Posts com a Tag ‘Revolução Russa’
Las pacifistas en un mundo de catástrofes (1914-1945) | Ivette Trochon
Ivette Trochon | Foto: Fernando Pena/Brecha
Esta obra de Yvette Trochon ofrece la posibilidad de incursionar en un tema escasamente tratado por la historiografía regional y menos aún por la uruguaya: el pacifismo femenino. La autora nos introduce en el mundo de la guerra y la paz, rescatando el rol de las «pacifistas», aquellas mujeres «que hicieron públicas sus inclinaciones por la paz a través de la literatura, el periodismo, el arte o la militancia en organizaciones creadas específicamente para tales fines» (16). El hilo conductor de la obra es el análisis de las reflexiones femeninas sobre la paz y las prácticas concretas que llevaron a cabo para alcanzarla o defenderla. Sin dejar de lado, a las voces masculinas que también abogaron por la paz, desde diversas perspectivas: filosóficas, jurídicas, historiográficas, socialistas. Si bien el pacifismo no surge en este período, fue en estas décadas que adquirió un carácter masivo, por la emergencia de asociaciones con marcados discursos antimilitaristas, opuestas al servicio militar obligatorio y promotoras de la objeción de consciencia. Leia Mais
O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920 | Carlos Fernando de Quadros (R)
O discurso de Lenin na fábrica Putilov em maio de 1917. Izaak Brodsky, 1929 | óleo sobre tela, Museu Histórico do Estado, Moscou. Reprodução: Hora do Povo |
Com “O horizonte vermelho. O impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul, 1917-1920” o historiador Frederico Bartz realiza importante contribuição a diferentes campos de investigação: a história do movimento operário, a história das ideias políticas, bem como a própria seara da história do Rio Grande do Sul. Não obstante, como o próprio autor atenta, o recorte regional deva ser matizado, pois, como o seu objeto impõe, há íntimas conexões entre a história gaúcha e a de outras regiões brasileiras e mesmo de paragens internacionais. Essa é uma distinção de cariz didático, pois um dos méritos do livro é justamente entender tais determinações em um todo articulado. Um momento histórico propício para isso é justamente a conjuntura estudada por Bartz, a do final dos anos 1910.
O momento era de intensas lutas sociais, com o protagonismo da classe operária nos centros urbanos, e de redefinições organizativas e ideológicas. Em tal processo, teve papel fundamental o impacto da Revolução Russa, vitoriosa em 1917. Esse impacto foi objeto de variadas expressões historiográficas, recenseadas por Bartz. É partindo de tal procedimento que seu estudo se distingue de uma divisão interpretativa dominante sobre o período, a qual ultrapassa o campo da produção historiográfica, remontando às próprias divisões políticas gestadas pouco após o processo em tela. Trata-se de duas leituras dicotômicas da adesão anarquista no Brasil ao exemplo russo: em suma, há quem creia que isso se deu por um “engano” dos militantes libertários de então, que desconheciam particularidades das medidas dos bolcheviques, cada vez mais opostas ao ideário ácrata; de outro lado, defende-se que a origem anarquista de parte relevante dos primeiros entusiastas da Revolução Russa se devia a debilidades organizativas do movimento operário de então. A adesão ao comunismo – que se gestou como ideologia no bojo da vitória de outubro –, especialmente com a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922, foi uma modernização política do proletariado brasileiro, que teria alcançado “a verdadeira consciência de classe”. Frederico Bartz critica os limites que ambas as perspectivas acarretam: ao contrário de uma tendência atenta a fatos ocorridos “em outro lugar”, de outra que valoriza ocorridos futuros, “em outro tempo”, ele propõe explicar os impactos da Revolução Russa “[…] a partir das tradições que estes militantes tinham e das lutas que travavam no momento” (p. 30).
Contribui para essa mudança na compreensão do processo o esforço do autor em estudá-lo no espaço do Rio Grande do Sul. Para tanto, atentou especialmente a um corpo documental que compreende jornais e revistas (não apenas gaúchos), panfletos, processos-crime e correspondências. Referências bibliográficas as mais variadas, reforçando o argumento referente à articulação de diferentes espaços. Para além da destacada produção gaúcha referente ao movimento operário, o autor também se apropria de clássicos da historiografia nacional e estrangeira, evidenciando a complexidade do fenômeno.
“O horizonte vermelho” é dividido em seis capítulos, todos intitulados a partir de frases extraídas da documentação consultada. O primeiro, “O círculo que se expande indefinidamente”, trata-se de uma contextualização da Revolução Russa de referência aos processos por ventura aludidos pelos militantes gaúchos estudados. Uma leitura dispensável, portanto, aos leitores familiarizados com o tema.
Em “Hosanna, Hosanna, filha da justiça que vem para nós em nome da liberdade”, o autor estabelece as bases de sua intepretação em torno de uma tradição de militância como terreno no qual as imagens dos ocorridos no Leste podiam vicejar de diferentes formas. Para tanto, foi condição sine qua non apresentar a configuração do movimento operário gaúcho a partir de suas organizações e órgãos de imprensa estabelecidos em 1917, remontando ao período de Proclamação da República. A rivalidade entre socialistas e anarquistas tem destaque aqui, especialmente no que toca às disputas em torno da Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS), sem deixar de discutir centros gaúchos importantes para além da capital. São levantadas as primeiras referências à Revolução Russa no espaço gaúcho e interpretadas a partir das diferenças entre mencioná-las em um comício ou em um texto de intervenção em um jornal, por exemplo. Bartz não omite o caráter indiciário das fontes em discussão, que explora seja na forma de sua circulação, seja no que há de revelador na linguagem e terminologias utilizadas. Expõe, assim, as divergências e similitudes nas primeiras apropriações da Revolução Russa pela militância gaúcha no ardente momento da greve de 1917.
No terceiro capítulo, “A humanidade é um turbilhão e o mundo um crepitar de chamas”, partindo de um maior manancial de documentos, o historiador atenta a um processo de efervescência de lutas operárias no Sul, o que conforma novas leituras do referencial russo. Fundamentalmente, o que ocorria na Rússia era tomado pelos militantes estudados enquanto uma manifestação da revolução mundial da qual os ocorridos gaúchos também eram parte. No exemplo russo, portanto, mais do que uma expectativa, havia uma marcha concreta em expansão, o que é demonstrado pelas publicações de notícias de outros episódios estrangeiros na imprensa estudada (Hungria e Alemanha). Ainda na toada de enfocar as manifestações jornalísticas, o autor relaciona as respostas da militância à apreciação da imprensa burguesa em torno da Revolução Russa. Denunciavam os interesses de classes de veículos como o Correio do Povo. Era uma denúncia que implicava na continuada defesa da experiência russa a partir de argumentos que visavam também legitimar o seu próprio projeto de revolução. Não era apenas o referido cariz burguês que era acusado, mas também as bases do noticiário, como “boatos infundados” e “fontes duvidosas” (p. 121). Por fim, Bartz se dedica à análise dos textos que expressam a “necessidade de analisar a nova situação” (p. 125), escritos que identifica como de opinião editorial, distintos pelo seu caráter “mais doutrinário e teórico do que propriamente informativo” (p. 126). É meritória a explicitação sutil e direta dos critérios de escolha do corpus inquirido. Identifica-se aí uma variedade de impressões, com predomínio das “[…] que ligaram a revolução às lutas políticas e econômicas dos trabalhadores organizados” (p. 136). Resulta-se da análise exposta uma demonstração da fraqueza de uma das hipóteses correntes sobre o fenômeno estudado (o apoio dos anarquistas brasileiros à Revolução Russa como fruto de equívoco).
Um momento destacável em “O horizonte vermelho” encontra-se no quarto capítulo, “Parecerá absurdo que um libertário que tem por lema a paz exclame: Salve a Revolução!”. A exposição aqui adquire caráter distinto, iluminando elementos já abordados, com a aproximação biográfica de militantes com diferentes inserções no processo. A variedade de apropriações que trazem da Revolução Russa é um elemento relevante à compreensão da pluralidade própria à experiência operária no período analisado e no Rio Grande do Sul: “[…] a aproximação com os ideais da revolução foi um processo diferente para diferentes sujeitos, que tinham histórias e tradições diversas” (p. 175). É assim que Bartz se volta para as figuras de Friedrich Kniestedt, Zenon de Almeida, Abílio de Nequete e Carlos Cavaco, sendo eles dois anarquistas, um livre-pensador e um socialista, respectivamente. Foram variadas as suas experiências militantes, para além de questões próprias às trajetórias de vida em geral, fato notório na importante apropriação étnica de Almeida e Nequete. Também foram diversificadas as formas com que travaram contato com as notícias da Revolução Russa e como as ressignificaram de acordo com a sua atuação e inserção política, configurando distintos caminhos no complexo processo que se desenrolava.
Em “A vossa fraqueza é filha da vossa divisão – uni-vos pois! E não haverá força alguma que possa vos enfrentar”, é observada a peculiaridade dos primeiros grupos comunistas gaúchos, a sua inserção no movimento operário local, bem como a sua relação com as organizações assemelhadas do centro do país – o que, por si só, implicou em se concentrar na rede de difusão de informações entre diferentes regiões, objeto histórico importante. Também se avalia como esses grupos participam em um novo tipo de ação política, indício das transformações de vulto em processo. No que toca às particularidades sul-riograndenses, o autor lembra que as associações operárias de cariz comunista surgem mais rapidamente em relação a outras regiões do Brasil, sendo este “o aspecto mais visível do impacto da Revolução Russa”. Bartz retoma experiências efêmeras citadas antes em seu livro, tendo em vista a devida fidelidade factual. Sua atenção às organizações de tipo novo reside no quanto elas expressam alterações em objetivos programáticos, bem em sua inserção nas lutas concretas do período. A variedade regional dos grupos comunistas originais demandou à pesquisa uma atenção dividida entre diferentes centros gaúchos. A relação dos primeiros comunistas do Rio Grande do Sul com seus congêneres de São Paulo e Rio de Janeiro é exposta a partir da narrativa de um episódio pouco lembrado pela historiografia brasileira como um todo: a insurreição de 1919. A experiência, de caráter revolucionário, é abordada especialmente no que toca os novos elementos nela atuantes, como o novo tipo de laços políticos que se estabeleciam e as novas leituras com que militantes como Abílio de Nequete travavam contato.
O último capítulo da obra tem por título “Não se pode descrever o que se passou na cabeça de boa parte de nossos velhos amigos – num piscar de olhos tornaram-se nossos inimigos”. Ele versa sobre um aspecto fundamental do objeto: o refluxo do movimento operário após o agitado triênio inaugurado em 1917 e a crise interna no bojo desse refluxo, manifesta pela radical cisão entre anarquistas e bolchevistas. A recepção do processo russo e de suas notícias estava no centro do conflito. No caso gaúcho, demonstra Bartz, é precoce o imbróglio, sendo “[…] provavelmente um dos primeiros estremecimentos do movimento operário brasileiro causados por este motivo” (pp. 226-227). Um processo mais complexo, contudo, do que as aparências podem sugerir. O autor contempla as experiências e tradições de classe locais, escapando de armadilhas próprias às memórias dos envolvidos, as quais discute com o devido cuidado analítico (pp. 238-239). Outro aspecto fundamental do momento de refluxo das atividades do movimento operário é identificado pelo historiador no esforço repressivo em curso especialmente a partir de 1919. Isso é comprovado por documentos policiais e noticiário da grande imprensa, nos quais localiza o empenho em não apenas desmerecer a experiência russa, mas especialmente criminalizar as associações operárias, que se manifestavam em um crescendo, tanto no vulto de suas atividades quanto na radicalização de sua linguagem. Por fim, apresenta-se o estudo das disputas internas do movimento operário gaúcho a partir das lutas desenvolvidas no seio das organizações locais, processo que o autor interpreta a partir da hipótese das sequelas da repressão há pouco citada, bem como das discordâncias em torno da atuação nas instâncias internas a esses trabalhadores. Essa explicação – não resta dúvida – reforça a constante matização de outras que atribuem as cizânias entre anarquistas e os recém constituídos comunistas apenas aos debates internacionais.
É relevante a leitura de “O horizonte vermelho” para todas e todos que se interessem não só pela história do movimento operário, mas também pela história política e das ideias no período abordado. O autor soube reutilizar em diferentes momentos de seu estudo as mesmas fontes, o que em nada tornou maçante a sua narrativa, pois interrogava-as de acordo com diferentes aspectos do complexo processo investigado, conseguindo, portanto, extrair distintas informações de um mesmo documento ao sabor da determinação à qual atenta. Elabora-se, assim, uma relevante explicação em torno de um momento decisivo na conformação de um importante ator da cena histórica brasileira que se desenvolvia.
Carlos Quadros – Doutorando em História Econômica e Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Substituto do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), Campus Itaquaquecetuba. E-mail: carlosfquadros@gmail.com.
BARTZ, Frederico. O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul, 1917-1920. Porto Alegre: Sulina, 2017. 319 p. Resenha de: QUADROS Carlos Fernando de. Um capítulo na história da esquerda brasileira: o impacto da Revolução Russa no Movimento Operário Gaúcho. Projeto História. São Paulo, v.70, p.340-345, jan. / abr. 2021. Acessar publicação original [IF].
A Revolução Russa | Sheyla Fitzpatrick
No ano de 2017, houve uma profusão de obras historiográficas pela ocasião do centenário de um dos maiores acontecimentos do Século XX, a Revolução de Outubro de 1917 na Rússia. Uma dessas obras reeditada neste ano, de suma importância para a compreensão dos primeiros 20 anos do processo revolucionário soviético, foi A Revolução Russa, de uma das pesquisadoras mais destacadas entre os sovietólogos na atualidade, a australiana Sheyla Fitzpatrick. A autora, que atualmente leciona História da Rússia Moderna na Universidade de Sydney, expõe as primeiras duas décadas da primeira e mais duradoura revolução socialista, que abriu as portas para dezenas de outros processos revolucionários em todo o mundo. Leia Mais
A revolução que mudou o mundo: Rússia, 1917 – REIS (FH)
REIS, Daniel Aarão. A revolução que mudou o mundo: Rússia, 1917. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. Resenha de: SOUZA, Felipe Alexandre Silva de. Um balanço sereno e crítico das revoluções russas. Faces da História, Assis, v.5, n.1, p.358-361, jan./jun., 2018.
Independentemente da posição política que se tenha a respeito do fato, dificilmente encontraremos quem negue que a Revolução Russa de 1917 se encontra entre os acontecimentos de maior reverberação do século XX. Entre as diversas publicações que chegaram ao mercado editorial brasileiro no centenário da revolução, destaca-se o livro A revolução que mudou o mundo: Rússia, 1917, escrito por Daniel Aarão Reis, professor aposentado de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense.
Em um volume conciso, o professor conciliou um resgate narrativo dos principais momentos da revolução com diversas problematizações acerca das interpretações mais recorrentes de tão controverso evento — desenvolvendo, assim, um livro de grande valia tanto para leigos quanto para iniciados no assunto.
Ainda que o subtítulo do livro destaque o ano de 1917, Reis propõe uma interpretação de duração mais longa do que ele chama de ciclos das revoluções russas.
Tais ciclos se iniciaram com a Revolução de 1905, as Revoluções de Fevereiro e Outubro de 1917, as guerras civis travadas entre 1918 e 1921 e, finalmente, a revolução fracassada de Kronstadt (1921). Apenas levando em conta esse processo histórico mais amplo, defende Reis, é que poderemos compreender melhor os elementos fundamentais que impulsionaram e plasmaram o comunismo soviético que viria a ser um dos principais paradigmas societários até sua dissolução entre 1989 e 1991.
O resgate dos eventos menos conhecidos de 1905 e do período entre 1918 e 1921 é um primeiro aspecto que torna o livro valioso. A Revolução de 1905 foi desencadeada em grande parte pela Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), quando o declinante império dos Románov se bateu contra o império japonês pelo controle de áreas de influência na Coreia e na Manchúria. A guerra provocou um grande desgaste nos recursos econômicos e militares da Rússia, levando ao acirramento das contradições sociais e políticas e à eclosão de movimentos grevistas e manifestações contra as deterioradas condições de vida da maioria da população. A partir de então, ao longo daquele ano, houve três grandes ondas de greves políticas (em fevereiro, maio e setembro), exigindo a derrubada da autocracia, a eleição de uma Assembleia Constituinte com vistas à abertura de um regime republicano; movimentos camponeses com suas reivindicações pela nacionalização das terras; e o nacionalismo não-russo, ameaçando a unidade do império então conhecido como “o cárcere dos povos”. Foi em 1905 que surgiu uma organização original: o conselho de deputados operários ou soviete, uma organização com a agilidade e flexibilidade necessárias para enfrentar a repressão tzarista, que rapidamente se difundiu por São Petersburgo e Moscou, com papel central no incentivo e na articulação dos demais movimentos populares urbanos e rurais. Segundo Reis, as experiências de 1905 inspiraram e condicionaram muitas das ações tomadas nas revoluções de fevereiro e outubro de 1917 — não é por nada que 1905 passou posteriormente a ser considerado o ensaio geral de 1917.
Em termos narrativos, as guerras civis entre 1918 e 1921 e a revolução de Kronstadt (1921) são o ponto alto do livro. Ainda que de forma sucinta, Reis expõe toda a complexidade em que as tendências autoritárias dos bolcheviques, observadas já nos eventos da revolução de outubro, se intensificaram por intermédio da centralização política e econômica no Estado, no Partido Bolchevique e no Exército Vermelho, enquanto o poder revolucionário tentava neutralizar a imprensa de oposição e transformar os sindicatos em correias de transmissão do governo. Tais tendências se fortaleceram na medida em que os bolcheviques se viram obrigados a defender a Rússia e a revolução em intricadas guerras civis: em uma primeira frente, contra os Exércitos Brancos, formados principalmente por generais tzaristas e cossacos, apoiados por potências estrangeiras (com destaque para Inglaterra e França) e desejosos de restaurar a antiga ordem; em uma segunda frente, contra outros grupos revolucionários e camponeses que não concordavam com diversas medidas do novo governo e passaram à insurreição aberta; e, finalmente, em uma terceira frente, os movimentos nacionalistas não-russos (e.g. finlandeses, ucranianos e povos islâmicos da Ásia Central). Embora os bolcheviques tenham saído vitoriosos das guerras civis, o resultado não foi apenas uma catástrofe humana em termos de mortos, mutilados, epidemias e fome, mas o estabelecimento de uma […] ditadura política, dotada de uma temível polícia política e de um Exército centralizado e verticalizado. Mesmo os bolcheviques mudaram radicalmente: de uma elite política, atravessada por debates contraditórios, transformaram se num partido de massas centralizado, militarizado, em que não eram mais admitidas dissensões, vistas com desconfiança e suspeição. (REIS, 2017, p.130).
Para Reis, as tendências ao centralismo e à ditadura foram confirmadas na derrota da revolução dos marinheiros de Kronstadt, cidade-base da Marinha de Guerra russa, na ilha de Kotlin, golfo da Finlândia. Além de ser um ponto estrategicamente importante (Kronstadt protegia Petrogrado, com seus fortes e navios, e fiscalizava o tráfego marítimo da região), a base era conhecida por uma tradição política de rebeldia: seus marinheiros participaram com destaque dos levantes de 1905 e fevereiro e outubro de 1917, e Trótski não à toa se referia a eles como “o orgulho e a glória da revolução.” (apud REIS, 2017, p.133). A partir de meados de 1920, tendo estado nas primeiras linhas de combate em defesa do governo revolucionário durante as guerras civis, os homens de Kronstadt começaram a resistir às políticas centralistas e autoritárias dos bolcheviques. Embora fizessem parte de um contexto mais amplo de contestação ao novo regime, Kronstadt não demorou a se encontrar isolada, graças ao apaziguamento dos movimentos de oposição em outros lugares; em março de 1917, a revolução foi derrotada militarmente pelas tropas soviéticas. Segundo Reis, a Kronstadt revolucionária lutava “[…] por um socialismo diferente, em que o produtor fosse senhor da sua produção —os campos para os camponeses, as fábricas para os operários —, dispondo dela livremente e como bem entendessem.” (REIS, 2017, pp.140/141).
Para além da narrativa de reconstrução histórica, o trabalho de Reis, alicerçado tanto em fontes documentais quanto em diversos trabalhos de pesquisadores de renome mundial, problematiza várias interpretações consolidadas sobre a Revolução.
É particularmente importante o questionamento de um superdimensionamento da importância do Partido Bolchevique como mobilizador do povo russo, presente tanto nas pesquisas de cariz liberal quanto na historiografia de esquerda considerada simpática à revolução. Tais interpretações não encontram respaldo nas evidências disponíveis atualmente. Isso se deve, segundo Reis, à tendência das pesquisas em se enquadrarem numa história política, baseada principalmente em documentação partidária. Com isso é atribuída importância insuficiente à participação tanto dos camponeses (em uma época em que 85% da população russa era rural) quanto das mulheres. Em busca de sanar essa lacuna tão comum, Aarão dedica considerável parte do livro aos “atores esquecidos” das revoluções russas, resgatando a agência e as conquistas dos movimentos de mulheres e camponeses.
Outra ideia colocada em xeque é a concepção, difundida especialmente por Trótski, de que durante boa parte de 1917 as relações políticas gerais da Rússia se caracterizaram por uma disputa de forças entre o Governo Provisório advindo da Revolução de Fevereiro e o Soviete de Petrogrado. Com base nas pesquisas do historiador Claudio Ingerflon, Reis defende que essa interpretação se deve a uma aplicação errônea à Rússia do conceito de Estado, elaborado na reflexão de processos sócio históricos específicos da Europa Ocidental. Na Rússia existiam pouquíssimas instituições (aparelhos ministeriais, conselhos, etc.) que mediavam as relações entre a sociedade e o poder imperial. Por isso, a queda da dinastia Románov não deixou um “vácuo de poder” a ser disputado entre Governo Provisório e o Soviete. O que se seguiu foi um processo de profunda desintegração da autoridade, no qual nem o Soviete de Petrogrado nem o Governo Provisório detinham efetivamente os poderes de autoridade que comumente lhes são atribuídos. As evidências apontam para o que Reis chama de “[…] um processo de múltiplos poderes […]” (REIS, 2017, p.60): sindicatos, comitês de fábricas, milícias, comitê de soldados e um sem-número de outras organizações que marcavam sua autonomia e não acatavam ordens externas. Essa tendência centrífuga passou a ser revertida com a predominância dos bolcheviques após Outubro.
Também é digno de nota o resgate que o livro faz de uma antiga controvérsia que perdura até hoje: o que ocorreu em Outubro de 1917 teria sido uma verdadeira revolução ou um golpe bolchevique? Para Reis, quem elaborou a melhor interpretação para o problema foi o historiador francês Marc Ferro: houve um golpe, mas também uma revolução. A perspectiva do golpe era clara desde julho daquele ano, quando os bolcheviques, em seu VI Congresso, abandonaram a proposta dos sovietes como poder alternativo e democrático. No mês seguinte, é tomada a decisão de empreender uma insurreição armada antes das deliberações do II Congresso dos Sovietes. Como justificativa, Lenin teria argumentado que antecipar a insurreição era a única forma de salvar o processo revolucionário, rondado por inúmeros perigos. É sabido, atualmente, que esses perigos não eram reais, devido principalmente à desorganização e conflitos entre os grupos contrarrevolucionários. Todavia, essa informação era desconhecida na época. Além disso, não há como negar que, ainda que entrelaçados com decisões e ações golpistas, os eventos de outubro foram uma verdadeira revolução: As profundas transformações revolucionárias consagradas pelos decretos aprovados no II Congresso (paz e terra) e pelos que viriam depois (controle operário, direito à secessão etc.) certamente mudaram a face e a história daquela sociedade. E mudaram num sentido e com um caráter popular inegáveis. (REIS, 2017, pp.108/109).
O livro se destaca pela serenidade das análises. É fato conhecido que Daniel Aarão Reis é um intelectual inserido indubitavelmente no campo da esquerda, e o livro em questão é claramente simpático aos fins almejados pelo projeto revolucionário, o que não impede que ele apresente conteúdo altamente crítico e atento às contradições de seus protagonistas. Em seu balanço, o professor também realça os inegáveis avanços sociais que a Revolução trouxe aos trabalhadores e demais grupos oprimidos, bem como os aspectos positivos da presença internacional da URSS, que favoreceu as lutas das classes trabalhadoras em âmbito mundial: “Assustadas diante do ‘perigo vermelho’, muitas elites sociais se disporiam a ceder anéis para salvar dedos—e cabeças.” (REIS, 2017, pp.191/192). A própria perspectiva de um socialismo democrático faz com que Reis deixe clara a necessidade de um balanço crítico das experiências comunistas do século XX – das quais a URSS foi um paradigma – caso queiramos que o socialismo triunfe no século XXI. É urgente que se supere a cisão entre socialismo e democracia e liberdade. Só assim, avalia Reis, alcançaremos finalmente uma humanidade verdadeiramente emancipada.
Felipe Alexandre Silva de Souza – Doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP, Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília); E-mail: felipesouza1988@gmail.com.
[IF]Antes que sea tarde – PARGA (I-DCSGH)
PARGA, C. Antes que sea tarde. Prólogo a la 1.ª ed.: Fernando Morán; prólogo a la 2.ª ed.: Alfonso Guerra; presentación: Fernando Serrano Migallon México: Porrúa, 2007. Resenha de:Del MORAL, Cristina. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, n.87, p.81-82 abr., 2017.
Carmen Parga es una exilada más, no tan conocida como su marido Manuel Tagüeña y tantos otros intelectuales y políticos que tuvieron que abandonar España en 1939. Una mujer culta, sensible y comprometida cuyo testimonio enriquece nuestra visión del exilio español de 1939 a 1955 y nos plantea una reflexión sobre el compromiso personal en momentos muy aciagos.
Estas memorias son un ejemplo de resistencia frente a los imperativos de los avatares históricos y demuestra la capacidad del ser humano, más frecuente entre mujeres que entre hombres, de preservar la intimidad en medio de las situaciones más adversas. En suma, un libro optimista.
La obra se articula a partir de tres planos. En el plano íntimo, aunque no es un libro intimista, refl eja la cotidianidad, la vida como madre, con momentos que emocionan, cuando cuenta sus esfuerzos para criar a sus hijas; como hija, siempre apoyando a su padres; como esposa, a la sombra de su prestigioso marido, y como hermana, luchando por ayudar a su hermano que regresa tuberculoso del frente. En el plano histórico, si bien Carmen Parga se cura en salud diciendo que su libro se basa en notas sin ningún rigor científi co ni histórico, nos muestra su vida universitaria en la Segunda República, la guerra civil, el exilio a Rusia, la vida en Moscú, la Segunda Guerra Mundial en la Unión Soviética, el día a día en el campo ruso y en Uzbequistán, mostrando en todo momento un espíritu crítico ante la situación, pero también un gran respeto y cariño hacia los rusos, a los que alaba por sus múltiples cualidades, en especial por su espíritu de resistencia y el afecto y solidaridad hacia los españoles.
Por último, en el plano ideológico, la autora narra cómo –al igual que muchos otros compatriotas suyos– se fue despegando progresivamente de la doctrina comunista, cuyo peor ejemplo está en las jefaturas soviéticas, a partir de su estancia en Yugoslavia y Checoslovaquia, y cómo fi nalmente su familia y ella recalan en México, donde renuncia a la militancia en el partido. A lo largo de este periplo se ve obligada a luchar entre su formación y militancia comunista y sus ideas, vivencias y ansias de libertad, hasta que se confi esa socialista. A pesar de sus críticas, Antes que sea tarde no es un ajuste de cuentas con el comunismo, pero sí una denuncia –por ejemplo cuando describe el hambre en Tashkent– y una amarga refl exión por la falta de rebeldía.
La lectura de algunos fragmentos de este libro en clase servirán al profesorado de historia no sólo para conocer y enseñar un período apasionante de la historia de Europa en Rusia, Yugoslavia y Checoslovaquia, sino también para fomentar la empatía (especialmente entre las alumnas), pues Carmen Parga escribe sobre su vida cotidiana, sus relaciones familiares, sus preocupaciones por la salud o el nacimiento de sus hijas en circunstancias muy difíciles. Asimismo, por su valor poético y alta calidad literaria puede ser una lectura susceptible de ser compartida con los docentes de literatura. Al respecto, hay escenas –como la entrada en el puerto de Leningrado del barco ruso con los exilados españoles y la muerte de la foca arrastrada por aquél– dignas de los grandes narradores rusos. Además, las fotos que ilustran el libro pueden ser también fuentes de gran interés para el estudio de la vida cotidiana y de los personajes históricos en su faceta más cercana. De nuevo, un buen instrumento para desarrollar la empatía entre el alumnado. En definitiva, una obra optimista, que denuncia algunas consecuencias perversas de la Revolución rusa.
Cristina del Moral – E-mail: cdmoralitu@gmail.com
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Soviets en Buenos Aires: La izquierda de la Argentina ante la revolución rusa | Roberto Pittaluga
La editorial Prometeo nos presenta, de la mano de Roberto Pittaluga, un interesante libro sobre la izquierda en la Argentina en las primeras décadas del siglo XX y la recepción que hizo un amplio universo político, social y cultural de la revolución rusa. El libro es el fruto de la tesis de doctorado de Roberto Pittaluga, quien se desempeña como profesor en la Universidad de Buenos Aires, como así también en la Universidad Nacional de General Sarmiento y la Universidad Nacional de la Pampa, y se ha especializado en los campos de la Memoria e Historia, la Historia Oral y la Historia Reciente.
El libro se propone examinar las fuentes documentales desde un criterio contrapuesto al predominante en la historiografía de las izquierdas, en el cual fuerzas como el anarquismo, el socialismo o y el comunismo son tratadas de forma separada para posteriormente establecer comparaciones entre sí. Por el contrario, Pittaluga se propone una línea de investigación con una serie de problemáticas sobre las que las fuentes documentales expresan tensiones, evidencian ambigüedades y permiten trabajar los significados de sus derivaciones. La izquierda ante la revolución -nos dice el autor- es como la izquierda ante sí misma, como palabra, es decir, como compromiso con la palabra. Es ella ante su origen, ante su emergencia y su potencia y la revolución rusa actualiza esa promesa emancipadora en tanto discurso e interpelación de su potencialidad. Leia Mais