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História das Ciências Humanas e Sociais / Estudos Históricos / 2019
Ao escolhermos o tema “História das ciências humanas e sociais” para o número 67 da revista Estudos Históricos, sabíamos que receberíamos um volume considerável de boas contribuições, afinal se trata de um tema interdisciplinar e que dialoga com uma quantidade significativa de agendas de pesquisa de longa tradição na historiografia e nas ciências sociais brasileiras. De fato, foi difícil chegar à seleção final de artigos, mas os dez textos aqui publicados dão aos leitores um excelente panorama desse vasto campo.
O número é aberto com uma colaboração original da professora australiana Raewyn Connell sobre a construção do cânone na sociologia e sua vinculação com as dinâmicas históricas do colonialismo e do eurocentrismo. Seu artigo “Canon and colonies: the global trajectory of sociology” é uma excelente porta de entrada para uma discussão global do tema proposto para este número.
A sociologia paulista é, por sua vez, objeto de alentada investigação original de William Santos, Luiz Jackson e Max Gimenes, que destrincham aproximações e tensões entre escolas e discípulos dessa conhecida tradição intelectual brasileira no texto “Roger Bastide, Antonio Candido e a tese interrompida sobre o cururu”.
O questionamento da tradição eurocêntrica na historiografia das ciências humanas é tema para Marcelo Rosa, no seu texto “Sociologias indígenas ioruba: a África, o desconcerto e ontologias na sociologia contemporânea”, que reconstrói o debate iniciado por Akinsola Akiwowo sobre as indigenous sociologies, a fim de evidenciar sua rentabilidade teórica para a sociologia contemporânea.
A relação entre colonialismo e sociologia também surge no trabalho dos colegas portugueses Frederico Ágoas e Cláudia Castelo, que refletem sobre as iniciativas portuguesas de cooperação científica na África em “Ciências sociais, diplomacia e colonialismo tardio: a participação portuguesa na Comissão de Cooperação Técnica na África Subsaariana (CCTA)”.
A revista também selecionou textos que procuram repensar o legado de intérpretes clássicos do pensamento brasileiro. Lorenna Zem El-Dine revisita a fração “verde-amarelo” do modernismo paulista e suas conexões com o ensaísmo clássico brasileiro e latino-americano em “Ensaio e interpretação do Brasil no modernismo verde-amarelo (1926-1927)”, enquanto José Szwaco e Ramon Araújo lançam um olhar cuidadoso sobre a trajetória do conceito de populismo na sociologia paulista e questionam paradigmas explicativos de inspiração bourdieusiana no artigo “Quando novos conceitos entraram em cena: história intelectual do ‘populismo’ e sua influência na gênese do debate brasileiro sobre movimentos sociais”.
Por fim, Lidiane Rodrigues evidencia a força da análise sociologizante da vida intelectual em seu estudo a respeito dos modos de apropriação dos intérpretes do Brasil por parte dos acadêmicos marxistas, em artigo que tem por título “Amar um autor: os marxistas nas universidades brasileiras e os intérpretes do Brasil”.
A história da historiografia comparece com os dois textos que fecham o volume. Aryana Costa questiona o apagamento da atuação universitária dos profissionais do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo no seu “Um regime de transição: o papel do IHGSP no curso de história da Universidade de São Paulo (1934)”, enquanto Victor da Silva, em “History of the human sciences and Wallace’s scientific voyage in the Amazon: notes on historiographical absences”, reflete acerca das tensões entre história da ciência e outros campos historiográficos por meio de uma análise dos trabalhos que se debruçaram sobre a clássica viagem de Alfred R. Wallace pela Amazônia.
Acreditamos que este número da revista Estudos Históricos cumpra fielmente nossa vocação de apresentar conhecimento inovador e interdisciplinar sobre o Brasil e o exterior, apontando para a fertilidade de construirmos diálogos entre a história e as várias ciências sociais. Boa leitura!
Bernardo Borges Buarque de Hollanda – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editor da Revista Estudos Históricos. E-mail: bernardo.hollanda@fgv.br
João Marcelo Ehlert Maia – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editor da Revista Estudos Históricos. E-mail: joao.maia@fgv.br
Ynaê Lopes dos Santos – Professora da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editora da Revista Estudos Históricos. E-mail: ynae.santos@fgv.br
Os editores
HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; MAIA, João Marcelo Ehlert; SANTOS, Ynaê Lopes dos. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.32, n.67, maio / ago. 2019. Acessar publicação original [DR]
Escravidão e Liberdade nas Américas / Estudos Históricos / 2019
No dia 02 de junho de 1888, duas semanas depois de abolida a escravidão, Angelo Agostini e Luiz de Andrade afirmavam que “Na vida do Brasil, nenhum fato se poderá comparar ao do dia 13 de maio do corrente ano. A própria independência, ao lado da escravidão, era como uma data velada, uma conquista clandestina. Hoje sim, o Brasil é livre e independente”. O entusiasmo dos editores da Revista Illustrada tinha uma razão faustosa: o Brasil finalmente abandonava a pecha de único país das Américas a manter a nefanda instituição, entrando assim para o rol das nações verdadeiramente livres e independentes.
Durante os anos subsequentes, o 13 de Maio foi comemorado como data máxima da liberdade nacional. Mas, assim como a independência parecia ser uma data velada, num país que mantinha a escravidão, a forma como a Primeira República festejou o Treze de Maio camuflou um sem-número de personagens e tramas que estiveram diretamente relacionados com a assinatura da Lei Áurea, bem como silenciou grande parte das violências e exclusões que marcaram os corpos e vidas de homens e mulheres cingidos pela escravidão. Tal silenciamento há muito era pauta de denúncias como a que foi feita em março de 1933 pelos dirigentes do jornal A Voz da Raça, um periódico “que se destinava à publicação de assuntos referentes aos negros”, posto que “as outras folhas, aliás veteranas, por despeitos políticos, tem deixado de o fazer”. Para os editores e jornalistas negros desse periódico, as comemorações da Abolição pareciam ter sentidos diversos daqueles apregoados por muitos abolicionistas que viam na liberdade o fim da escravidão, mas não enxergavam as dimensões do legado do escravismo.
A rememoração crítica dos 130 Anos da Abolição da Escravidão no dia 13 de maio de 2018 serviu como inspiração para o número 66 da Revista Estudos Históricos. No número que se propõe analisar Escravidão e Liberdade nas Américas, entramos em contato com pesquisas que consolidam e renovam a tradição historiográfica brasileira dos estudos sobre escravidão e Pós-Abolição, com destaque para as abordagens transnacionais ou “conectadas” que permitam reposicionar a agenda de investigações à luz de outras experiências no continente americano.
O número começa com o artigo de Ana Carolina Viotti, que, por meio de variado corpus documental, analisou a obrigatoriedade que recaía sobre os senhores no tocante à alimentação dos escravos no período colonial. A reconstituição de redes de compadrio em Minas Gerais na virada do século XVIII para a centúria seguinte é tema do artigo de Mateus Andrade, que por meio de estudos de demografia histórica demonstra a intrínseca relação entre a confirmação cotidiana da liberdade de indivíduos alforriados e o caráter sistêmico da escravidão na formação do Brasil. Outros significados de liberdade em meio ao mundo escravista e fronteiriço da região do Prata foram trabalhados por Hevelly Acruche, no contexto marcado pelas lutas de independência nos primeiros anos do século XIX. Partindo da política do Estado brasileiro, que, em consonância com os interesses da elite cafeicultura, retomou o tráfico transatlântico na ilegalidade após 1831, Walter Luiz Pereira e Thiago Campos Pessoa examinaram sujeitos e lugares do tráfico transatlântico no Sudeste do Brasil, que durante muito tempo foram silenciados pela historiografia. Por meio do exame de uma Ação de Liberdade movida por uma negra livre, vítima da prática ilícita de reduzir pessoas à escravidão, Virgínia Barreto demonstrou como a força da escravidão se fazia sentir, mesmo na vida de homens e mulheres negros que haviam nascido sob o signo da liberdade.
No sexto artigo, Alex Andrade Costa evidenciou, uma vez mais, como a escolha pela escravidão e a reabertura do tráfico transatlântico na ilegalidade (após 1831) envolveu uma série de autoridades públicas brasileiras. Numa proposta macroanalítica que parte da categoria de economia-mundo, Rafael Marquese apresenta como a escolha pela escravidão pode ser observada por meio de um novo regime visual da escravidão negra nas Américas, tomando os casos do Brasil cafeeiro e da Cuba açucareira como objetos de análise. No oitavo artigo, André Boucinhas utiliza corpus documental variado para examinar quais eram as condições de vida dos trabalhadores livres e escravizados da Corte imperial do Brasil na década de 1870. A criação em 1872 do Club Igualdad é o fio condutor por meio do qual Fernanda Oliveira avaliou a intrínseca relação entre a libertação de escravizados e a formação do Estado Republicano do Uruguai. No décimo artigo do dossiê, Juliano Sobrinho problematizou a participação do clero católico e presbiteriano na luta abolicionista nos últimos anos de vigência da escravidão brasileira.
As interfaces do abolicionismo transbordam as fronteiras nacionais no décimo primeiro artigo, no qual Luciana Brito examina a experiência de André Rebouças nos Estados Unidos marcado pelas políticas de segregação racial conhecidas como Jim Crow. No artigo seguinte, a trajetória de um consagrado (porém nem sempre lembrado) homem negro brasileiro – abolicionista, republicano e socialista – é o fio condutor que permite a Ana Flávia Magalhães Pinto revisitar as políticas de memória das pessoas livres do Brasil que viveram os últimos anos da escravidão e os primeiros tempos do Pós-Abolição. Por meio do exame interseccional do universo dos serviços domésticos, os sentidos de liberdade voltam a ser questionados no artigo de Natália Peçanha, que esmiúça os processos de criminalização das servidoras domésticas do Rio de Janeiro entre finais do século XIX e início do século XX. Tão importante quanto pensar e analisar sentidos e significados da escravidão e liberdade é examinar a produção da historiografia sobre tais questões. É exatamente esse o objetivo do décimo quarto artigo do dossiê, no qual Fabiane Popinigis e Paulo Terra examinam como a historiografia da História do Trabalho – mais especificamente o GT Mundos do Trabalho, associado à Associação Nacional de História (Anpuh) – tem dialogado com os estudos sobre escravidão e Pós-Abolição. Por fim, o último artigo da revista, escrito por Moiséis Pereira Silva, permite pensar na longa duração do legado escravista no Brasil, na medida em que se utiliza das denúncias de trabalho escravo na região no Amazonas em plena década de 1970 para conceituar o trabalho escravo contemporâneo.
As abordagens teórico-metodológicas, os usos de fontes e os jogos de escalas presentes nos quinze artigos que compõem este número da Revista Estudos Históricos demonstram que, nas Américas, a multifacetada experiência de escravidão foi aspecto estruturante do continente, ao mesmo tempo em que as lutas pela liberdade revelam os avessos desses mesmos lugares. Fica o convite para a leitura.
Referências
Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital. Revista Illustrada, ano 13, n. 499, p. 2, 1888.
Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital. A Voz da Raça, ano 1, n. 1, p. 1, 1933.
Bernardo Borges Buarque de Hollanda – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editor da Revista Estudos Históricos. E-mail: bernardo.hollanda@fgv.br
João Marcelo Ehlert Maia – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editor da Revista Estudos Históricos. E-mail: joao.maia@fgv.br
Ynaê Lopes dos Santos – Professora da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editora da Revista Estudos Históricos. E-mail: ynae.santos@fgv.br
Os editores
HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; MAIA, João Marcelo Ehlert; SANTOS, Ynaê Lopes dos. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.32, n.66, jan. / abr.2019. Acessar publicação original [DR]
Associativismo e movimentos sociais / Estudos Históricos / 2018
Nesta edição de número 65, a revista Estudos Históricos traz aos leitores artigos relacionados a um tema caro à tradição interdisciplinar, que é marca constitutiva do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC): associativismo. No campo das Ciências Sociais, tal conceito pode ser rastreado até os trabalhos clássicos de Alexis de Tocqueville sobre as virtudes (e os perigos) da democracia norte-americana, passando por obras seminais da sociologia política mais recente, como “Comunidade e Democracia”, de Robert Putnam. Entre os historiadores, as formas encontradas por homens e mulheres para produzir vida em comum também foi tema crucial de pesquisa, em especial nas vertentes analíticas inspiradas pela obra seminal de E.P. Thompson sobre a formação da classe trabalhadora na Inglaterra. A fertilização mútua entre História e Ciências Sociais tornou quase impossível delimitar com precisão onde começam e terminam suas respectivas jurisdições sobre as artes da associação humana. Thompson, por exemplo, foi fonte recorrente para sociólogos interessados em transformar o “fazer-se” específico estudado pelo autor em instrumento para decifrar processos mais amplos de formação de classes nas sociedades capitalistas. E o conceito de “capital social”, por sua vez, percorreu itinerários complexos nos trabalhos de historiadores interessados em desvendar redes e laços entre grupos, comunidades, irmandades e clãs.
Esses debates e cruzamentos teóricos estão bem representados no dossiê que o leitor tem em mãos. Há artigos que retomam o clássico tema do associativismo dos grupos subalternos, em especial dos trabalhadores, como no caso dos textos de Samuel de Oliveira sobre trabalhadores favelados no Rio e em Belo Horizonte, durante a República de 1946, e de Mário Brum sobre a Pastoral de Favelas e sua conexão com a Teologia da Libertação. Elis Angelo e Maria Izilda de Matos, por sua vez, revisitam as relações entre imigração e formas associativas por meio de estudo sobre a Casa dos Açores de São Paulo. As variáveis étnico-raciais que estruturaram as formas de ação coletiva no Brasil são abordadas no texto de Petrônio Domingues, centrado na história da Frente Negra no Rio de Janeiro, evidenciando novas frentes de investigação sobre a articulação entre raça, classe, cidadania e associativismo.
A cidade, como não poderia deixar de ser, figura com destaque em vários artigos, por se constituir no espaço por excelência para a invenção de novas formas de vida em comum de homens e mulheres. Pode-se aprender sobre esse associativismo urbano no texto de Lia Rocha sobre a história recente da criminalização do associativismo nas favelas cariocas, no artigo de José Bortolucci sobre as redes entre arquitetos e movimentos populares em São Paulo no processo de redemocratização e no trabalho de Jonatha Santos e Wilson de Oliveira sobre o Coletivo Debaixo e suas práticas comunicativas na esteira dos movimentos de 2013 em Aracaju. Finalmente, se o nexo entre democracia e associativismo parece ser tomado como pressuposto em muitos debates, o artigo de Reginaldo Sousa nos permite repensar tal relação ao investigar o associativismo feminino em apoio à ditadura civil-militar no Paraná.
Acreditamos que o conjunto de textos disponível nesta edição irá interessar não apenas aos estudiosos do associativismo, mas a toda a comunidade de historiadores e de cientistas sociais que veem na construção de formas de vida em comum não apenas um tema de pesquisa disciplinar, mas também um credo fundamental para o revigoramento de nossa combalida democracia.
Referências
PUTNAM, Robert D. Comunidade e Democracia – a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: FGV, 2008.
THOMPSON, Edward. P. A Formação da Classe Operária Inglesa: A árvore da liberdade. vol. I, 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Bernardo Borges Buarque de Hollanda – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editor da Revista Estudos Históricos. E-mail: bernardo.hollanda@fgv.br
João Marcelo Ehlert Maia – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editor da Revista Estudos Históricos. E-mail: joao.maia@fgv.br
Ynaê Lopes dos Santos – Professora da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV). Editora da Revista Estudos Históricos. E-mail: ynae.santos@fgv.br
Os editores
HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; MAIA, João Marcelo Ehlert; SANTOS, Ynaê Lopes dos. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.31, n.65, set. / dez. 2018. Acessar publicação original [DR]