Posts com a Tag ‘SALAQUARDA Barbara (Ed)’
Die Deutung der Welt. Jörg Salaquardas schriften zu Arthur Schopenhauer – BROESE; KOSSLER et al (C-FA)er
Die Deutung der Welt. Jörg Salaquardas schriften zu Arthur Schopenhauer. Editado por Konstantin Broese, Matthias Kossler e Barbara Salaquarda.Würzburg: Königshausen & Neumann 2007. Resenha de JUNIOR, Oswaldo Giacoia. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, n.16, Jun./Dez., 2010.
A Interpretação do Mundo. Escritos de Jörg Salaquarda sobre Arthur Schopenhauer, editado por Konstantin Broese, Matthias Kossler e Barbara Salaquarda reúne textos esparsamente publicados por Jörg Salaquarda ao longo de sua vida, dedicados ao estudo aprofundado da obra de Arthur Schopenhauer, tanto de um ponto de vista imanente ao sistema de filosofia do autor de O Mundo como Vontade e Representação, quanto numa abordagem que relaciona seus escritos, seja com a tradição da história da filosofia ocidental – aquela de que ele próprio é herdeiro, mas também aquela que sua obra preconiza e que recebe o potente influxo de seu pensamento –, seja com outros campos do saber, seja, enfim, sob a ótica da atualidade e relevância de sua contribuição para a reflexão sobre as questões fundamentais da filosofia, as de hoje e as de sempre, sobre a responsabilidade da filosofia e de seus representantes quanto à situação espiritual e política de seu próprio tempo.
O concernimento fundamental dos editores, assim como o princípio da divisão do trabalho são colocados em destaque logo nas páginas iniciais do livro: “Com a edição de seus escritos referentes à obra de Arthur Schopenhauer, assumimos os próprios planos de Jörg Salaquarda. Na situação dada, escolhemos – seguindo a idéia e o conceito de Konstantin Broese – um modo de procedimento segundo o qual Konstantin Broese e Barbara Salaquarda retrabalharam e redigiram cuidadosamente os textos publicados, enquanto Matthias Kossler fez uma introdução a esses textos e empreendeu uma ordenação crítica dos mesmos na discussão atual sobre Schopenhauer.”
Procedendo de conformidade com esse programa, os editores coletaram textos pertencentes a momentos diversos da produção bibliográfica de Salaquarda, alguns deles de acesso muito difícil até então, interconectando-os num todo orgânico, sistematicamente ordenado, de acordo com a temática a que foram dedicados.
Daí resulta um livro dividido em quatro partes: a primeira reúne ensaios que são comentários e análises internas do conjunto da obra de Schopenhauer; o primeiro deles reproduz a introdução ao volume organizado por Salaquarda para a coleção Wege der Forschung (Caminhos da Pesquisa), dedicado à filosofia de Schopenhauer. O segundo é uma apresentação panorâmica do sistema schopenhaueriano, abrangendo a teoria do conhecimento, a metafísica (ou filosofia da natureza), a estética e a ética, num compreensivo plano de conjunto, que em momento algum cede à tentação da simplificação ou superficialidade, senão que, pelo contrário, alia o rigor crítico-filológico à ousadia de certas hipóteses hermenêuticas extremamente refinadas – como, por exemplo, a tese da ruptura entre a ética e a santidade (ascese), que assume o risco de contrapor-se à interpretação dominante, de acordo com a qual a vida ética constitui uma espécie de etapa no árduo caminho da negação ascética da vontade de viver.
A segunda parte é dedicada aos escritos de Schopenhauer sobre Teologia e Religião e à discussão empreendida pelo filósofo de Frankfurt com esses domínios da cultura espiritual; essa parte inclui também textos que, além de ocupar-se com a ácida crítica da religião e da teologia por Schopenhauer, cotejam essa crítica seja com variantes da hermenêutica do fenômeno religioso, seja com o pensamento de Karl Jaspers a respeito de filosofia, teologia e religião.
A terceira parte é inteiramente dedicada a trabalhos de Salaquarda tendo por objeto a ética de Schopenhauer, nos quais a relação com a filosofia prática de Kant, com o debate contemporâneo a respeito das dificuldades e impasses nas tentativas de fundamentação de projetos éticos, a pergunta sobre a liberdade, a responsabilidade, as diversas tentativas de impugnar a possibilidade de formulação, com sentido, de juízos sobre o valor moral das ações, constituem o elemento dominante.
A quarta parte se ocupa do campo temático no qual a genialidade de Jörg Salaquarda se atesta em toda sua plenitude: a relação problemática entre as filosofias de Schopenhauer e Nietzsche.
Com efeito, Salaquarda talvez seja mais conhecido, na cena mundial da filosofia contemporânea, como um dos mais competentes especialistas na obra de Nietzsche.
Colaborador e ex-assistente de Wolfgang Muller-Lauter, co-editor dos Nietzsche-Studien (Estudos Nietzsche) durante muitos anos, um dos principais responsáveis pela concepção e implementação da criteriosa série de publicações, hoje mundialmente célebre: Monographien zur Nietzsche-Forschung (Monografias da Pesquisa-Nietzsche) (cujo editor é o famoso Walter de Gruyter), destacado representante da escola de intérpretes responsáveis pela consolidação dos padrões histórico-crítico-filológicos que, no horizonte intelectual inaugurado pela edição histórico-crítica dos escritos éditos e inéditos de Nietzsche por Giorgio Colli e Mazzino Montinari, determinam hoje os rumos mais significativos da pesquisa internacional sobre o pensamento de Nietzsche, Jörg Salaquarda é autor de trabalhos de inexcedível elevação teórica e penetração hermenêutica, cujo arco de abrangência se amplia nessa coletânea para incluir o tenso e ambivalente relacionamento entre Nietzsche e seu amado-odiado mestre Schopenhauer.
A leitura dessa quarta parte nos proporciona a compreensão, em toda sua extensão e profundidade, da influência de Schopenhauer sobre Nietzsche, da autêntica prefiguração, pelo primeiro, do ataque disruptivo à metafísica, empreendido pelo segundo, mas também a potência de radicalização do gênio nietzschiano, a inflexão decisiva que o leva a apartar-se do caminho ascético e metafisicamente soteriológico trilhado pelo pensador do ‘sistema único’, com seu recurso à compaixão como único e verdadeiro fundamento de toda moralidade, seu apelo à negação da vontade, do sofrimento e do mundo como caminho da redenção – uma postura existencial e uma interpretação global da existência e de seu valor que é transfigurada por Nietzsche em dionisíaca afirmação incondicional da vida, do tempo, da finitude e da morte – no percurso de seu ‘terceiro caminho’, que pode também ser enunciado com a frase provocativa: ‘eu sou total e completamente corpo, e nada além disso’.
A quinta parte, por fim, é composta pelas recensões por Jörg Salaquarda de livros como o de Friedhelm Decher: Wille zum Leben – Wille zur Macht. Eine Untersuchung zu Schopenhauer und Nietzsche ( Vontade de Vida – Vontade de Poder. Uma Investigação sobre Schopenhauer e Nietzsche) ; de Alfred Schmidt: Idee und Weltwille. Schopenhauer als Kritiker Hegels ( Idéia e Vontade do Mundo. Schopenhauer como Crítico de Hegel) ; e do livro de Matthias Kossler: Substantielles Wissen und Subjetives Handeln, dargestellt in einem Vergleich von Hegel und Schopenhauer ( Saber Substancial e Agir Subjetivo numa Comparação entre Hegel e Schopenhauer). Essa derradeira parte da coletânea mostra um Salaquarda igualmente partícipe da discussão crítica acerca da relação entre Schopenhauer e o idealismo alemão, enfrentando, sob a ótica da resenha, o labiríntico percurso no qual se desenrola a discussão sobre a verdade a respeito da famigerada relação entre Schopenhauer e Hegel, detratado pelo primeiro como representante par excellence do filisteísmo próprio à filosofia universitária alemã.
Jörg Salaquarda, como filósofo e como homem, foi um dos seres humanos mais íntegros e magnânimos que conheci. Aqueles que já tiveram ocasião de entrar em contacto com seus textos, certamente fizeram também a inigualável experiência de aprendiza do com um pensador fecundo, com um mestre prenhe daquela rara virtude dadivosa que, com um profundo sentido de respeito pela individualidade de cada um, consegue a proeza de ser terno e generoso, com o rigor e a disciplina indispensáveis ao trabalho filosófico sério e comprometido.
Para todos os que o conhecem, mas também para quem somente agora entra em contacto com o maravilhoso universo intelectual de Salaquarda, essa coletânea é de um valor verdadeiramente inestimável. Num tempo em que também no Brasil o interesse pela obra de Schopenhauer e de Nietzsche revela um incremento efetivamente considerável, sob a forma de estudos especializados que se situam nos mesmos patamares de excelência do trabalho internacional de pesquisa tendo por objeto esses dois máximos representantes das modernas filosofias da vontade, a publicação de. A Interpretação do Mundo. Escritos de Jörg Salaquarda sobre Arthur Schopenhauer constitui um marco de importância fundamental.
Seria indubitavelmente de bom alvitre a iniciativa de traduzila para nosso idioma, em edição crítica que fizesse jus à grandiosidade do original. A iniciativa viria certamente ao encontro da demanda de um público leitor interessado não apenas em filosofia da melhor qualidade, mas também em teologia, ciências da religião, estética e ciências humanas em geral.
Oswaldo Giacoia Junior – Departamento de FilosofiaIFCH-Unicamp.