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Key Thinkers of the Radical Right | Mark Sedgwick
SEDWICK Mark. Foto: Rascunho.com /
Quando pensamos em uma direita radical, podemos imaginar skinheads e neonazistas usando suásticas. Existem, porém, intelectuais da direita radical que ocupam um espaço cada vez mais relevante e, embora alguns tenham explicitamente apoiado nazistas e fascistas, outros, de fato ou retoricamente, se afastam dos estereótipos mencionados. O livro organizado por Mark Sedgwick, historiador especializado no estudo do tradicionalismo, islamismo, misticismo sufi e terrorismo, busca expor, de forma sintética, os pontos centrais do pensamento de 16 intelectuais ligados à direita radical.
Cada capítulo é escrito por um autor diferente e dedicado a um dos intelectuais, passando por autores clássicos, da chamada Nouvelle Droite, identitários, libertarianos (ou libertários), neoconservadores, paleoconservadores, contrajihadistas, neorreacionários e a denominada alt right.
É importante ressaltar que a obra não é uma apologia dos pensamentos desses formadores de opinião da direita radical, mas uma relevante ferramenta para compreender os argumentos, posicionamentos e táticas desse campo ideológico bastante plural, uma vez que é possível verificar no decorrer do livro uma variação muito grande de pensamento e uma forte discordância entre os autores, o que serve para demonstrar as nuances existentes dentro da direita radical, a qual poderia ser considerada, erroneamente, como monolítica.
O livro é dividido em três partes: Classic Thinkers, Modern Thinkers e Emergent Thinkers. O primeiro capítulo aborda quatro pensadores clássicos: Oswald Spengler, Ernst Jünger, Carl Schmitt e Julius Evola. Todos, exceto Spengler, produziram durante o período em que o nazismo alemão e o fascismo italiano estavam no poder, mas apenas Schmitt foi um membro ativo do partido nazista, enquanto Evola teve aproximações com nazistas e fascistas.
A obra mais conhecida de Spengler [2] é “O declínio do Ocidente” cujo primeiro volume foi publicado logo após o final da Primeira Guerra Mundial. A filosofia histórica de Spengler era baseada em dois pontos: a existência de entidades sociais chamadas de “culturas” como os maiores atores da história, sendo que esta não possuiria objetivo ou sentido metafísico. O segundo ponto é que a evolução dessas culturas corresponderia aos estágios de um ser vivo, tendo uma infância, juventude, idade viril e velhice. A cultura ocidental teria adentrado seu último estágio com a ascensão de Napoleão e as ideias calcadas na tecnologia, expansão, imperialismo e sociedade de massas. Seu declínio se daria a partir do ano 2000. Esse pensamento é responsável por duas ideias importantes da direita radical: a visão apocalíptica de um declínio e o foco em culturas e civilizações em detrimento de nações ou Estados.
Jünger [3], por sua vez, possui como obra de destaque In Stahlgewittern (Tempestades de aço), uma memória de sua participação na Primeira Guerra Mundial e que apresentava um olhar sobre sua atuação na guerra, apresentada como heroica e masculina. Na sua visão, a guerra trazia os homens de volta a um estado natural, revelando os ritmos primordiais violentos da vida que ficavam abaixo do verniz da civilização. As suas ideias de virilidade e luta, bem como uma construção posterior de que a única forma de se proteger de demagogos e tiranos que manipulavam a tecnologia para atingir as massas seria se afastar para um “eu autônomo”, ou, como Jünger coloca, um Anarco, repercutem até hoje nos meios da direita radical.
O jurista alemão Carl Schmitt [4] talvez seja o mais conhecido fora dos círculos de direita, uma vez que foi considerado o jurista principal do nacional-socialismo. Sua maior contribuição para a direita radical é sua distinção entre amigo e inimigo, nós e eles, um pensamento binário ainda facilmente encontrado na retórica extremista. Schmitt também opôs dois conceitos, o “Estado de Normalidade” e o “Estado de Exceção” para argumentar que, em certos casos, seria necessário um governo ditatorial para representar uma comunidade política através de decretos, não da lei, como forma de estabilizar as relações legais. Obviamente esses argumentos possuíam um potencial antidemocrático e foram utilizados pelos nazistas.
O italiano Julius Evola [5] tem forte ligação com o tradicionalismo no sentido dado pelo francês René Guénon [6], apesar de possuírem pontos de discordância. Seu estudo do tradicionalismo é mais bem refletido em sua obra “Revolta contra o mundo moderno”. A tradição integral derivaria de um perenialismo no qual todas as visões metafísicas de mundo e as mais importantes religiões seriam teriam uma origem divina, imutável e inquestionável. O mundo moderno, caracterizado pela civilização ocidental, tecnologia e baseado no materialis materialismo, seria “vindo de baixo”, o exato contrário da tradição. O tradicionalismo poderia ser visto em suas últimas luzes no catolicismo medieval, entrando em declínio durante a Renascença e, especialmente, após a Revolução Francesa. O mundo estaria, portanto, em declínio, e uma recuperação só seria possível após o colapso do mundo moderno, ou seja, seria necessário “cavalgar o tigre” (Cavalcare la tigre, título de sua obra pós-guerra) até que ele desabe.
A segunda parte do livro, destinada aos pensadores modernos, inicia com dois autores franceses ligados à Nova Direita (Nouvelle Droite), Alain de Benoist e Guillaume Faye. De Benoist [7], autodeclarado pagão, assim como Evola, publicou 106 livros e mais de 2 mil artigos. Após a independência da Argélia, de Benoist decidiu deixar de lado o ativismo nas ruas, visto como inútil, e focar na metapolítica, retirando do comunista Antonio Gramsci a ideia de que a hegemonia ideológica é a condição da vitória política. Assim, se alguém quer que suas ideias modelem a sociedade, é necessário trabalhar no plano das ideias antes.
As bases principais nas obras escritas por de Benoist podem ser sumarizadas em três pontos: primeiramente, a crítica à primazia dos direitos individuais, que seriam uma consequência do humanismo do século XVIII e resumidos nas Revoluções Americana e Francesa. A segundo base é que o perigo central que o mundo estaria enfrentando poderia ser visto na hegemonia do capital e na busca de interesses próprios. Sua crítica ao capital não deve ser tomada em um sentido marxista, mas dentro da tradição anticapitalista nacionalista, uma vez que o risco do consumismo e do livre mercado seria o apagamento das identidades dos povos. Por fim, o terceiro ponto é sua oposição ao Estado-nação, favorecendo a ideia de uma Europa federalizada com o reconhecimento de comunidades baseadas na etnia, linguagem, religião ou gênero.
Faye [8], por sua vez, contribuiu para a direita radical com o que chamou de “arqueofuturismo”, a aceitação dos avanços científicos e tecnológicos combinada com uma sociedade que permaneceria tradicional. Após considerar os regimes árabes como aliados naturais da França e criticar o papel dos EUA, Faye se transformou em um defensor do nativismo, discursando contra a imigração e os muçulmanos e em defesa dos interesses étnicos europeus. Os imigrantes estariam colonizando a Europa através de altos índices de natalidade, impondo uma substituição étnica. Seguindo uma ideia pseudodarwinista, a luta pela sobrevivência se daria no plano das civilizações.
Os três autores seguintes explorados no livro são norte-americanos: Gottfried, Buchanan e Taylor. Os dois primeiros são conhecidos paleoconservadores, sendo que Gottfried [9] se destaca pela sua desconfiança em relação às elites globais que, segundo ele, suportariam um “Estado gerencial” contrário às bases tradicionais da sociedade, aproximando-se, portanto, do tradicionalismo.
Buchanan [10] assemelha-se a Gottfried na visão de que a sociedade norte-americana é baseada na sua história e na herança europeia branca, não em princípios universais abstratos. É possível verificar uma visão apocalíptica em seu pensamento, especialmente em sua obra principal, The Death of the West, segundo a qual os EUA e os países europeus estariam na linha de frente de um ataque. Os europeus (brancos) estariam enfrentando uma ameaça comparável à peste negra, uma vez que as taxas de natalidade teriam caído drasticamente. Um dos culpados por essa decadência seria o feminismo, que, somado a outras formas de ataques culturais à tradição ocidental, poderia ser ligado a pessoas com objetivos marxistas ou à Escola de Frankfurt, a qual Buchanan considera um suspeito principal. Sua combinação de um comunitarismo europeu branco, hostilidade às elites globais que não dariam importância às raízes locais e preocupação com a imigração mexicana nos EUA teve impacto nas eleições norte-americanas de 2016.
Jared Taylor [11], de seu lado, possui um foco quase exclusivo na questão racial. Apesar de acreditar em fatores culturais e históricos, Taylor enfatiza o papel da genética e das raças nos tipos de sociedades existentes. Uma das intenções de Taylor é fazer com que as pessoas brancas possam se expressar em relação a si mesmas e à questão racial sem ser demonizadas em relação a isso. Vendo como imprescindível para a nação uma homogeneidade cultural, racial e linguística, argumenta que a maior preocupação nos EUA deveria ser a limitação ou impedimento da imigração de não brancos.
O autor abordado na sequência é Alexander Duguin [12], conhecido ideólogo russo que mistura doutrinas diversas, passando pelo tradicionalismo, a nova direita francesa e o eurasianismo, pregando uma renovação do nacionalismo russo por meio das tradições europeias. Para isso, seu pensamento se apoia em dois conceitos-chave: a questão da Eurásia, através da qual Duguin acredita no papel central da Rússia como Estado e da Eurásia como civilização capaz de regenerar a nação russa. Em segundo lugar, o conceito de uma revolução conservadora. Ao contrário de prezar mudanças graduais, Duguin acredita em uma revolução conservadora para se opor ao liberalismo e avançar as pautas conservadoras. No seu livro The Fourth Political Theory, ele renuncia ao que chama de segunda e terceira teorias políticas (comunismo e nacionalismo/ fascismo) e considera o liberalismo uma ideologia totalitária em virtude de seu caráter normativo. A quarta teoria política viria para negar a modernidade como um todo. Duguin talvez tenha mais impacto fora da Rússia do que dentro, tendo inclusive participado de um debate online com Olavo de Carvalho em 2011.
A última autora abordada é Bat Ye’or [13], proeminente contrajihadista que descreve a existência de uma conspiração envolvendo a União Europeia e países de maioria muçulmana do norte da África e Oriente Médio que buscariam estabelecer o controle muçulmano da Europa, ou “Eurábia”. Seu trabalho inspirou o terrorista de extrema-direita Anders Breivik na Noruega e continua a ser debatido no campo da direita radical em relação a uma “islamização” da Europa.
A terceira e última parte do livro diz respeito aos pensadores emergentes, mais jovens que os tratados anteriormente e que propagam suas ideias principalmente através da internet. Dos cinco autores tratados, quatro são norte-americanos e um é sueco, o que revela que a direita radical europeia ainda está dominada por pensadores da geração anterior, especialmente ligados à nova direita francesa e Duguin.
Mencius Moldbug [14], apelido de Curtis Yarvin, é um ex-libertariano (ou libertário, como preferem se autodenominar no Brasil) que prega a necessidade de se livrar do “controle de pensamento” feito por uma elite progressista e rejeitar o “vírus” da democracia, fazendo uma fusão entre o libertarianismo radical e o autoritarismo no que denomina “neorreação”. O regresso a uma autoridade e hierarquia contra a democracia e o igualitarismo poderia salvar a sociedade do seu declínio. Sua utopia envolve liberdade máxima, exceto na política. A ordem econômica seria gerida por uma sociedade inteiramente privatizada, enquanto a ordem política teria o modelo de uma corporação, com o Estado privatizado encabeçado por um CEO-monarca eleito por grandes proprietários.
Apesar de suas ideias parecerem esdrúxulas, Moldbug possui contatos com o site Breitbart, Steve Bannon e o bilionário Peter Thiel, além de ter boa inserção nos meios jovens ligados à tecnologia, bem como na alt right.
Greg Johnson [15], por sua vez, também esteve próximo do libertarianismo e é editor-chefe do site Counter–Currents, que se propõe a criticar a liberdade liberal na América do Norte à luz do tradicionalismo e das ideias da nova direita europeia. Johnson é mais um pensador que foca seus esforços na questão da metapolítica, visando criar um movimento cultural e intelectual que seja capaz de promover mudanças políticas reais e, finalmente, o estabelecimento de um etno-Estado branco, uma vez que ele é defensor de uma etnopluralidade, segundo a qual todas as raças e etnias deveriam ter sua própria pátria. Johnson é o único entre os autores modernos e emergentes que expressamente revela simpatia pelo nazismo.
O terceiro pensador emergente tratado é o conhecido Richard Spencer [16], presidente do National Policy Institute, um think tank nacionalista branco fundado pelo multimilionário William Regnery II. Spencer se diz responsável pela criação do termo “alt right”. Tamir Bar-On, autor do capítulo sobre Spencer, sintetiza os contornos do seu pensamento:
Uso da internet como o principal veículo para provocar tanto conservadores quanto liberais com ideias e linguagem politicamente incorretas; rejeição do multiculturalismo liberal; desdém pelo capitalismo, já que ele tem a tendência de homogeneizar diversos povos e culturas; apoio a comunidades políticas unidas a identidades europeias brancas; o desafio a elites “heroicas”, brancas e europeias a criar uma revolução nas mentalidades e valores […] contra o multiculturalismo e a imigração; e o desejo de criar etno-Estados brancos homogêneos (“pátrias”) dos dois lados do Atlântico (2019, p. 225).
Como pode ser visto, a questão racial é central no discurso de Spencer, bem como o chamado à ação para uma direita revolucionária, antiliberal e anticapitalista que tenha como foco a metapolítica e as táticas da nova direita.
O capítulo 15 é dedicado a Jack Donovan e seu tribalismo masculino.[17] Donovan acredita que a igualdade é uma farsa, a violência é necessária e que a questão principal não é a raça, mas sim o gênero. Não somente homens brancos, mas todos os homens devem ser livres e fortes. Donovan é abertamente homossexual e prega o tribalismo masculino, uma ideologia de supremacia masculina formada ao redor da ligação entre guerreiros através de rituais de união. Na sua visão, a masculinidade é atacada atualmente por feministas, burocratas e homens ricos que buscam a passividade dos homens. Em 2013, Donovan passou a defender o que denominou de “anarcofascismo”, em que tribos de homens se unem em oposição à ordem institucional feminista, corrupta e antitribal. Donovan possui influência na chamada manosphere, uma subcultura da internet que acredita que as mulheres possuem poder em demasia, e na alt right, que adota sua posição misógina.
O último autor abordado é Daniel Friberg [18], sueco, para quem o método é mais importante do que a própria questão ideológica. Assim como outros autores citados, Friberg acredita que a mudança política só pode ser obtida através da educação, mídia e expressão criativa, ou seja, na metapolítica. Em virtude disso, Friberg tomou diversas inciativas para popularizar obras tradicionalistas, como a Arktos, maior editora de obras da direita radical e tradicionalistas, e o site Metapedia, uma alternativa à Wikipedia. Em 2015, publicou o livro The Real Right Returns, um manual de estratégias para ativistas da direita radical de como se conduzir politicamente e atacar o establishment liberal.
A obra editada por Sedgwick é de extrema importância na atualidade, permitindo compreender a pluralidade de pensamentos existentes dentro de uma direita radical que se torna cada vez mais proeminente em vários países do mundo, especialmente na América Latina, Estados Unidos e Europa.
Assim, o livro se mostra como uma importante ferramenta para todos os que buscam entender as linhas de pensamento da direita radical desde seus primórdios até a atualidade, sem, claro, esgotar todos os autores que impactam nesse meio. René Guénon e Frithjof Schuon, por exemplo, são escritores interessantes para o estudo da ala da direita brasileira encabeçada por Olavo de Carvalho, enquanto David Duke poderia ainda ser visto como uma influência para os supremacistas brancos norte-americanos.
A leitura de Key Thinkers of the Radical Right é bastante agradável; todos os capítulos contam com extensas referências e deixam em aberto um caminho para quem pretende se aprofundar em algum dos pensadores abordados. Certamente historiadores que pesquisam movimentos ligados à extrema radical tirarão bom proveito da obra, uma vez que são raros os livros que tratam de forma séria e criteriosa a respeito do tema.
Notas
3. Capítulo escrito por Elliot Y. Neaman.
4. Capítulo escrito por Reinhard Mehring.
5. Capítulo escrito por H. Thomas Hakl.
6. Os autores tradicionalistas possuem divergências entre si. Para melhor compreensão sugerimos o livro Against the Modern World: Traditionalism and the Secret Intellectual History of the Twentieth Century, também de Mark Sedgwick.
7. Capítulo escrito por Jean-Yves Camus.
8. Capítulo escrito por Stéphane François.
16. Capítulo escrito por Tamir Bar-On.
17. Escrito por Matthew N. Lyons.
18. Capítulo escrito por Benjamin Teitelbaum.
Referências
SEDGWICK, M. (org). 2019. Key Thinkers of the Radical Right: Behind the New Threat to Liberal Democracy. New York, Oxford University Press, 325 p.
SEDGWICK, Mark. 2009. Against the Modern World: Traditionalism and the Secret Intellectual History of the Twentieth Century. New York, Oxford University Press, 2009, 369 p.
Felipe Cittolin Abal – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo. BR 285, Bairro São José. 99052-900 Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: felipe.c.abal@hotmail.com
SEDGWICK, Mark. Key Thinkers of the Radical Right: Behind the New Threat to Liberal Democracy. Resenha de: ABAL, Felipe Cittolin. Os pensadores da direita radical: de Oswald Spengler a Daniel Friberg. História Unisinos, Porto Alegre, v.25, n.1, p.168-171, jan./abr., 2021. Acessar publicação original