerpos. Los entierros posteriores se agrupan, mientras que los más tempranos se colocan al azar, y los posteriores muestran una progresión hacia una mayor complejidad social.
Uno de los períodos más interesantes de la práctica mortuoria es entre 400 y 290 AP, el período histórico, cuando hay más violencia evidenciada en los huesos y cuando los muertos, en su mayoría, estaban envueltos con pieles pintadas adornadas con cuentas de materias primas malacológicas. También, la falta de entierros intrusivos de periodos sucesivos y la separación espacial de los grupos de entierros en diferentes paquetes sugieren que el cementerio representa un lugar de memoria y posiblemente un conocimiento de dónde se ubicaron los entierros anteriores.
Berón examina bienes y adornos (e.g., tocados, cuentas, metales) asociados con los cuerpos, que en ocasiones incluyen materiales exóticos importados como turquesa, cobre nativo, cobre estannífero y plata, derivados a través de adquisiciones directas y, más probablemente, “down-the-line”, intercambio presumiblemente de los Andes del noroeste de Argentina o del sur de Bolivia. La presencia de metal a partir de 1000 años es la más temprana en las regiones pampeana y patagónica. El estudio de Cimino y Pastorino (pp. 263-284) sobre la malacología de las cuentas demuestra la importación de conchas de los océanos Pacífico y Atlántico. Hay tocados que demarcan a ciertos individuos, en un caso especial tal vez un guerrero. Diferentes tratamientos de entierro y adorno están presentes para niños y adultos. En resumen, se analiza el papel de los tipos de bienes y adornos para la identificación sociocultural, y el análisis de los bienes y sus asociaciones con cuerpos de diferentes sexos y edades es especialmente exitoso. El estudio detectó algunas pruebas de estatus de individuos y mostró diferencias en los que recibieron un tratamiento de entierro ligeramente especial, como el posible guerrero.
El análisis de la salud es algo diferente de otros temas examinados, ya que señala con poca frecuencia las diferencias de edad y sexo entre los cuerpos.
El estudio de Luna (pp. 101-136) sobre el perfil de mortalidad revela lo que parece ser un número excesivo de jóvenes enterrados, con un gran número de muertes antes de los 10 años. Aunque casi la mitad de la población total nunca llegó a la edad adulta, muchos otros murieron entre los 20 y 40 años de edad, en concordancia con los perfiles de mortalidad de otras sociedades de cazadores-recolectores prehistóricos de todo el mundo. La edad promedio en el momento de la muerte no cambió drásticamente con el tiempo o incluso difirió mucho entre hombres y mujeres adultos.
El análisis de hipoplasia del esmalte, caries, hiperostosis porótica / cribra orbitalia, periostitis y, en particular, trauma / fracturas, produjo algunos resultados interesantes. La cantidad de daño post mortem a los esqueletos, especialmente en el ambiente seco del desierto del sitio, es algo sorprendente. Los estudios de Di Donato (pp. 137-164) y Oliva (165- 176) sobre los huesos, la entomología y otros análisis revelan daños significativos en algunos casos. El estudio de Aranda y Araujo de paleoparásitos (pp.
327-340) también indica alteraciones considerables de los huesos. Además, Diana (pp. 341-365) estudió el estrés físico en los huesos adultos, que mostró diferencias por edad y sexo que se relacionan principalmente a diferentes tareas de trabajo. Luna y Aranda (pp. 419-452) también revelaron diferentes patrones bucales a lo largo del tiempo y por edad y sexo. El estudio de Musaubach y Babot (pp. 397- 418) de los microrresiduos en los dientes reveló el consumo de Bromus y otras plantas comestibles.
Uno de los patrones más notables del registro de entierros de Chenque I, especialmente en los últimos tiempos, es la evidencia de violencia y guerra. Al parecer, hubo dos períodos de conflicto mayor: 1050-700 AP, cuando dicho conflicto pudo haber sido más restringido y regional, y 435-290 AP, cuando hubo una interacción intergrupal más intensa y una contienda interétnica más amplia, que es el período colonial. En esta última etapa, la violencia puede haberse asociado con una mayor movilidad, la llegada de nuevos grupos y la disputa por las rutas de intercambio en los Andes hacia el oeste, con un mayor contacto entre diferentes grupos de diferentes áreas (especialmente la región de Araucanía y Chubut). Los estudios de Barberena et al. (367-395) sobre los isótopos confirman la presencia de entierros locales y no locales y sugieren un movimiento transandino entre el este u oeste durante el último período. La presencia de adornos de concha marina de los océanos, tanto del Pacífico como del Atlántico, también sugiere un movimiento y/o intercambio entre el este u oeste. Sin embargo, como se señaló anteriormente, debe haber habido algún intercambio y movimiento hacia el norte, como lo sugiere la presencia de turquesa y cobre.
El estudio de los artefactos líticos por Velárdez (pp.173-223) y Carrera Aizpitarte (pp. 225-262) revela la diversidad tecnológica y las materias primas derivadas de fuentes locales y no locales; también evidencia la movilidad y el intercambio entre áreas.
En un capítulo al principio del libro, Molinari (pp. 49-74) analiza la comunidad moderna de Lihué Calel y su participación en la arqueología del parque nacional y en el patrimonio cultural en general.
El libro termina con una larga discusión entre Guastavino, Berón y Di Biase (pp. 497-525) acerca de temas similares, que muestra que el sitio del cementerio no solo es para los muertos prehistóricos sino también para la sociedad actual.
Este estudio mostró que la sociedad de cazadores- recolectores de la Pampa occidental no era tan simple como podríamos haber imaginado. Con la metodología interdisciplinaria y la base de datos presentada para Chenque I, los arqueólogos pueden comparar el sitio con diferentes características de entierro en otros sitios, utilizando una variedad de factores y períodos de tiempo para obtener una imagen más clara respecto de si otras sociedades de cazadores y recolectores en el Cono Sur y en otros lugares osciló en composición social y complejidad a lo largo del tiempo. A lo largo de la historia, muchas sociedades de cazadores y recolectores en todo el mundo parecen haber pasado de niveles más bajos a niveles más altos de complejidad social.
La metodología del libro también es útil por su configuración intertemporal, que permite a los investigadores de Chenque I ajustar bien las identificaciones temporales y culturales de las diferentes fases de uso del sitio. En resumen, el libro pretende ser una nueva línea de base para los estudios de enterramiento en el Cono Sur (y en otros lugares), en los que los académicos pueden usar los datos resumidos y las tendencias de enterramiento para explorar estos problemas y analizar de manera más sistemática los diferentes sitios, períodos y culturas.
Al final, al igual que con cualquier estudio a gran escala, hay problemas y nuevas preguntas sin respuestas. Por ejemplo, me gustaría haber visto más información sobre los patrones de asentamiento locales o regionales que relacionen el cementerio con otros tipos de sitios, especialmente con cualquier sitio residencial conocido posiblemente vinculado a Chenque I. También pensé que debería haber un análisis más comparativo del sitio con otros cementerios de cazadores-recolectores en todo el continente, especialmente con respecto a la violencia doméstica e intergrupal. También se necesita más explicación del significado de los paquetes de entierro separados. Finalmente, quizás en el futuro se puedan realizar análisis genéticos en una muestra de individuos de diferentes paquetes para probar sus afinidades locales y no locales.
A pesar de estas pocas preocupaciones, el libro de Berón y sus colegas trata sobre uno de los mejores y más minuciosamente investigados sitios de cementerios de cazadores-recolectores prehistóricos e históricos en América del Sur. Es una lectura obligada para profesionales y estudiantes interesados en este nivel de la sociedad indígena y específicamente en los patrones mortuorios. Este volumen establece un nuevo estándar para investigaciones científicamente rigurosas que se acompañan de interpretaciones intuitivas de la base de datos y asociaciones con la comunidad viva local. Todos los capítulos están bien concebidos y repletos de datos empíricos. Berón y sus colegas también son diligentes en revelar cualquier sesgo y el contexto dentro del cual se acercan al registro arqueológico.
Sería refrescante si presenciáramos mucho más de este tipo de arqueología.
Tom D. Dillehay – Universidad de Vanderbilt, EEUU, Department of Anthropology / Universidad Austral de Chile, Puerto Montt, Chile, Nashville, TN 37325, Estados Unidos. E-mail: tom.d.dillehay@vanderbilt.edu.
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Cultura, politecnia e imagem – ALBUQUERQUE et al (TES)
ALBURQUERQUE, Gregorio G. de; VELASQUES, Muza C. C; BATISTELLA, Renata Reis C. Cultura, politecnia e imagem. Rio de Janeiro: EPSJV, 2017. 318 pp. Resenha de: GOMES, Luiz Augusto de Oliveira. A materialidade da cultura: uma nova forma de ler o mundo. Revista Trabalho, Educação e Saúde, v.17, n.2, Rio de Janeiro, 2019.
O livro Cultura, politecnia e imagem,organizado por Gregorio Galvão de Albuquerque, Muza Clara Chaves Velasques e Renata Reis C. Batistella, publicado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fundação Oswaldo Cruz, apresenta um panorama ampliado do conceito de cultura a partir de três eixos de análise que se complementam: (1) Cultura, educação, trabalho e saúde; (2) Cultura, educação e imagem; e, (3) Cultura e cinema. Os 20 autores que assinam os 15 artigos do livro apresentam importantes contribuições para compreender a materialidade da cultura nos tempos atuais.
No eixo “Cultura, educação, trabalho e saúde”, ao debater cultura, os autores se fundamentam especialmente no materialismo histórico dialético para refletir sobre o conceito ampliado do termo. É interessante observar a defesa de uma concepção de cultura imbricada dialeticamente com todas as instâncias dos processos de produção da vida social, refutando a tradição idealista que busca na cultura algo puro e apartado do “reino dos conflitos e contradições” (p. 25). Além da crítica ao idealismo, é crucial destacar as reflexões acerca das obras de Eduard Palmer Thompson e Raymond Willians, pensadores da chamada nova esquerda britânica, para desconstruir a leitura de um marxismo dogmático e fundado no reducionismo econômico, que hierarquiza base/superestrutura e plasma a cultura no plano da ‘superestrutura’, desvinculada das relações sociais de produção (infraestrutura). Quanto às relações dialéticas entre estrutura e superestrutura, assim como Thompson (1979, p. 315) podemos dizer que “o que há são duas coisas que constituem as duas faces de uma mesma moeda”. Ao ter em conta os nexos entre economia e cultura, podemos perceber que a “dimensão cultural das sociedades são espaços dinâmicos permeados por conflitos de interesses” (p. 88), espaços onde estão presentes tanto o consenso quanto disputas por uma nova hegemonia. Essa constatação vai ao encontro das palavras de Thompson (1981, p. 190) de que “toda luta de classes é ao mesmo tempo uma luta acerca de valores”, valores esses que constituem a cultura, cuja base material deve ser investigada e considerada na análise do movimento do real.
É um desafio compreender o conceito de cultura não apenas como campo de consenso. Como nos informa o eixo “Cultura, educação, trabalho e saúde”, a cultura pode ser entendida como resultado das ações dos homens e mulheres sobre o mundo. Em última instância, “ela se torna o próprio ambiente do ser humano no qual ele é formado, apropriando-se de valores, crenças, objetos, conhecimentos” (p. 99).
A obra de Clifford Geertz, trabalhada em um dos artigos do livro, também contribui para o debate sobre cultura, principalmente por abordar os modos de vida e discursos dos grupos vulneráveis ou excluídos. A noção de comportamento humano de Geertz é uma ótima ponte para aproximar a antropologia da discussão a respeito da compreensão do processo saúde-doença. A autora do artigo afirma que a contribuição de Geertz e a sua antropologia “é muito favorável para a inclusão do ponto de vista dos pacientes e usuários dos serviços na análise das questões de saúde, principalmente no atual contexto, no qual o discurso médico é dominante” (p. 114).
No segundo eixo, intitulado “Cultura, educação e imagem”, os autores tratam da construção de conhecimento por meio das imagens. Esse eixo, em especial, nos favorece a compreensão das imagens como mediação em espaços formativos, sejam eles institucional (como a escola) ou qualquer outro espaço de educação dos sujeitos coletivos. Para isso, os autores buscam principalmente nas experiências em sala de aula mostrar como, por intermédio da cultura (em especial, da imagem), é possível outra leitura do mundo.
Com isso, concordamos com Kosik (1976) quando entende que compreender a vida para além da sociedade fetichizada − que toma a coisas no seu isolamento, adota a essência pelo fenômeno, a mediação pelo imediatismo−, é um exercício de apreensão da totalidade do cotidiano. Por isso, tendo em conta a pseudoconcreticidade com que o mundo se apresenta, os autores indicam que na sociedade capitalista, onde “o urbano passa a ser uma sucessão de imagens e sensações produzidas e reproduzidas pelos indivíduos que criam uma condição fragmentada da vida moderna” (p. 88), crianças, jovens e adultos buscam nas imagens divulgadas nas mídias (televisão e redes sociais) a construção de si mesmos e do mundo.
Na lógica do capital, a imagem exerce um papel importante na manutenção da hegemonia, impondo valores e transferindo os desejos da burguesia para a classe trabalhadora. Como constata um dos artigos, a “dissolução da forma burguesa mantém-se no contínuo da passividade dos sujeitos sociais, arraigando assim uma violência subjetiva terrorista, como reconhecer e alterar este mundo […] a colonização estética dos sentidos é perversa” (p. 160).
Sabemos que a educação é apropriada pelo capitalismo como formadora de consenso: “forma-mercadoria e forma estatal como princípio de organização da vida social, impregnando a subjetividade humana de práticas autorrepressivas no que diz respeito aos seus impulsos de felicidade e liberdade” (p. 170). A leitura do eixo “Cultura, educação e imagem” reforça que o “viés questionador, transformador e revolucionário da reflexão e da produção cultural podem possibilitar uma nova forma de ler do mundo” (p. 143). Os artigos nos ajudam a compreender que a imagem é uma potente ferramenta, constituindo-se como mediação tanto revolucionária quanto para manter o status quoda classe econômica e culturalmente dominante.
Por fim, no último eixo, “Cultura e cinema”, os autores nos convidam a conhecer a discussão acerca da cultura e da imagem com base em consistentes formulações teóricas que envolvem a produção do cinema e os seus nexos com as práticas escolares. Neste eixo, podemos destacar que é de grande importância a crítica direcionada às produções acadêmicas que corroboram para que a “análise de filmes seja percebida ainda como uma forma acessória de se atingir uma compreensão sobre a realidade social” (p. 231), ou seja, esse tipo de análise trata a produção do cinema como uma mera fonte de registro e que para compor uma análise da sociedade necessitam de outros tipos de fontes.
Em seus quatro artigos, o eixo “Cultura e cinema” procura demonstrar como a produção fílmica é uma fonte histórica de grande relevância para analisar a sociedade a partir de uma “concepção estético-política” (p. 232). Busca na interpretação do filme “Terra em Transe”, do diretor Glauber Rocha, elementos importantes para a leitura dos acontecimentos do golpe empresarial-militar de 1964 e as variadas interpretações do seu sentido nos dias atuais. O filme é “uma síntese devastadora do processo de luta de classes no Brasil e na América Latina dos anos 1960 como núcleo duro permeando todas as relações sociais reais, demole todos os discursos de legitimação dos projetos colonizadores” (p. 254). A produção em questão nos ajuda a compreender a potência do cinema na captação do real e de como a organização formal e estética em imagem e som nos auxilia na percepção das disputas de classe ocorridas no período.
A concepção de romper com um olhar naturalizado sobre a sociedade de classes é um dos intuitos das produções fílmicas alternativas, em especial na conturbada América Latina do século XX. Assim, o Nuevo Cine Latinoamericanomarcou o cinema latino-americano, buscando em produções militantes, conscientizar trabalhadores e trabalhadoras a sair das suas ‘zonas de conforto’. Essa concepção de cinema buscou possibilitar, como nos indica um dos artigos, “uma nova leitura do mundo, e uma nova forma de pensar a nossa realidade, características fundamentais para a transformação social” (p. 287).
Assim como os longas-metragens, os documentários também contribuem para narrar os conflitos de classe. Como sinaliza uma das autoras, o documentário tem o poder de relacionar a antropologia, a arte visual e a produção cinematográfica para contar uma história. Com isso, os documentários sustentam o “mito de origem de falarem a verdade” (p. 258). Todavia, o eixo nos leva a refletir: Qual verdade? Verdade para quem? O livro nos convida a encarar o documentário como um gênero de grande importância para a pesquisa social.
O rico debate teórico com base na materialidade da cultura alicerçada nas pesquisas dos autores, seja em sala de aula ou na análise de imagens e filmes, ajuda-nos a entender a profundidade do conceito de cultura e a sua potência como agente da transformação social. O livro nos elucida quanto à necessidade de que a classe trabalhadora se aproprie e interprete sua própria cultura, descolonizando-se da hegemonia cultural da burguesia, para assim buscar a sua emancipação plena.
O livro Cultura, politecnia e imagemé um prato cheio para quem busca superar a concepção idealista de cultura, compreendendo-a na sua totalidade, em diversos espaços-tempos históricos, tendo em conta as relações dialéticas entre economia, cultura e outras determinações sociais, e em especial as experiências coletivas da classe trabalhadora. Nos três eixos temáticos, o conjunto de autores desenvolve formulações teóricas com evidências empíricas de que a cultura e os processos educativos que a elegem como objeto de estudo e de compreensão da realidade podem fermentar os germes de projetos de transformação social.
Referências
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. [ Links ]
THOMPSON, Edward P. Tradición, revuelta y cons- ciência de classe. Barcelona: Crítica, 1979. [ Links ]
THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. [ Links ]
Luiz Augusto de Oliveira Gomes – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, Niterói, RJ, Brasil. E-mail: luiz.augusto1201@gmail.com
(P)
À procura de um mundo melhor: apontamentos sobre o cinismo em saúde – CATIEL et al (TES)
CASTIEL, Luis D.; XAVIER, Caco; MORAES, Danielle R.. À procura de um mundo melhor: apontamentos sobre o cinismo em saúde. 1. edição. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2016. 400p. Resenha de: FERREIRA, Francisco Romão. Como sobreviver ao cinismo dominante no campo da saúde? Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.16 n.1 jan./abr. 2018. FERREIRA Francisco Romão (Res)
No livro À procura de um mundo melhor: apontamentos sobre o cinismo em saúde, os autores colocam o leitor diante de duas visões de mundo diametralmente opostas: de um lado, apresentam o cinismo vulgar da sociedade contemporânea com a sua lógica mercantil, pragmática e instrumental; e, do outro lado, apresentam a tradição do pensamento grego representada pelos filósofos cínicos da era helenística, ou melhor, apresentam o kinismo como um antídoto para o cinismo atual. Estamos vivendo uma época de exacerbação dos diferentes estilos deste cinismo vulgar – político, econômico, moral e acadêmico. É preciso então criar defesas e modos de entender esses tempos sombrios na esperança de encontrar uma luz ou uma saída. Neste sentido, o livro nos coloca diante de um impasse: Como sobreviver ao cinismo dominante no campo da saúde sendo ele hegemônico, altamente racional e coerente na sua lógica interna?
O cinismo vigente possui um discurso muito bem articulado e baseado em evidências comprovadas cientificamente, mas não consegue esconder a sua verdadeira face reacionária, excludente, preconceituosa e opressora. E o livro põe o leitor diante dessas duas imagens, como num espelho, no qual podemos criar uma ilusão de realidade ao ver alegria, juventude e beleza onde só existem decadência e exploração, ao ver a face agradável da tecnologia para não entrar em contato com a realidade da exploração econômica. É um retrato da nossa sociedade com sua imagem da felicidade eterna das redes sociais enquanto grassa o desemprego, a exclusão, o preconceito e a homofobia. Trata-se então de uma escolha como aquela do filme Matrix – você pode ver o mundo como ele é (com toda a carga de angústia que a realidade apresenta) ou pode viver a irrealidade da felicidade eterna, sem riscos, sem rugas e sem contato com a interioridade. Uma felicidade mantida graças às maravilhas da tecnologia dos fármacos que produzem uma sociedade entorpecida, anestesiada e feliz.
O senso comum vê o cínico como um sujeito que afronta as normas sociais e as conveniências morais, agindo única e exclusivamente segundo o seu interesse imediato, sem pudor ou vergonha, de modo debochado e sarcástico, desprezando as regras da sociabilidade. Trata-se de um sujeito sem escrúpulos, petulante, atrevido, hipócrita e fingido. O cinismo em saúde, da mesma forma, se apresenta como uma solução tecnológica cientificamente comprovada, baseada em evidências, com o respaldo da comunidade científica e com todo o poder de sedução das mídias, da publicidade e das estratégias de comunicação da indústria farmacêutica. Nesta perspectiva, para todo mal (físico ou existencial) há um fármaco adequado, basta encontrá-lo e “seus problemas acabaram”. O cinismo, o sarcasmo e o deboche aparecem nas campanhas publicitárias para melhorar a performance e garantir a felicidade eterna na “melhor idade”. Elas beiram o escárnio. São tecnologias “de ponta” que proporcionam felicidade e juventude eternas, tudo sem dor, sem angústia e sem sofrimento.
Desde a arte estatuária grega, existe a busca por uma beleza ideal inatingível no plano humano. Essas esculturas simbolizariam uma espiritualidade que não pode ser ‘contaminada’ por traços que possam denunciar a presença da animalidade que há em nós, ou a passagem do tempo. O corpo da estatuária não é real, é pura idealização, e nele não aparecem as limitações do humano e os rastros da natureza física são retirados. A escultura grega elimina todos os vestígios do humano. Ela não tem rugas que indiquem a passagem do tempo, pelos que indicam a animalidade, veias que denunciam a passagem do sangue, dentes que lembram nossa gula e a natureza humana. Os detalhes que denunciam a animalidade e a finitude são retirados. Alguns setores das ciências médicas, da mesma forma, prometem um corpo jovem, belo e sem as angústias que são demasiado humanas. O cinismo em saúde parece resgatar esta promessa de um corpo ideal livre da passagem do tempo, da animalidade e dos sofrimentos e questionamentos naturais da vida, geralmente sem muito esforço por parte do cliente, basta adquirir o fármaco adequado. O cientificismo de alguns setores das ciências médicas, a mitologia da ciência, a hipocrisia dos discursos e a ideologia do mercado aparecem de forma clara e cristalina, desde que o sujeito queira ver.
Para enfrentarmos o cinismo atual vamos então conhecer o kinismo na versão grega que nos é apresentada com muita clareza e profundidade pelos autores. Eles conseguem expor o cinismo e a irrealidade do mundo contemporâneo, tendo como pano de fundo a realidade brasileira com suas artimanhas discursivas de alegria, felicidade, igualdade e cordialidade.
O precursor do Cinismo grego foi Antístenes, mas o seu principal representante foi o filósofo Diógenes de Sínope que, segundo a tradição filosófica, andava pelas ruas de Atenas com uma lanterna acesa em plena luz do dia fazendo uma pergunta prosaica: ‘Como/onde encontrar um homem feliz?’
Ele procurava um homem que vivesse sua vida superando as exterioridades exigidas pelas convenções sociais como comportamento, dinheiro, luxo ou conforto material. Buscava um homem que tivesse encontrado a sua verdadeira natureza, que vivesse conforme ela e que fosse feliz sem ter que obedecer às normas sociais. A felicidade deste homem estaria numa vida simples e natural, sem precisar das comodidades da riqueza, do luxo, da ostentação e do apego às normas sociais. Com sua pergunta irônica Diógenes colocava em questão o que seria a vida de um homem segundo a sua mais autêntica essência, o que seria mais verdadeiro na existência, o que iria além de toda a exterioridade, das falsas aparências, dos caprichos da sorte de modo a encontrar sua verdadeira natureza e, quem sabe, viver de acordo com os seus valores mais essenciais para, simplesmente, ser feliz.
Se andássemos pelas ruas do Rio de Janeiro fazendo a mesma pergunta hoje, provavelmente encontraríamos como resposta que o homem feliz é rico, bem-sucedido, famoso, alto, musculoso, com porte atlético e, principalmente, magro. Em tempos de lipofobia e de estigmatização da gordura, a magreza se transformou em qualidade moral e parâmetro de felicidade. Ou seja, os homens felizes de hoje, necessariamente, estariam devidamente adaptados às convenções sociais, muito preocupados com a imagem corporal e social e nem saberiam dizer muito bem o que seria ou onde estaria a sua essência, sua verdadeira natureza. Assim como o personagem Dorian Grey (Wilde, 2014), do escritor irlandês Oscar Wilde, a preocupação com a beleza, com a imagem social e com uma vida marcada pelo hedonismo seriam as únicas marcas da existência, colocando a satisfação dos prazeres imediatos no lugar do sentido da vida. E se a vida não proporcionar a felicidade prometida não há problema, a indústria farmacêutica terá uma imensa variedade de produtos para resolver a falta de desejo, a fadiga, as rugas, o estresse, a tristeza, a depressão, a velhice, a reposição hormonal e a incapacidade de concentração, sem contar com as próteses e cirurgias estéticas.
Este homem supostamente feliz seria um cínico, um sujeito dissimulado, e sua felicidade seria medida em posts, likes, acessos e curtidas nas redes sociais. O sentido da vida estaria na construção da imagem, na adaptação cega às normas e convenções sociais, criando um corpo sem alma, reproduzindo uma vida que desconhece a própria essência, vivendo uma existência sem sentido e sem interioridade, pura aparência. O homem feliz seria, necessariamente, um metrossexual cheio de seguidores. O problema é que, assim como no retrato de Dorian Grey, a realidade teima em aparecer e os fármacos e as próteses da existência tendem a mostrar o lado ridículo do personagem.
O livro À procura de um mundo melhor: apontamentos sobre o cinismo em saúde apresenta então uma série de temas para discussão e reflexão que apontam para as nossas escolhas diante do crescimento desta onda hipócrita e conservadora. O leitor se vê também diante do espelho e não dá para ficar neutro ou indiferente às estratégias discursivas dos representantes do cinismo em saúde. São temas que discutem as estratégias de “aperfeiçoamento farmacológico” que levam ao sucesso acadêmico, os casos de doping que burlam o sistema e as estratégias discursivas que traduzem a ideologia científica atual. Os autores discutem também as formas como os parâmetros de beleza, magreza, juventude e vigor como exemplos de saúde ou de vida saudável e desejável, moralizando as condutas e controlando os comportamentos considerados desviantes ou de risco, sempre em nome do pragmatismo, da racionalidade da ciência e da objetividade.
A hiperprevenção e o automonitoramento aparecem como estratégias racionais e objetivas, frutos das escolhas livres e individuais dos sujeitos, sem mostrar que essas estratégias apequenam a vida, transformam sujeitos em coisas. A espetacularização da vida cotidiana transforma a existência numa performance que assegura a valorização de uma imagem social baseada no dinheiro, no sucesso a qualquer preço e numa felicidade prêt-à-porter.
Diante da proliferação de enunciados cínicos no campo da saúde só nos resta apelar aos kínicos, resgatando a ironia e o sarcasmo de Diógenes diante da hegemonia da ‘racionalidade científica’ e do pragmatismo utilitarista que coloca a vida a serviço dos interesses deste ambiente neoliberal conservador. Se toda época precisa de um Diógenes, encontramos neste livro uma postura típica dessa verve libertária que se apresenta de forma quase quixotesca diante da opressão do mercado, dos interesses da indústria farmacêutica e dos cínicos das ciências da saúde. Segundo os autores, em certa ocasião, Diógenes foi capturado por Felipe da Macedônia e, quando perguntado acerca da sua identidade, respondeu: “Sou um observador da sua insaciável ambição”. Esta frase retrata fielmente o espírito do livro ao firmar que “não há melhor imagem do papel e da função do filósofo kínico no mundo: instalado em frente aos poderes constituídos, corajosamente dizendo o que é preciso dizer” (p. 53). Este livro, portanto, é um antídoto para tratar os males do cinismo e da hipocrisia, trazendo a parrhesía, a liberdade da palavra, como remédio para mostrar a desfaçatez e a arrogância dos cínicos que trabalham na sala ao lado.
Referências
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. São Paulo: Ed. Landmark, 2014. [ Links ]
Francisco Romão Ferreira – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Nutrição, Programa de Pós-Graduação em Alimentação, Nutrição e Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: fromao@terra.com.br
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Trabalho e saúde no capitalismo contemporâneo: enfermagem em foco – SOUZA; MENDES (TES)
SOUZA, Helton Saragor de; MENDES, Áquilas (orgs). Trabalho e saúde no capitalismo contemporâneo: enfermagem em foco. Rio de Janeiro: DOC Content, 2016. 116p. Resenha de: LIMA, Júlio César França. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.15 n.3, set./dez. 2017.
Esse livro é o encontro de diversos campos de conhecimento na abordagem do trabalho de enfermagem no capitalismo contemporâneo, tais como, Economia, Sociologia, Saúde Coletiva e Enfermagem. Embora diferenciados, os quatro capítulos se organizam em torno de um eixo central que é a perspectiva de classe inspirada no materialismo histórico-dialético sobre o trabalho em saúde e os serviços em geral. São textos que, apesar de serem de campos disciplinares diferentes e independentes entre si, são complementares, visto que a categoria trabalho serve de base a todos.
Abrindo a coletânea, Áquilas Mendes analisa “os limites dos direitos sociais trabalhistas e do financiamento da seguridade social no Brasil, com destaque para a Saúde, no contexto do capitalismo contemporâneo e sua crise” (p. 16). Seu pressuposto é que o fundamento da atual crise capitalista se explica por duas principais tendências articuladas entre si. A primeira é a queda da taxa de lucro que se verifica nas economias capitalistas centrais desde o fim da década de 1960, decorrente do crescimento do trabalho morto em detrimento do trabalho vivo na produção do valor. A segunda tendência é o crescimento da esfera financeira comandado pelo capital portador de juros na sua forma de capital fictício a partir dos anos 1980, também conhecida como ‘financeirização’.
Os efeitos dessas duas tendências nos direitos sociais, no financiamento da seguridade social e, particularmente, do Sistema Único de Saúde (SUS) não se resumem aos cortes nos gastos sociais, mas trata-se principalmente de uma mudança na organização do sistema de proteção social no Brasil, segundo os interesses do capital. Em se tratando dos direitos dos trabalhadores, o autor enumera diversas medidas que foram tomadas ainda no governo Dilma Rousseff, em nome do ajuste fiscal e da realização de superávits primários. Com relação aos impasses no financiamento da seguridade social e do SUS, estes decorrem do peso do capital portador de juros no orçamento federal; da permanência do mecanismo de desvinculação das receitas da união (DRU), renovada e estendida de quatro para oito anos com aumento do percentual de retirada das receitas do orçamento da seguridade social de 20% para 30%, sob orientação do atual governo; dos incentivos financeiros públicos à saúde privada, entre outros.
Quando o autor escreveu o capítulo ainda não tinha sido aprovada a PEC 241 que congelou os gastos do Governo por vinte anos, o que agrava ainda mais o quadro de subfinanciamento que descreve. De todo modo, permanecem válidas as propostas de enfrentamento nesse contexto de acumulação financeira do capitalismo. Entre elas, a mudança da política econômica que prioriza o pagamento de juros da dívida pública e a auditoria da dívida para possibilitar maiores recursos para a seguridade social.
O segundo capítulo, de autoria de Cassia B. Soares e colaboradores, discute “a prática social da Enfermagem na contemporaneidade, a partir de fundamentos marxistas, mais precisamente a partir das categorias trabalho e processo de trabalho” (p. 43). De início, discutem o trabalho em saúde em sua acepção ampla como trabalho coletivo que para os autores representa a ‘unidade do diverso’ e a síntese do ‘concreto pensado’. Em seguida, abordam o processo de trabalho de Enfermagem, particularmente dentro do hospital. A partir de Marx, elegem a categoria ‘cooperação’ para fundamentar a definição do processo de trabalho coletivo em saúde. A cooperação no trabalho em saúde detém a sua especificidade em relação ao trabalho industrial, na medida em que as tecnologias são diversas. Porém, em ambos os setores se mantém o fundamento da produtividade do conjunto dos trabalhadores e, da mesma forma que na indústria, na saúde a cooperação permite intensificar o processo de valorização e a reprodução do capital no setor.
O fato de ser um trabalho coletivo não implica falta de assimetria de poder e controle equânime entre as categorias profissionais, e a cooperação não pode ser dissociada da divisão social e técnica do trabalho. Desse último ponto de vista, os autores identificam que “o princípio da cooperação na manufatura é mais adequado para se aplicar em relação ao hospital do que a forma de cooperação na grande indústria, porque a base da manufatura ainda resguarda a base técnica do ofício” (p. 50). É um tipo de trabalho que reproduz a organização taylorista do processo de produção mais geral, mas que tem incorporado a lógica da organização toyotista, e que é hegemonizado desde a formação acadêmica pelos referenciais funcionalistas que retroalimentam a própria fragmentação do cuidado.
A partir das investigações de base marxista, os autores apontam diretrizes teórico-metodológicas para analisar o trabalho de enfermagem na contemporaneidade, tais como a necessidade de situá-lo em sua condição de classe social; a análise da divisão interna desse trabalho; a investigação do objeto de trabalho e a concepção teórica de saúde que sustenta a ação; a análise dos meios e instrumentos utilizados, assim como o trabalho em si e, particularmente, a organização do processo de trabalho.
Leonardo Mello e Silva, no capítulo 3, vai discutir como a Sociologia do Trabalho francesa trata a ‘relação de serviço’, que é diferente de tratar o setor de serviços na medida em que essa relação existe no interior do setor industrial e, ao contrário, alguns tipos de trabalho do setor serviços não praticam a relação de serviço. Enquanto uma relação particular que ocorre entre cliente e prestador do serviço, tem grande variabilidade, o que impossibilita uma medida objetiva em termos de comparabilidade e repetitividade, diferentemente da relação industrial. Indica ainda que a oposição entre o que é produtivo e improdutivo, como se houvesse uma separação entre uma ‘economia industrial’ e uma ‘economia de serviços’ deve ser repensada.
A economia de serviços para o autor detém uma especificidade onde três polos convivem: o primeiro identifica a prestação de serviço como uma atividade visando uma realidade a ser transformada; no segundo polo está o proprietário dessa realidade; e no terceiro se encontra o prestador da atividade. Dada a heterogeneidade das situações, essa relação não pode ser desconectada das posições de classe desses conjuntos sociais. Destaca ainda que a relação de serviço se presta a uma análise centrada nas cenas interativas entre prestador e cliente, o que elide os modos de dominação estrutural presentes na relação patrão-empregado, mas não elimina a relação de classe e os conflitos nas interações cotidianas.
Silva discute o que denomina de ‘sociologia da relação de serviço’, e considerando que o conceito de divisão do trabalho recoloca essa relação dentro de uma perspectiva abrangente, aponta que a “aplicação do conceito de taylorismo para os serviços é, pelo menos, incompleta, para não dizer inadequada” (p. 71). Ou seja, pode servir para certos tipos de trabalho que são padronizados e seguem um protocolo de atendimento ao cliente, mas considerando mesmo aí a possível variabilidade e interatividade que possa ocorrer, o trabalho em serviço evoca uma ‘racionalidade substantiva’ em oposição a uma ‘racionalidade instrumental’. Na atualidade, o que se verifica é a migração de critérios de racionalização da empresa privada para o serviço público, que tiveram que se enquadrar dentro do ritmo de um fluxo produtivo cada vez mais intenso. Para o autor, o desaparecimento da hierarquia típica da divisão do trabalho taylorista “vai de par com a transferência da responsabilidade do serviço para o cliente ou usuário” (p. 75). Daí que “pode-se entender a compatibilidade social do modelo de organização e gestão do trabalho de tipo fluxo tensionado (…) com o esquema de análise teórica da relação de serviço (…)” (p. 76).
Avançando na análise dessa relação, mas agora debruçando-se sobre o trabalho de enfermagem, vai apontar diversos aspectos da realidade cotidiana desse trabalho a partir do estudo de Helton Saragor de Souza, autor do quarto e último capítulo do livro.
O capítulo tem como base um estudo de caso sobre o trabalho das categorias de enfermagem em três formas de gestão hospitalar: administração direta, terceirizada sob gestão de organizações sociais (OSs) e hospital privado. Sua hipótese é que a lógica da financeirização aplicada ao setor gera sobrecarga e intensificação do trabalho para os profissionais da área, aliadas à baixa qualidade do atendimento, e que o trabalho “é organizado sob o paradigma de reatividade da demanda nos moldes do pós-fordismo, especificamente, sob o fluxo tensionado” (p. 88).
Além dos pressupostos econômicos que estão na base dessas mudanças, o autor critica a interpretação de que o trabalho de enfermagem seja organizado predominantemente sob a lógica taylorista-fordista, pois a simplificação e a padronização nesse tipo de trabalho sempre se defrontam com a variabilidade do contexto e das características do sujeito-usuário. Além disso, considera que “a racionalização do trabalho em Enfermagem não se enquadra na dinâmica do trabalho vivo em ato, que supõe o trabalho relacional com o usuário como um espaço de protagonismo ou liberdade do sujeito trabalhador” (p. 91), pois o trabalhador está submetido à lógica geral das relações capitalistas. Para ele, o princípio organizador se fundamenta na reativação da demanda, ou seja, é o número de pacientes e as exigências do cuidado que racionalizam o trabalho de enfermagem, e o controle não é exercido por um gerente, mas pelas próprias tarefas conjunturais se sanadas ou não. Esse tipo de racionalização se baseia no modelo flexível pós-fordista sob o capitalismo financeirizado, que tal qual o taylorismo visa aumentar a produtividade, a lucratividade e a acumulação do capital no segmento privado e racionalizar os gastos nos serviços públicos.
A perspectiva teórica adotada é do fluxo tensionado de Durand que combina o processo de produção e a organização do processo de trabalho com o regime de mobilização dos trabalhadores. Uma combinatória que pode ser representada por três polos: “a integração reticular (…), a generalização do fluxo tensionado (…) e o modelo de competência como novo regime de mobilização da mão de obra” (Durand, 2003, apud Souza, p. 99).
Após analisar os princípios que ordenam a gestão do trabalho a partir dessa combinatória nas três formas de gestão hospitalar, identifica duas formas de exploração dos trabalhadores: a sobrecarga e a intensificação do trabalho em todos os setores das unidades hospitalares investigadas. O estudo aponta que a tendência é do trabalhador interiorizar a pressão “em um entendimento de que o direito da vida do paciente é muito maior do que o suposto direito de condições mínimas de trabalho” (p. 107). Mais que isso, a dinâmica laboral forja, também, um modo de vida, na medida em que o trabalhador incorpora o hábito de ‘fazer tudo correndo’, ser impaciente na vida pessoal e rápido nos afazeres domésticos.
Júlio César França Lima – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. E-mail: jlima@fiocruz.br
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Entre a caridade e a ciência: a prática missionária e científica da Companhia de Jesus (América Platina, séculos XVII y XVIII) – FLECK (HU)
FLECK, E.D. Entre a caridade e a ciência: a prática missionária e científica da Companhia de Jesus (América Platina, séculos XVII y XVIII). São Leopoldo: Oikos, 2014. 559 p. Resenha de: AVELLANEDA, Mercedes. Creencias y prácticas en torno a la salud y a la enfermedad en las reducciones jesuitas del Paraguay durante los siglos XVII y XVIII. História Unisinos 21(3):458-460, Setembro/Dezembro 2017.
El libro de Eliane Fleck Entre a caridade e a ciência: a prática missionária e científica da Companhia de Jesús aborda una dimensión muy poco estudiada hasta el presente, el mundo de las emociones y de las sensibilidades que se manifiestan en las cosmovisiones particulares de los mundos culturales, en este caso el indígena y el blanco que se entrecruzan y se transforman por la experiencia vivenciada. Los trabajos reunidos que se van hilvanando a lo largo de la obra representan el recorrido, de más de tres décadas de investigación, desarrollado sobre las misiones jesuíticas del Paraguay desde una perspectiva muy original, la exploración científica de la naturaleza como aliada indispensable para el desarrollo de la medicina y de la evangelización.
La investigación de Eliane nos introduce concretamente en el mundo de las creencias y de las prácticas terapéuticas relacionadas con los temas de salud y enfermedad durante los siglos XVII y XVIII. La originalidad de su abordaje centrado en la cura de las almas y de los cuerpos, dos instancias íntimamente ligadas al proceso de evangelización, da cuenta de la lucha de los jesuitas contra las creencias indígenas sobre el poder de los espíritus, las enfermedades que los acechan y la imperiosa necesidad de construir nuevos significados para consolidar su liderazgo espiritual y humanitario entre los recién reducidos.
Si bien la historia de las Misiones Jesuitas tiene una vasta producción académica que recorre los principales temas en torno a las realizaciones de los religiosos en las distintas esferas de su accionar social, político, económico y religioso, esta obra también se inserta en la corriente de trabajos más recientes, que recuperan el conocimiento de los propios actores sociales tanto guaraníes como jesuitas sobre su entorno, para indagar los fenómenos de transferencia cultural, ligados indefectiblemente a la agencia indígena y a las prácticas de los misioneros, contribuyendo de esa manera a los proce sos de transformación y refinamiento de las visiones historiográficas más actuales.
Toda la obra recorre como se fueron recopilando y elaborando los conocimientos sobre la farmacopea indígena y jesuítica a lo largo de los siglos XVII y XVIII y representa el fruto de sucesivas investigaciones centradas en la medicina que se efectuaba en las reducciones. Dividida en cuatro grandes secciones, la obra abarca la mirada indígena sobre la enfermedad y la muerte, los esfuerzos realizados por los misioneros para desarrollar remedios para la cura, la circulación de ese saber y las diferentes causas de enfermedad y muerte entre guaraníes y misioneros de las reducciones.
En su análisis, Eliane nos introduce, primero, en el imaginario indígena y sus interpretaciones sobre enfermedad y muerte entre guaraníes, rodeados de poderosos espíritus que atraviesan su existencia. Estos los acechaban en la espesura de la selva, imponiendo sus reglas de comportamiento social, y tabúes que hacían peligrar la existencia de todos. Los jesuitas debían librar una batalla permanente para cambiar la cosmovisión indígena y las prácticas de los shamanes que le imprimían a la enfermedad un poder mágico que solo podía ser doblegado por ellos, al ser los únicos capaces de penetrar en el mundo de las fuerzas sobrenaturales, encontrar el remedio y regresar para reestablecer el equilibrio psíquico y emocional de la persona. La importancia de este aspecto hará que los religiosos busquen romper con estas creencias y encontrar, a través del desarrollo de una farmacopea nativa, los remedios necesarios para la cura de las enfermedades.
En la búsqueda de comprender las prácticas impulsadas por los misioneros, la autora analiza la construcción de representaciones elaboradas por los religiosos para entender de qué modo los jesuitas organizan y manifiestan sus preocupaciones y sus propias consideraciones relacionadas con sus experiencias sociales. Esto le permite a Eliane contraponer dos visiones del mundo sobre la enfermedad, la guaraní y la jesuita, que coexisten en el siglo XVII y que no son antagónicas. La autora nos hace ver que los guaraníes, influenciados por los resultados de los religiosos y los nuevos métodos eficaces para combatir las enfermedades, aceptan el nuevo ordenamiento social aunque las fugas dejan entrever asimismo la coexistencia de cierta resistencia.
Al focalizarse en los contextos de epidemias en el que tendrán que accionar los religiosos, la autora pone de relieve la necesidad de los religiosos de elaborar la fabricación de remedios en las mismas reducciones, y para ello desarrollar un conocimiento de las plantas nativas. De ese modo se impulsará la construcción de un saber específico en las reducciones que luego se difundirá en un espacio mayor, a través de las recetas magistrales elaboradas desde las boticas instaladas en los Colegios de Buenos Aires y de Córdoba.
En la reconstrucción de esta inmensa labor de la cual poco se ha investigado, la autora se sirve del análisis de las Cartas Anuas y de las obras de referencia de los misioneros que se dedicaron a la medicina, como la obra Materia Médica del padre Pedro Montenegro. A través de este recorrido la autora reconstruye cómo las reducciones jesuitas del Paraguay fueron un importante laboratorio de investigación y experimentación, donde se exploraron las propiedades terapéuticas de las distintas especies nativas para la cura de enfermedades, contribuyendo al conocimiento científico de su época.
Desde el punto de vista formal, la obra se divide en cuatro partes bien diferenciadas que van dando cuenta ampliamente del camino recorrido por Eliane en su investigación a través de los años, analizando los progresos efectuados al interior de las reducciones, los procesos de reconfiguración del conocimiento médico que se elabora en la práctica y su impacto a la larga para combatir las distintas enfermedades al interior de las misiones.
La primera parte consta de un capítulo que nos introduce en la geografía de las misiones y en las representaciones de los guaraníes y de los religiosos entorno a las concepciones de enfermedad como maleficio y la eficacia de los métodos. Un segundo capítulo nos ofrece las propias imágenes que los misioneros construyeron acerca de esos fenómenos, para poner en valor una sensibilidad que desarrollaron en relación a sus prácticas, donde se van delineando dos cosmovisiones entrelazadas inexorablemente por la situación de contacto, la indígena y la jesuita, que representan el punto de partida y el contexto específico de abordaje de la investigación.
Una segunda parte nos introduce de lleno en la medicina que se practicaba en las misiones, los problemas de salud entre los guaraníes, el desarrollo de una farmacopea experimental, y las prácticas curativas. Seis son los capítulos que van hilvanando este recorrido a través del problema del contacto inicial y la propagación de epidemias en épocas de carestía, junto con las medidas que toman los padres Montoya, Asperger y Montenegro para evitar la propagación de los contagios. De igual modo, adquiere relevancia y se pone de manifiesto el propio conocimiento de los guaraníes a través de los informantes locales que acompañan a los religiosos en la recolección de las plantas, el señalamiento de sus cualidades curativas, como se da la fabricación de algunos jarabes y bálsamos para aliviar los síntomas y la elaboración conjunta de herbarios para resguardar la información.
La tercera parte consta de otros tres capítulos, que ponen de manifiesto como los Colegios de Río de Janeiro, Buenos Aires y Córdoba fueron, en la misma época, importantes centros de propagación de conocimientos médicos por sus boticas y recetas magistrales, ofreciendo un servicio muy útil a la población local desprovista de medicinas. Y como, gracias a las investigaciones realizadas en las misiones, se pudo contribuir y avanzar en el desarrollo de la farmacopea nativa y en su propagación tanto en América como en Europa. Al respecto, se analiza el papel relevante que tuvo el Colegio de Córdoba como centro de formación intelectual de universitarios desde donde se difundían y transmitían esos saberes.
La cuarta y última parte de esta obra se compone de cinco capítulos, que abarcan el tema de la muerte, sus causas y las curas que se dan tanto entre los indígenas reducidos como entre los misioneros que los acompañan.
El análisis de las Cartas Anuas y de los censos de las reducciones permite a la autora explorar los índices de natalidad y mortandad de los guaraníes reducidos y comprender la eficacia de la farmacopea desarrollada en las reducciones, junto con la exploración de las condiciones de salud y el promedio de vida de sus integrantes.
El análisis del trabajo del hermano Pedro de Montenegro es una muestra de lo que sucedía en las misiones con la experimentación de plantas, los conocimientos indígenas, las prácticas de higiene a ser observadas en el trato con los enfermos y los efectos de los remedios elaborados.
De igual modo los dos inventarios de la botica del Colegio de Córdoba que contienen una gran variedad de aguas, aceites, tinturas, ungüentos, vinos, esencias de flores y bálsamos son relevantes para comprender la labor desarrollada por los padres boticarios.
En su recorrido, Eliane logra un abordaje diferente donde se pone en valor la experiencia vivida en las misiones que nos revela entre guaraníes y misioneros un proceso de contacto profundo atravesado por diferentes variables que van a producir inexorablemente transformaciones culturales y cambios profundos tanto en las prácticas cotidianas como en las concepciones más profundas sobre las nociones del cuerpo y su devenir. De ese modo no se trata de resaltar la lógica del contacto y el acomodamiento mutuo de dos culturas, sino avanzar en la comprensión de la larga duración, para visualizar las transformaciones sociales más profundas. Si bien su rico abordaje contempla los aportes de ambas culturas en el avance de la medicina y el conocimiento científico, al mismo tiempo reconoce diferencias en la forma de abordar el mundo sobrenatural.
La perspectiva antropológica le permite calibrar la lógica de los diferentes actores sociales, y recorrer en la experiencia compartida los aciertos de sus intercambios culturales. La autora nos muestra cómo. a través del tiempo, los guaraníes incorporaron las prácticas sobrenaturales de los misioneros, las sumaron a las suyas y la experiencia dio por fruto nuevas cosmovisiones. Sin desconocer los aspectos conflictivos de este proceso, nos muestra como los religiosos también se nutrieron del saber de los indígenas y ampliaron las fronteras del conocimiento científico sobre la flora y fauna americana.
El libro de la Dra. Eliane Fleck, al desplegarse en numerosos temas relacionados con el conocimiento de las prácticas médicas y la farmacopea americana, representa, para todo aquel que se proponga avanzar en esa dirección, una obra de consulta obligada para seguir pensando esos temas. La reconstrucción del contexto, la incorporación de la agencia indígena, las prácticas sociales asociadas a la medicina, el intercambio de cosmovisiones, la complementación jesuita guaraní en la construcción de nuevos conocimientos y los remedios y sus usos terapéuticos, sin duda, son puntos fuertes de esta obra que nos muestran la riqueza de pensar la antropología y la historia como enfoques necesariamente entrelazados para seguir profundizando en los procesos sociales y avanzar en nuevas direcciones de una historiografía renovada.
Mercedes Avellaneda – Docente investigadora del Instituto de Ciencias Antropológicas, Sección Etnohistoria de la Universidad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires. Puán 450 oficina 504, Buenos Aires, Argentina. E-mail: bocca@fibertel.com.ar.
Males do Sertão: Alimentação, saúde e doenças em Goiás no século XIX | Sônia Maria Magalhães
A relevância do papel da alimentação no surgimento de doenças na província de Goiás no século XIX é o principal objetivo de Sônia Maria de Magalhães [1] em Males do Sertão: Alimentação, saúde e doenças em Goiás no século XIX, cujo livro é resultado de sua tese de doutorado defendida na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Franca, em 2004.
A autora busca evidenciar que o cotidiano da população goiana não passou por mudanças significativas na passagem do século XVIII para o XIX. Em uma narrativa convidativa à leitura, surge um panorama social, econômico e epidemiológico de Goiás durante o século XIX. O livro se compõe em três partes: “O problema alimentar e as doenças reinantes no Brasil”, “Alimentação e enfermidades em Goiás” e “Assistentes, saúde e agentes a serviço da cura”. Leia Mais
Salud, interculturalidad y derechos: claves para la reconstrucción del Sumak Kawsay-Buen Vivir – FERNÁNDEZ JUÁREZ (HCS-M)
FERNÁNDEZ JUÁREZ, Gerardo (Ed.). Salud, interculturalidad y derechos: claves para la reconstrucción del Sumak Kawsay-Buen Vivir. Quito: Ministerio de Salud Pública. 2010. 238p. Resenha de: LOZA, Carmen Beatriz. Las medicinas tradicionales en la encrucijada intercultural. História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 22 n.1 Rio de Janeiro Jan./Mar. 2015.
Esta obra colectiva, compilada por el antropólogo español Gerardo Fernández Juárez (Universidad Castilla-La Mancha), es fruto de un seminario-taller interdisciplinario, celebrado en Quito del 10 al 13 de noviembre del 2009. Agrupa diferentes maneras de entender la interculturalidad y la salud materna desde la antropología y la biome-dicina. La reseña de esta obra tiene un doble propósito. Por un lado, presentar el contenido en sus grandes líneas, resaltando el discurso oficial de la interculturalidad en salud en la subregión andina con énfasis en el Ecuador, y por el otro, evidenciar divergencias de criterios acerca de su implementación.
La intención de los autores es presentar los avances y desafíos en la incorporación de los enfoques de derechos humanos, interculturalidad y género en las políticas y modelos de atención en salud materna. A esa exigencia se suma otra, que de alguna manera resume y potencia las anteriores: analizar las cuestiones pendientes y profundizar la discusión crítica entre ministros, operadores y decidores de las políticas acerca del tema de la Declaración de Quito (13 de noviembre de 2009). Se pretende, con los Objetivos de Desarrollo del Milenio, reducir las tres cuartas partes de la mortalidad materna (considerando el período 1999-2015). El hilo rojo que recorre los 35 textos es la implementación de la interculturalidad y el uso político desde el Estado en el ámbito de la salud. En cada texto se puntualiza y redefine la interculturalidad de manera recurrente, debido al carácter escurridizo y opaco de este concepto. La primera parte se centra en los derechos humanos, salud intercultural y en “el Buen Vivir” (un concepto filosófico-andino, retomado por los gobiernos de Rafael Correa y Evo Morales, como principio rector de sus acciones políticas para el bienestar de la población). La segunda parte examina la interculturalidad, género y salud, mientras la tercera parte refiere a la pertinencia cultural de los servicios de salud reproductiva: normas, regulaciones y gestión de servicios. Todo ese conjunto temático tiene como destinatario potencial a los decidores de las políticas públicas en salud en la subregión andina, pues muchas de las narraciones provienen de los responsables de programas en actual aplicación. Además algunos de los autores han dirigido la sistematización de las siete mesas que generaron propuestas y recomendaciones específicas acerca de la normativa, formación de recursos, gestión de servicios entre otros. La obra puede ser útil para los investigadores en ciencias sociales y politólogos interesados en las formas que asume la interculturalidad como política de Estado. Las narrativas de estos decidores y estudiosos, próximos a la cooperación internacional y las instituciones de salud estatales, son una oportunidad única para escudriñar en su pensamiento. La obra ofrece los antecedentes académicos del 68% de los autores dejando a un 32% de lado de un total de 31 participantes, sin ofrecer mayores explicaciones. Utiliza como complemento un anexo de 21 fotografías de los participantes.
La política intercultural en salud, particularmente centrada en el cumplimiento de la Reforma Constitucional en Ecuador y Bolivia, ocupa la primera parte. Las contribuciones son de diversos autores: de Gerardo Fernández Juárez, Luís Fernando Calderón, Luis Enrique “Katsa” Cachiguanco, Luis Maldonado Ruiz, Amilcar Castañeda, José Solá y Fernando Ortega Pérez. Una apretada síntesis de Gerardo Fernández Juárez presenta las paradojas de la salud intercultural a tiempo de realizar un balance crítico de su implementación estatizada. Por otro lado, Luís Fernando Calderón da cuenta de la forma cómo la administración del presidente Rafael Correa está trabajando en el campo de la salud. Este autor, a partir de una visión dicotómica, amplifica los defectos y males que aquejaron la política de salud del Ecuador desde 1985 hasta 2007 y ensalza aquellas en vigencia. Para ello señala que el modelo biomédico occidental habría sido el único mientras que actualmente se adopta a las medicinas tradicionales y las alternativas. Menciona 17 experiencias locales para el fortalecimiento de las redes biomédicas con miras a la implementación del Modelo de Salud Familiar y Comunitario. Calderón silencia el funcionamiento de las experiencias hospitalarias locales, sus resultados y problemas, dejando abierta la exposición técnica a sus colegas. Ensalza la acreditación de los terapeutas tradicionales y vislumbra que en el futuro se trabajará en “procesos de validación de las terapias complementarias y alternativas para evitar la mala práctica y la superchería en su ejecución” (p.59). En su artículo no existen datos específicos acerca del destino exacto de las medidas tradicionales indígenas en todo el proceso de la instauración de la salud intercultural.
La institucionalización de los terapeutas tradicionales y su empoderamiento dentro de los hospitales es defendida por la mayoría de los autores. Empero, el médico salubrista ecuatoriano, José Sola, la cuestiona frontalmente al señalar que:
La presencia de los agentes tradicionales en las unidades públicas de salud, les lleva a un proceso de institucionalización con su consecuente integración al sistema formal y la subordinación a un conjunto de normativas y jerarquías que obscurecen su propio referente filosófico (atender enfermos y no tratar enfermedades) y que desnaturaliza su autonomía, pero sobre todo se resquebraja una práctica que es esencialmente comunitaria, con lo cual se anula su sentido de solidaridad, se debilitan las redes sociales de apoyo y se maltratan las formas locales de la reciprocidad (p.121).
Esta cita evidencia claramente que los sistemas médicos tradicionales están siendo cooptados y sub-alternizados. La prueba es que se da fe que en el altiplano boliviano de Patacamaya, en el 2009, los terapeutas tradicionales no recibían salario por sus servicios (p.218).
La segunda parte muestra un diálogo entre interculturalidad y género. Cuenta con la participación de Lilia Rodríguez, Rocío Roser, Katherine Chalá, Irma Bautista, Gloria Lagos Roberto Campos, Margarita Sáez, Mario Tavera, Nancy Millán, Mónica Yaksic, Marcos Paz, Zulema Gambirazio, Daniel González, Jorge Hermida, Genny Fuentes, Steven Harvey, Juana María Freire, Miriam Cornejo y Jannine Crespo. Desde los distintos textos se abordan cuestiones tan diversas acerca de los avances realizados 15 años después de la Conferencia del Cairo (1994) resaltando la participación del Ecuador. Destaca por su esfuerzo de síntesis el artículo de Margarita Sáez, quien sintetiza brevemente los avances chilenos en la construcción de una estrategia para la pertinencia cultural en la organización y provisión de servicios de salud y la complementariedad de servicios médicos. Según la autora, a pesar de la política intercultural, “[el] modelo médico sigue siendo occidental y el proceso de cambio cultural es incipiente” en los 25 servicios de salud intercultural chilenos (p.231). La autora no sólo ofrece indicadores del éxito de la implementación de estas medidas sino también refle-xiones e interrogantes que cuestionan la asimetría de las relaciones entre sistemas médicos, una vez incorporada la interculturalidad. Según sus palabras, “[la] tendencia es ‘integrar’ [el parto] a un modelo oficial, que aunque ‘abierto’ y respetuoso sigue siendo dominante” (p.230).
La tercera parte, la más pequeña, cuenta apenas con dos contribuciones: de Ariuma Kowii, sobre sexualidad en adolescentes y jóvenes kichwa de Otavalo, y de Soledad Varea sobre las voces de los adolescentes acerca del cuerpo maternal y la resistencia. La relevancia de la problemática radica en el uso de las historias de vida y el rastreo de la participación de la mujer en diversos aspectos de la política y cultura. Cierra esta obra la sistematización del trabajo de los talleres (p.365-387).
En suma, la obra, a pesar de ser demasiado ecléctica y dispersa, es un esfuerzo por dar cuenta de la implementación de la interculturalidad por la cooperación internacional para cambiar los sistemas de salud andinos. Llama la atención que esta obra, producida y publicada en Ecuador, no haya contado con el aporte de la Universidad Andina Simón Bolívar (Quito). Allí funciona un exitoso Programa de Doctorado en Estudios Culturales, el cual ha publicado abundante bibliografía sobre la interculturalidad, recuperando estratégicamente los aportes de la escuela de los estudios de la sub-alternidad de la India y de múltiples vertientes latinoamericanas de reflexión crítica sobre la colonización y la descolonización. Esta ausencia es aún más notoria, porque desde ese espacio académico son los indígenas, los ecuatorianos y los afro-descendientes quienes han asumido una reflexión sobre la realidad de su país. Téngase en cuenta que en Ecuador, la interculturalidad ha surgido “desde abajo”, reflexionando intensamente acerca del concepto andino de “el Buen Vivir” en numerosas publicaciones, todas ellas ignoradas en la bibliografía de la obra reseñada. Y llamo la atención sobre esto, porque fue desde esa Universidad que se ha visibilizado el funcionamiento del multiculturalismo neoliberal y nada menos que un mecanismo encubridor por excelencia de las nuevas formas de colonización que se implementa gracias a la interculturalidad funcional, cuyos dispositivos de poder permiten la permanencia y fortalecimiento de las estructuras sociales establecidas con una matriz colonial (Walsh, 2009). Por ejemplo, como lo menciona la obra incidentalmente, el sistema de salud boliviano intercultural no asume la necesidad de que los médicos tradicionales incorporados en los hospitales gocen de derechos laborales y salarios. Muchos biomédicos todavía quieren que los pagos sean en especies (huevos, gallinas o cerdos), pero de ningún modo en salario digno. Este tema de inequidad salarial y de injusticia ha movilizado, desde el 2006 hasta la fecha, a las instituciones no oficiales de la medicina tradicional sin conseguir mayores avances.
La interculturalidad en salud en Bolivia fue impuesta “desde arriba” y tiene un desarrollo independiente, de tal suerte que no compartimos el punto de vista del editor. Él asume una continuidad histórica entre las “iniciativas” interculturales actuales y las supuestas acciones de los terapeutas tradicionales y sus organizaciones por establecer un acercamiento con el sistema biomédico para el reconocimiento que estaba en poder de estos últimos (p.24). Subrayamos que no sólo se trata de procesos históricos totalmente distintos temporalmente, sino que responden a proyectos conceptualmente diferentes. Los terapeutas tradicionales entre 1960 hasta 2005 actuaban en pleno proceso de despenalización de su práctica, mientras que hoy en día se apoyan en el respaldo constitucional. A pesar de ello, el discurso del fortalecimiento de la medicina tradicional por el Estado no deja de ser un mero enunciado, pues en la práctica se toman medidas que van en sentido contrario. Por ejemplo, en Bolivia, gracias a las compensaciones monetarias condicionadas (Bono Madre Niño-Niña Juana Azurduy de Padilla) se restringe a las parteras tradicionales a ejercer su práctica porque se cuestiona su calificación; ellas no pueden competir con los biomédicos asegurando el certificado de nacimiento del recién nacido, menos compensar a la madre con un monto de dinero desde el embarazo hasta el parto y desde el nacimiento del bebé hasta que cumpla 2 años. Lo paradójico es que a pesar de estas medidas, la mortalidad materna en Bolivia no ha descendido (Prieto, Cid, 2010; Bolivia, 2008).
Apoyada en documentación histórica, aclaro que las dirigencias de la Sociedad Boliviana de Medicina Tradicional (SOBOMETRA) en ningún momento “menospreciaban su propio patrimonio” ceremonial (p.40), tal como lo afirma el editor. Esta antigua institución trabajó incansablemente por la defensa de numerosos sitios sagrados de curación en el altiplano y ciudades de La Paz cuando existía penalidad. Muchos espacios ceremoniales estaban prohibidos para los terapeutas tradicionales hasta 1978, pero SOBOMETRA y sus dirigentes los ocuparon. Basta mencionar las primeras ceremonias del solsticio de invierno en el área arqueológica de Tiwanaku bajo control policial (1978), las ceremonias públicas de Huaraku (1984) y Corazón de Jesús (1985), entre otras muchas celebradas en diversos sitios emblemáticos de La Paz. Las garantías escritas de lo afirmado se encuentran en la correspondencia recibida por el Ministerio de Previsión Social y Salud Pública, la Prefectura de La Paz y la Alcaldía de La Paz, pero, sobre todo, sustento mi afirmación en el archivo fotográfico privado del presidente vitalicio de SOBOMETRA, Walter Álvarez Quispe.
Si se continúa disociando teoría y práctica intercultural desde los Estados se producirá un efecto contrario al perseguido: reducir las inequidades y potenciar una salud de calidad para todos los ciudadanos en igualdad de condiciones. Por el momento, todo parece indicar que la asimetría entre biomedicina y medicina tradicional está siendo exacerbada en la implementación de medidas que crean contrasentidos en la subregión andina.
Referências
PRIETO, Lorena; CID, Camilo. Análisis del sector salud Bolivia. S.l.: Banco Interamericano de Desarrollo. 2010. [ Links ]
BOLIVIA. Instituto Nacional de Estadística, Ministerio de Salud y Deportes. Encuesta nacional de demografía y salud 2008. La Paz: Instituto Nacional de Estadística; Ministerio de Salud y Deportes. 2008. [ Links ]
WALSH, Catherine. Interculturalidad, estado, sociedad, luchas (de) coloniales de nuestra época. Quito: Universidad Andina Simón Bolívar. 2009. [ Links ]
Carmen Beatriz Loza – Directora de investigación, Instituto Boliviano de Medicina Tradicional Kallawaya. cbloza@gmail.com
O caráter oculto da saúde – GADAMER (HCS-M)
GADAMER, Hans-Georg. O caráter oculto da saúde. Petrópolis: Vozes, 2006. 176p. Resenha de: MENDONÇA, André Luís de Oliveira. O cuidado com a saúde na era da ciência e da técnica: o que é a saúde, afinal? História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 21 n.2 Apr./June 2014.
Desde que veio a lume sua obra Verdade e método (1997 [1960]), Hans-Georg Gadamer tornou-se um dos filósofos mais insignes da segunda metade do século XX, ao lado de Michel Foucault, Jürgen Habermas e Richard Rorty, entre outros. Como o subtítulo, Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, permite inferir, o objetivo norteador da referida obra consistiu em advogar a tese em prol de uma hermenêutica como filosofia, ou de uma filosofia como hermenêutica. Herdando uma tradição que remonta a Friedrich Schleiermacher (1768-1834), tendo sido levada adiante por Wilhelm Dilthey (1833-1911), pode-se afirmar que Gadamer renovou profundamente os pressupostos, a natureza e o escopo da hermenêutica, a começar justamente por seu projeto de torná-la uma filosofia, procurando aplicá-la reflexivamente a si mesma também, e não mais, como seus pais fundadores almejaram, de fazer dela uma ciência da interpretação e da compreensão (uma espécie de epistemologia voltada para a fundamentação das ciências humanas ou das humanidades em geral). Influenciado, notavelmente, pelo diálogo socrático-platônico, pelo conceito aristotélico de phrônesis e pela analítica existencial/ontologia fundamental de Martin Heidegger, como também pelo conceito de “historicidade” hegeliano e de “mundo da vida” de Edmund Husserl, Gadamer foi responsável por instituir uma significação ontológica e universal para a hermenêutica, no sentido de uma postura de diálogo e abertura em face do mundo e das pessoas, partindo do reconhecimento de que somos finitos e de que, portanto, nosso conhecimento é sempre incompleto e provisório. Como argumentou Rorty (1994), quiçá a grande contribuição da hermenêutica gadameriana residiu em ter mostrado, de modo edificante, como é possível tornar “familiar” aquilo que nos aparece como “estranho” à primeira vista, graças à busca incessante em direção ao encontro com a alteridade do outro. É nesse sentido que, para Gadamer, a hermenêutica não era um mero método ou técnica de interpretar ou compreender textos, mas sim uma postura existencial frente a todas as facetas do humano, posto que a vida é repleta de dimensões e acontecimentos que escapam ao nosso controle e ao nosso entendimento imediatos.
Com a sua hermenêutica filosófica, Gadamer repensou, de forma singular e original, os velhos temas da história da filosofia, sobretudo da dita “tradição humanística”. Mais precisamente, ele deixou marcas indeléveis no debate gravitando em torno das três principais esferas da cultura humana que se teriam autonomizado com o advento do projeto da modernidade, a saber: ética, arte e ciência. Especificamente sobre a ciência, há uma interpretação difundida de acordo com a qual Gadamer fora um autor anticientífico, uma vez que ele teria chamado a atenção para os limites da racionalidade monológica engendrada pela ciência moderna e defendido a superioridade das humanidades frente ao “tecnicismo reducionista”. Faz-se oportuno, entretanto, ressaltar que Gadamer tão somente criticou uma ciência desprovida de responsabilidade social, e não a prática científica enquanto tal, como se pode depreender, por exemplo, da leitura do seu livro A razão na época da ciência (1983). Seu projeto filosófico pode ser compreendido como uma tentativa heroica de resgate do interesse pelo humano em sua integralidade: deveríamos valorizar, simetricamente, o aspecto estético-expressivo, ético-valorativo e epistêmico-cognitivo da nossa existência; e, além disso, talvez sua meta precípua fosse salvaguardar a dimensão humana mais relegada pela modernidade ao limbo da história: nosso pendor quase natural para as questões ontológicas e metafísicas (é bom lembrar que as questões sobre o Ser em Gadamer são colocadas levando em consideração a nossa historicidade). Não bastasse sua visão enciclopédica sobre as diversas áreas do saber, Gadamer foi decisivo em pelo menos mais duas searas pelas quais também enveredou grande parte dos seus contemporâneos: as discussões travadas sobre a história e a linguagem. Pertinentes ainda são suas críticas ao objetivismo histórico (Gadamer, 2006), bem como sua concepção de linguagem como diálogo hermenêutico (daí, aliás, seu pensamento ser também denominado “dialética dialógica”, devido ao papel central que o diálogo autêntico desempenha).
Coerente com sua hermenêutica universal – não se trata de um método de interpretação exclusivo para as artes e humanidades visando lhes extrair sentido dos aspectos que são aparentemente destituídos de compreensibilidade à primeira leitura, mas, na realidade, ela seria uma postura prudente e recomendável em toda e qualquer situação em que a aplicação de regras formais simplesmente não funciona –, Gadamer fez incursões sobre praticamente todos os campos do conhecimento, incluindo a medicina. O livro O caráter oculto da saúde é justamente uma feliz reunião de artigos e conferências de Gadamer – realizados em “conjunturas especiais”, como ele mesmo afirma na primeira linha do prefácio –, cobrindo um período de 25 anos (de 1965 a 1990), em que ele trata de questões referentes ao cuidado com a saúde no contexto da ciência e da técnica. A tese geral do pensamento gadameriano que permeia o livro consiste na assunção segundo a qual a ciência (medicina como ciência) – em que pese sua tarefa imprescindível e insubstituível – não é capaz de dar conta, sozinha, de todos os fatores que englobam o humano, enquanto a tese específica sobre a questão da saúde (a mais original do livro; expressa também no título) é aquela que afirma ser a própria saúde, e não a doença, o acontecimento verdadeiramente misterioso (miraculoso) a ser perscrutado. Em diálogo constante com os pensadores originários (nomeadamente, Platão e Aristóteles) e com alusão indireta aos seus contemporâneos (ouvem-se ecos, por exemplo, das ideias de Canguilhem e Foucault), Gadamer examina diversas facetas do cuidado com a saúde, sobre as quais discorro a passos largos, a partir dos capítulos do livro per se (13 no total).
O primeiro capítulo, “Teoria, técnica, prática”, o mais extenso do livro, funciona estrategicamente para colocar a questão de fundo do autor: vivemos na era da ciência. Traçando uma distinção entre as concepções grega e moderna acerca da teoria, técnica e prática, Gadamer nos adverte sobre a necessidade de realizarmos uma espécie de desmitologização da “desmitologização”: nem iconoclastia preconceituosa, nem crença supersticiosa na ciência moderna. A meu ver, ele traz à baila uma discussão incontornável: a relação (conflitante?) entre a ciência e as demais tradições e instituições da nossa sociedade, isto é, o choque entre a ciência e os valores do “mundo da vida”. A pergunta sobre a qual Gadamer medita diz respeito aos problemas relativos à possibilidade real de a ciência fundamentar, plena e satisfatoriamente, a vida social em bases racionais. Sua resposta aponta para a direção de um paradoxo de difícil solução: “quanto mais racionais as formas de organização da vida são modeladas, tanto menos é praticada e ensinada a capacidade racional de julgamento”, ou “quanto mais intensivamente a área de aplicação é racionalizada, mais falta o próprio exercício do juízo e, com isso, a experiência prática no seu verdadeiro sentido” (p.26). Esse paradoxo é atrelado a outra temática recorrente no livro: a especialização (sua questão norteadora parece ser o medo tanto do autoritarismo quanto do embotamento que o especialismo pode gerar). Ao longo do livro, Gadamer defende, com veemência, a necessidade de não abdicarmos da ideia de “totalidade”, no sentido de uma visão integral do saber sobre o homem. Sua “utopia” é a de que o progresso científico e tecnológico seja acompanhado de um desenvolvimento de uma consciência sociopolítica mais ampla. Nesse sentido, as ciências humanas desempenhariam uma tarefa decisiva, uma vez que são capazes de nos suprir com uma ampla perspectiva atinente à diversidade de se poder ser “ser humano”, como também são responsáveis por nos tornar conscientes de que toda e qualquer perspectiva está carregada de valores, o que implica, portanto, sempre uma normatividade, ainda que não declarada, mesmo no caso da ciência. De todo modo, de maneira interessante e autêntica, Gadamer conclama os cientistas naturais a reconhecer esses problemas como passíveis de ser pesquisados, embora não de forma totalmente “naturalizante” (experimental).
No segundo capítulo, “Apologia da arte de curar”, o autor sustenta uma das teses centrais do livro: o papel preponderante da natureza na saúde. A marca da arte médica consiste no restabelecimento do “equilíbrio natural”. A rigor, a genuína arte de curar consiste em tornar-se supérflua: “A arte médica se completa na retirada dela mesma e na liberação do outro” (p.51). A questão premente é saber a medida certa da intervenção médica (quando ela é “muito demais” ou “pouco demais”, ou seja, encontra-se aqui subjacente o problema da medicalização). Outrossim, Gadamer ressalta uma dúvida constitutiva: quem é verdadeiramente responsável pelo sucesso ou pelo fracasso da cura em “situações normais” – o médico ou a natureza?
“Sobre o problema da inteligência”, terceiro capítulo do livro, apesar de aparentemente deslocado das questões gerais pertencentes ao campo da saúde, serve para Gadamer reafirmar sua tese primordial de que o ser humano deve ser pensado em sua totalidade. Contrapondo-se ao conceito formal de “inteligência como desempenho”, predominante naquele momento, ele defende uma concepção de inteligência mais abrangente, de modo a impedir a instrumentalização da pessoa humana. Vale-se do exemplo da saúde mental justamente para mostrar como é preciso levar em consideração o estado da pessoa na sua integralidade.
Em “A experiência da morte”, o quarto capítulo, Gadamer aborda o tema crucial da vida, que, segundo ele, teria sofrido uma grande transformação com o processo de secularização desencadeado com a modernidade e consolidado com o predomínio da racionalidade técnica da sociedade atual. Estaríamos vivendo sob a égide de uma desmitologização da morte (desmitologização da vida). Não obstante a suposta superação da conotação mística ou religiosa da morte e da vida, haveria um paradoxo persistente: o avanço tecnológico no prolongamento artificial da vida confronta-se com o limite do nosso “ser-capaz-de-fazer” relativo à morte. Em todo caso, permanece viva nossa tensão essencial entre a consciência acerca da nossa própria finitude e o impetuoso não querer saber que somos seres para a morte.
À procura de um equilíbrio entre a razão instrumental científica e os valores humanos, no quinto capítulo, “Experiência corporal e objetivabilidade”, Gadamer remonta à arte de curar dos gregos para propor uma unidade entre corpo e alma, tendo em vista o homem integral. Nesse sentido, enfatiza os limites da ciência médica que se volta apenas para os aspectos biológicos (corporeidade instrumental), tomando o caso das doenças crônicas como o exemplo por meio do qual ficaria demonstrado, cabalmente, que outros fatores além dos aspectos meramente “biomédicos” atuam diretamente na saúde das pessoas.
Apesar de o título não aparentar, o sexto capítulo, “Entre natureza e arte”, aborda uma questão relevante com relação à saúde. Como é frequente ao longo do livro, Gadamer retoma o significado grego de “arte” como techné: o saber e o ser-capaz-de-fazer que sabe. Ora, no caso específico da saúde, a tarefa do médico não consiste em saber fazer uma obra, mas, pura e simplesmente, restituir o doente ao seu “estado natural” e à unidade consigo mesmo. Essa ideia de o médico ser um simples auxiliar da natureza é recorrente no livro.
No sétimo capítulo, “Filosofia e medicina prática”, Gadamer desenvolve um argumento que seria trivial se não fosse amiúde esquecido: a prática médica não se dá, como se pensa ser o caso na interface de teoria e técnica, como a mera aplicação de uma lei geral. Cada situação concreta possui sua singularidade (“o paciente é uma pessoa, e não um caso”). Daí os limites dos aparelhos tecnológicos de medição. Como, aliás, acontece em outros capítulos, Gadamer relembra o conceito de “medida” em Platão como aquilo que é “apropriado” (adequação moderada), de modo a superar a concepção meramente quantitativa de medição (qual seria a medida adequada da medicalização em cada situação concreta parece ser, mais uma vez, a questão subjacente). A dificuldade de se atentar para o “apropriado” nas clínicas modernas advém justamente da ausência do “olhar” e da “escuta”. Também nesse capítulo, pela primeira vez de modo mais explícito, apresenta-se a tese que dá título ao livro: a saúde é algo que se subtrai ao exame; ela pertence ao “milagre do autoesquecimento”. Por isso, a saúde não pode ser totalmente objetivada pela ciência médica. Essa tese reaparece no capítulo seguinte, intitulado justamente “Sobre o caráter oculto da saúde”. Nas palavras de Gadamer, a verdadeira singularidade reside no milagre da saúde, e não na doença. A doença, e não a saúde, é que é algo aparentemente auto-objetivante. Eis o verdadeiro mistério: o caráter oculto da saúde, uma vez que não há possibilidade de medi-la; trata-se de um estado de adequação interna e de conformidade consigo próprio. Mas o que seria a saúde, afinal? “Ela é o ritmo da vida, um processo contínuo, no qual o equilíbrio sempre volta a se estabilizar” (p.119).
Em “Autoridade e liberdade crítica”, nono capítulo, Gadamer parte de uma espécie de antinomia da modernidade – a autoridade da ciência conflitaria com a liberdade crítica –, com o intuito de defender a legitimidade da autoridade do médico quando ela é embasada no seu ser-capaz-de-fazer, ou, para colocar em termos mais contemporâneos, na sua expertise. Na realidade, Gadamer propõe um entrelaçamento indissociável entre autoridade e liberdade crítica, sublinhando uma dupla exigência ética do exercício da autoridade de um especialista: autocrítica e autodisciplina. Autoridade autêntica consiste exatamente na liberdade crítica consigo mesmo, reconhecendo os próprios limites; abuso de autoridade seria não transmitir a outrem (no caso, o paciente) uma verdadeira libertação por meio de compreensão própria.
A despeito da originalidade do capítulo em que trata especificamente do caráter oculto da saúde, é no décimo capítulo, “Tratamento e diálogo”, que Gadamer se vale do conceito central de sua filosofia – “diálogo” –, para pensar a questão do cuidado em saúde. Começando com uma análise filológica – frequente no livro e no seu pensamento – sobre a palavra “tratamento” (oriunda de “apalpar”), ele nos adverte que a ausência do tocar, do ouvir e do olhar concorrem para obstaculizar a arte genuína de curar. Seu diagnóstico é o de que o problema mais grave da medicina atual está na falta de diálogo entre médico e paciente. Consoante Gadamer, o diálogo já constitui, em si, “tratamento”. Em virtude disso é que ele vai defender uma convergência entre diagnose, tratamento, diálogo e “colaboração do paciente”. Isso sem esquecer obviamente de outra tese recorrente no livro: a cura é o pleno poder da natureza, e não do médico. Para ser mais preciso, é preciso ressalvar que Gadamer destaca a “dúbia” relação que nós devemos ter com a natureza: “Precisamente esta é a nossa natureza, ter de nos impor também perante a natureza, até onde podemos. Mas, com maior razão, é próprio à natureza humana manter-se – em todo o saber e ser-capaz-de-fazer – em harmonia com a natureza. Esta é a antiga sabedoria estoica” (p.144).
O 11º capítulo, “Vida e alma”, é o mais “filológico” de todos, no qual Gadamer recorre especialmente às concepções gregas dos filósofos originários para contrastar os seus significados de “vida” e “alma” com os dos modernos, a partir da presunção de que teria havido, por um lado, uma restrição dos sentidos antigos e, por outro, uma permanência subjacente às mudanças. Já o 12º capítulo, “Angústias e medos”, é o mais filosófico de todos. Partindo das reflexões de Heidegger sobre angústia – em cuja obra “angústia” é uma categoria existencial que permite o despertar acerca da pergunta pelo ser/nada, e não uma disposição de humor psicológica, tampouco uma categoria psiquiátrica –, Gadamer pretende mostrar que, além de não ser doença, a angústia e os medos fazem parte da nossa “natureza” como seres humanos. Nesse sentido, a nossa busca de segurança e controle na era da técnica e ciência, por mais legítima que for, não pode esquecer que ela jamais apagará nossos traços mais essenciais.
O último capítulo, “Hermenêutica e psiquiatria”, como o título mesmo sugere, traça um paralelo entre as duas áreas. A rigor, hermenêutica e psiquiatria possuiriam uma preocupação em comum: o interesse nas grandes questões humanas. Ambas partem da premissa segundo a qual os conceitos de saúde e doença descrevem situações vitais que ultrapassam o nível do objetivável, uma vez que o ser humano é uma totalidade biopsicossocial.
Ainda que algumas das teses sustentadas por Gadamer no livro não constituam, pro-priamente, grande novidade para a saúde coletiva – dado que o próprio campo já se nutre do manancial hermenêutico, entre tantos outros referenciais teóricos das mais variadas tradições de pensamento, desde os seus primórdios –, penso que O caráter oculto da saúde é uma obra que deveria ser lida e relida sob inspiração do “espírito” da hermenêutica gadameriana, porquanto ela possui todos os ingredientes necessários para propiciar um diálogo franco e aberto entre todos aqueles envolvidos no cuidado com a saúde, desde “pacientes” (usuários do sistema de saúde) e médicos (pena que Gadamer não menciona os demais profissionais da saúde), até gestores e pesquisadores. Com efeito, não se trata de discutir apenas, como é mais usual, as questões referentes às doenças, senão perscrutar aquilo que, mesmo que continue sendo um “mistério”, merece ser examinado com cuidado: o conceito de saúde; sem deixar de atentar, com o fito de tentar responder o que vem a ser “saúde”, para o fato de que vivemos na era da ciência ou, no caso, da medicina pretensamente científica, bem como em um contexto social de medicalização da existência. Que ciência nós queremos? Que saúde nós queremos? Essas me parecem ser as questões prementes subjacentes ao belo livro de Gadamer.
Referências
GADAMER, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Rio de Janeiro: FGV Editora. 2006. [ Links ]
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes. 1997. [ Links ]
GADAMER, Hans-Georg.A razão na época da ciência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1983. [ Links ]
RORTY, Richard. A filosofia e o espelho da natureza. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 1994. [ Links ]
André Luís de Oliveira Mendonça – Pós-doutorando, Instituto de Medicina Social/Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: alomendonca@gmail.com
Dengue no Brasil: abordagem geográfica na escala nacional – CATÃO (Ge)
CATÃO, Rafael de Castro. Dengue no Brasil: abordagem geográfica na escala nacional. [Sn.]: Cultura Acadêmica; Editora da UNESP’, 2012. Resenha de: MAGALHÃES, Suellen Silva Araújo; MACHADO, Carla Jorge. Em busca de um elo entre geografia e saúde. Geografias, Belo Horizonte, 01 de Julho – 31 de Dezembro de 2013.
Lançado em 2012, o livro ‘Dengue no Brasil: abordagem geográfica na escala nacional’, editado pela Cultura Acadêmica/Editora UNESP, é uma publicação oportuna e bem vinda. O autor, Rafael de Castro Catão, é geógrafo graduado pela Universidade de Brasília em 2007 e mestre pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho em 2011. Sua experiência, entre outras, é nas áreas, de geografia da saúde e cartografia, o que lhe permite habilmente entremear esses conhecimentos na produção de um panorama e de um arcabouço teórico conceitual, marcado pelo pensamento geográfico, para o estudo da Dengue no Brasil.
O livro consta de três capítulos, antecedidos pelo Prefácio e pela Introdução; e sucedidos pelas Considerações Finais e Recomendações e pelas Referências Bibliográficas. O Prefácio, escrito pelo professor Raul Borges Guimarães da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, estabelece a premência de obras como a de Catão ante a crise do modelo hegemônico da epidemiologia clínica, a reemergência de uma gama de doenças infecciosas e o aumento da pós-graduação em geografia, a qual permitiu captar demandas sociais, entre as quais àquelas por melhores condições de saúde. Assim, abre o caminho para que o leitor se sinta desejoso de conhecer como o aporte da geografia pode contribuir para elucidar a temática de uma doença transmissível.
Na Introdução o autor relata mudanças socioespaciais ocorridas após a Segunda Guerra Mundial, que desencadearam um novo padrão de epidemias, quais sejam: mais frequentes e mais abrangentes.
Rafael Catão parte de Milton Santos e de sua teoria espacial para analisar mudanças socioespaciais da dengue, na tentativa – bem sucedida – de relacionar o padrão da doença, sua emergência e expansão mundial, além do surgimento e a intensificação de casos mais graves à mudança do período e a produção desse novo meio geográfico. Enfoca, ainda, o caso do Brasil, onde houve erradicação, mas posterior reinfestação e, deste modo, estabelece a questão chave do livro: se a consolidação e expansão do meio técnico-científico-informacional – um dos mais conhecidos conceitos na geografia no Brasil (MAIA, 2012) – e a ampliação dos processos de urbanização, aliados a expansão mundial da doença, forneceram as condições socioespaciais que fizeram a dengue emergir nos dias atuais como um dos principais problemas de saúde pública do país. É também na Introdução que o autor explica o impacto do sistema de técnicas aplicado à natureza e causador de mudanças à saúde utilizando, entre outros, o exemplo do uso de vacinas no auxilio da imunização. Comenta ainda sobre a expansão das fronteiras agrícolas e econômicas que permitiu e permite a expansão dos meios de transporte e das telecomunicações interligando lugares e pessoas com maior circulação da informação. O autor conclui, então, que a atual configuração no espaço geográfico da doença depende das relações interdependentes estabelecidas entre o homem (social e biológico, individual e coletivo, imune e suscetível) com os vetores (gênero Aedes), o vírus (sorotipos e genótipos) e o meio técnico-cientifíco-informacional, inovando acerca da tradicional tríade epidemiológica meio ambiente, agente, hospedeiro.
O Capítulo 1 ‘Dengue: Emergência e Reemergência’ perpassa pela etiologia da dengue em seus quatro sorotipos, pelas teorias acerca da origem geográfica dos vírus e de seus sorotipos e pelos principais vetores. Os ciclos de transmissão também são abordados dado que seu conhecimento é fundamental para que sejam tomadas medidas de saúde pública e de vigilância de saúde em escala global: o autor ressalta o ciclo urbano endêmico/epidêmico. Finalmente, o autor aborda a difusão mundial da dengue.
O Capítulo 2 ‘Difusão do dengue no Brasil’ trata, entre outros aspectos, do retorno do Aedes aegypti e da dengue ao território nacional: em 1976 o país foi reinfestado, permanecendo desta forma ainda hoje. Nesse capítulo está um belo e oportuno detalhamento cartográfico da reemergência da dengue no Brasil, o que permite ao autor estabelecer uma análise do conjunto do País, onde, após a dispersão geográfica do vetor, as interações espaciais existentes em áreas com circulação viral permitiram e mantiveram até hoje a entrada de novos sorotipos em áreas indenes e infestadas. O papel da cidade reside nesse contexto, ao concentrarem indivíduos e bens, com fluxo intenso e veloz, que difunde e mantém o vírus.
‘Uso do território e o dengue no Brasil’ é o Capítulo 3, que trata dos fatores determinantes da transmissão dos vírus da dengue e do papel do Estado na contenção de epidemias. Rafael Catão faz um relato elegante sobre as formas de abordagem desses fatores determinantes da dengue na literatura brasileira, bem como sobre as fontes de dados. O mapeamento dos determinantes em escala nacional e uma síntese da situação recente da dengue no território também são realizados. Ao final do capítulo, o autor faz uma proposta de tipologia da dengue para a primeira década do século XXI no Brasil: os locais com baixa notificação dos casos de dengue normalmente apresentam uma média de temperatura anual mais baixa, baixa densidade de povoamento, baixo índice pluviométrico, políticas públicas mais eficientes, população mais consciente e poucas rodovias de fluxo intenso que ligam várias cidades. Após o capítulo, seguem as Considerações Finais e Recomendações, nas quais o autor deixa claro que, para compreender em plenitude o fenômeno da epidemia da dengue, perguntas tais como: ‘qual o contexto do dengue em sua área de influência?’ ou ‘como foi o processo de consolidação do dengue nessa localidade?’ necessitam ser feitas e suas respostas procuradas.
Além disso, o autor faz uma comparação crítica da atuação das técnicas de cartografia de síntese e das técnicas de geoprocessamento.
Ao final do livro, fica em evidência a constatação de BARCELLOS (2000): epidemiologia e geografia têm em comum crises ocorridas pelo esgotamento de modelos teóricos ou crises advindas da superação desses modelos em razão de novas realidades. Uma das novas realidades é a reemergência de doenças transmissíveis no Brasil e no Mundo – como a dengue. A obra de Rafael de Castro Catão incorpora o espaço explicitamente na análise da dengue, tornando o elo entre a geografia e a saúde visível e utilizável a pesquisadores das mais variadas áreas do conhecimento.
Referências
BARCELLOS, Christovam. Elos entre geografia e epidemiologia. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.16, n.3, Setembro 2000. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo. php?pid=S0102- 311X2000000300004 &script=sci_arttext
CATÃO, Rafael de Castro. Dengue no Brasil – Abordagem geográfica na escala nacional. São Paulo: Cultura Acadêmica/Editora UNESP, 2012.
MAIA, Lucas. O conceito de meio técnico-científicoinformacional em Milton Santos e a não visão da luta de classes. Ateliê Geográfico Goiânia- GO v. 6, n. 4 Dez/2012 p.175-196 Disponível em: http://www.revistas. ufg.br/index.php/atelie/article/view/15642
Suellen Silva Araújo Magalhães – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG.
Carla Jorge Machado – Departamento de Medicina Preventiva e Social.
[IF]
Medicine & Health Care in Early Christianity | Gary B. Ferngren
Em 1874, o inglês John William Draper publicou o livro The history of the conflict between religion and science. Como o próprio título denota, o autor adotava uma perspectiva segundo a qual existiria um antagonismo entre religião e ciência desde que o cristianismo ascendeu politicamente.[2] Cerca de vinte anos depois, Andrew Dickson White publicou A history of the warfare of science with theology in Christendom, em que adotava uma ótica similar à de Draper. [3]
Esses dois trabalhos experimentaram um grande sucesso comercial, influenciando na produção posterior dos historiadores da ciência. Dessa forma, tornaram-se as principais referências numa tendência historiográfica conhecida como tese do conflito. Segundo seus adeptos, a História da Ciência seria constituída de uma série de conflitos entre religião e ciência, tendo nos casos de Galileu Galilei e Charles Darwin seus exemplos mais ilustres. Leia Mais
Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea – MINAYO et al (TES)
MINAYO, Carlos; MACHADO, Jorge Mesquita Huert; PENA, Paulo Gilvane Lopes. (Orgs.). Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011, 540 p. Resenha de: LEÃO, Luís Henrique da Costa. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.10 n. 2, p. 347-351, jul./out.2012.
Esta obra oferece ao leitor uma revisão do campo da saúde do trabalhador no Brasil considerando suas dimensões teórico-conceituais e político-institucionais, bem como apresenta dilemas, desafios e perspectivas teóricas e práticas para a área diante das transformações econômicas e sociais da atualidade.
Nos últimos anos verifica-se um quadro de mudanças caracterizado por globalização dos mercados, reestruturação produtiva e incorporação de novas tecnologias, coexistindo com processos de trabalho tayloristas-fordistas, além da expansão do setor de serviços e do aumento de trabalho informal e exclusão social, ao lado dos problemas estruturais da formação social do Brasil.
Em face dessa conjuntura, que também modifica o perfil dos trabalhadores e a dinâmica do emprego/desemprego, o livro aborda questões essenciais para os horizontes científico e institucional da saúde do trabalhador.
Foi organizado por pesquisadores de significativa trajetória no surgimento e desenvolvimento desse campo no Brasil – Carlos Minayo Gomez, sociólogo e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Jorge Mesquita Huet Machado, médico e tecnologista da Fiocruz e Paulo Gilvane Lopes Pena, médico e professor da Universidade Federal da Bahia – e reuniu pesquisadores de diferentes instituições de ensino e pesquisa do país, favorecendo interlocuções férteis sobre o saber acumulado na área.
A origem do livro está relacionada às atividades do Grupo de Trabalho de Saúde do Trabalhador da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), que em 2007 realizou o I Simpósio Brasileiro de Saúde do Trabalhador (I Simbrast) no Rio de Janeiro, com a participação de vários pesquisadores. O objetivo foi fazer um balanço da área avaliando suas conquistas e avanços, assim como limitações e entraves. Ao mesmo tempo, buscou identificar carências e vislumbrar tendências à luz das transformações atuais.
Diversos textos apresentados e discutidos naquele encontro compõem o conteúdo deste livro, formando uma coletânea diversificada, dinâmica e coletiva que contribui para o processo de desenvolvimento desse campo no país.
O livro é iniciado, no texto introdutório, com uma reflexão crítica acerca da construção e trajetória da saúde do trabalhador, suas características, marco teórico-conceitual e impasses atuais. Minayo-Gomez problematiza a noção de ‘campo’ da saúde do trabalhador, com base nos pressupostos de Bourdieu, afirmando que esse conjunto de conhecimentos e práticas interdisciplinares, multiprofissionais e interinstitucionais nascido no contexto da redemocratização brasileira do início da década 1980, na verdade, se insere no campo das relações saúde-trabalho. Nele, a saúde do trabalhador, como perspectiva da saúde coletiva, supera dialeticamente concepções hegemônicas da medicina do trabalho e saúde ocupacional e noções reducionistas de causa e efeito ancoradas em modelos mono ou multicausais que relacionam doença a um agente ou a fatores de risco dos ambientes de trabalho. Além disto, considera o trabalhador como sujeito ativo nos processos e se baseia na compreensão da saúde como direito vinculando- se, como campo institucional, aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).
Sob essas premissas identificadoras do campo e a partir da noção de habitus, também de Bourdieu, Minayo-Gomez questiona se de fato existiria um grau de coesão teórica e prática entre os diversos pesquisadores e trabalhadores da área a ponto de compartilharem o mesmo paradigma. Ele constata que é preciso avançar bastante, pois o ‘campo’ está fragmentado e “não há uma verdadeira comunidade teórico-prática, com conceitos, categorias e planos de ação acordados, trabalhando com um único paradigma” (p. 32). Ao finalizar, ele chama a atenção para a necessidade de aprofundamento teórico, institucional e fortalecimento do movimento coletivo dos trabalhadores para a construção contínua da área.
O livro foi subdividido em quatro partes, iniciando com oito capítulos que analisam o estado das práticas com foco nas políticas públicas de prevenção e vigilância, e em algumas experiências institucionais.
Os autores discutem os desafios da política de saúde do trabalhador em direção ao desenvolvimento sustentável e a necessidade de considerar a categoria trabalho como determinante nos processos saúde-doença, apresentam os pressupostos da vigilância em saúde do trabalhador no contexto do SUS, avaliam a estratégia da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast), mencionando fragilidades como o distanciamento do controle social e a baixa articulação intra e intersetorial.
São abordadas ainda a política nacional de humanização, a implantação das políticas setoriais de ergonomia, as lutas pelo controle do benzeno no Brasil e a potencialidade do conceito de território para análises e intervenções em saúde, trabalho e ambiente.
Esse conjunto de textos de caráter avaliativo e propositivo sinaliza diversos pontos críticos a serem superados para a efetiva institucionalização da saúde do trabalhador no Brasil e sugere caminhos para o fortalecimento das políticas e ações institucionais.
Os quatro capítulos da segunda parte tratam de outros fenômenos marcantes na realidade brasileira: os acidentes e os agravos à saúde relacionados ao trabalho. Questões cruciais são debatidas, tais como as dificuldades e possibilidades de dimensionamento do número de acidentes de trabalho no país, os impactos do modelo produtivo do agronegócio brasileiro à saúde e ao ambiente, e o desafio da caracterização das doenças dos trabalhadores.
Diante dos processos de saúde-produção-doença, que inclusive refletem históricos conflitos sociais brasileiros, os autores propõem a criação de meios para melhoria das condições de trabalho e vida dos trabalhadores, afirmando a necessidade de movimentos que “ponham fim à ideia de que mortes no trabalho, mesmo ‘no varejo’, sejam aceitáveis” (p. 223), e a importância de “problematizar a vida que se discute em saúde do trabalhador, porque alguns trabalhos, mesmo com todo o avanço tecnológico, permanecem matando lentamente, ou até abruptamente” (p. 290).
É pertinente destacar que uma importante contribuição dessas discussões foi a incorporação da temática ambiental, que trouxe para o debate a relação saúde, trabalho e ambiente, ampliando a principal categoria de análise da área – o processo de trabalho e sua relação com o processo saúde-doença – e demandando novas perspectivas de ação intersetorial e transversal com vistas à sustentabilidade ambiental e social.
Outras questões fundamentais para a saúde do trabalhador nas atuais conjunturas do mundo do trabalho são as relações entre subjetividade e trabalho. Crescem as demandas de sofrimentos psíquicos que desafiam a gestão, os profissionais do SUS e demais setores. Esse tema é aprofundado no terceiro bloco do livro. São seis capítulos que trazem reflexões críticas sobre o trabalho na atualidade com base em autores como Negri e Hardt, discutem criticamente sobre o ‘mental’ no trabalhar na perspectiva da ergologia, debatem as principais abordagens do campo da saúde mental e trabalho, como a psicodinâmica do trabalho, e expõem a diversidade de acepções dos construtos subjetividade e sofrimento na produção científica em saúde do trabalhador.
Essas discussões, embasadas em abordagens distintas e até mesmo conflitantes, enriquecem o campo da saúde do trabalhador e aprofundam conceitos para o processo de compreender intervir nas vivências dos trabalhadores.
Outras importantes contribuições podem ser percebidas na última parte, que em seus seis capítulos enfoca dimensões do trabalho em serviços e as questões de gênero. Neles são expostos os fundamentos teóricos sobre a noção de serviços e os desafios da saúde do trabalhador nesse contexto, as complexidades e condições de trabalho no setor saúde, as contribuições da ergologia para o campo da saúde pública, a divisão sexual do trabalho na educação e as características e desafios do trabalho em telemarketing.
Esses capítulos aprofundam as reflexões sobre a saúde do trabalhador diante da emergência de um novo paradigma produtivo centrado no setor terciário, que alterou o padrão industrial dos séculos XIX e XX. Fato relevante, pois historicamente o campo da saúde do trabalhador focalizou o paradigma industrial na academia e nas ações institucionais. As transformações dos processos e organização do trabalho do novo modelo calcado no setor de serviços desafiam a saúde do trabalhador e exigem inovadoras perspectivas de análise-intervenção. À luz dessas tendências, o livro realizou um importante trabalho de contextualização teórica e metodológica, contribuindo para a superação da ênfase dos estudos no setor secundário da economia que fora motivo de críticas ao campo.
Importante chamar a atenção também para o setor primário, uma vez que a agricultura é outra realidade desafiadora no Brasil. O país é um dos maiores exportadores de commodities, como soja, café e cana e apresenta sérios problemas no que tange às condições de vida e trabalho no mundo rural. Uso de agrotóxicos, precarização das relações de trabalho e situações extremas como mortes por exaustão em canaviais são alguns exemplos. Os capítulos 6, 7 e 11, inclusive, apontam a necessidade de maior articulação acadêmica e política em prol da melhoria das condições nesse setor.
Percebe-se, portanto, que o livro analisa o trabalho em sua integralidade, considerando não apenas os riscos físicos, químicos, biológicos e mecânicos dos ambientes laborais, mas também as relações sociais. Além das condições de trabalho, a categoria organização do trabalho foi abordada, dando relevo às pressões, às hierarquias, às relações de poder, à divisão e conteúdo das tarefas nas novas dinâmicas produtivas do capitalismo.
Após expor os blocos temáticos do livro e suas contribuições, convém ainda ressaltar lacunas no campo da saúde do trabalhador, observadas pelos autores, que poderiam formar uma agenda de pesquisa. No âmbito acadêmico revela-se a falta de rigor conceitual sobre a relação do trabalho com o processo saúde-doença e ausência da interdisciplinaridade nas pesquisas, bem como a repetição de discursos simplificadores e a ênfase nos trabalhadores como objetos de estudo passivos. E, do ponto de vista institucional, verifica-se a falta de políticas integradas, poucas avaliações das ações, distanciamento entre pesquisadores, representantes de trabalhadores, gestores e formuladores de políticas, e dificuldades de um diagnóstico da real situação da classe trabalhadora.
A estas limitações soma-se a fragilidade do movimento de trabalhadores organizados como sujeitos ativos e impulsionadores das políticas. Refreou-se a sua atividade protagonista na definição de linhas de ação conformando uma atuação de ‘controle social’ dos governos, em instâncias instituídas como conselhos de saúde, comissões intersetoriais, entre outras.
Alguns capítulos abordam essa importante temática, demonstrando a necessidade de debater academicamente a questão da participação dos trabalhadores e fomentar maiores articulações para que esse movimento coletivo, ora fragilizado, seja protagonista das ações.
Lacunas como essas, segundo os organizadores do livro, “só serão superadas por meio da intensificação da articulação entre as análises teóricas, as propostas políticas e as ações de intervenção, conforme tem sido a tradição desse campo” (p. 21).
Em síntese, o livro traz reflexões cruciais sobre as principais questões da saúde do trabalhador, empreendidas com lucidez, perspicácia, rigor científico e compromisso com a transformação da realidade, marca histórica da área. Constitui-se como obra de referência para interessados no tema, oferecendo um ‘estado da arte’ das políticas e das práticas da saúde do trabalhador na atualidade, cuja relevância e pertinência são inegáveis. Os enriquecedores subsídios teórico-metodológicos trazidos contribuem para a solidez do campo e convoca pesquisadores, trabalhadores, técnicos e demais atores sociais a um renovado compromisso coletivo com um bem inalienável: a vida, a saúde dos trabalhadores.
Luís Henrique da Costa Leão – Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil. E-mail: luis_leao@hotmail.com
[MLPDB]Saúde, trabalho e direito: Uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória – VASCONCELOS; OLIVEIRA (TES)
VASCONCELLOS, Luiz Carlos Fadel de; OLIVEIRA, Maria Helena Barros de (Orgs.). Saúde, trabalho e direito: Uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória. Rio de Janeiro: Educam, 2011, 600p. Resenha de: GOMEZ, Carlos Minayo. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.10, n.1, mar./jun. 2012.
Este livro está organizado em 12 capítulos que tratam dos seguintes temas: (1) relações saúde, trabalho e direito; (2) exploração do corpo ao longo da história; (3) imperfeição da regra trabalhista referente à saúde; (4) legislação previdenciária e seus significados; (5) ausência da questão da saúde pública no enfoque da Organização Internacional do Trabalho; (6) movimentos de lutas dos trabalhadores pela saúde; (7) importância do aporte do Modelo Operário Italiano para o campo da saúde do trabalhador; (8) diferenciações conceituais entre saúde ocupacional e saúde do trabalhador; (9) construção e institucionalização da área de saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde; (10) a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador; (11) desenvolvimento insustentável e ausência de foco nas relações entre saúde e trabalho; (12) confluência de uma trajetória crítica das relações entre saúde, trabalho e direito para uma práxis educativa.
O próprio subtítulo do livro já anuncia a tônica presente ao longo do conjunto dos capítulos. Farta informação e análises críticas caracterizam esta obra que constitui uma nova vertente no tratamento habitualmente dado pela literatura existente às questões referentes à promoção da saúde dos trabalhadores. O amplo leque de temas abordados configura o texto como um valioso compêndio, apoiado em vastíssima bibliografia, que sistematiza conceitos, processos históricos e oferece compreensão para lacunas nessa área de atuação. Por essa razão, não se pode fazer uma síntese do riquíssimo e diversificado conteúdo da obra. Destacam-se, portanto, apenas alguns aspectos dos assuntos desenvolvidos extensamente nos seus 12 capítulos e que expressam formas diversas de compreensão da problemática da saúde no trabalho.
Apresentam-se de forma muito original as premissas e concepções que regem a formulação de políticas, das estratégias, dos mecanismos operacionais e das práticas dos diferentes atores que lidam com os problemas da saúde dos trabalhadores. Cabe ressaltar a importante contribuição trazida com a introdução da temática do direito à saúde no seu aspecto irrestrito de cidadania plena, típica dos demais direitos civis, econômicos, sociais e humanos fundamentais. Com o intuito de analisar o percurso histórico seguido na regulação das questões relativas a esse direito, realiza-se uma genealogia das instâncias internacionais e nacionais de normatização trabalhista nas sociedades industriais. Contextualiza-se, de forma profícua, a origem dos problemas que levaram à realização do conjunto das convenções relativas ao setor e ao estabelecimento de recomendações a esse respeito. No plano nacional, ressalta-se a importância da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e da Legislação Previdenciária no que se refere à reparação, do ponto de vista financeiro, dos danos provocados pelos efeitos nocivos e fatais das condições de trabalho dos segurados.
Descrevem-se com profusão de detalhes os eventos, correntes ideológicas e movimentos que influenciaram e deram origem à criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como organismo internacional reconhecido como regulador do mundo do trabalho. Destaca-se, particularmente, o panorama institucional, histórico e conjuntural que conduziu à constituição desses espaços de negociação, como as ameaças das greves e dos movimentos revolucionários. Entre os exemplos citados de negociação estão: a delimitação da jornada de trabalho, a proposta de tripartismo, os acordos internacionais para normatizar o trabalho infantil e da mulher, o trabalho noturno e a exposição a agentes químicos como chumbo e fósforo. A OIT também trouxe para si a responsabilidade de regulação internacional da saúde como componente da preservação da força de trabalho, mas fora do âmbito da saúde pública. Ao fazê-lo, acaba desonerando outras instâncias internacionais, inclusive a Organização das Nações Unidas (ONU), que na Declaração dos Direitos Humanos não incorpora essa perspectiva. Essa ausência também se nota na própria atuação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Os autores ressaltam, porém, que o Brasil foi um dos poucos países a inserir o tema da saúde do trabalhador na Constituição, como direito de cidadania e dentro dos princípios estruturantes do Sistema Único de Saúde (SUS).
O livro descreve os movimentos de luta pela saúde, seja de forma implícita na conquista de reivindicações econômicas e de mudanças nas relações de trabalho ou, de forma explícita, quanto aos riscos à saúde. Merece destaque a farta documentação reunida sobre a atuação do movimento sindical brasileiro ao longo do processo de industrialização e dos diversos governos. E, especificamente, a luta pela saúde a partir do final da década dos anos 1970, em que a experiência italiana de combate à nocividade nos ambientes de trabalho exerceu notável influência na construção do pensamento das diretrizes operacionais a respeito.
Nesse sentido, os autores ressaltam a contribuição do Departamento intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT) como uma grande referência de ação sobre bases intersetoriais e interdisciplinares para a saúde do trabalhador do ponto de vista da saúde coletiva. Apresentam-se também as lutas nas indústrias paulistas como ações pioneiras frente à negligência das empresas em relação à exposição a determinados agentes químicos e físicos. Os autores referem as várias mobilizações do movimento sindical nas últimas décadas do século XX em prol da saúde e dão realce aos desafios atuais e à fragilidade da sua atuação, entre outros motivos, por sua cooptação pelo Estado.
Uma parte considerável do conteúdo do livro é dedicada a analisar o processo de institucionalização dos instrumentos de proteção à saúde do trabalhador no SUS, as propostas de desenvolvimento de ações no nível nacional e a criação de instâncias intersetoriais e interministeriais, inclusive das que dizem respeito ao controle social. Os autores tecem considerações sobre os avanços conseguidos com os diplomas legais de saúde que legitimaram a área no cenário institucional, histórico e conjuntural. Avaliam, criticamente, que tais avanços não redundaram em ações efetivas e permanentes, pois não foram inseridos na formulação de políticas setoriais e nem como componentes do desenvolvimento sustentável. É mencionada uma série de entraves no percurso histórico de implementação da Política de Saúde do Trabalhador, em que progressos e retrocessos, ingerências políticas e conflitos corporativos entre o setor Saúde, do Trabalho e da Previdência social são a tônica. Os autores enfatizam que são vários os sinais reveladores de tais limitações como é o caso dos sistemas deficientes de informação e notificação de agravos, da reduzida atuação da vigilância, da débil articulação intra e intersetorial e da insuficiente capacitação de profissionais.
Destaca-se e, ao mesmo tempo, é questionada a criação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast), uma das iniciativas recentes mais significativas para a institucionalização do tema de saúde dos trabalhadores no SUS. Considera-se que essa iniciativa, implantada formalmente em todos os estados do território nacional e estruturada por meio de centros de referência municipais e regionais, teria maior efetividade se, de fato, fosse orientada pelo paradigma sistêmico e holístico da concepção de rede. Entretanto, ressente-se da falta de comunicação entre os centros e escassas articulações no interior do SUS e com outros setores, ao que se alia uma concepção eminentemente assistencialista em saúde do trabalhador.
O foco central da reflexão crítica sobre a natureza dos avanços e das grandes limitações diagnosticadas se localiza na crônica ausência de respostas do Estado às legítimas demandas trazidas pelos movimentos sociais organizados e pelos próprios técnicos das instituições e serviços sobre os problemas de saúde do trabalhador. A conclusão é que, hoje, tanto o setor saúde como o do trabalho e da previdência estão muito aquém do enfrentamento dos determinantes dos agravos relacionados ao trabalho.
Em síntese, são muitos os méritos deste livro que realiza uma viagem instigante por vários terrenos teóricos e práticos, levantando questões e apontando debilidades no campo do direito e da saúde do trabalhador. Oferece, ainda, fundamentada crítica sobre ausência de compromissos efetivos em pontos e áreas cruciais, dando relevância a vários avanços conquistados.
Carlos Minayo Gomez – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: minayogo@ensp.fiocruz.br
[MLPDB]Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural – JUÁREZ (C-RAC)
JUÁREZ, Gerardo Fernández (Coordinador). Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural. Quito: Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Ediciones Abya-Yala, 2006. 450p. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.42 no.2, p.543-547, dic. 2010.
La aparición de la antología Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural ha sido una nueva hazaña de corte académico por la que hay que felicitarle, antes que a nadie, al coordinador español Gerardo Fernández Juárez, a los treinta y seis colaboradores europeos y latinoamericanos, quienes ofrecieron información, novedosas reflexiones críticas y variadas aproximaciones metodológicas acerca del nuevo paradigma: la interculturalidad y sus posibles aplicaciones en el ámbito de la salud1. Tal obviedad es aparente, pues cualquiera que haya ojeado el volumen de gran formato y ahondado en cada uno de los veintiocho artículos se da cuenta del esfuerzo de agrupar una narrativa heterogénea y desigual. En efecto, no toda la información pertenece a académicos del medio universitario, como es el grupo de antropólogos de la Universidad Castilla-La Mancha decididos a “evitar malentendidos en la aplicación de políticas interculturales de salud en Latinoamérica, particularmente Bolivia” (Fernández Juárez 2006a:11).
También se incorpora la narrativa de los gestores de las políticas públicas en interculturalidad y salud que se aplican actualmente en Bolivia, aunque no lo explicitan ni lo justifican en la presentación, lo cual se debió mencionar porque permitiría al lector leer con mayor precaución sus argumentos considerando el lugar de enunciación, escudriñar en el manejo de la información y la construcción de su narrativa a lo largo de un libro (p.ej. Baxeiras Divar 2006; Zalles Asin 2006). La diversidad de temas abordados y perspectivas metodológicas y teóricas empleadas por los autores se justifica en el destinatario, aunque el mismo debería ser universal; el libro está consignado a: “servir de reflexión a los cuadros formativos y a los alumnos (médicos, enfermeras y trabajadores sociales, especialmente) de los diferentes cursos y especialidades que de esta temática están en pleno desarrollo en los medios académicos de América Latina” (Fernández Juárez 2006a: 12).
A partir de tres grandes ejes se organizan las treinta y seis contribuciones de esta voluminosa antología. El primer eje, dedicado a la dimensión teórica de la interculturalidad aplicada a la salud; el segundo eje centrado en los procesos interculturales producidos en contextos migratorios en España con énfasis en la política sanitaria y, finalmente, el tercer eje destinado a recuperar relatos etnográficos sobre concepciones de salud, enfermedad, así como su relación con procedimientos asistenciales y terapias biomédicas. En efecto, un importante grupo de textos tratan acerca de la llamada “medicina intercultural” planteada a la luz de la historia del manejo categorial institucional internacional y de las políticas públicas que se plantean a nivel mundial (Knipper 2006). En realidad este texto es central porque nos diseña el escenario donde se plantean los ejes temáticos de la interculturalidad que son desarrollados a lo largo de los artículos temáticos. Así, se reflexiona acerca del pluralismo médico porque “no habría corrido pareja con su importancia real en la población desde diversas entradas”, razón por la cual se reflexiona sobre los modelos de estudio del pluralismo asistencial (Perdiguero 2006). De manera complementaria, por ejemplo, se ahonda en la interculturalidad en tanto que noción en construcción en América Latina remontando a sus orígenes en una perspectiva antropológica (Menéndez 2006), mientras que una pluralidad de textos, a su manera, aportan casos específicos y ahondan en una vasta información etnográfica recogida en diversos espacios de América Latina.
En esa línea, uno de los temas candentes es la migración latinoamericana hacia Europa, siendo abordado desde la perspectiva de la salud, más precisamente desde un ángulo denominado “mito del encuentro”, a partir del cual se evalúan las consultas de los migrantes en el marco del sistema de salud español y destacando las “aportaciones” al mencionado sistema (Uribe 2006). Junto con éste, quizá uno de los textos más atractivos y novedosos, por su construcción narrativa, sea el dedicado al envío de medicamentos en familias inmigrantes ecuatorianas. A partir del mismo se puede comprender la articulación existente entre la medicina pública/medicina privada/sistema de salud español/sistema de salud ecuatoriano, este último mucho más cercano a los inmigrantes de acuerdo a sus criterios valorativos (Meñaca 2006). Desde otro ángulo, más bien jurídico, se compulsa el cumplimiento de la Ley 14/1986 sobre el Sistema Nacional de Salud Español, a través del punteo de las dificultades que viven los inmigrantes para acceder al mismo (Caramés García 2006). Completando todo lo anterior, se realiza un balance agudo sobre la inmigración en la literatura biomédica en España mostrando un verdadero “diagnóstico” de sensibilidad a la diversidad cultural del que resalta el vocabulario (Gijón Sánchez et al. 2006).
Uno de los temas emblemáticos del libro es la operacionalización de la interculturalidad a través de la adecuación de los hospitales, incorporando a los establecimientos de atención a los médicos tradicionales con el propósito de alcanzar mayores coberturas. De ahí la visión global desde su origen hasta el funcionamiento del hospital intercultural de Curva presentado en detalle (Baxeiras Divar 2006; Callahan 2006; González Guardiola 2006). Justamente este tema sirve de entrada para ilustrar los desencuentros que se suceden en los hospitales en el proceso de articulación de las dos medicinas (Fernández Juárez 2006b).
Un importante tema es el de los vendedores de salud en Iberoamérica desde una perspectiva comparativa entre Perú, Bolivia y México (Rodríguez González 2006). En esta línea de contrastar información se presenta un balance de los procesos de legalización e interculturalidad en las medicinas indígenas entre Bolivia y México (Campos Navarro 2006), contribución que se complementa con una presentación acerca de la exclusión de los médicos tradicionales, naturistas y otros desde más antiguo (Zalles Asin 2006).
Del conjunto de artículos resalta aquel avocado a la construcción de la interculturalidad para hacer notar que fue construida y aplicada sin todos sus agentes sociales (Ramírez Hita 2006). De tal suerte que este texto es significativo porque interpela a su manera a las contribuciones que de una u otra manera exaltan la interculturalidad en el campo de la salud ofreciendo algunos ejemplos. Justamente por ello vale la pena profundizar en algunos puntos de la antología y aclarar algunas informaciones, porque se trata de un libro de formación destinado a los “diferentes cursos y especialidades” en salud intercultural. Empecemos señalando que para realizar un análisis de las políticas públicas en salud abordando la implementación de la interculturalidad es esencial una contextualización y confrontación de la información recurriendo a una diversidad de fuentes y una pluralidad de voces, incluidas aquellas que están en desacuerdo acerca de la manera vertical con la que se aplican actualmente la interculturalidad en salud en Bolivia. Este procedimiento metodológico, por ejemplo, está ausente en la contribución del biomédico y antropólogo mexicano Roberto Campos Navarro (2006) acerca de la legalización e interculturalidad de las medicinas indígenas de México y Bolivia entre 1996 y 2006. El análisis de este tema a lo largo de un decenio requiere de una reflexión, a partir de diversas escalas, fuentes y entradas, pues solo así es posible aclarar las dinámicas sociopolíticas que han permitido el afianzamiento de interculturalidad como política de Estado. Tomar en cuenta estos elementos le habría ahorrado al autor comunicar una visión triunfalista acerca de la implementación de la interculturalidad en salud durante el postneoliberalismo, uno de los períodos de la historia boliviana más controversial, justamente de mayor desestructuración y debilitamiento del Estado. Al mismo tiempo, le habría permitido ser más objetivo para dar cuenta de las causas de la “fragmentación” de la Sociedad Boliviana de Medicina Tradicional (en adelante, SOBOMETRA), la institución más antigua de América Latina en su género, pero también la aglutinadora de mayor pluralidad y diversidad de los terapeutas en el país. Podemos afirmar que existe una multiplicidad de factores, tanto internos como externos, para que se haya producido tal fenómeno. De hecho, ese proceso no es exclusivo de SOBOMETRA, sino que también es muy frecuente en los partidos políticos y la institucionalidad boliviana en general. Por ejemplo, a nivel interno Campos Navarro no menciona la intervención directa de miembros de la Sociedad que pertenecen a diversas asociaciones religiosas no católicas, empeñadas en desterrar del seno de SOBOMETRA a los médicos y herbolarios Kallawayas Amawt’as y Yatiris, acusados de brujos. La tensión confesional en el seno de SOBOMETRA es esencial y debió tomársela en cuenta en sus explicaciones. Más aún, este proceso, que tendría en Santa Cruz su eje articulador, en ningún momento se lo explica como consecuencia del creciente regionalismo en Bolivia, cuya expresión más reciente es el proceso autonómico para dar vida a la llamada “Media Luna”, la cual está conduciendo a una franca confrontación entre bolivianos de oriente y occidente. Asimismo, el autor guarda silencio sobre los factores externos directamente relacionados con la burocracia biomédica conservadora empeñada en eliminar a SOBOMETRA del escenario nacional. Se olvida de mencionar que la llamada “burocracia biomédica-interculturalista” se reorganizó en torno a valores tan conservadores que al ver reconocida la medicina tradicional como parte del Sistema Único de Salud boliviano, es la encargada de controlar gran parte de las dependencias y programas dedicados a la inter-culturalidad que financia la Cooperación Internacional, influyendo en la disgregación de las instituciones de terapeutas tradicionales para que no cuestionen su gestión pública. De igual manera, se entremete en la nominación de Viceministros de Medicina Tradicional e Interculturalidad sin dar paso a los legítimos terapeutas tradicionales para que puedan planificar y decidir sobre su materia. Téngase presente que se ha llegado al extremo de que un biomédico, un enfermero y muchos naturistas con adscripción confesional han llegado a esa cartera de Estado. La ausencia de referencias sobre el tema es posible que se deba a la consulta exclusiva de fuentes producidas por el Ministerio de Salud y Deportes o la Cooperación Internacional (española e italiana); sin duda que la compulsa y la complementación con otras fuentes y bibliografía le habría dado la posibilidad de acceder a nuevos datos, menos sesgados, que le habrían ayudado a matizar la visión triunfalista acerca de la aplicación de una política intercultural en salud en Bolivia. Téngase presente que desde la perspectiva de algunos autores el concepto de interculturalidad en este país no deja de ser un concepto importado “que no ha influido en mejorar la calidad de atención, en negociar la calidad de atención en los centros [de salud] y los hospitales y en producir cambios epidemiológicos” (cf. Loza 2008; Ramírez Hita 2008:60).
El problema en el manejo de las fuentes en otras contribuciones de la obra también es evidente en el texto del biomédico español José Luis Baxeiras Divar (2006), quien como funcionario de la Cooperación Española en América Latina elabora una narrativa compleja acerca de un programa del cual es gestor, pero sin mencionarlo. Este dato es clave, sin duda, para comprender la estructura de su texto que presenta la Relación de la medicina Kallawaya con el Sistema de Salud Público en San Pedro de Curva. De acuerdo con Baxeiras Divar, esta relación sería excepcional porque estaría cimentada en la voluntad de los Kallawayas de trabajar en el hospital. Empero, los artículos dedicados al mismo terreno -incorporados en la antología- dan cuenta de una diversidad de problemas estructurales que matizan la imagen ofrecida por este autor (cf. Callahan 2006).
De manera específica, cuando realza la declaratoria de la cosmovisión Kallawaya como Obra Maestra del Patrimonio Oral e Intangible de la Humanidad (UNESCO 2003), desarrolla una relación del evento que no condice con lo sucedido en ese proceso ampliamente documentado con fuentes de archivo (cf. Loza 2004). Por ejemplo, altera los nombres de los personajes Kallawayas y bolivianos que elaboraron la carpeta de postulación a la UNESCO, incorporando a Toribio Tapia Valencia, quien no tomó parte en ninguna etapa de ese proceso, como lo muestran los archivos bolivianos, parisinos y las publicaciones internacionales disponibles sobre el tema (Baxeiras Divar 2006:45). Dilucidar este tipo de datos no es banal, pues fueron los Kallawayas Walter Álvarez Quispe, Víctor Quina y luán Vila (t) los que han jugado un rol esencial para dar visibilidad a su pueblo a nivel mundial.
En suma, el libro habría ganado con una síntesis final contrastando los enfoques, los datos y las metodologías utilizadas por los treinta y seis autores a partir de los tres ejes de reflexión planteados. Tal síntesis era también necesaria porque la construcción de la interculturalidad en algunos países no es un proceso armónico, lineal y consensuado. Se trata de un proceso que está tensionando las entrañas de las sociedades donde se están reforzando relaciones de dominación, gracias a la cooptación del poder, las instituciones y los recursos económicos por parte de los biomédicos aliados con los naturistas que se están encargando de la salud intercultural (cf. Loza 2008). Es decir, estos grupos están marginando a los terapeutas tradicionales en la toma de decisiones en las políticas públicas de salud intercultural. Actualmente, Bolivia es la mejor ilustración en los países andinos.
Notas
1 El 2004 Gerardo Fernández Juárez coordinó Salud e lnterculturalidad en América Latina. Perspectivas antropológicas. Editorial: Ediciones Abya-Yala (Quito-Ecuador); Agencia BOLHISPANA (La Paz-Bolivia) y Universidad de Castilla-La Mancha (Ciudad Real-España).
Referências
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Zalles Asin, J. 2006 Bolivia un ejemplo de mutua exclusión cultural en salud con dramáticas consecuencias: un desafío que no puede esperar. En Salud e lnterculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 389-404. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito. [ Links ]
Carmen Beatriz Loza – Directora de Investigación del INBOMETRAKA, La Paz, Bolivia. E-mail: lozaquipu@yahoo.es, cbloza@gmail.com
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Salud e Interculturalidad en América Latina. Perspectivas Antropológicas – JUÁREZ (C-RAC)
JUÁREZ, Gerardo Fernández. Salud e Interculturalidad en América Latina. Perspectivas Antropológicas. Quito, Ediciones Abya-Yala, 2004, 350p. Resenha de: MADARIAGA, Carlos; GAVILÁN, Vivian; VIGUERAS, Patricia; MADARIAGA, Vesna. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.38, n.1, p. 152-155, jun. 2006.
Gerardo Fernández Juárez, autor de varios artículos y libros referidos al tema de la salud en comunidades andinas, coordina esta extensa obra producto de investigaciones realizadas en América Latina, cuya finalidad central fue ver las posibles aplicaciones que la antropología social y cultural puede sugerir en relación con la salud y la enfermedad.
El texto reúne a veinte autores que reflexionan acerca de los problemas teóricos y metodológicos que hoy enfrentamos para comprender el proceso salud-enfermedad-atención; informan acerca de experiencias interculturales y exponen investigaciones acerca de modelos conceptuales que sustentan las enfermedades, los sistemas terapéuticos y su relación con las categorías de cuerpo y persona diferentes al modelo biomédico hegemónico.
La diversidad de temas y de enfoques aplicados constituye la mayor riqueza de este proyecto editorial. Los trabajos muestran un gran esfuerzo por comprender las prácticas en el ámbito de la salud en nuestros países. Es posible afirmar, sin embargo, que el conjunto de los artículos se asientan en un gran ángulo de mirada, aquel que postula una crítica a la universalidad y a la ahistoricidad que subyace al modelo biomédico. Como resultado, tenemos un libro clave para elaborar el estado del arte no solo en la problemática de la salud intercultural como un problema social que se debe abordar con urgencia, sino también para reflexionar acerca de los presupuestos ontológicos y epistemológicos del estado actual de las llamadas ciencias naturales y sociales en general y de las ciencias médicas en particular.
Comelles y M. Caramés abren el debate planteando la necesidad de enmarcar el proceso de salud-enfermedad-atención en una perspectiva histórica y cultural, argumentando que la medicina actual es producto de una sociedad en particular: la occidental y capitalista. Para estos autores, el problema de las ciencias médicas radica en la negación de las relaciones sociales en la cual ella se inserta. Hipótesis que corroboran las experiencias concretas sobre salud intercultural en América Latina y que el mismo texto informa (Cf. R. Campos, L. Abad, Campos y Citarella, J. López, J. Michaux, A. Flores, G. Orobitg, J.P. Chaumeil, G. Fernández, A. Caprara, Citarella y otros).
Comelles acomete el obligatorio reencuentro de la medicina con la cultura como uno de los principales desafíos en el amplio campo de la salud para los inicios del tercer milenio. Su recapitulación hacia la sociedad clásica europea en busca de la tekhné hipocrática para rescatar de ella su condición de ciencia fundada en una amalgama entre el conocimiento impreso en tratados eruditos y la praxis de unos doctores metidos en el mundo experiencial de sus enfermos, en su comunidad, se nos asemeja a un retorno nietzscheano hacia ciertas bases epistémicas fundantes de una medicina enraizada en la cultura epocal. Medicina que se niega a sí misma en etapas posteriores de su propio desarrollo histórico, con el surgimiento del capitalismo y el Estado liberal. El autor alude, con la instauración hegemónica del modelo biomédico en la clínica, a la pérdida de ciertas prácticas de producción del saber-poder sanatorio de los doctores que se gestaba en el proceso dialógico entre conocimientos de diversos tipos (médico, religioso, mágico, popular, etc.), lo cual facilitaba un nivel de consenso social con el enfermo y su medio humano, suficiente como para otorgarle capacidad curativa.
La clínica que se inaugura sobre los restos de esas prácticas pasa a ser una disciplina empotrada en el discurso científico inaugurado por la razón iluminista, que comanda todo el devenir de las ciencias desde el derrumbe de la época medieval hasta nuestros días. Con ella se acaban formas incipientes de construcción colectiva del saber y se introduce la validación de las verdades a partir de su comprobación experimental o empírica, en los marcos de las teorías explicativas unilineales en boga. Al decir de Comelles, se termina la relación medio (sociedad, cultura)- enfermedad y empieza el reino de otra relación, más específica y unívoca: naturaleza-enfermedad. Dicho de otro modo, la enfermedad, de pathos social deviene en fenómeno natural. La nueva forma de conocer la realidad en el campo de la salud y la enfermedad que emerge con este vuelco paradigmático traslada el dominio del cuerpo por la medicina (y, naturalmente, por los médicos) a un escenario privativo de los “especialistas”, de las instituciones sanitarias y las políticas de Estado. Escenario en el que profesionales, tratados de medicina, dispositivos de salud, planes y programas están diseñados para operar sobre un mundo humano reificado, reducido a sus miserias biológicas y descontextualizado de las realidades sociohistóricas que lo condicionan y lo limitan.
El modelo biomédico es la ideología médica del liberalismo económico, la herramienta teórico-metodológica con la que opera en el dominio del proceso salud-enfermedad-atención. El divorcio que promueve activamente respecto de las ciencias sociales obedece a la necesidad de preservar el cuerpo del sujeto aislado de todo influjo interpretativo que amenace con incorporar un campus explicativo-comprensivo que reconozca a la persona humana, a este ser social que es, al mismo tiempo, sujeto individual y social, y que se encuentra multideterminado en una compleja trama de relaciones sociales.
El autor revisa el andamiaje histórico de la medicina desde una óptica de la arqueología foucaultiana para ofrecernos una problematización de gran trascendencia acerca de cómo la versión más actualizada de esta ideología médica es cuestionada desde campos de pensamiento y de acción contrahegemónicos, en tiempos que se disputan como todavía modernos o definitivamente posmodernos.
En la misma línea, M. Camarés afirma que el modelo biomédico tendería a atomizar tanto al sujeto de estudio (el enfermo) como al objeto de estudio (la enfermedad), lo cual impediría contemplar y abordar esta última de una manera procesual, dialéctica y contextualizada. Para esta autora, “el lenguaje de la biomedicina como un hecho social está cargado de significados sociales que manifiestan relaciones de poder y que, al mismo tiempo, al estar investido de un aura de poder está legitimado para construir formas de conocer, intervenir así como de homogeneizar, entre otros, al cuerpo pieza anatomopatológica, al individuo enfermo-paciente a la propia enfermedad –entidad nosológica– a las relaciones profesional sanitario-usuario, médico-paciente; en definitiva al mundo” (p. 35). En este marco de análisis, muestra cómo la ruptura que se hace en la relación medio-cultura-enfermedad se expresa en la formación de los profesionales de la salud. Estos no son socializados únicamente en términos de habilidades técnicas sino también formados dentro de una cultura particular, a través de un proceso de construcción ideológico-cultural caracterizado por lo que ella llama biologicismo o determinismo biológico. Pone, de este modo, énfasis en la dimensión político-ideológica de la enseñanza y formación profesional de los agentes de la salud. Por una parte, nos recuerda cómo los programas educativos se fundan en la certidumbre de tener por particularidad la universalidad. Parafraseando a Bourdieu, “la universalidad de los intereses particulares es la estrategia de legitimación por excelencia, que se impone con una urgencia particular a los productores culturales, siempre incitados por toda su tradición a pensarse como portadores y portavoces de lo universal, como ‘funcionarios de la humanidad'”. Situación que constituye, en nuestra opinión, un obstáculo difícil de enfrentar, dado que se halla incorporado en los agentes (cultura subjetivada) y en las instituciones (cultura objetivada) (Bourdieu 2005:158), lo que plantea el principal desafío del enfoque intercultural en salud en América Latina.
En nuestra propia experiencia de salud comunitaria en el norte chileno hemos observado a personas que se presentan del siguiente modo: “yo soy Carmen y soy un cáncer terminal” o “soy bebedor problema con dependencia”. La patología pasa a ser parte de su identidad, logra disipar las propias sensaciones, sentimientos y hasta la sintomatología porque un bebedor problema con dependencia debe comportarse de tal forma y tener estos síntomas, tomar tales medicamentos, ir a control y hacer lo políticamente correcto si quiere gozar de la atención y buen trato del equipo.
De acuerdo con Comelles, el debate sobre la diversidad en salud y sobre el papel de lo cultural surge en dos circunstancias históricas distintas. La primera es el despliegue del proyecto de la biomedicina y la salud pública en países no occidentales, que no tienen por qué compartir los rasgos judeocristianos o ilustrados característicos de la articulación entre el modelo médico y el pensamiento liberal occidental. La segunda circunstancia es distinta y se refiere al problema que plantea hoy en los países desarrollados una demanda cualitativamente sesgada basada en cuidados de salud, enfermedades crónicas y degenerativas y medicalización de formas de aflicción en toda la población, así como los problemas que plantea la diversidad cultural que acarrean los procesos migratorios. Es en este segundo contexto que se inscribe la preocupación de Arancha Meñaca. Su artículo titulado “Salud y migraciones” expone el caso de la inmigración ecuatoriana en España con el objeto de comprender mejor las relaciones entre los procesos de salud-enfermedad-atención y los fenómenos migratorios.
Meñaca propone que es preciso asumir un concepto de cultura no esencialista y, por lo tanto, considerar en el análisis su vinculación con los aspectos socioeconómicos implicados en las migraciones. En este sentido, insiste en la necesidad de conocer las comunidades de origen de los inmigrantes, tanto en las razones de emigración como también los contextos sociopolíticos de las mismas, en los que un aspecto clave es el conocimiento del funcionamiento de los sistemas sanitarios. Por otra parte señala que es importante analizar los contextos receptores a fin de observar las estrategias que utilizan en sus procesos de integración.
Xavier Albó, por su parte, expone conceptos básicos acerca de la interculturalidad y sus implicaciones en el campo de la salud. Para el autor la relación de culturas diferentes en un contexto de relaciones de poder implica considerar distintos niveles: el interpersonal, el grupal y el estructural. Apuesta por comprender las relaciones entre culturas en un contexto de relaciones de poder; el enfoque intercultural en salud tendría que reconocer las culturas en juego (los agentes de salud y los agentes que acuden en busca del servicio). Ve aquí de parte de los profesionales un problema ético al subvalorar la cultura del otro (paciente) y la desconfianza de este último respecto de las prácticas médicas hegemónicas, lo que lleva a bloqueos culturales que se deberían derrumbar. De este modo, afirma que ello no será posible sin una lucha en contra del neocolonialismo en lo económico, político-social y cultural.
Luisa Abad nos informa acerca de la experiencia en atención de salud en las comunidades Aguarunas en la Amazonia peruana. Describe cómo ha operado el sistema de salud pública, imponiendo el modelo biomédico, bajo una forma asistencialista y en un contexto que se orienta más al control de la población indígena que a satisfacer sus propias necesidades. Su tesis es que para aplicar la interculturalidad en estas poblaciones es necesario estudiar a fondo la etiología de las enfermedades, las formas de terapia indígenas y su farmacopea, las relaciones existentes entre patologías, medio ambiente y espacio terapéutico, las variables de género en la consideración de la enfermedad y su tratamiento, las relaciones institucionales y de poder entre médicos pacientes y especialistas médicos nativos, etc.
Los resultados de los trabajos de investigación empírica incluidos en el texto, y sus consecuentes reflexiones nos hablan de la diversidad de aspectos involucrados en aquello que hoy llamamos salud intercultural. Los relatos etnográficos y experiencias personales de sus autores muestran sus aproximaciones a una realidad compleja, no de un modo distante sino formando parte de la trama de relaciones. Roberto Campos, por ejemplo, expone cómo en nuestros países “el fenómeno de autoatención curativa es un fenómeno social generalizado, que la automedicación es creciente en los sectores populares, que existe una bien conservada cultura médica materna, que ellas establecen estrategias particulares para cada evento de enfermedad de acuerdo a sus conocimientos y experiencias previas; que realizan complementariedad de tratamientos biomédicos y populares, y que estas estrategias curativas deben ser conocidas por el personal de salud con el fin de establecer una mejor relación médico paciente” (Cf. página 132).
Ferrandiz y P. Pitarch, por su parte, llaman la atención cómo en los Altos de Chiapas la medicina indígena se relaciona con la adscripción a grupos religiosos. R. Campos y L. Citarella nos informan acerca del esfuerzo por crear un programa de formación en salud intercultural en el nivel de posgrado en Bolivia, implementado en el departamento de Potosí dirigido a suplir la ausencia parcial o total de una capacitación específica de los médicos, enfermeras y dentistas sobre las características socioculturales de los pueblos indígenas con los cuales se pretende trabajar en forma cotidiana.
De esta manera, Luisa Abad concluye en que la historia de la medicina en América Latina es la historia de una negación. La clasificación de la medicina indígena como etnomedicina, medicina popular, medicina ancestral, medicina tradicional, etc., se impone para evidenciar la subalternidad de sus agentes. Para ella el problema de la aplicación de la salud intercultural radica en la grave crisis que sufre la medicina (académica) en relación a los niveles, grados, tonos y modos de comunicación entre el médico (entendido como persona que sabe curar) y el paciente (entendido como ser doliente) que se sabe o se considera enfermo y que precisa de la ayuda especializada. Esa confianza en el médico (léase yatiri, chamán, etc.) sin embargo no se ha perdido en el mundo indígena, muy a pesar de los insistentes intentos de la OPS en la década de los ochenta y noventa por introducir la medicina occidental basándose en las contundentes cifras ofrecidas por los respectivos países sobre las tasas de mortalidad materno infantil, perinatal etc., causadas por enfermedades infectocontagiosas, principalmente, y que llevaron a muchos pueblos indígenas a idealizar y sobreestimar la capacidad de “los remedios” frente a sus propios especialistas o terapias.
Sugiere que para que la salud intercultural sea un hecho es necesaria la participación real y no tutelada de los verdaderos actores sociales de las comunidades. No obstante, se echa de menos en el texto algún cuestionamiento acerca del concepto de paciente. Asimismo, a excepción de algunos artículos, no se presentan experiencias ni reflexiones en relación a las prácticas de salud de la población no indígena o mestiza, ni cómo ellas se vinculan a la clase social y a la condición de género, cuestiones que, a nuestro entender, forman parte del enfoque intercultural en salud. Si asumimos que la salud es un producto sociohistórico, el contexto sociopolítico en el cual ésta se presenta debe ser recuperado en el análisis a fin de explicitar las relaciones de desigualdad existentes entre ricos y pobres y entre hombres y mujeres. Sólo de este modo es posible evidenciar cómo el modelo biomédico, al no verlas, contribuye a reproducir las desigualdades sociales e inequidades en el acceso a la salud. Por otra parte, cabría también tomar nota de la ausencia de una crítica a las miradas de los cientistas sociales en relación a la invisibilidad de la “biología” o su determinismo social y/o cultural, que inhibe la comunicación entre las disciplinas.
Mientras el modelo biomédico aún no sacia su necesidad de enfermedades y de enfermos (por tanto, de doctores, hospitales, fármacos e intervenciones quirúrgicas), para lo cual proliferan nuevas nosologías y taxonomías, la sociedad neoliberal modifica drásticamente las maneras de enfermar, incorporando en esta transformación los nuevos fenómenos (contra)culturales, las condiciones y calidad de vida del capitalismo, los fenómenos anómicos, las llamadas patologías de la pobreza, etc., procesos que más que aumentar la carga de enfermedades acrecienta el malestar social. La ideología médica no reconoce (no logra ver) este malestar en la sociedad moderna, por lo tanto medicaliza todo, desde las emociones normales hasta las respuestas fisiológicas de tipo adaptativo. Crítica que abre puertas a la legitimación de nuevas propuestas epistemológicas en el campo de la salud y, especialmente, de la salud mental, con la irrupción del modelo biopsicosocial, que incorpora el enfoque comunitario, la interdisciplinariedad, la participación de diversas formas del saber, la intersectorialidad, el trabajo en redes, un nuevo concepto de equipo de salud, etc. Desde esta nueva perspectiva sí es posible construir nuevas prácticas en salud, entre las cuales la interculturalidad constituye una de las más importantes, en la medida en que nos llama al desafío de explicitar nuestra propia cultura, evidenciar nuestra posición en las relaciones de poder e intentar construir nuevas relaciones humanas que incorporen una mirada integral sobre cada uno de los tres componentes de la ecuación salud-enfermedad-cuidado.
De este modo, para nosotra(o)s como trabajadores de la salud y de la cultura en/y para América Latina el libro es, sin duda, una gran fuente de inspiración para pensar y practicar con la comunidad un modelo médico humanizado, inscrito en relaciones sociales más equitativas y para avanzar hacia un mayor y mejor acercamiento entre las disciplinas.
Referencia
Bourdieu, P. 2005 Intelectuales, Política y Poder. Eudeba, Buenos Aires.
* Esta referencia forma parte del trabajo en curso del Proyecto SA05I20016 del Fondo Nacional de Investigación y Desarrollo en Salud de CONICYT, Chile.
Carlos Madariaga – Servici/o de Psiquiatría Hospital de Iquique, Chile. carlos21@entelchile.net
Vivian Gavilán – Centro de Investigaciones del Hombre en el Desierto. Universidad Arturo Prat, Iquique, Chile. vivian.gavilan@unap.cl
Patricia Vigueras – Escuela de Enfermería Universidad Arturo Prat, Iquique, Chile. patricia.vigueras@unap.cl
Vesna Madariaga – vesnofila@gmail.com
Salud e Interculturalidad en América Latina. Perspectivas Antropológicas – JUÁREZ (C-RAC)
JUÁREZ, Gerardo Fernández. Salud e Interculturalidad en América Latina. Perspectivas Antropológicas. Quito, Ediciones Abya-Yala, 2004, 350p. Resenha de: VARGAS, Luis Alberto. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.38, n.1, p.155-157, jun. 2006.
América Latina abarca un territorio enorme, cuya diversidad de ámbitos geográficos y la extensión de sus latitudes se refleja en paisajes muy diferentes, donde se han desarrollado numerosos grupos indígenas a lo largo de su historia. El mundo de la cultura occidental apenas comienza a percibir este fenómeno y a reconocer identidades, donde hasta ahora ha percibido uniformidades.
El campo de la salud es un buen ejemplo de lo anterior. A los diferentes sistemas médicos de la región se les ha considerado un conjunto, suponiendo la homogeneidad de las culturas indígenas, así como la manera como han incorporado la teoría y la práctica de otros sistemas venidos del resto del mundo, comenzando por el aportado por los conquistadores españoles y seguido de cerca por los de los esclavos africanos traídos contra su voluntad.
Por otra parte, el ejercicio profesional basado en la biomedicina ha sido cegado por sus indudables éxitos, entre los que destacan el control de las enfermedades transmisibles, los logros de la cirugía y la anestesia, la producción de fármacos eficaces y tantas más. Como resultado de lo anterior, ha dejado de lado el contexto verdaderamente humano de los problemas de salud, los padeceres y las enfermedades, con sus componentes emocionales, sentimentales, sociales y culturales.
Le reacción contra este estado de cosas ha llegado de dos principales fuentes: los médicos formados con un genuino enfoque humanista y los antropólogos quienes han experimentado los problemas de atención de las personas y comunidades quienes no participan de la visión occidental. Es interesante destacar que son pocas las manifestaciones de inconformidad organizada que han surgido entre los usuarios de los servicios de salud.
El libro reseñado tiene la virtud de recoger estas inquietudes para América Latina. Está constituido por 20 capítulos de autores quienes trabajan en esta región, desde instituciones locales, españolas y una francesa. Algunos contenidos son valiosas reflexiones teóricas, bien apoyadas en la bibliografía y en otros se ofrecen experiencias directas, vividas en diversas comunidades indígenas y mestizas. También se ofrece una panorámica general de la situación, mientras que otros capítulos se concentran en una zona particular o abordan un problema concreto, por ejemplo las enfermedades identificadas por algún grupo indígena.
No estimo adecuado reseñar cada capítulo, sino prefiero ofrecer algunas reflexiones en torno al conjunto de los temas abordados, como producto de la experiencia de nuestro grupo de trabajo en México.
Mi primera inquietud es plantear lo que realmente queremos decir al hablar sobre salud e interculturalidad. Es claro que nos referimos al contacto entre personas o grupos con diferente cultura cuando está en juego su salud. Así planteado el tema es aún ambicioso, ya que la salud permea a una gran cantidad de las actividades humanas. Yo considero que realmente nos referimos a la atención y el tratamiento de los problemas de salud personales y colectivos. Para entender lo anterior, debo aclarar algunos conceptos.
Entendemos por comunicación y acciones interculturales a las que se derivan de la interacción y diálogo respetuoso y equilibrado entre personas o grupos de diferentes culturas; sin ser la simple yuxtaposición de contenidos ya elaborados.
Para mí ha resultado muy práctico distinguir tres componentes de un mismo proceso: problema de salud, padecer y enfermedad. El problema de salud son las alteraciones morfológicas, fisiológicas o conductuales que permiten saber que una persona ha salido de lo que para ella era normal y estimaba como saludable. Síntomas y signos comunes de dichos problemas de salud son la fatiga, el dolor, el sangrado o la aparición de tumoraciones visibles o palpables. Esta salida del cauce de la normalidad provoca en cada persona un conjunto de sentimientos e inquietudes basadas en su propia personalidad, experiencias biográficas, acervo cultural y otros factores, que determinan que se viva el problema de salud de una manera absolutamente personal, lo que constituye el padecer. En determinado momento la persona misma sola, o con la ayuda de personas cercanas o los variados especialistas médicos de diferentes sistemas, encontrará que su padecer puede ser explicado por una enfermedad.
Las enfermedades que identifican los distintos sistemas médicos son realmente abstracciones hechas a partir de una serie de elementos comunes a los problemas de salud de un grupo de personas. Como hace siglos lo señaló Hipócrates: no hay enfermedades, sino enfermos. Nosotros modificaríamos la frase para decir que no hay enfermedades, sino personas con padeceres y también hay padeceres sin enfermedad. Desde luego es importante recalcar que las enfermedades son identificadas por cada sistema médico y, por lo tanto, todas ellas son dependientes de la cultura. De esta manera estamos obligados a reconocer que no solamente son válidas las enfermedades reconocidas por la biomedicina, aunque tengan un fundamento científico, sino también lo son el susto, el empacho y tantas otras que reconocen los sistemas médicos indígenas americanos.
Ahora bien, también hemos postulado la sutil diferencia entre la atención de los problemas de salud y los padeceres y el tratamiento de las enfermedades. Los padeceres requieren de apoyos sociales y emocionales, además de aquellos necesarios para satisfacer necesidades tan básicas como las de comer, mantenerse limpio y protegido o en reposo. En cambio, los tratamientos son el conjunto de medidas encaminadas específicamente para prevenir, aliviar, paliar o curar las enfermedades.
De lo someramente expuesto en las líneas anteriores, se postula que nuestro centro de interés en el campo de la salud y la interculturalidad es dicha atención de los problemas de salud y los padeceres, así como el tratamiento de las enfermedades. Lo anterior puede parecer obvio, pero la realidad demuestra que no lo es tanto. Los antropólogos quienes trabajamos en América Latina hemos estado activos colaborando principalmente con los sistemas de salud gubernamentales, pretendiendo incorporar en ellos la visión y las necesidades de sus usuarios. En la obra que reseñamos, también destaca que hemos apoyado las demandas de los grupos indígenas. Donde menos hemos funcionado es en el apoyo individual a los pacientes y en las labores de la salud pública, a pesar de las experiencias ganadas a lo largo de nuestra historia.
Ahora bien, de la experiencia de nuestro grupo y acorde con lo que aparece en varios de los capítulos del libro que nos ocupa, debemos postular tres alternativas para la comunicación y las acciones interculturales en materia de salud.
Las acciones y la comunicación intercultural espontáneas se derivan de aquella relación que se establece entre individuos o grupos de diferentes culturas, sin preparación ni capacitación previa, y que se guía -por lo general- mediante el sentido común. En ocasiones tal tipo de situación es forzada por las circunstancias.
Las acciones y la comunicación intercultural informadas se realizan cuando una de las partes, haciendo acopio de información -casi siempre publicada- sobre la cultura con la que se propone interactuar, pero sin buscar la participación activa de sus interlocutores.
Las acciones y la comunicación intercultural adecuadas o propositiva se realizan voluntariamente y con vocación humanista, después de una preparación, sensibilización y capacitación que conduce a mejores resultados mediante el diálogo respetuoso, tolerante y flexible entre las personas de las dos culturas.
En el campo concreto de las acciones y la comunicación intercultural en salud se debe partir de la capacidad de moverse equilibradamente entre conocimientos, creencias y prácticas culturales diferentes respecto a los procesos bioculturales salud-enfermedad, vida-muerte, y los conceptos sobre el cuerpo y la espiritualidad propios y ajenos. Dichas percepciones suelen estar contrapuestas y requieren de tolerancia y respeto entre quienes interactúan, evitando la imposición de una cultura sobre otra, sino más bien una tercera vía donde se aproveche lo más adecuado de las alternativas presentes.
La lectura del libro aquí reseñado apoya las ideas generales que hemos expuesto y destaca la necesidad de emplear el enfoque adecuado o propositivo. Su lectura es altamente recomendable, no solamente para el relativamente pequeño grupo de antropólogos quienes nos ocupamos de este asunto, sino también para los integrantes de los equipos de salud de cualquier sistema. Las tareas que debemos realizar entre profesiones, para el beneficio de los habitantes de nuestra región, necesariamente serán producto del diálogo respetuoso y equilibrado al que hemos hecho alusión.
Desde luego la obra constituye también un apoyo de suma utilidad para las labores docentes que se llevan a cabo en las instituciones del sector de la salud y el de la antropología. Hago votos para que quienes estamos activos en este campo encontremos las vías para dialogar y en un plazo razonable seamos capaces de producir los libros de texto capaces de apoyar la formación de los técnicos y profesionales que sigan adelante con las labores iniciadas por el relativamente pequeño grupo que somos ahora.
Luis Alberto Vargas – Instituto de Investigaciones Antropológicas y Facultad de Medicina de la Universidad Nacional Autónoma de México. E-mail: lavargas@servidor.unam.mx
[IF]
Éducation à la santé. XIXe-XXe siècle – NOURISSON (CC)
NOURISSON, Didier. Éducation à la santé. XIXe-XXe siècle. Rennes: Éditions de l’École nationale de la Santé publique, 2002. 158p. Resenha de: HEIMBERG, Charles. Le cartable de Clio – Revue romande et tessinoise sur les didactiques de l’histoire, Lausanne, n.3, p.327, 2003.
Ce volume rassemble des conférences qui ont été prononcées à l’IUFM de Saint-Étienne entre 1995 et 1997. Elles portent sur l’émergence de la santé publique dans le projet éducatif et les pratiques scolaires. Les concepts de santé publique sont nés au fil des deux hygiénismes qui ont successivement prévalu de la fin du XVIIIe siècle à 1870, puis de 1880 à 1940. C’est dans ce contexte que la propreté de l’enfant est devenue une exigence et a même fait l’objet d’un contrôle social. La leçon d’hygiène est ainsi apparue dans les écoles dans une perspective qu’on devine particulièrement normative. Cette propagande pour l’hygiène et la santé a bien sûr recouru aux images, affiches publicitaires, et plus tard à la magie des films. Dans les écoles, l’apparition de l’éducation physique est intervenue dans une perspective de promotion de la santé, comme cela a aussi été le cas avec la natation (on peut toutefois se demander si le facteur militaire, pour les garçons, ne jouait pas aussi un rôle important). Au tournant des XIXe-XXe siècle, l’enseignement antialcoolique à l’école était prescriptif, et souvent caricatural, mais il ne s’est pas révélé très efficace. Voilà de quoi nourrir une réflexion sur l’école d’aujourd’hui, son rôle effectif et la manière de répondre aux diverses injonctions, aux demandes sociales multiplex et Nouvelles, dont elle fait encore l’objet en matière d’éducation à la santé.
Charles Heimberg – Institut de Formation des Maîtres (IFMES), Genève.
[IF]Saúde e democracia: a luta do Cebes | Sonia Fleury
Lançada há pouco mais de um ano, durante as comemorações dos 21 anos de fundação do Cebes, esta coletânea reúne um conjunto de artigos que nos permitem uma aproximação da gradativa especialização que vem se processando no campo da saúde pública nestes últimos anos. Enfoca diferentes aspectos relativos à reforma sanitária, ao processo de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a temas como: gestão em saúde, determinantes epidemiológicos, recursos humanos, assistência hospitalar, saúde mental e produção farmacêutica e de imunobiológicos, entre outros.
Apesar da diversidade temática, a preocupação de articular as especificidades da saúde pública ao tema da democracia na sociedade brasileira se define como a questão central do livro, presente ao longo dos diferentes artigos. É evidente o claro objetivo de retomar o debate acerca do papel do Estado na esfera das políticas públicas de saúde, considerando as recentes transformações ocorridas neste campo, e este deve ser considerado o principal mérito da publicação, ou seja, sua intenção de articular os problemas recentes enfrentados pela saúde aos princípios que propiciaram movimentos transformadores nesta área. Leia Mais
El regreso de las epidemias: salud y sociedad en el Perú del siglo XX | Marcos Cueto
O retorno de velhas doenças transmissíveis, quase esquecidas no cenário sanitário do Brasil contemporâneo, é uma mudança no quadro nosológico já incorporada à agenda dos problemas sanitários do país nas últimas décadas do século XX, seja na forma de grandes epidemias, como o cólera, a dengue e a malária, ou de endemia, como a tuberculose. É de um processo análogo que Marcos Cueto trata em El regreso de las epidemias: salud y sociedad en el Perú del siglo XX.
O livro reúne um conjunto de investigações realizadas por Cueto nos últimos anos sobre diferentes epidemias que ocorreram no Peru no século XX. O autor inicia seu período de estudo em 1903, com a peste bubônica, encerrando-o na década de 1990, com a epidemia de cólera de 1991, já transformada em endemia neste final de século. Entre as duas epidemias encontram-se as de febre amarela, a de tifo e varíola e a de malária. A combinação de processos sanitários tão díspares, longe de constituir uma colcha de retalhos, resultou em um trabalho encorpado, tendo como fio condutor as doenças estudadas e sua relação com a crescente participação do Estado peruano no campo da saúde pública. Leia Mais
Poder e saúde: as epidemias e a formação dos serviços de saúde em São Paulo | Rodolpho Telarolli Júnior
Nas duas últimas décadas no Brasil, foram produzidos vários estudos históricos e sociológicos sobre o tema da saúde pública na Primeira República. Esses trabalhos tiveram fundamental importância no desenvolvimento da história da saúde e da ciência no país. Algumas dessas obras constituem leituras obrigatórias para este período de nossa história: os modelos econômicos e políticos, os movimentos pela reforma da saúde e seus líderes, as ideologias da ordem ou de mudança, os diferentes níveis de centralização ou descentralização do poder político, o processo político decisório que produziu instituições de saúde pública no Brasil. Por abordar alguns desses tópicos, Poder e saúde constitui, sem dúvida, uma contribuição importante à literatura republicana.
Rodolpho Telarolli Junior apresenta um estudo sobre a história da saúde pública na Primeira República, em especial, sobre o processo de criação de políticas públicas na área de saúde e a formação das práticas sanitárias no estado de São Paulo, no contexto mais amplo da organização política, econômica e social. Leia Mais
Cidade febril: cortiços epidemias na corte imperial | Sidney Chalhoub || Salud/ cultura y sociedad en America Latina: nuevas, perspectivas históricas | Marcos Cueto
O interesse pela história da medicina tropical tem crescido muito, em virtude de numerosas injunções políticas e acadêmicas. O imperialismo, por exemplo, voltou a ser objeto de estudos acadêmicos, levando-nos a indagar sobre a importância que os impérios tiveram para a ciência e a medicina, e vice-versa, seguido do estímulo fornecido pelos estudos sobre o período pós-colonial, dos quais derivam questões acerca do papel crítico desempenhado pelas colônias na constituição ou genealogia da ciência e medicina nos centros metropolitanos. Problemas contemporâneos também contribuem para o crescente interesse pela história da medicina tropical. A persistência de doenças como a malária, o retorno de ‘antigas’ doenças, outrora consideradas quase vencidas, como o cólera, assim como o surgimento de novas enfermidades letais, como a causada pelo vírus Ebola, levam-nos a investigar a geografia e economia política das doenças, bem como os estilos que a medicina tropical ganhou nesses diversos cenários. O cólera e a malária já foram, é claro, doenças comuns na Europa, mas, no início do século XX, tinham sido requalificadas como essencialmente “tropicais”. Tal redefinição nos leva a indagar: em que consiste a tropicalidade das doenças tropicais? Leia Mais
Salud, cultura y sociedad en América Latina: nuevas perspectivas históricas | Marcos Cueto
“Show us a community wallowing in vice, whether from the pamperings of luxury or the recklessness of poverty, and we will show you that there truly the wages of sin are death. Point out the government legislating only for a financial return, regardless or ignorant of the indirect effects of their enactments, and we shall see that the pieces of silver have been the price of blood.”
Robert Ferguson, 1840
Uma coletânea de artigos é sempre difícil de resenhar, pois reflete invariavelmente uma forte tensão entre a diversidade de perspectivas dos autores e a unidade temática que o organizador deseja, a custo, preservar. Mas a Introdução facilita minha tarefa: feita com clareza e domínio do tema, traça um amplo painel dos estudos históricos da saúde na América Latina e apresenta, nas notas, uma copiosa bibliografia. Desse modo, antecipa ao leitor as ferramentas necessárias para lidar com a diversidade. Cada capítulo pode, então, ser lido a partir das preciosas indicações de Marcos Cueto.
A Introdução propõe distinguir “a saúde na história” e “a história da saúde”. O primeiro termo corresponde aos processos e rupturas vividas pela saúde na América Latina desde o século XVIII; o segundo abarca, como o primeiro, alguns estudos exemplares, mas a atenção concentra-se nos paradigmas e linhagens a que se filiam tais estudos e que demarcam um campo intelectual. A análise é esclarecedora. Gueto distingue aqui três territórios, um primeiro, ocupado pela historiografia tradicional, freqüentemente de cunho hagiológico; um segundo, constituído por estudos institucionais, que privilegiam as relações entre as instituições de saúde e as estruturas econômicas e políticas; um terceiro, em formação e de maior complexidade, sob o impulso de jovens historiadores sociais latino-americanos. Leia Mais
Picturing Health and Illness: Images of Identity and Difference | Sander Gilman
Sander Gilman pertence a um grupo de autores ainda pouco divulgados entre nós, que vêm ampliando o círculo de referências no campo das ciências humanas (no nosso caso, em diálogo com a saúde coletiva), a partir de enfoques transdisciplinares, que, mesmo quando não tematizam diretamente assuntos relativos à saúde, têm enriquecido substancialmente o debate de questões centrais à área, como o conceito de risco (por exemplo, a obra de Ulrich Beck), ou a releitura das relações entre representações simbólicas, cultura e sociedade (como Robert Alter, ou os autores que vêm analisando a questão da “materialidade da comunicação”, como H. U. Gumbrecht).
Não me ocorre qualquer paralelo entre a abordagem do autor e pesquisas desenvolvidas entre nós no campo da saúde coletiva e/ou da psicanálise, e talvez a única associação que me vem à lembrança coloca juntos Gilman e a geração de ilustres emigrados que o Brasil teve o privilégio de acolher à época da Segunda Guerra Mundial, nas obras de intelectuais como Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld. Leia Mais
Pagu | Unicamp | 1993
Cadernos Pagu (Campinas, 1993-), publicação quadrimestral interdisciplinar, tem como objetivo contribuir para a ampliação e o fortalecimento do campo interdisciplinar de estudos de gênero, dando visibilidade à produção realizada no Brasil e promovendo o intercâmbio de conhecimento internacional sobre a problemática. Publica artigos inéditos com contribuições científicas originais, que colaborem para a inovação teórica, metodológica e/ou agreguem conhecimento empírico inovador, e debates em torno de textos teóricos relevantes no campo dos estudos de gênero, viabilizando, assim, a difusão de conhecimentos na área e a leitura crítica da produção internacional.
Tem publicado contribuições das seguintes áreas: Antropologia, Sociologia, História, Ciência Política, Letras e Linguística, História da Ciência, Educação. Mais recentemente, também de áreas como Direito, Psicologia, Comunicação, Saúde Coletiva e Serviço Social. Estimula a publicação de artigos de diferentes áreas disciplinares, desde que estabeleçam uma discussão com as teorias de gênero e feministas, buscando articulações entre gênero e outras diferenças (raça/etnia, cultura, classe, idade/geração, sexualidade e outras). São bem-vindas contribuições em língua portuguesa, espanhola ou inglesa.
A publicação dos cadernos pagu iniciou-se em 1993 e desde então vem contribuindo para a constituição do campo de estudos de gênero no Brasil. A revista foi criada em um momento em que os estudos de gênero já contavam com alguma legitimidade acadêmica no país e a intenção era ampliar sua visibilidade, difundindo e estimulando a produção de conhecimento na área.
A criação do cadernos pagu foi resultado de mais de dois anos de leituras, pesquisas e debates, nos quais integrantes do Núcleo de Estudos de Gênero – Pagu mapeavam os avanços na produção sobre gênero e seus impasses. O primeiro número foi inteiramente redigido por integrantes do Núcleo, cujos artigos esboçavam essas inquietações. Entre o segundo e o terceiro número, a publicação redefiniu sua política editorial e, simultaneamente, abriu para contribuições de pesquisadoras/es brasileiras/os e estrangeiras/os. Para tanto, constituiu-se um corpo de pareceristas ad-hoc e foram criados o Comitê e o Conselho Editorial. A partir do quinto número, a revista contou com financiamento externo à universidade.
De fato, há dois momentos na história da publicação, visíveis em diversos aspectos da revista, que estão ligados à obtenção do apoio de diversas agências -FAPESP, FAEPEx (Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão, da Unicamp) e, sobretudo, CNPq, que concedeu o apoio mais relevante em termos de recursos e de continuidade a partir de 1996. Esses financiamentos foram cruciais para o crescimento da publicação, não apenas no que se refere à melhoria da qualidade gráfica e à incorporação de maior número de textos, mas também à adequação às normas editoriais, à ampliação do Conselho Editorial, ao registro em diversos indexadores nacionais e internacionais.
Periodicidade quadrimestral.
Acesso livre.
ISSN 1809 4449 (Impresso)
ISSN 0104-8333 (Online)
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