Posts com a Tag ‘Revolução Liberal Espanhola’
El imperio de las circunstancias: las independencias hispanoamericanas y la revolución liberal española | Broberto Breña
O novo livro do historiador mexicano Roberto Breña merece destaque tanto por seu empenho em abordar, de forma bastante sugestiva, diversos aspectos da história política do mundo revolucionário hispânico, como por seu esforço em produzir um texto destinado também a um público mais geral interessado no assunto. El imperio de las circunstancias: las independencias hispanoamericanas y la revolución liberal española, composto por oito capítulos que contemplam cenários espanhóis e hispano-americanos de inícios do século XIX, representa uma continuidade de outros trabalhos do autor sobre o chamado “primeiro liberalismo” espanhol, as revoluções hispânicas e questões de cunho mais acentuadamente historiográfico.
Logo nas primeiras páginas, Breña anuncia duas ideias centrais de seu texto: “império das circunstâncias” e “ciclo revolucionário hispânico”. Referente à primeira, o autor afirma que centrou seu interesse na vida e obra de certos personagens, convencionalmente conhecidos como precursores dos processos emancipatórios hispano-americanos, e como as diferentes circunstâncias que os rodeavam teriam desempenhado papel decisivo em suas ações. Breña constrói e defende, ao longo do livro, a ideia de que tais circunstâncias (sociais, políticas, econômicas) não teriam permitido, com frequência, que esses personagens atuassem como desejavam. Sobre a segunda, ao inserir os processos de independência da América hispânica e a revolução liberal espanhola em um denominado “ciclo revolucionário hispânico”, o autor propõe uma leitura, numa perspectiva eminentemente política-intelectual, que privilegia a ligação direta entre acontecimentos peninsulares e americanos. A exemplo do que vem fazendo grande parte da historiografia a respeito, Breña destaca que foram alguns episódios metropolitanos e seus desdobramentos que provocaram uma série de respostas das colônias a precipitarem o início da história enfocada. Partindo, então, de uma abordagem que enfatiza a dimensão hispânica das revoluções tratadas no livro, o autor mostra cautela diante do chamado enfoque “atlântico”, o qual insere tais processos revolucionários num cenário mais amplo de movimentos político-ideológicos, a partir de uma série de pressupostos com os quais não está inteiramente de acordo.
A maneira como as informações e ideias são apresentadas e trabalhadas no livro evidencia o esforço do autor em construir e relacionar elementos diversificados de um mesmo contexto histórico. Dentre os oitos capítulos, o primeiro e o sexto, sobretudo, abordam o cenário metropolitano. O primeiro capítulo enfatiza a crise provocada pela orfandade da monarquia espanhola, as soluções políticas peninsulares adotadas após a invasão napoleônica e seus impactos e repercussões na América hispânica. O capítulo 6 trata da Constituição de Cádiz de 1812 e das formas de representação nela implicadas como marcos iniciais de uma vida política moderna no mundo hispânico. Neste apartado, Breña comenta sobre a importância do “primeiro liberalismo” espanhol e a efervescência constitucional vivida nos territórios hispano-americanos, enfatizando como esta Constituição amparou, em diferentes localidades, os primeiros processos eleitorais, influenciou aspectos jurídicos, debates ideológicos e a própria cultura política como um todo. Diretamente sobre as ideias liberais espanholas e sua influência no que agora se poderia denominar de “primeiro liberalismo hispano-americano”, o autor afirma que “el liberalismo que empieza a manifestarse en los diversos territorios americanos tuvo connotaciones distintas respecto al metropolitano” (p.197), demonstrando que no decorrer dos processos de independência da América hispânica aspectos centrais da ideologia e de práticas liberais sofreram modificações consideráveis. Finalmente, Breña aborda as ambiguidades e tensões que caracterizaram esses princípios políticos em ambos os lados do Atlântico, mostrando como o tema do republicanismo manteve estreita vinculação com o liberalismo neste contexto revolucionário.
Os capítulos 2, 3, 4 e 5 apresentam personagens, seus escritos e ideias entre o final do século XVIII e o início do XIX. Ao analisar, dentre outros, Francisco de Miranda, Simon Bolívar, San Martín, Bernardo Monteagudo e Servando Teresa de Mier, o autor trata de seus pensamentos, projetos e anseios, trilhando uma espécie de caminho no qual introduz o leitor a realidades políticas, sociais e ideológicas de diferentes partes da América hispânica, em especial durante seus processos de independência. Retomando uma das ideias centrais do livro, Breña faz uma reflexão sobre esses homens e seus supostos “fracassos” (ideia antiga na historiografia, mas aqui baseada na obra do historiador alemão Stefan Rinke, Las revoluciones en América: las vías a la independencia 1760-1830. México, El Colegio de México, 2011), para tentar demonstrar como as circunstâncias teriam se imposto sobre o pensamento e a ação de tais personagens. Sua argumentação é sustentada na ideia de que elementos como o caráter “prematuro” de alguns movimentos independentistas, a impossibilidade de algumas capitais imporem suas autoridades e legitimidades, e a adoção da forma republicana de governo em sociedades sem experiência alguma com instituições representativas teriam conformado um “império de circunstâncias” que, de modo distinto em cada caso, resultaria ser mais poderoso que a vontade de líderes.
Assim, para Breña, esses protagonistas exibiriam uma capacidade muito limitada para exercerem influxos sobre acontecimentos políticos, salvo em situações mais imediatas, como ele próprio afirma:
[…] los procesos emancipadores americanos se caracterizan, entre otras muchas cosas, porque casi todos los grandes líderes que participaron en ellos fracasaron en los proyectos políticos que se propusieron y porque en la mayoría de los casos (tratándose, insistimos, de líderes de primer nivel) no pudieron pasar de la fase bélica a la fase de estabilización o de construcción y, cuando lograron hacerlo, muchos de ellos fracasaron políticamente” (p.136).
No entanto, quando se concebe a inexistência de qualquer história de sociedades que seja totalmente movida por vontades individuais, a constatação de que os “próceres” das independências eram capazes de incidir sobre suas realidades apenas de forma muito limitada, submetidos que estavam a condicionamentos impostos pela realidade que lhes dava significado, as ideias de “fracasso” e “império das circunstâncias” parecem necessitar menor ênfase do que Breña a elas concede. Mesmo assim, é de inegável valor a tentativa do autor em expor vinculações entre acontecimentos peninsulares e americanos, bem como apresentar sustentos doutrinais e ideológicos, instabilidades e ambiguidades políticas como sendo compartilhados nestes espaços pari passu a particularidades de cada território.
Outro aspecto a chamar a atenção é o fato do processo independentista mexicano ser apresentado como um caso distinto. Breña argumenta, por exemplo, que características como a magnitude da revolução social iniciada por Miguel Hidalgo, ou o fato da independência mexicana ter se consumado por meio de um acordo “não violento” entre elites políticas e militares o distinguiram dos demais abordados no livro, afirmando que:
[…] las características señaladas dan al Virreinato de la Nueva España un lugar distinto, que acrecienta su carácter distintivo por el hecho de que, como es sabido, se trataba del territorio más rico, más poblado y cuya capital, la Ciudad de México, no tenía parangón en el contexto hispanoamericano (p.148).
Por certo, o autor não deve desconsiderar especificidades como essas, aliás presentes em toda parte e em todo tempo no processo geral que analisa; porém, ao colocar a Nova Espanha nesse lugar, sendo ele próprio um historiador mexicano, o livro de Breña parece recomendar ao leitor a sensação de cautela quanto à adequação de considerar-se esse um caso verdadeiramente peculiar. Caso contrário, não se perderia aí um dos elementos mais ricos que ele mesmo nos mostra, isto é, o caráter geral de um contexto e de um processo cravado de particularidades?
Os últimos dois capítulos, 7 e 8, apresentam, respectivamente, discussões de caráter metodológico e historiográfico. No 7, é possível acompanhar um profícuo debate metodológico que nos leva à posição do autor frente a imersão dos processos revolucionários hispânicos no denominado “ciclo revolucionário atlântico”. Breña reconhece que a adoção do enfoque atlântico pode trazer contribuições importantes, mas também postula que tal perspectiva tende, de maneira geral, a realçar semelhanças e continuidades entre processos específicos, pouco considerados como tais. Para o autor, a falta de similitudes entre, por exemplo, as revoluções norte-americana, francesa e as hispano-americanas, e o fato destas últimas terem sido majoritariamente conformadas por guerras civis a envolverem diversos grupos étnicos, realçariam diferenças pouco ou nada valorizadas por aquele enfoque. Aqui, Breña não nega denominadores comuns ou influências recíprocas entre tais revoluções, mas ressalta a inconveniência de interpretar as hispânicas como resultado de um suposto contagio ideológico-doutrinal proveniente dos Estados Unidos ou da França, postura reveladora de uma forte carga anglo-saxã contida em muitos dos adeptos do enfoque atlântico.
Por fim, o capítulo 8 apresenta posições e um compromisso de Breña frente à questão das comemorações dos bicentenários das revoluções hispânicas. Para ele, as mesmas deveriam favorecer a abertura de espaço para publicações, seminários, congressos, etc., que elaborassem, incentivassem e promovessem, além de uma revisão historiográfica crítica, uma visão mais complexa e abrangente dos acontecimentos do mundo hispânico entre 1808 a 1830. O autor manifesta que essas comemorações poderiam representar inclusive uma excelente oportunidade para a expansão do tema para além dos circuitos acadêmicos (o que não necessariamente implica o abandono do rigor metodológico), o que evoca novamente um dos objetivos bem cumpridos deste livro.
Permeado por notas explicativas e comentadas que ajudam a situar o leitor em debates mais amplos, e encerrado com um apêndice a oferecer “una bibliografía mínima de literatura secundaria sobre las revoluciones hispánicas desde la perspectiva, sobre todo, de la historia política e intelectual”, El império de las circunstancias, com seu forte teor crítico e amplo repertório de conhecimentos da matéria, representa indubitável contribuição positiva a uma historiografia que não para de crescer ao passo que – felizmente – não cessa de se renovar (p.299).
Priscila Ferrer Caraponale – Doutoranda em História pela Universidade de São Paulo (FFLCH/ USP – São Paulo/Brasil). E-mail: priscilaferrer@usp.br
BREÑA, ROBERTO. El imperio de las circunstancias: las independencias hispanoamericanas y la revolución liberal española. México, D.F.: EL Colegio de México; Centro de Estudios Internacionales, 2013. Resenha de: Priscila Ferrer Caraponale. O ciclo revolucionário hispânico e suas “circunstâncias”. Almanack, Guarulhos, n.8, p. 162-165, jul./dez., 2014.