Posts com a Tag ‘Revolução Francesa’
Napoleone deve morire: L’idea di ripetizione storica nella Rivoluzione francese | Francesco Benigno, Daniele Di Bartolomeo
¿Cuántas veces se recurre a la historia para legitimar una idea o una forma de poder, para examinar un determinado presente, para temer o vaticinar un futuro no muy lejano? Al plantear esta pregunta y prever que la respuesta puede comprender un número de infinitas posibilidades, conviene preguntarse por las reflexiones que se han hecho desde la historiografía a propósito del problema que los autores del texto Napoleone deve morire, l’idea di ripetizione storica nella Rivoluzione francese indican bajo el concepto y el preconcepto de la repetición histórica. Un caso emblemático en el mundo contemporáneo lo ha suscitado la pandemia del covid-19, cuya comprensión en cuanto fenómeno global —especialmente en el primer año de la difusión del virus—, implicó la reflexión sobre ciertas experiencias similares en el pasado (desde la gripe española de 1918 hasta la peste de Atenas de 430 a. C., incluyendo la peste negra de 1300 y la gran plaga de Londres de 1600). Esto, con el fin de responder a las preguntas del propio presente y verificar una repetición histórica. Leia Mais
Como animales. Historia política de los animales durante la Revolución francesa (1750-1840) | Pierre Serna
El siglo XVIII fue un periodo de cambios. El contexto intelectual de la Ilustración se interesó por comprender y explicar su entorno bajo los principios de la razón. En Francia, novedosas ideas surgieron al criticar el agotado sistema absolutista; esto derivó en el estallido de una crisis política: la Revolución francesa; tema que Pierre Serna, historiador francés, profesor en la Universidad de Paris I, Panthéon-Sorbonne, conoce muy bien, y del cual lleva ya varios títulos publicados. Leia Mais
A Sociedade dos Amigos dos Negros: a Revolução Francesa e a Escravidão (1788-1802) | Laurent de Saez
A obra “A Sociedade dos Amigos dos Negros”, escrita pelo historiador Laurent de Saes, traz o debate sobre a escravidão nas relações entre a França do período revolucionário e as colônias francesas da América, sobretudo, de Saint Domingue. Dentro dessa limitação espaço-tempo, o autor apresenta a primeira sociedade antiescravista francesa, designada como a Sociedade dos Amigos dos Negros, como um grupo criado e liderado, incialmente, por Jacques-Pierre Brissot de Warville, Étienne Claviére e Mirabeau e, posteriormente, com a adesão de outros ativistas, na França, em 1788, que realizava uma campanha em favor do abolicionismo e uma transformação gradual do sistema colonial, sob os auspícios da nova ordem, jurídica e ideológica, do período pós Revolução Francesa.
O livro traz um panorama da escravidão e suas contradições internas, dentro da relação metrópole-colônias, mostrando o impacto da Revolução Francesa e de seus ideais sobre a questão do abolicionismo e da relação entre metrópole-colônia. A defesa da liberdade, igualdade e fraternidade, princípios revolucionários liberais, foram incapazes de levar a abolição às colônias, ao contrário, por conta disso, fomentaram lutas de classe e revoltas violentas de escravos, ansiosos por independência e a emancipação. Para tanto, o estudo é estruturado em 03 (três) partes, compreendendo o período de 1788 a 1802, lapso temporal a partir da fundação da Sociedade dos Amigos dos Negros, passando pelo abolicionismo, pelas revoltas coloniais, até o restabelecimento da escravidão.
A primeira parte, intitulada “A revolução francesa diante da escravidão negra”, aborda as bases do pensamento da Sociedade dos Amigos dos Negros que defendia a tese, em seu programa inicial, da abolição do tráfico negreiro, a abolição gradual da escravidão, melhora das formas de tratamento dados aos escravos e um novo projeto colonial. Destaca-se o entendimento à época que a emancipação gradual da mão-de-obra escrava e inserção dos negros no sistema de trabalho assalariado seriam benéficos, tanto aos próprios escravos, em face da liberdade a ser obtida e melhores condições de vida, quanto aos próprios comerciantes coloniais e plantadores que obteriam uma maior produtividade e qualidade superior do trabalho. Os ideais da Revolução Francesa foram a base jurídica para argumentação abolicionista, contudo, a extensão de seus efeitos às colônias e os colonos e comerciantes franceses mostram-se barreiras de difícil transposição, visto que o sistema colonial do comércio e das plantations ainda eram consideradas as bases da economia.
A segunda parte do livro descreve como ocorreu a abolição da escravatura nas colônias francesas e seus principais fatores, favorecidas, principalmente, pela insurreição escrava nas colônias. A ascensão do abolicionismo radial, nascido a partir do levante em Saint Domingue, se inspirava no movimento da metrópole pela liberdade e igualdade, num mesmo momento que havia uma retomada da guerra entre França e Grã-Bretanha (1793), inclusive com a invasão inglesa das ilhas do caribe. Dentro desse contexto, a França foi pressionada a abolição da escravidão, sob o risco de perda das colônias.
A terceira e última parte nada mais traz do que a reação política ao movimento abolicionista, restabelecendo, paulatinamente, ao status quo. A ascensão do regime Consular, guiado por Napoleão Bonaparte, pautado pelos interesses da burguesia mercantil, trouxe uma política restauracionista e expansionista das relações coloniais, por conseguinte, o movimento abolicionista não conseguiu superar a forte atuação dos interesses do Estado nacional, na defesa dos seus interesses políticos e comerciais, culminado, inclusive, criando uma ordem constitucional segregada, em face a extinção do princípio da assimilação (1799).
Dentro desse arquétipo, pode-se notar que a obra foi desenvolvida a partir da concepção do materialismo histórico de Karl Marx e Friedrich Engels, uma vez que o autor traz, à fundamentação para sua tese, diversos documentos, manuscritos e impressos, a fim de consolidar e embasar o seu modo de pensar. Sendo assim, o texto se desenrola dentro de um processo progressivo e histórico, em que os conflitos de classe e as contradições internas se mostram latentes e no entro do debate. Trazemos, à questão que muito bem alicerça a adoção dessa opção metodológica, o paradoxo que era a tentativa de abolição da escravatura, sem, contudo, defender o fim modo de produção colonial como base da economia1. Ao contrário, a França, no período revolucionário ainda era pouco industrializada e extremamente dependente do modelo colonial. Inobstante isso, as contradições de classes também se faziam presentes, visto que, embora silenciada no período consular, a elite abolicionista e os movimentos populares e antiescravistas não deixaram de fomentar o embate interno contra a elite aristocrática e da burguesia mercantil, tanto que desaguaram nas Revoluções de 1830 e 1848 [2].
Nota-se que o autor apresenta causas múltiplas para esses acontecimentos, desde as contradições inerentes entre classes sociais, construídas dentro de um modelo das relações da escravidão e do pacto colonial, até as revoltas violentas dos escravos, o surgimento de um movimento, de cunho popular e abolicionista, na metrópole e as guerras revolucionárias. Portanto, devemos destacar as contradições mostram-se um tema fulcral ao debate, uma vez que a liberdade, um dos pilares da Constituição francesa, não atingiu as colônias, nos mesmos termos. A Constituição francesa declarou a abolição da escravatura, extensível às colônias [3], contudo, não foi aplicado, no ímpeto de impor ordem e controle colonial pela metrópole até que houve a reformulação do sistema, adotando uma dualidade constitucional [4]. Os grilhões do modo colonial impediam a liberdade do trabalho nas plantations, sob o argumento que impunha risco de fuga e escassez da mão de obra. Para equacionar o problema, adotou-se um regime híbrido que unia o trabalho compulsório e assalariado [5], mas não foi suficiente, tendo que chegar ao ápice a restauração da escravidão. Conforme podemos observar nos casos suscitados, à guisa de exemplos, os conflitos de classes e o modo de produção são características intrínsecas a obra e que impactam diretamente sobre a escravidão.
As discussões postas no estudo partem de uma extensa bibliografia francesa que rompia o silêncio da Revolução Haitiana, no período de descolonização no pós II Guerra Mundial. Cabe destacar que o debate historiográfico que emerge a obra do autor Laurent de Saes está situado na questão da continuidade ou não da escravidão do período revolucionário. Trazendo as ideias de Seymor Drescher [6], que defende que há uma temporalidade única e linear, ainda que separados em dois ciclos distintos, da escravidão no século XIX, tal qual o autor descreve na obra em questão. Portanto, nos dois grandes períodos abolicionistas seriam considerados como uma unidade histórica, dentro de “um mesmo processo histórico de aproximadamente cem anos” [7].
A outra interpretação sobre a escravidão, trazemos o autor Dale Tomich [8] para contrapor a visão acima exposta. Esse autor defende que há uma descontinuidade espaço-tempo entre o escravismo colonial e a escravidão do século XIX. Foi no período revolucionário, compreendido entre 1790 a 1820 que foram criadas as diversas condições para inaugurar a segunda escravidão, integrada ao desenvolvimento do capitalismo industrial e do mercado [9], uma vez que os espaços colônias ainda não estariam integrados plenamente na econômica capitalista mundial. Portanto, as revoluções europeias do longo século XIX significaram uma aceleração, tanto do tempo quanto do espaço, que permitiram modelar a escravidão, a partir da massificação de novos padrões de consumo e da mecanização do processo industrial, impostos pela Revolução Industrial.
Merece o devido comentário acerca de outro debate historiográfico em que as análises estruturais, mais amplas, foram deixadas de lado ao longo do tempo. Os estudos sobre a escravidão passaram o seu foco de investigações para casos mais circunstanciais, sob a visão dos subalternos. Embora não tenha sido totalmente abandonada a visão mais angular, foi somente na primeira década do século XXI que apareceram estudos mais alargados, seja através das diversificação dos países, das heterogeneidades culturais e eventuais conexões com o sistema-mundo, ainda que para estudar de forma comparativa as colônias unidas por um sistema de exploração colonial, mas separadas por um oceano [10].
A partir dessa percepção historiográfica, utilizando para tanto o pensamento de Eric Wiliams [11], que estabelece a conexão da escravidão com o colonialismo e com a Revolução Industrial. A partir desse enlace, o referido autor defende a tese que o escravismo caribenho como fomentador do acumulo de capital inglês e como este ultimo contribuiu para a extinção do escravismo, a partir da Revolução Industrial. Nota-se, portanto, que o papel da Inglaterra para o escravismo foi de suma importância, principalmente no mundo atlântico.
Partindo da premissa acima da importância do papel da Inglaterra na história da escravidão e do olhar mais abrangente da história da escravidão, devemos trazer a crítica à obra, o porquê o autor não trouxe o tema ao debate, uma vez que ele cita, por exemplo, que a sociedade dos Amigos dos Negros foi apresentada como uma filial da sociedade abolicionista inglesa [12], cita, também, o papel da Inglaterra nas Guerras Revolucionárias [13] e a ocupação britânica de ilhas caribenhas Guadalupe e Martinica) [14], sem, contudo, citar os efeitos da Revolução Industrial na França e as Colônias. Se pensarmos o objetivo da obra como o estudo sobre a escravidão nas relações entre a França do período revolucionário e as colônias da América, sobretudo, de Saint Domingue, ficaria difícil de não estabelecer elos mais aprofundados com a Inglaterra, quando o assunto fosse a escravidão.
Portanto, a obra “A Sociedade dos Amigos dos Negros” muito bem atinge o seu objetivo, permitindo analisar a escravidão dentro de uma relação dialética, mais abrangente e algumas das vezes contraditória, entre a França e as Colônias, sobretudo, Saint Domingue. O período, a partir da Revolução Francesa até o período consular, restou caracterizado pela atuação moderada da organização abolicionista, por meio de uma abolição do tráfico de escravos e da abolição de forma moderada, a permitir a absorção da mão de obra negra no mercado livre de trabalho, sem, contudo, romper com o sistema colonial. Todavia, ao deixar de analisar o papel da Inglaterra, dentro da percepção mais abrangente do autor, peca, visto que ele mesmo ressalta a participação inglesa na escravidão e nas relações, ainda que conflituosa, com a França e suas colônias.
Notas
1. SAES, Laurent de. A Sociedade dos Amigos dos Negros: a revolução francesa e a escravidão (1788-1802). Curitiba: Prismas, 2016, p.681.
2. Ibidem, p.684/688.
3. Ibidem, p.461.
4. Ibidem, p.542.
5. Ibidem, p.513.
6. DRESCHER, Seymour. Abolition: A History of Slavery and Antislavery. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
7. YOUSSEF, Alain El. Nem só de flores, votos e balas: abolicionismo, economia global e tempo histórico no Império do Brasil. Almanack no.13, Guarulhos May/Aug. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S2236-46332016000200205 , acessado 04-12-17.
8. TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Edusp, 2011.
9. SALLES, Ricardo. A segunda escravidão. Revista Tempo (Niterói, online). Vol. 19, n. 35. p. 249-254, jul-dez., 2013.
10. SECRETO, María Veronica. Novas perspectivas na história da escravidão. Revista Tempo (Niterói, online). Vol. 22 n. 41. p.442-450, set-dez., 2016.
11. WILLIAMS, Eric. Capitalismo e Escravidão. Rio de Janeiro: Americana, 1975.
12. SAES, op. cit., p.85 e 87.
13. Ibidem, p.649,655.
14. Ibidem, p.502.
Marcus Castro Nunes Maia – Aluno de graduação – História (UFF). E-mail: marcuscnmaia@gmail.com
SAEZ, Laurent de. A Sociedade dos Amigos dos Negros: a Revolução Francesa e a Escravidão (1788-1802). Curitiba: Prismas, 2016. Resenha de: MAIA, Marcus Castro Nunes. A escravidão no Império Francês no período Revolucionário. Cantareira. Niterói, n.29, p. 282- 285, jul./dez., 2018. Acessar publicação original [DR]
A invenção dos direitos humanos: uma história | Lynn Hunt
A autora de A invenção dos direitos humanos, Lynn Avery Hunt, nasceu em 1945 no Panamá e cresceu no estado de Minnesota nos Estados Unidos da América. Atualmente, leciona História europeia na Universidade da Califórnia e utiliza os pressupostos da História Cultural em suas produções acadêmicas.
Vinculada à História Cultural, em A invenção dos direitos humanos Lynn Hunt salienta a importância de abordar as transformações das mentes individuais ao trabalhar os processos históricos. Sendo assim, nos capítulos iniciais do livro a autora busca elucidar as novas formas de compreensão de mundo surgidas no século XVIII que possibilitaram a construção de pressupostos como os presentes na Declaração de Independência Americana (1776) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).
A Declaração de Independência dos Estados Unidos, ao se desfazer da subordinação política para com a Coroa Britânica, fez uso das idéias iluministas ao declarar verdades auto-evidentes como igualdade de todos os homens e seus direitos inalienáveis: “Vida, liberdade e busca da felicidade”. Já a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi adiante e traçou que todos os homens são iguais perante a lei e que todos possuem o mesmo direito independente de sua origem ou nascimento. Pressupôs-se, então, a tolerância religiosa e a liberdade, além da autonomia e da independência dos homens.
Para as declarações, os direitos eram universais e iam além de classe, cor ou religião. No ato da escrita, já se partia da idéia de auto-evidência dos direitos, o que aponta para uma mudança radical nos pensamentos ao longo do século XVIII e insere uma problemática: se os direitos são auto-evidentes por que precisam ser declarados? Ao responder a essa questão Hunt salienta que a construção dos direitos é contínua.
As declarações são a materialização das discussões que haviam interpelado o século XVIII e rompiam com a estrutura tradicional de sociedade. Um novo contrato social foi forjado, centrado nas relações entre os próprios homens sem contar com o intermédio religioso: era o fim do absolutismo e a desconstrução do Direito Divino dos Reis de Jacques Bossuet. O fundamento de toda a autoridade se deslocou de uma estrutura religiosa para uma estrutura humana interior: o novo acordo social se dava entre um homem autônomo e outros indivíduos igualmente autônomos.
A montagem dessa nova estrutura só é possível devido a uma nova visão do homem: agora visto como alguém livre que tem domínio de si, que pode tomar decisões por si e viver em sociedade. A autonomia individual nada mais é do que a aposta na maturidade dos indivíduos. A partir dessa nova visão, nasce-se uma nova vertente educacional: modelada pelas influências de Locke e Rousseau, a teoria educacional deixa de focar na obediência reforçada pelo castigo para o cultivo cuidadoso da razão para formar esse novo homem crítico e independente.
Paralelo a isso, nasce-se uma nova visão de corpo. O corpo passa a ser algo de domínio privado, individual e não mais como algo pertencente ao corpus social ou religioso. Os corpos também se tornaram autônomos, invioláveis, senhores de si e individualizados.
Como um importante mecanismo de transformação, Hunt aponta a popularização dos chamados romances epistolares. As cartas enviadas pelas protagonistas abordam as emoções humanas para todos os leitores. As lutas de Clarissa e Pâmela, criadas por Richardson, além das questões de Júlia, escrita por Rousseau, fizeram com que os leitores reconhecessem que todos tem seus sonhos, almejam tomar suas próprias decisões e dirigir a própria vida. O desenvolvimento de um sentimento de empatia tornou possível a construção de pressupostos básicos como a autonomia, a liberdade e a independência, além da igualdade.
Outro exemplo de transformação social ocorrida no século XVIII foi a campanha contra a tortura. Hunt cita o caso Callas como disparador de um processo que espelhou a nova visão de corpo na sociedade francesa do século XVIII. Para Hunt, ler relatos de tortura ou romances epistolares causou “mudanças cerebrais” que voltaram para o social como uma nova forma de organização.
Houve uma queda na visão do pecado original, na qual todos são pecadores e duvidosos, para a ascensão do modelo de homem rousseauniano que aposta na bondade de cada indivíduo. Essa concepção, aliada ao novo conceito de corpo, agora dentro do limite privado, formulou um posterior novo código penal que gradualmente aboliu a tortura e deu ênfase à ressocialização do indivíduo. O corpo já não era punível com a dor para vingar o social e estabelecer um exemplo ao restante da população. O corpo agora era privado e o foco se tornou a honra social do indivíduo.
Após abordar as transformações que tornaram possíveis as declarações, Lynn Hunt se ateve às aplicações e ao processo de formação das sociedades ao tentarem aplicar esses direitos. Uma assertiva importante que a autora faz nesse capítulo é que declarar é um ato político de alteração da soberania: esta passou a ser nacional, pautada no contrato entre homens iguais perante a lei, sem intermédio da religião. Declarar significava consolidar o processo de mudanças que vinham ocorrendo ao longo do século.
Mesmo dizendo que naquele momento os direitos já eram auto-evidentes, os deputados criaram algo inteiramente novo que era a justificatição de um governo a partir de sua capacidade de garantir os direitos universais. Entretanto, nessa fase encontram-se os problemas inerentes a aplicação desses conceitos generalistas: declarar os direitos universais significava conceder direitos políticos às mais variadas minorias, e proclamar a liberdade colocava em cheque a escravidão colonial.
A partir daí muitos direitos específicos começaram a vir à tona na esteira: liberdade de culto aos protestantes significava direito religioso também aos judeus, bem como participação política; o mesmo acontecia com algumas profissões, além da situação das mulheres, defendida de maneira inovadora por Condorcet e Olympe de Gouges. Os direitos foram sendo concedidos gradualmente, a liberdade religiosa e os direitos políticos iguais às minorias religiosas foram concedidos no prazo de dois anos, bem como a libertação dos escravos.
A discussão da universalidade dos direitos foi caindo ao longo do século XIX. Alguns grupos assumiram as lutas políticas do século seguinte às declarações como os trabalhadores e as mulheres. O nacionalismo foi um protagonista importante da luta por direitos ao longo do século XIX, os pressupostos franceses internacionalizados pela expansão napoleônica surtiram o efeito inverso.
Após a dominação que caracterizou o período napoleônico, nos territórios ocupados se criou uma aversão a tudo que viesse dos franceses em detrimento do que simbolizasse uma identidade nacional. Com o tempo o nacionalismo foi tomando características defensivas e passou a ser xenófobo e racista, baseando-se cada vez mais em inferências de caráter étnico.
Teorias da etnicidade representaram um enorme retrocesso ao ideal de igualdade pois partiam para determinação biológicas da diferença, montando hierarquias e justificando a subordinação, e, por conseguinte, o colonialismo. Houve uma falência do novo modelo educacional, visto que dentro da nova ideologia social só algumas raças poderiam chegar à civilização rompendo também com o ideal de universalidade.
O ápice dessa visão nacionalista e racista foi a Segunda Guerra mundial, que com os milhões de civis mortos representou a falência dos direitos humanos, principalmente com os seis milhões de mortos por intolerância religiosa e discurso de raça. As estatísticas assombrosas e o julgamento de Nuremberg trouxeram à tona a necessidade de um compromisso internacional com os direitos humanos.
Apesar de reconhecimento da urgência desse compromisso, foi preciso estimular as potências aliadas a assinar a Declaração dos Direitos Humanos, visto que havia um receio de perder colônias e áreas de influência. Sendo assim, a Declaração de 1948 só foi assinada porque deixava claro que a Organização das Nações Unidas (ONU), ali criada, não influenciaria nos assuntos internos de cada país. Ao longo do tempo, as Organizações Não-Governamentais foram mais importantes para a manutenção dos direitos humanos ao redor do mundo do que a própria ONU.
A discussão acerca dos direitos humanos feita por Hunt termina por ressaltar o quão paradoxal é esse tópico, além da dificuldade de conter “atos bárbaros” até os dias atuais. Hunt (2009, p. 214) fala de “gêmeos malignos” trazidos pela noção de direitos universais: “A reivindicação de direitos universais iguais e naturais estimulava o crescimento de novas e às vezes até fanáticas ideologias da diferença”. Há uma cascata contínua de direitos repleta de paradoxos como o direito da mãe ao aborto ou o direito do feto ao nascimento.
Para Hunt, a noção de “direitos do homem”, bem como a própria Revolução Francesa, abriu espaço para essa discussão, conflito e mudanças. A promessa de direitos pode ser negada, suprimida ou simplesmente não cumprida, entretanto jamais morre.
Anny Barcelos Mazioli – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo; bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo. E-mail: anny.mazioli@hotmail.com.
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 288p. Resenha de: MAZIOLI, Anny Barcelos. Um panorama da história dos direitos humanos: uma construção necessária. Revista Ágora. Vitória, n.25, p.142-145, 2017. Acessar publicação original [IF].
« Irgendwie ist doch da mal jemand geköpft worden ». Didaktische Rekonstruktion der Französischen Revolution und der historischen Kategorie Wandel – MATHIS (DH)
MATHIS, Christian. « Irgendwie ist doch da mal jemand geköpft worden ». Didaktische Rekonstruktion der Französischen Revolution und der historischen Kategorie Wandel. Baltmannsweiler: [S.n], 2015. Resenha de: ZIMMERMANN, Nora. Didactica Historica – Revue Suisse pour l’Enseignement de l’Histoire, Neuchâtel, v.2, p.179-180, 2016.
Vorbei ist die Zeit, in der Historikerinnen und Historiker ob der Darstellung von Umwälzungen und Umstürzen in Streit gerieten: « Die Rede von der Revolution ist beliebig geworden, niemand träumt mehr von ihr, niemand aber auch fürchtet sie noch. »1 Gerade deshalb ist – wie Autor Christian Mathis richtig feststellt – die Auseinandersetzung mit der Französischen Revolution ein schwieriges Unterfangen geworden (S. 44).
Bemerkenswert ist die eingangs gemachte Feststellung, dass Schülerinnen und Schüler, obwohl die Französische Revolution fast überall auf der Welt in der Schule vermittelt wird, jeweils Unterschiedliches lernen. Mathis begründet dies vor allem mit der « Bedeutung der Französischen Revolution für ihre nationalen Biographien »2.
Ein besseres Verständnis von Schülervorwissen fördert gleichsam das (historische) Lernen und ermöglicht eine adäquate Lehrplan- und Curriculums-Gestaltung. Ausgehend von dieser Annahme gilt Mathis’ Forschungsinteresse den Vorstellungen, die Schülerinnen und Schülern von der Französischen Revolution haben. Hierzu befragte er Schülerinnen und Schüler der neunten Klasse einer Schweizer Mittelschule. Mittels Triangulation von Leitfadeninterview, Erzählung und Gruppenverfahren sollte aufgezeigt werden, über welche Konzepte, Schemata und mentale Modelle Jugendliche im Hinblick auf die Französische Revolution verfügen. In einem zweiten Schritt wurden diese Schülervorstellungen zur historischen Kategorie « Wandel » in Beziehung gesetzt und nach deren Rolle beim historischen Denken über die Französische Revolution gefragt.
Nach der Einleitung und der theoretischen Rahmung der Studie folgen in Kapitel 3 erste lernpsychologische Ausführungen zur Theorie des « conceptual change », die auf Piaget basieren. Im Zentrum des darauffolgenden Kapitels stehen dann die Schülervorstellungen aus kognitions- und lernpsychologischer Sicht. Ausgehend von diesem Theoriemodell schlägt Mathis für seine Studie ein viergliedriges Modell vor: Schülervorstellungen sind demnach erstens « mentale Konstrukte, die beim Denken und Sprechen über Geschichte und Vergangenheit konstruiert, abgerufen und evoziert werden », zweitens « jene Wissensbestände (Begriffe, Konzepte und Erklärungsmuster), welche die Schülerinnen und Schüler “heranziehen”, wenn sie konkrete historische Sachverhalte, Phänomene oder Gegenstände erklären und interpretieren », und welche sich – drittens – « im Alltag bewährt haben ». « Diese können » – viertens – « mehr oder weniger wissenschaftsadäquat sein. » (S. 32).
Das fünfte Kapitel präsentiert einen konzis zusammengefassten Abschnitt über Standpunkte, Denkmodelle und Vorstellungen der historischen Fachwissenschaft zur Französischen Revolution. Ausführlich setzt sich Mathis dabei auch mit der sowohl gleichermassen für die Geschichtsschreibung wie auch für die Didaktik massgebenden Kategorie des historischen Wandels auseinander. Es folgt ein ebenso ausführlicher Methodenteil im sechsten Kapitel, in dem der Autor bereits vielerorts ausgeführte Theoriemodelle und Überlegungen der empirischen Geschichtsdidaktik ausgiebig erläutert. Hier hätte sich der Leser eine kürzere und pointiertere Darstellung gewünscht.
Im Hauptteil, Kapitel 7, präsentiert Mathis die empirischen Ergebnisse seiner Untersuchung. Dabei differenziert er die Aussagen der Schülerinnen und Schüler zu ihren Vorstellungen zur Französischen Revolution in folgende vier Aspekte: 1. Gründe und Ursachen, 2. (Aus-)Wirkungen und Errungenschaften, 3. historische Akteure und 4. zeitlicher Verlauf und Vorstellungen von Wandel und Kontinuität. In seinem immer wieder mit ausführlichen Interviewausschnitten ergänzten und mit Hinweisen zur didaktischen Rekonstruktion versehenen Ergebnisteil präsentiert Mathis nicht nur aufschlussreiche Erkenntnisse zu Schülervorstellungen, sondern bietet auch einen spannenden Einblick in die geführten Interviews. Mathis präsentiert dabei eine detailreiche, sauber erarbeitete Analyse der Schüleraussagen und ermöglicht auf diese Weise gleichsam einen transparenten Einblick in sein Auswertungsverfahren. So beobachtet er beispielsweise, dass die Schülerinnen und Schüler, was die Ursachen der Französischen Revolution anbelangt, primär ökonomische Gründe anführen, diese jedoch, wenn es um Auswirkungen der Revolution geht, nur selten erwähnen. Vielmehr nennen die Befragten u. a. die Menschenrechte als die in ihren Augen bedeutendste Errungenschaft der Revolution. Ausgehend von den analysierten Schülervorstellungen formuliert Mathis im abschliessenden achten Kapitel fünf Leitlinien für einen « sinnvollen, lernförderlichen » (S. 212) und wissenschaftsadäquaten Umgang mit der Französischen Revolution im Unterricht der Sekundarstufen I und II.
Der vorliegende Band bietet GeschichtsdidaktikerInnen, Lehrpersonen sowie HistorikerInnen gleichermassen Interessantes. Er ist ein anregendes Beispiel für ein theoriegeleitetes Erhebungs- und Auswertungsverfahren von Schülerinterviews, liefert lehrreiche und praxisnahe Inputs zur didaktischen Strukturierung der Französischen Revolution als Thema im Geschichtsunterricht sowie eine detailreiche, fachliche Einbettung des Themas entlang historiographischer und geschichtstheoretischer Fragen. Gerade weil die Französische Revolution ein (fast) überall gelehrtes Thema ist und viele aus der angesprochenen Leserschaft das Thema – das fester Bestandteil der hiesigen Lehrpläne ist – selbst vermitteln, empfiehlt sich die Lektüre. Vielleicht verdankt das Buch seine künftigen Leserinnen und Leser auch schlicht der « magische[n] Anziehungskraft » von Revolutionen, « deren man sich nur schwer entziehen » kann3.
[Notas]
1 Engels Jens Ivo, « Kontinuitäten, Brüche, Traditionen. Die Französische Revolution von 1789 », in Müller Klaus E. (Hg.), Historische Wendeprozesse. Ideen, die Geschichte machten, Freiburg, Basel, Wien, 2003, zit. nach Mathis Christian: « Irgendwie ist doch da mal jemand geköpft worden », Didaktische Rekonstruktion der Französischen Revolution und der historischen Kategorie Wandel, Baltmannsweiler, 2015, S. 44.
2 Riemenschneider R. (Hg.), Bilder einer Revolution. Die Französische Revolution in den Geschichtsschulbüchern der Welt, Frankfurt am Main, 1994, zit. nach Mathis, Christian …, S. 8.
3 Rohlfes Joachim, Geschichte und ihre Didaktik, Göttingen, 2005, zit. nach Mathis Christian …, S. 45.
Nora Zimmermann – PH Luzern.
[IF]Política, cultura e classe na Revolução Francesa | Lynn Hunt
Outros olhares acerca da Revolução Francesa [1]
A Revolução Francesa foi abordada, e ainda o é, por diversos trabalhos significativos na historiografia mundial. Lynn Hunt, entretanto, em seu livro Política, cultura e classe na Revolução Francesa nos traz uma nova maneira de abordá-la. A autora se encaixa em uma corrente historiográfica denominada como Nova História Cultural. Esta perspectiva propõe uma maneira diferente de compreendermos as relações entre os significados simbólicos e o mundo social (tanto comportamentos individuais como coletivos) a partir de suas representações, práticas e linguagens. É a partir desta perspectiva, portanto, que Hunt analisa o tema: busca compreender a cultura política da Revolução, isto é, as práticas e representações simbólicas daqueles indivíduos que levaram a uma reconstituição de novas relações sociais e políticas.
A pesquisa acerca do tema iniciou-se na década de 1970 e resultou na publicação do livro em 1984. Inicialmente, a autora buscava demonstrar a validade da interpretação marxista: a Revolução fora liderada pela burguesia capitalista, representada pelos comerciantes e manufatores. Os críticos desta abordagem, entretanto, afirmavam que tais líderes foram os advogados e altos funcionários públicos. Focando-se nestes aspectos, após um levantamento de dados feito a partir da pesquisa documental, Hunt percebeu que os locais mais industrializados, com maiores influências de comerciantes e manufatureiros, não foram, necessariamente, os mais revolucionários. Outros fatores deveriam então ser levados em consideração para explicar tal tendência revolucionária, não somente o da posição social dos revolucionários. Sendo assim, Hunt procurou evitar tal abordagem marxista, que coloca a estrutura econômica como base para as estruturas políticas e culturais. Desta maneira, a partir de uma mudança de olhar, tomou como objeto de estudo a cultura política da Revolução, que segundo a autora, propõe “uma análise dos padrões sociais e suposições culturais que moldaram a política revolucionária” (HUNT, 2007, p.11). Para ela, a cultura, a política e o social devem ser investigados em conjunto, e não um subordinado ou separado do outro.
Tais questões surgidas em sua pesquisa estão dentro de um contexto da década de 1980, quando os historiadores culturais procuravam demonstrar que a sociedade só poderia ser compreendida através de suas representações e práticas culturais. Na introdução de seu livro, a autora nos apresenta três influências principais: François Furet, que entendia a Revolução Francesa como uma luta pelo controle da linguagem e dos símbolos culturais e não somente como um conflito de classes sociais; Maurice Agulhon e Mona Ozouf, que demonstraram em seus estudos que as manifestações culturais moldaram a política revolucionária. Suas fontes foram documentos oficiais, como jornais, relatórios policiais, discursos parlamentares, declarações ficais, entre outros; contudo, a sua abordagem não poderia ignorar outras fontes como relatos biográficos, calendários, imagens, panfletos e estampas, que são produtos de manifestações e linguagens culturais da época.
Partindo de três vertentes interpretativas, a autora procura justificar a proposta de sua análise. Critica as abordagens marxista, revisionista e de Tocqueville por entenderem a Revolução centrando-se em suas origens e resultados, desconsiderando as práticas e intenções dos agentes revolucionários. Para Hunt,
A cultura política revolucionária não pode ser deduzida das estruturas sociais, dos conflitos sociais ou da identidade social dos revolucionários. As práticas políticas não foram simplesmente a expressão de interesses econômicos e sociais “subjacentes”. Por meio de sua linguagem, imagens e atividades políticas diárias, os revolucionários trabalharam para reconstituir a sociedade e as relações sociais. Procuraram conscientemente romper com o passado francês e estabelecer a base para uma nova comunidade nacional. (Ibid, p.33)
Mais do que uma luta de classes, uma mudança de poder ou uma modernização do Estado, Hunt enxerga como a principal realização da Revolução Francesa a instituição de uma nova relação do pensamento social com a ação política, uma vez que tal relação era uma problemática percebida pelos revolucionários e já posta por Rousseau no Contrato Social.
A partir de tais considerações, Hunt estruturou seu texto em dois capítulos: no primeiro, A poética do poder, a autora analisa como a ação política se manifestou simbolicamente, através de imagens e gestos; no segundo, A sociologia da política, apresenta o contexto social da Revolução e as possíveis divergências presentes nas experiências revolucionárias. Em todo o texto, a autora nos traz um debate historiográfico acerca de termos, conceitos e concepções das três perspectivas anteriormente citadas.
Hunt destaca a importância da linguagem na Revolução. A linguagem política passou a carregar significado emocional, uma vez que os revolucionários precisavam encontrar algo que substituísse o carisma simbólico do rei. A linguagem tornou-se, portanto, um instrumento de mudança política e social. Através da retórica, os revolucionários expressavam seus interesses e ideologias em nome do povo: “a linguagem do ritual e a linguagem ritualizada tinham a função de integrar a nação” (Ibid, p.46). Contudo, este instrumento deveria inovar nas palavras e atribuir diferentes significados a elas, já que se buscava romper com o passado de dominação aristocrática. Não é a toa que a denominação Ancien Régime foi inventada nesta época.
Nesta tentativa de se quebrar com um governo anterior dito tradicional foi que as imagens do radicalismo jacobino ficaram mais evidentes, afirma Hunt. O ato de representar-se através de uma ritualística foi questionado, descentralizando assim a figura do monarca e a base em que ele estava firmemente assentado: a ordem hierárquica católica. A imagem do rei sumiu do selo oficial do Estado; nele agora estava presente uma figura feminina que representava a Liberdade. Os símbolos da monarquia foram destruídos: o cetro, a coroa. Por fim, em 1793, os revolucionários eliminaram o maior símbolo da monarquia: Luís XVI foi guilhotinado.
Há outro aspecto da linguagem evidenciado pela autora: a comunicação entre os cidadãos. Influenciados por Rousseau, os revolucionários acreditavam que uma sociedade ideal era aquela na qual o indivíduo deixaria de lado os seus interesses particulares pelo geral. Entretanto, para que isto fosse possível, era necessário uma “transparência” entre os cidadãos, isto é uma livre comunicação, na qual todos pudessem deliberar publicamente sobre a política. A partir deste pensamento e da necessidade de se romper com as simbologias, rituais e linguagens do Ancien Régime, os revolucionários precisavam educar e, de certa maneira, colocar o povo em um molde republicano. Houve, portanto, uma “politização do dia-a-dia” (Ibid, p.81), no qual as práticas políticas dos revolucionários deveriam ser didáticas, com a finalidade de educar o povo. O âmbito político expandiu-se, portanto, para o cotidiano e, segundo a autora, multiplicaram-se as estratégias e formas de se exercer o poder. E o exercício deste poder demandava práticas e rituais simbólicos: a maneira de se vestir, cerimônias, festivais, debates, o uso de alegorias e, principalmente, uma reformulação dos hábitos cotidianos.
No livro Origens Culturais da Revolução Francesa, Roger Chartier busca compreender algumas práticas que contribuíram para a emergência da Revolução Francesa. Apesar do que sugere o título, o autor não está preocupado em estabelecer uma história linear e teleológica do século XVIII partindo de uma origem específica e fechada; mas em entender as dinâmicas de sociabilidade, de comunicação, de processos educacionais e de práticas de leitura que contribuíram para um universo mental, político e cultural dos franceses naquele período. Dentre os vários capítulos de sua obra, trago aqui algumas ideias principais do capítulo Será que livros fazem revoluções? para complementar a perspectiva de Hunt, visto que os dois autores bebem de uma mesma perspectiva.
Assim como Hunt, Chartier também desenvolve em sua introdução um debate historiográfico com os escritos de Tocqueville, Taine e Mornet. No capítulo especifico citado anteriormente, Chartier afirma que estes três autores entenderam a França pré-revolucionária como um processo de internalização das propostas dos textos filosóficos que estavam sendo impressos no momento: “carregadas pela palavra impressa, as novas ideias conquistavam as mentes das pessoas, moldando sua forma de ser e propiciando questionamentos. Se os franceses do final do século XVIII moldaram a revolução foi porque haviam sido, por sua vez, moldados pelos livros” (CHARTIER, 2009, p.115). Contudo, Chartier vai além: propõe que o que moldou o pensamento dos franceses não foi o conteúdo de tais livros filosóficos, mas novas práticas de leituras, um novo modo de ler que desenvolveu uma atitude crítica em relação às representações de ordem política e religiosa estabelecidas no momento. Como foi demonstrado por Hunt, novos significados e conceitos foram reapropriados pela linguagem e retórica revolucionária. Neste sentido, Chartier propõe uma reflexão: talvez tenha sido a Revolução que “fez” os livros, uma vez que ela deu determinado significado a algumas obras.
“Assim, a prática da Revolução somente poderia consistir em libertar a vontade do povo dos grilhões da opressão passada” (HUNT, 2007, p.98). Todavia, seríamos ingênuos de pensar que estes revolucionários almejavam uma igualdade social e política sem hierarquias, na qual todos estivessem em contato pleno com o poder. Focault afirma que o poder não está centralizado, ele constitui-se a partir de uma rede de forças que se relacionam entre si: o poder perpassa por tudo e por todos. Contudo, admite que há assimetrias no exercício e nas apropriações do poder (FOUCAULT, 2006). E neste contexto revolucionário não poderia ser diferente: os republicanos, através de seus discursos, buscaram disciplinar o povo de acordo com seus interesses.
Devemos relembrar que o próprio conceito de política foi ampliado. Neste sentido, Hunt afirma que as eleições estiveram entre as principais práticas simbólicas: “ofereciam participação imediata na nova nação por meio do cumprimento de um dever cívico” (Ibid, p.155). Como consequência disto, expandiu-se a noção do que significava a divisão política e a partir de então diversas denominações surgiram: democratas, republicanos, patriotas, exclusivos, jacobinos, monarquistas, entre vários outros. Mais significante ainda foi a divisão da Assembleia Nacional em “direita” e “esquerda”; termos que perduram até hoje.
Durante este processo surgiu uma nova classe política revolucionária, conforme a autora. Contudo, não devemos pensar esta classe como completamente homogênea: ela é composta por interesses e intenções individuais, mas define-se por oportunidades comuns e papéis compartilhados em um contexto social. “Nessa concepção, os revolucionários foram modernizadores que transmitiram os valores racionalistas e cosmopolitas de uma sociedade cada vez mais influenciada pela urbanização, alfabetização e diferenciação de funções” (Ibid, p.237).
O conteúdo simbólico foi se modificando e se moldando conforme as aspirações revolucionárias durante a década que sucedeu a Revolução. Mas a autora questiona-se como tais transformações foram percebidas e recebidas nas diferentes regiões da França e de que maneira os diversos grupos lidaram com elas. Seria equivocado pensarmos que a cultura política revolucionária foi homogênea em todos os lugares, até porque tal política estava sendo construída no momento. Sendo assim, Hunt também procura contextualizar socialmente a Revolução. Ela nos propõe uma análise da sua geografia política, considerando que “a identidade social fornece importantes indicadores sobre o processo de inventar e estabelecer novas práticas políticas” (Ibid, p.153). Neste sentido, o contexto social da ação política se deu conforme as condições sociais e econômicas; laços, experiências e valores culturais de cada local.
“A Revolução foi, em um sentido muito especial fundamentalmente ‘política’” (Ibid, p.246). O estudo de Hunt nos mostra como as novas formas simbólicas da prática política transformaram as noções contemporâneas sobre o tema. Talvez este tenha sido o principal legado da Revolução Francesa e talvez ela ainda nos fascine porque gestou muitas características fundamentais da política moderna. Ela conclui, portanto, que houve uma revolução na cultura política. Mais do que enxergarmos as origens e resultados da Revolução, é fundamental compreendermos como ela foi pensada pelos revolucionários e de que maneira estes sujeitos históricos se modificaram a si próprios e a própria Revolução.
Nota
1. Resenha produzida para a disciplina de História Moderna II, ministrada pela professora Dra. Silvia Liebel, do curso de Bacharelado e Licenciatura de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Referências
CHARTIER, Roger. Origens Culturais da Revolução Francesa. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
FOUCAULT, Michel. Estratégia, Poder-Saber. 2ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
HUNT, Lynn. Política, cultura e classe na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Carolina Corbellini Rovaris – Graduanda do curso de Bacharelado e Licenciatura de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). E-mail: carolina.hst@hotmail.com
HUNT, Lynn. Política, cultura e classe na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Resenha de: ROVARIS, Carolina Corbellini. Outros olhares acerca da Revolução Francesa. Aedos. Porto Alegre, v.5, n.12, p.284-288, jan. / jul., 2013. Acessar publicação original [DR]
As origens culturais da Revolução Francesa – CHARTIER (HH)
CHARTIER, Roger. As origens culturais da Revolução Francesa. Tradução de George Schlesinger. São Paulo: Editora da Unesp, 2009, 316 p. Resenha de: AZEVEDO NETO, Joachin. A Revolução Francesa revisitada. História da Historiografia. Ouro Preto, n. 8, p. 205-210, abril 2012.
Roger Chartier é um historiador francês, natural de Lyon. Além de, atualmente, ser professor do Collége de France e atuar nas Universidades de Harvard e da Pensilvânia, o autor teve, dentre outras, a obra A história cultural entre práticas e representações traduzida para o português em 1988. A referência a este livro é necessária porque o mesmo apresenta a matriz teórica que vem regendo a produção intelectual contemporânea de Roger Chartier. Também é preciso salientar que as reflexões sobre a História Cultural enquanto campo de conhecimento, que embasam esta obra, foram inovadoras para a época e abriram novas possibilidades de estudos no campo da história e nas formas de se ler e escrever textos historiográficos.
A articulação entre A história cultural entre práticas e representações e as pesquisas mais recentes desenvolvidas por Chartier, que versam sobre temas que vão desde as relações entre escritores e leitores no Antigo Regime até os desafios da escrita da História, reside na assertiva de que, para este historiador, é necessário compreender o modo pelo qual se estabelecem vínculos entre a leitura e a compreensão dos textos com as condições técnicas e sociais em que esses textos são publicados, editados e recepcionados. Por exemplo, A história ou a leitura do tempo, breve obra publicada recentemente, ilustra bem esses vínculos entre as fases de maturação do pensamento de Chartier quando o autor afirma que uma história cultural renovada deve acatar o desafio de compreender “a relação que cada comunidade mantém com a cultura escrita” (CHARTIER 2009, p. 43) a partir dos usos e significados que são atribuídos aos textos.
Essas reflexões gerais sobre as propostas de Roger Chartier são necessárias para a contextualização do autor de As origens culturais da Revolução Francesa, obra publicada no Brasil em 2009. Na introdução da obra, Chartier se indaga por que escrever um livro que já existe, fazendo referência a um estudo escrito na década de 30 do século XX, intitulado Les orígenes intellectualles de la revolution française, de Daniel Mornet. A questão é que, tanto o conhecimento acumulado em torno do tema da Revolução Francesa se transformou ao longo do século XX, bem como é possível, para os estudiosos da história, a abordagem de temas clássicos da historiografia por meio do levantamento de novas problemáticas.
No primeiro capítulo “Iluminismo e Revolução;Revolução e Iluminismo”, Chartier discute o que seriam, para Mornet, as causas da Revolução. O autor, assim, esquematiza as conclusões de Mornet que embasam, de forma geral, as concepções historiográficas tradicionais sobre a Revolução Francesa: 1) as ideias iluministas circulavam hierarquicamente das elites para a burguesia, daí para a pequena burguesia e, por fim, para o povo. 2) a difusão das ideias iluministas aconteceu do Centro de Paris para a periferia da França. 3) o Iluminismo foi uma peça-chave para o desmonte do Absolutismo. Chartier elabora sua tese invertendo os postulados de Mornet: não foi o Iluminismo que inventou a Revolução Francesa, mas os desdobramentos da Revolução que legitimaram o Iluminismo.
Nesse sentido, o significado teórico do termo origem, que aparece no título da obra de Chartier ainda continua nebuloso para o leitor. Acredito que o conceito-chave que é a todo momento evocado no estudo do historiador francês ecoa no mesmo diapasão das reflexões formuladas por Walter Benjamin em A origem do drama barroco alemão. Segundo Benjamin, a ideia de origem possui uma dimensão dialética e crítica na medida em que: […] apesar de ser uma categoria totalmente histórica, não tem nada que ver com a gênese. O termo origem não designa o vir-a-ser daquilo que se origina, e sim algo que emerge do vir-a-ser e da extinção. A origem se localiza no fluxo do vir a ser como um torvelinho, e arrasta em sua corrente o material produzido pela gênese. O originário não se encontra nunca no mundo dos fatos brutos e manifestos, e seu ritmo só se revela a uma visão dupla, que o reconhece, por um lado, como restauração e reprodução, e por outro lado, e por isso mesmo, como incompleto e inacabado. Em cada fenômeno de origem se determina a forma com a qual uma ideia se confronta com o mundo histórico, até que ela atinja a plenitude na totalidade de sua história. A origem, portanto, não se destaca dos fatos, mas se relaciona com sua pré e pós-história (BENJAMIN 1984, p.67-68, grifo no original).
Por esse viés, a noção de origem não é utilizada como uma fonte na qual a explicação de todos os fatos possa ser encontrada. O significado atribuído por Benjamin ao termo é o de um fenômeno entranhado de várias temporalidades históricas. Assim sendo, a origem não carrega em si a gênese das coisas, mas se constitui enquanto uma formação que perturba a normalidade do curso das práticas humanas e faz ressurgir antigas questões esquecidas e silenciadas. Por esse prisma, o conceito de origem é dialético porque sua forma é a de uma imagem sempre aberta, sempre inacabada. Essa é a concepção de origem da qual partilha Chartier, embora não faça menções diretas a Benjamin em nenhum momento de As origens culturais da Revolução Francesa.
No segundo capítulo, “A esfera pública e a opinião pública”, Chartier discute como a esfera pública era constituída por um espaço no qual havia um intercâmbio de ideias políticas que estavam distantes de serem controladas pelo Estado. Assim, a esfera pública, seguindo os rastros do pensamento de Harbemas, era um espaço de sociabilidade burguesa. Neste espaço, a nobreza e, tampouco, o povo tinham presença e as diferenças entre os indivíduos que se faziam presentes eram ressaltadas por meio dos posicionamentos e argumentos críticos que estes apresentavam para o debate e não por meio de uma estratificação social que favorecia uma linhagem ou títulos de nobreza.
Simplificando, Chartier fala em esfera pública se referindo aos debates que aconteciam em salões, cafés, clubes e periódicos que eram usados como lócus para discussões, entre as camadas sociais emergentes, de crítica estética sem a intromissão das autoridades tradicionais nessas conversas.
Dentro dessa discussão, é preciso recorrer ao texto clássico “O que é o Iluminismo?” (2004), de Kant, para a elucidação de como o conceito de razão foi estreitamente interligado com a noção de Iluminismo. Kant sugeriu que a liberdade, enquanto vocação humana, só poderia ser exercida quando o indivíduo conseguisse pensar por si próprio. A razão concebida dessa forma possuía uma dimensão pública e privada. O uso privado da razão, por exemplo, por oficiais do Exército ou líderes religiosos, não anulava o uso público da razão porque este era embasado no interesse comunitário. Com base no pensamento de Kant, essas duas esferas autônomas do pensamento crítico não preocupavam o Estado absolutista, que mantinha a ordem vigente através da distribuição de cargos públicos e de status. Porém, para Kant, o uso individual da razão só atingiria sua plenitude quando os cidadãos pudessem registrar, através da escrita, suas críticas ao poder vigente.
No capítulo “O caminho de imprimir”, Chartier discorre sobre as tensões entre os interesses dos parlamentares e do público leitor, que resvalavam, por sua vez, no mercado editorial francês. Usando os testemunhos de Malesherbes, diretor do comércio livreiro e de Diderot, coautor da Enciclopédie, Chartier analisa como a opinião desses homens letrados, que defendiam a livre circulação de livros, libelos e periódicos – mesmo que não apresentassem teor crítico em relação à configuração política da época – esbarravam nas práticas de censura e policiamento que eram impostas pelo poder real.
O título “Será que os livros fazem revoluções?”, do quarto capítulo, possui uma fina entonação irônica. Fatores como o aumento de leitores – na França pré-revolucionária –, mesmo entre representantes das classes populares, e as diversas formas de negociação dos livros, como o aluguel até por hora dos exemplares, adotadas pelos livreiros, não implicava diretamente, para Chartier, em um anseio coletivo revolucionário. Nesse ponto da obra, o autor levanta uma série de críticas ao historiador norte-americano Robert Darnton, reconhecido também como pesquisador da cultura impressa no Antigo Regime.
Em Boemia literária e Revolução, Darnton é categórico ao afirmar que o filão de escritores de libelos inflamados e da baixa literatura erótica – a canalha literária, como os denominou, horrorizado, Voltaire – que abordavam, em seus escritos, temas escandalosos envolvendo a nobreza foram mais decisivos para disseminar o descontentamento político entre a plebe do que os iluministas na França pré-revolucionária. De acordo com Chartier, essa perspectiva está equivocada porque tanto a escrita da boemia literária quanto dos philosophes saciaram a fome de leitura de toda uma geração ávida por ter acesso a temas proibidos, transgressores e irreverentes. Isso significa que a leitura de livros taxados de crônicas escandalosas, e mesmo os da alta filosofia, que habitavam lado a lado os depósitos da Bastilha e as listas de pedidos dos livreiros, caracterizados pela construção de narrativas contestadoras e desrespeitosas das hierarquias estabelecidas, não incutiam, nas mentalidades dos leitores, o desejo de derrubar a ordem vigente.
No quinto capítulo, “Descristianização e secularização”, o autor busca elucidar como o fenômeno cultural da descristianização, ou seja, da falta de crédito das prédicas e dos dogmas morais e religiosos ensinados pela Igreja Católica, vinha sendo gestado entre a população francesa desde o século XVII e que, portanto, não se trata de um advento que eclodiu no final do século XVIII por meio da adesão em massa dos franceses aos ensinamentos e tratados anticlericais contidos nos escritos iluministas. Para o autor, com base nas ideias de Jean Delumeau, é preciso, inclusive, relativizar a ideia de que houve sempre uma França plenamente cristianizada.
De acordo com Chartier, embora as elites tradicionais prezassem em deixar boa parte das suas fortunas para o pagamento das indulgências, entre as camadas médias e populares essa prática não era seguida com frequência.
Com a postura radical adotada pela Igreja durante a Contrarreforma, a impopularidade dos dogmas católicos, sobretudo aqueles ligados aos ideais de uma vida ascética – ligados à defesa das relações matrimoniais apenas como finalidade para a procriação – causou uma série de práticas e mudanças no comportamento sexual dos casais que romperam com a cartilha que era pregada nas missas.
No capítulo “Um rei dessacralizado”, Chartier traça uma discussão sofisticada sobre os principais fatores que culminaram no rompimento da crença na autoridade sacramental do rei por parte dos súditos franceses. É interessante perceber como, até no período pré-revolucionário, os documentos enviados pelos franceses ao rei para serem apresentados em Assembleia Geral, permaneciam margeados por uma retórica que afirmava o caráter paternal e justo do monarca, que deveria proteger os súditos das extorsões e abusos de poder do clero e dos nobres. Como compreender, então, a proliferação de impressos que construíam a imagem de um rei ridículo, imoral e suíno e a execução pública do soberano durante os desfechos da Revolução? Chartier elenca como uma das principais causas do fenômeno da dessacralização do rei o abuso de autoridade real que era exercido por meio da força policial, em meados do século XVIII. Como exemplo, o autor cita que os oficiais de polícia, para cumprir um decreto real que determinava a remoção e prisão dos mendigos e vagabundos parisienses, acabaram prendendo crianças e pré-adolescentes filhos de mercadores, artesãos e trabalhadores. Como resposta, os súditos propagaram rumores sobre um rei que era escravo de prazeres devassos e envolvido em práticas macabras como o assassinato dos jovens capturados pela polícia.
No capítulo “Uma nova política cultural”, o autor faz uma referência ao estudo de Peter Burke sobre a cultura popular durante o alvorecer da modernidade. Na esteira do pensamento de Burke, Chartier afirma que houve um crescente interesse, alimentado pela circulação de canções, imagens e libelos contra as autoridades, por parte das camadas populares por assuntos políticos porque as atitudes administrativas, como a cobrança de impostos, por exemplo, afetava diretamente o cotidiano dessas pessoas. Essa politização da cultura popular ocorreu de forma gradativa, em termos de duração, e culminou na adesão das classes subalternas ao movimento que arruinou o absolutismo.
Outra instituição que se expandiu largamente, por toda a França, foi a sociedade maçônica. Chartier elenca como um dos principais atrativos da Maçonaria o fato de que, tal qual nas tavernas, salões ou academias, os indivíduos eram vistos como iguais entre sí e diferenciados apenas pelos posicionamentos discursivos que adotavam. Embora de forma limitada, a maçonaria e os salões tinham em comum o fato de estabelecerem um espaço aberto para a prática de uma sociabilidade “democrática”, em um contexto histórico e político longe de ser democrático. Porém, como Chartier adverte, é necessário ressaltar o caráter elitista dessas instituições. Os indivíduos deveriam ser prósperos, polidos e intelectualizados para que a Ordem também pudesse ser próspera. De modo geral, seja nas tavernas, salões ou nas lojas maçônicas, ao longo do século XVIII, essas formas de sociabilidades que emergiram se colocaram na contramão da ordem que alicerçava o Antigo Regime.
No último capítulo, “As revoluções têm origens culturais?”, Chartier traça uma comparação entre a Revolução Inglesa, que aconteceu no século XVII e a Revolução Francesa. Embora seja evidente que cada evento possua suas peculiaridades contextuais, o autor sugere que prevaleceu como eixo comum à noção, em ambos os eventos, de que o ideário puritano inglês e o jansenismo francês infundiram, por meio de prédicas religiosas, mas de forte teor político, um profundo sentimento de desconfiança entre a população no que diz respeito à moralidade das autoridades instituídas.
A conclusão que se pode tirar do estudo de Chartier sobre as origens intelectuais da Revolução Francesa é que um evento como esse, explosivo e sanguinário, que rompeu com uma tradição política absolutista construída por séculos, alicerçada pelos sustentáculos da religião e do Estado e que envolveu, de forma geral, todos os seguimentos sociais da França, teve razões complexas e inseridas em um processo de duração histórica mais longa. Desta forma, Chartier lança mais inquietações do que respostas em torno de um tema historiográfico clássico e induz o leitor à reflexão de que os objetos ligados ao campo da história podem ser sempre revisitados, arejados e redescobertos por novos olhares e problemas lançados pelos historiadores para o passado.
Referências
BENJAMIN, Walter. A origem do drama barroco alemão. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
CHARTIER, Roger. As origens culturais da Revolução Francesa. Tradução de George Schlesinger. São Paulo: Editora da Unesp, 2009.
______. A história ou a leitura do tempo. Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
______. A história cultural entre práticas e representações. Tradução de Maria Galhardo. Lisboa: Difel, 1990.
DARNTON, Robert. Boemia literária e Revolução: o submundo das letras no Antigo Regime. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
KANT, Immanuel. O que é o Iluminismo? In_____. A paz perpétua e outros opúsculos. Tradução de Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 2004.
Joachin Azevedo Neto – Doutorando Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: joaquimmelo@msn.com Rua Bosque dos Eucaliptos, 280 – Campeche 88063-440 – Florianópolis – SC Brasil.
Política, cultura e classe na Revolução Francesa | Lynn Hunt
Originalmente lançado em 1984, mas publicado no Brasil apenas em 2007, o estudo da historiadora norte-americana Lynn Hunt intitulado Política, cultura e classe na Revolução Francesa oferece não apenas pertinentes contribuições ao exame de um dos eventos mais estudados da história mundial, como também apresenta uma original abordagem da política, vista de maneira indissociável das práticas culturais e sociais.
Quando Hunt começou a pesquisa que daria origem ao livro, esperava demonstrar a validade da interpretação marxista, ou seja, de que a Revolução Francesa teria sido liderada pela burguesia (comerciantes e manufatores). Os críticos dessa visão (chamados de “revisionistas”), afirmavam, ao contrário, que a Revolução havia sido liderada por advogados e altos funcionários públicos. Procedendo a um minucioso levantamento de dados sobre a composição social dos revolucionários e suas regiões de origem, Hunt esperava encontrar maior apoio à Revolução nas regiões francesas mais industrializadas. Contudo, ela constatou que as regiões que mais industrializavam não foram consistentemente revolucionárias, e havendo de ser buscados outros fatores para tais comportamentos como os conflitos políticos locais, as redes sociais locais e as influências dos intermediários de poder regionais. “Em suma, as identidades políticas não dependeram apenas da posição social; tiveram componentes culturais importantes” (HUNT, 2007:10). Leia Mais
O Antigo Regime e a Revolução – TOCQUEVILLE (FU)
TOCQUEVILLE, A. de. O Antigo Regime e a Revolução. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Resenha de: REIS, Helena Esser dos. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.10, n.3, p.348-349, set./dez., 2009.
Em meio a tantas análises acerca da Revolução Francesa, qual o interesse que O Antigo Regime e a Revolução de Alexis de Tocqueville, escrito em 1856, pode ainda despertar nos leitores contemporâneos? Ilumina, de modo original, nossa compreensão daquele evento e das ideias que ali foram forjadas? As respostas não são evidentes, requerem ler o texto e seu contexto, a letra e a intenção do autor.
No início do prefácio onde apresenta seu livro aos leitores, Tocqueville descarta o propósito de escrever uma história da Revolução Francesa. Tendo despendido mais de cinco anos em uma ampla pesquisa nos arquivos da administração pública, nos cadernos de queixas escritos pelas três ordens em 1798, nos textos dos filósofos consagrados e até na leitura de inúmeras correspondências íntimas e confidenciais que estavam arquivadas no Ministério do Interior, seu propósito, afirma, é desvendar as causas pelas quais a revolução social e política contra o Antigo Regime – que estava em curso em toda Europa – eclodiu na França. Trata-se, portanto, de um texto que busca, por meio da narrativa e da análise dos acontecimentos, conhecer os sentimentos, os costumes, as ideias que prepararam a grande revolução.
Focando a capacidade de inovar do povo francês (de romper com seu passado de submissão para construir uma nova forma social e política baseada na igualdade e na liberdade entre os homens) nos primeiros anos da revolução, Tocqueville aponta cuidadosamente as circunstâncias, os erros e as decepções que fi zeram os revolucionários abandonarem seu objetivo inicial e esquecerem-se da liberdade. Ao comparar a sociedade do Antigo Regime com a sociedade democrática originada pela Revolução, argumenta que a perda da liberdade não decorre de um problema inerente aos homens deste tempo, nem de um problema característico do novo regime, mas do individualismo e da apatia política que já encontram suas raízes nas instituições políticas e na sociedade francesa do Antigo Regime.
As críticas precisas e vigorosas que Tocqueville dirige à nobreza não contêm excessos ou compromissos com os propósitos revolucionários. Ele mesmo, descendente da antiga aristocracia francesa, não adere à democracia espontaneamente, mas tão só porque reconhece que apenas sob este regime a liberdade (entendida como capacidade de cada um pensar e agir por si mesmo e, ao mesmo tempo, participar junto com cada um dos demais no exercício do poder) pode estender-se a todos os homens. Considerando-se independente, Tocqueville traz à luz o longo processo de esfacelamento dos corpos administrativos secundários e de centralização do poder nas mãos do rei. Ele denuncia, em primeiro lugar, que o exercício independente e participativo da liberdade, pouco a pouco, é substituído por privilégios privados que isolam os nobres e os afastam de seus deveres públicos. Em segundo lugar, destaca que a contrapartida dos privilégios de uns é a opressão e a exploração desmedida de quase todos os demais, o surgimento de ódios, rancores e rupturas no tecido social.
A análise tocquevilleana acerca das causas profundas que engendraram a Revolução permite-nos compreender que os desdobramentos despóticos da Revolução Francesa não se deram ao acaso, pelo calor do momento, mas se enraízam em uma longa cadeia de benefícios e violências que favoreceram o despotismo do rei e prepararam o despotismo democrático. Por mais que as palavras despotismo e democracia pareçam estar em campos opostos, Tocqueville – já em A Democracia na América – mostrou que instituições democráticas podem ser coniventes com formas opressivas do exercício do poder político, sempre que a busca por condições sociais igualitárias se sobrepuser à participação política.
O Antigo Regime e a Revolução, publicado vinte anos após A democracia na América, renova o esforço tocquevilleano de conhecer os problemas e buscar remédios adequados ao processo de democratização do estado francês. Se nessa obra ele destacou a grandeza do estado democrático constituído pelos anglo-americanos, foi também extremamente severo, criticando, de um lado, a desigualdade a que estavam sujeitados negros e índios, assim como todo aquele que divergia da maioria por qualquer razão; e, de outro lado, a opressão consentida que surgia do individualismo e da apatia política em vista da qual voluntariamente os homens abriam mãos de seus direitos políticos. É o mesmo espírito de investigação ampla e de crítica certeira que norteia a escrita de O Antigo Regime e a Revolução.
Reconhecendo semelhanças entre as formas despóticas que ocorreram na França e os germes de despotismo que viu nos Estados Unidos, Tocqueville contribui para uma concepção madura e crítica da democracia. Pois, se apenas sob este regime a igual liberdade pode estender-se a todos os cidadãos, suas análises evidenciam que liberdade e igualdade não estão garantidas por qualquer procedimento ou instituição. A sorte da democracia não está dada a priori, posto que a mesma condição social de igualdade entre os homens pode ter como consequência ou um estado político despótico, no qual pouco importa se o déspota é apenas um ou a maioria de um povo, ou um estado político de liberdade, no qual cada cidadão reconhece a si e aos demais como membro do poder soberano.
Ainda que a igualdade social e a liberdade política sejam inseparáveis como qualificativos do Estado democrático, Tocqueville incita-nos a pensar que as diferentes expressões políticas da forma social são consequências que derivam da vontade, da sabedoria e da ação dos homens. Assim, o esforço tocquevilleano para buscar as causas profundas da Revolução assemelha-se, como ele mesmo afirma, ao esforço dos médicos que buscam descobrir, nos órgãos de um corpo já morto, as leis da vida. Ainda acreditando no ideal que inspirou os revolucionários de 1798, por meio da análise dos fatos descritos em O Antigo Regime e a Revolução, Tocqueville busca, mais uma vez, instigar os homens a participarem do processo de construção de um estado social e político democrático, no qual liberdade e igualdade estendam-se a todos.
Esta obra, publicada em 1856, foi, no mesmo ano, traduzida e publicada na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Alemanha e, ainda antes da morte de Tocqueville, em 1859, alcançou sua quarta edição na França. Desde então, inúmeras são as publicações desse livro. No Brasil, duas edições anteriores encontram-se esgotadas há alguns anos. A edição da Martins Fontes valoriza o texto tocquevilleano, ao incluí-lo em sua coleção de clássicos, assim como pela tradução cuidada do texto. Lastimo apenas que não tenha incluído a totalidade das notas feitas pelo autor, que apresentam aos leitores situações particulares de países da Europa e discutem seus costumes.
Helena Esser dos Reis – Universidade Federal de Goiás. Goiânia, GO, Brasil. E-mail: helenaesser@uol.com.br
[DR]O índio brasileiro e a Revolução Francesa: as origens brasileiras da teoria da bondade natural | Afonso Arinos de Melo Franco
Resenhista
Libertad Borges Bittencourt – Professora Doutora do Departamento de História da Universidade Federal de Goiás-
Referências desta Resenha
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa: as origens brasileiras da teoria da bondade natural. Introdução de Alberto Venâncio Filho. Prefácio de Sérgio Paulo Rouanet. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. Resenha de: BITTENCOURT, Libertad Borges. História Revista. Goiânia, v.6, n.2, p.179-185, jul./dez.2001. Acesso apenas pelo link original [DR]
Women of the French Revolution – KELLY (RBH)
KELLY, Linda. Women of the French Revolution. Londres: Hamisch Hamilton, 1987. Resenha de: ALGRANTI, Leila Mezan. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.10, n.18, n.20, p.261-264, mar.91/ago.91.
Acesso apenas pelo link original
[IF]
Women and the public sphere in the age of the French Revolution – LANDES (RBH)
LANDES, Joan. Women and the public sphere in the age of the French Revolution. Ithaca: Cornell University Press, 1988. Resenha de: AGRANTI, Leila Mezan. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.9, n.18, n.15, p.259-263, ago.1988/set.1989.
Acesso apenas pelo link original
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