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Revolução Pernambucana de 1817 / Revista do IHGB / 2017
É tradição estabelecida do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro revisitar eventos e personagens do passado em datas como centenários, sesquicentenários e bicentenários. Em 2017, comemoraram-se os 200 anos da Revolta de Pernambuco, fazendo com que o acontecimento merecesse um olhar especial por meio do Seminário – “Revolução Pernambucana de 1817” –, que, nos dias 5 e 6 de abril de 2017, reuniu especialistas de diversas áreas, vindos inclusive da antiga capitania de Duarte Coelho. Ainda tendendo a ser encarado, nos dias que correm, por visões divergentes, o movimento sempre foi objeto de grandes polêmicas entre historiadores, juristas e outros estudiosos. Na realidade, estes podem mesmo considerá-lo segundo uma ampla gama de perspectivas, que se estendem desde um dos momentos fundadores da História nacional, precursor da Independência de 1822 – a versão dominante, às vezes ufanista –, até um olhar crítico, cético talvez em demasia, que o reduz a uma explosão local, manifestação de autonomia da província, insatisfeita com a política adotada pelo governo de D. João no Rio de Janeiro.
Assim sendo, este último número de 2017 da Revista centrou-se, portanto, na organização de um dossiê sobre Pernambuco em 1817, cujos artigos foram fruto das reflexões e discussões que ocorreram ao longo daquele evento. Proposto com o objetivo de repensar o acontecimento histórico, em busca de novas interpretações e do estabelecimento de relações entre a historiografia e a memória do evento, o Seminário possibilitou o amadurecimento de trabalhos diversos, que, ampliados e aprofundados, constituem o núcleo central desta publicação. Em seu conjunto, a despeito de também comemorar os 200 anos de Pernambuco 1817, os autores dos artigos aqui incluídos realizaram não só um balanço geral da memória que o acontecimento deixou na historiografia, mas procuraram igualmente avaliar o potencial desse passado para discutir o presente e averiguar, ainda, as ligações simbólicas do poder, da sociedade e da economia na formação do futuro Império do Brasil.
O dossiê contou com 11 artigos. Abre-se com uma discussão jurídica sobre a conceituação da Lei Orgânica da Revolução Pernambucana de 1817, e segue com o debate sobre a dialética entre tradição e inovação no discurso político presente neste processo histórico. Mais adiante, busca inserir o movimento de 1817 no contexto do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, passando, em seguida, para uma discussão historiográfica sobre o “fazer-se (de 1817) uma revolução”. Encontram-se também presentes análises sobre o ideário liberal na revolta, as relações de 1817 com as ideias de Simon Bolívar, as tentativas diplomáticas que o movimento encetou e ainda as configurações espaciais que este tomou na vila do Recife. Se as conclusões podem se mostrar diversas, numa leitura final, apesar da variedade dos temas, o conjunto permite não só exumar homens, heróis e correntes de pensamento bem conhecidas, como ampliar ainda mais um corpus, hoje na ordem do dia dos trabalhos historiográficos, de fenômenos relacionados à difusão e à recepção de ideias. Como resultado, são novos olhares sobre a Revolta Pernambucana de 1817, que buscam, no fundo, como se espera, a forma como homens de determinada época pensavam sua própria vida.
Este número, contudo, não se limita ao dossiê. Completam-no dois artigos inéditos, que se ligam pela análise da cultura material, em épocas distintas. No século XVIII, o primeiro diz respeito a retábulos atribuídos a Aleijadinho, enquanto, no século XIX, o segundo trata das moradas do Conde da Barca no Rio de Janeiro.
Na seção de comunicações, contempla-se novamente o século XIX com mais dois estudos: um sobre as ideias políticas do Visconde do Uruguai e a construção do Estado no Império; o outro acerca da imigração, o ensino agrícola e o projeto da Província do Rio Sapucaí.
A seção de Documentos traz a transcrição de manuscrito fundamental para os estudos sobre feitiçaria na América portuguesa do século XVIII. Ecoando a célebre publicação de 1978 que J. R. Amaral Lapa fez da visita da Inquisição ao Pará entre 1763 e 1769, constitui-se de devassa criminal com o propósito de investigar o delito de feitiçaria cometido por indígenas na primeira metade daquele século, mas no outro extremo da América portuguesa, ou seja, na Ouvidoria de Paranaguá. Para melhor situar o documento, um texto introdutório curto, mas aprofundado, apresenta as principais características arquivísticas do documento, explicando algumas particularidades da feitiçaria e categorias jurídicas encontradas na fonte. Diante de seu ineditismo e originalidade, torna-se desnecessário enfatizar sua relevância.
Completa a Revista uma resenha a respeito dos modos sobre escravizar gente e governar escravos entre Brasil e Angola, séculos XVII-XIX. Como o resenhista afirma, a partir da visão de Sergio Buarque de Holanda, uma das funções sociais do historiador consiste “em exorcizar os fantasmas do passado”. Entre aqueles que ainda rodam e assombram o Brasil, até os dias de hoje, encontra-se sem dúvida a experiência histórica da escravidão.
Aproveitem!
Lucia Maria Bastos P. Neves – Diretora da Revista.
NEVES, Lucia Maria Bastos P. Carta ao leitor. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.78, n.475, p.11-13, set./dez., 2017. Acesso apenas pelo link original [DR].