Teoria e Filosofia da História. Contribuições para o Ensino de História | Estevão C. de Rezende Martins

O filósofo, historiador, pesquisador e professor Estevão Chaves de Rezende Martins é graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras N. S. Medianeira (1971) e doutorou-se em História e Filosofia em 1976 na Universitaet Muenchen Ludwig-Maximilian – Alemanha. Foi professor da Universidade de Brasília entre 1977 e 2017, tendo se tornado professor titular em 2008, realizou pós-doutorados nas áreas de Teoria e Filosofia da História, e em História das Ideias em Universidades da Alemanha, Áustria e França.

Atualmente é pesquisador colaborador sênior na UnB. Reconhecido intelectual brasileiro em todas as suas áreas de atuação: teoria e metodologia da história, história política e institucional do Brasil, história contemporânea (Europa, União europeia e relações internacionais) e história política (Brasil, Europa Ocidental e relações internacionais). Exemplo desse reconhecimento materializa-se no livro-homenagem “ENTRE FILOSOFIA, HISTÓRIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS – Escritos em homenagem a Estevão de Rezende Martins” (2017) organizado por ex-alunos e com contribuições de intelectuais brasileiros e internacionais com quem o professor Estevão mantém laços afetivos e interlocução intelectual. Em tempos conturbados na política brasileira merece destaque também sua atuação como principal assessor na constituinte de 1987-1988 37. Leia Mais

Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa – FREIRE (REH)

FREIRE Paulo Pedagogia da autonomia
Paulo Freire. Foto: Brasil de Fato /

FREIRE P Pedagogia da Autonomia Pedagogia da autonomia FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 55ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2017. Resenha de: PEDROZO, João Victor da Silva. Revista de Educação Histórica, Curitiba, n.20, p.103-105, jan./jun., 2020

O livro Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa de Paulo Freire faz uma abordagem a respeito de algumas das competências necessárias para a atuação do profissional da educação, saberes esses que ele julga essenciais. Freire escreve o texto com toda aquela sensibilidade que lhe é característica, brindando o leitor de um sentimento de esperança e convidando-o a lembrar a todo o momento da importância do professor e de sua contribuição social. Sua abordagem pedagógica nos apresenta reflexões importantíssimas a respeito da postura e da coerência que se exige de quem pretende educar.

O livro é dividido em três detalhados capítulos. No primeiro capítulo, Prática docente: primeira reflexão, Paulo Freire faz uma apresentação das características fundamentais da formação docente. Enfatiza a importância de alinhar a prática à teoria, da nossa capacidade de aprender e ensinar, e da necessária recusa ao ensino bancário, ensino esse que delega ao educando um mero papel receptivo de informação e não o reconhece como agente produtor de conhecimento. Deste modo, devem-se levar em conta as experiências prévias do educando, para que esse se reconheça como sujeito do processo, podendo assim estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais e a experiência social que temos como indivíduos.

O segundo capítulo, Ensinar não é transferir conhecimento, retoma e aprofunda a discussão sobre o erro de se pensar a educação como depósito de um conhecimento pré-adquirido ao educando. O professor, por vezes, costuma se blindar de críticas e sugestões quando está ministrando sua aula e age como se estivesse em um pedestal. Isso, de modo algum, é saudável na prática educativa. Para Freire, um dos principais fatores da relação professor-aluno é a humildade, é mostrar-se também sujeito no processo educacional, não como um depositador de saberes, mas sim como quem também aprende no exercício de ensinar.

É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção. (FREIRE, 1996, p. 24)

Ainda nesse capítulo, o autor trata da necessidade de estarmos sempre abertos às indagações, às curiosidades dos alunos e da nossa característica de sermos seres condicionados, mas não determinados Como seres culturais, históricos, inacabados e conscientes do inacabamento, devemos unir esforços contra o discurso fatalista, pragmático e reacionário do pensamento neoliberal. É nesse capítulo também que, mais do que tratar a esperança como uma característica recomendável ao professor, Freire é enfático ao nos mostrar que mais do que isso, essa se faz imprescindível e inerente à prática educativa.

Para Freire, a aprendizagem é resultado da relação dialética entre os sujeitos envolvidos nela. A aprendizagem só ocorre efetivamente quando é significativa para quem aprende e para quem ensina, quando envolve sentimentos e quando a curiosidade ingênua transforma-se em epistemológica através da mediação do professor.

É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual o sujeito criador dá forma, estilo ou alma ao um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1996, p. 25)

No terceiro e último capitulo, Ensinar é uma especificidade humana, Freire expõe da importância da solidez na formação do professor, já que não se pode ensinar o que não se sabe. “A incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor” (FREIRE, 1996). Apenas um profissional qualificado poderá pensar certo e exercer a sua autoridade de maneira plena. Uma autoridade em exercício que seja democrática e que respeite a liberdade do educando na construção de sua autonomia. Ressalta ainda o seu compromisso com as pautas democráticas dirigidas aos menos favorecidos, um dos objetivos da educação progressista, já que o ato de ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo, em prol dos condenados da terra, como o próprio dizia.

Essa obra de Paulo Freire, de modo geral, é um exercício de provação ética. Nos mostra que é possível e necessário acreditar num mundo melhor transformado pela educação. A pedagogia deve ser ética em si mesma e respeitosa às experiências e saberes prévios do educando, desenvolvendo assim um ambiente propício à autonomia, à produção de conhecimento e à formação individual. Não se trata de uma formação no sentido de treinamento de atividades puramente tecnicista ao educando, mas o contrário disso. Freire adverte que o tom otimista e esperançoso com que redige o texto não deve ser entendido como ingenuidade ou inocência, mas sim como traços do seu comprometimento com a causa. É no geral um exercício pedagógico de alimentar a esperança e concretamente um guia para a coerência entre discurso e prática. Paulo Freire nos mostra a grandeza de nossa profissão, lê-lo é tomar um gole de autoestima.

No meu caso, foi a leitura certa no momento certo. Um prato cheio para lembrar-nos do nosso poder de ação no mundo e do nosso compromisso por um futuro menos desigual. Já dizia Freire que está errada a educação que não reconhece a raiva justa, que não se indigna com as desigualdades e que não promove transformação. Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever. Não podemos, porém, pensar que a execução desse exercício é fácil. Exige disciplina, coerência, pesquisa e, sobretudo, autoestima e vontade de mudança. Quem escolhe agir por essa profissão, escolhe agir por todos, mesmo que alguns não a reconheçam como capaz.

João Victor da Silva Pedrozo UNILA. E-mail: joao.pedrozo@aluno.unila.edu.br

Acessar publicação original

[IF]

Ensino de História: fundamentos e métodos – BITTENCOURT (REH)

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 5ed. São Paulo: Cortez, 2018. BUENO, Dioury de Andrade; URBAN, Ana Claudia. Resenha de: . Revista de Educação Histórica, Curitiba, n. 19, p.83-87, jul./dez., 2019.

Mestre e Doutora em História Social (1993) pela USP, Circe M. F. Bittencourt é professora de pós-graduação na Faculdade de Educação da mesma instituição onde pesquisa a respeito da preservação de documentos da história escolar e compõe a organização do Centro de Memória da Educação da FE/USP. No mais, suas pesquisas se relacionam com o ensino e aprendizagem de História e com a trajetória do livro didático no Brasil. O livro “Ensino de História: fundamentos e métodos” faz parte da Coleção Docência em Formação a qual busca contribuir para a formação inicial e contínua dos professores. Em sua 5ª edição de 2018, Bittencourt busca trazer reflexões em relação ao ensino de História, dividindo sua obra em três partes: a 1ª Parte consiste em um debate sobre a própria ideia de disciplina bem como sua trajetória ao longo do tempo dentro da educação;a 2ª Parte aborda de maneira teórica e metodológica as ciências que respaldam a História escolar, partindo de uma conceitualização sobre a historiografia e as diferentes vertentes relacionadas com o ensino e a aprendizagem de História;a 3ª Parte expõe os dilemas com os materiais didáticos como mediadores na relação entre ensino e aprendizagem, trazendo discussões sobre os materiais considerados tradicionais e os ditos inovadores, respaldados pela produção historiográfica e teorias de aprendizagem. Cada capítulo traz sugestões de atividades que, segundo a autora, tem o intuito de estimular os professores à maiores debates em sala de aula ou em sua formação continuada.

O questionamento “O que é disciplina escolar?” abre o primeiro capítulo da obra, apresentando uma discussão sobre diferentes pontos de vista em relação ao que consiste uma disciplina escolar, seja uma “Transposição didática”, assim denominada por Yves Chevallard como uma adaptação do conteúdo da academia para transmitir ao aluno ou como uma ciência própria ancorada na em sua própria epistemologia. Assume-se então que a disciplina escolar é uma produção coletiva das instituições de ensino e com isso, o método não deve ser a única preocupação, entrando em discussão também o que se ensina e o que se deixa de ensinar. Nessa esteira, o ensino de História entra em discussão com seus conteúdos e metodologias, sendo apontadas pesquisas que retratam, a partir da década de 1980, um caráter ideológico da disciplina em questão, como também contradições das histórias e problemas epistemológicos. Nesse ponto, Circe Bittencourt apresenta um breve percurso da disciplina nas escolas brasileiras, com suas características e influências a partir do contexto social, político e econômicos que passamos. Primeiramente, entre o século XIX e XXI, o ensino de História foi marcado pelo patriotismo e civismo exacerbado, a fim de querer garantir uma homogeneização da cultura com um predomínio de uma visão eurocêntrica. Após o final da década de 1930 com a criação do Ministério da Educação, houve maior centralização nas tomadas de decisões e os conteúdos escolares de maneira geral, começaram a passar por normas mais rígidas. Nesse sentido, houve uma consolidação do enaltecimento dos “heróis nacionais” e a memorização no processo de aprendizagem começou a tomar cena ao passo em que testes eram utilizados como medidores de sucesso escolar: “Aprender era memorizar.” (BITTENCOURT, 2018, p. 52)

A mecânica da memorização começa a ceder ao passo em que resistências a essa metodologia começam a surgir, dando abertura para os Estudos Sociais e os “métodos ativos” com o intuito de integrar o aluno na sociedade, e com isso, ter como ponto de partida o aluno. Entretanto, dava-se maior importância à técnica do que ao conteúdo, exigindo do professor uma neutralidade no ato de ensinar, tomando como referência disciplinas exatas, como a Matemática. Posteriormente, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais em 1996 pelo MEC, o ensino foi destinado para a grande massa populacional e com isso exigiu-se adaptação dos conteúdos escolares. Com influência de outros países, o Brasil busca atender camadas sociais antes não favorecidas pela educação ao passo que a elaboração dos PCNs foi seguida pelo debate de uma base nacional, a atual BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Bittencourt ressalta a influência das avaliações em larga escala na elaboração desses currículos enfatizando as grandes influências políticas/econômicas que pressionaram essas mudanças.

Como então, selecionar o que estará presente nas discussões em sala de aula? Esse é o questionamento que abre a 2ª parte do livro, a partir do qual Bittencourt faz breves reflexões a respeito das tendências historiográficas presentes no cotidiano escolar. Primeiramente a ideia de História como narrativa, foi influenciada ferrenhamente pelo positivismo o que trouxe a ideia de um passado cristalizado. Após essa onda, os conteúdos começam a fundamentar-se em questões sociais e não apenas econômicas, o que, paralelamente, foi acompanhada de um movimento que defendia a História social, que abarcava discussões em relação à macro e micro cultura. De acordo com Bittencourt (2018) após essas tendências a História do tempo presente entra em voga. A autora aprofunda-se um pouco mais na discussão dos conteúdos escolares baseados no cotidiano e na história local.

Ancorando-se nos pressupostos psicológicos que norteiam a educação, Bittencourt resgata brevemente as concepções e os confrontos entre Piaget e Vygotsky ao passo em que evidencia suas influências para o ensino de História. Posteriormente, apresenta as concepções de tempo e espaço e sua construção no intelecto humano, noções consideradas indissociáveis nessa perspectiva. A autora retoma a defesa de Piaget no que tange a necessidade de uma maturação biológica para a compreensão do tempo, o que já havia causado uma “postergação” no ensino de História antigamente.

Como esses conceitos (tempo/espaço) são pilares no ensino de História, Bittencourt (2018, p. 174) afirma que:

Um dos objetivos básicos da História é compreender o tempo vivido de outras épocas e converter o passado em “nosso tempo”. A História propõe-se reconstruir os tempos distantes da experiência do presente e assim transformá-los em tempos familiares para nós.

Com isso é posto a importância do espaço em consonância com as ações humanas o que leva Bittencourt a discursar sobre a metodologia do estudo do meio como uma possibilidade a ser seguida em sala de aula a fim de se afastar do método tradicional extremo de ensino e trilhar práticas interdisciplinares para enriquecer as aulas de História. Marc Bloch, Fernand Braudel e Le Roy Ladurie são alguns pesquisadores citados que utilizam do meio ambiente para suas pesquisas e trabalhos pertinentes ao ensino de Históriae que contribuem para a interdisciplinaridade e compõe um grupo de pensadores que trabalham na vertente de práticas de ensino de História ambiental.

O patrimônio cultural entra em voga na medida em que o estudo do meio passa a ser compreendido como uma metodologia rica para ser trabalhada em sala de aula. A ideia de se utilizar dos bens culturais, seja material ou imaterial, passa por debates acerca de qual memória está sendo lembrada e qual tem sido esquecida. De acordo com Bittencourt há um compromisso educacional das escolas perante o patrimônio cultural num sentido de preocupação com os bens locais que são referência de identidades múltiplas para os alunos.

A 3ª e última parte da obra aborda as concepções e usos dos materiais didáticos, especialmente nas aulas de História. Os livros acabam sendo o objeto de discussão num primeiro momento onde é entendido como um material didático mais evidente nas escolas e que demanda dos professores um posicionamento político em suas escolhas. Se, é apoiando-se nos livros que professores e alunos muitas vezes percorrem um ano letivo, acaba sendo ele determinante para a formação do indivíduo ao final de seus estudos. Com isso, Bittencourt deixa claro o livro como um objeto cultural e político, o qual também sofre influências do mercado corporativo no que toca a produção e venda em massa desses materiais para as redes de ensino.

Uma proposta de análise dos livros didáticos é mencionada, o qual divide o método em três partes: uma análise da forma que o livro é apresentado; uma análise do conteúdo histórico escolar que evidencia as correntes historiográficas e demanda uma explicação sucinta dos fatos históricos; uma análise dos conteúdos pedagógicos onde, a partir das atividades propostas, evidencia-se as concepções de aprendizagem e os objetivos propostos para os alunos naquele livro. Como ponto de partido, o livro é posto como um veículo que carrega ideologias e difunde saberes de maneira branda. Como grande ponto de apoio de professores e alunos em sala de aula, o uso dos manuais deve ser cauteloso.

A última discussão do livro é referente ao uso de documentos, escritos e não escritos, como fontes históricas para os debates em sala de aula. Bittencourt submetidos pelos professores e posteriormente pelos estudantes, a fim de habilitar os alunos para verbalização e escrita de suas concepções dos materiais apresentados. No mais, a utilização de materiais não escritos também devem estimular senso crítico no aluno, seja a partir de uma visita em museu, a apresentação de fotografias e produções cinematográficas ou músicas devem estar articulados com o ensino de História na mesma medida em que o planejamento de um professor esteja aberto para as análises dos estudantes em relação a esses materiais.

Dioury de Andrade Bueno – Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Bacharel em Administração pelo Centro Universitário OPET e licenciado em Pedagogia pela UFPR. Professor na Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura Municipal de Curitiba e Fazenda Rio Grande.  E-mail: diouryab@hotmail.com

Ana Claudia Urban – Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Paraná – Setor de Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, do Mestrado Profissional em Ensino de História e Professora de Metodologia e Prática de Docência de História. E-mail: claudiaurban@uol.com.br

Acessar publicação original

[IF]

Teoria da História (v.1) Razão Histórica: os fundamentos da ciência histórica | Jörn Rüsen

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica – Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora UnB, 1ª reimpressão, 2010. Resenha de: SOUZA, Fernanda Almeida de; URBAN, Ana Claudia. Revista de Educação Histórica, Curitiba, n.18, p.94-98, jan./jun., 2019.

Jörn Rüsen, professor emérito da Universidade de Witten/Herdecke (Alemanha), foi professor nas Universidades de Braunschweig, Berlin, Bochum e Bielefeld. Presidiu o Instituto de Estudos avançados (KWI), de Essen, de 1997 a 2007. É autor de obras fundamentais nos campos da teoria, da metodologia e da didática da História, assim como da história dos direitos humanos e das ciências da cultura. Sua obra encontra grande eco internacional no Brasil, em Portugal, na Espanha, no Canadá, nos Estados Unidos, na Inglaterra e na África do Sul. É professor e conferencista visitante em diversas universidades alemãs e internacionais, notadamente no Brasil: Brasília, Curitiba, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo.30 Sua obra mais conhecida e estudada nos últimos anos nas Universidades e Pós-Graduação no Brasil é Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica publicado em três volumes: Razão Histórica (Volume 1); Reconstrução do passado (Volume 2); História Viva (Volume 3). A análise que apresento é sobre o Volume 1: Razão Histórica, na qual aponto os parâmetros relevantes da obra por eixos temáticos, e não seguindo a ordem da narrativa do livro.31

Jörn Rüsen é um filósofo da história, assim como outros autores desse campo de estudo, se propôs a fundamentar uma Teoria da História, sendo assim, conceituar a história como ciência está presente nas suas análises. O conceito de História como Ciência é apresentado a partir do questionamento, o que é ciência? O autor apresenta que cada área científica tem suas particularidades, logo, a história também tem sua especificidade. Mas é preciso uma reflexão além do fator das especificidades, para afirmar a História como Ciência se faz necessário também, refletir sobre o caráter comum que valida as diversas áreas das ciências, que é o procedimento metódico, de acordo com Rüsen (2010, p. 99) “o pensamento histórico é científico, portanto, à medida que procede metodicamente”. O parâmetro de História Ciência ocorre então, quando o processo histórico de regulação metódica da pesquisa, leva o conhecimento genérico à plausibilidade racional e controlável da ciência.

Observamos o gráfico de ideias que norteiam as explanações do livro Razão Histórica:

Figura Matriz disciplinar de Rusen1 Pedagogia da autonomia

O gráfico é apresentado no livro sob perspectiva de explanar o conceito de matriz disciplinar. Para Rüsen a Teoria da História é vista com extrema importância, evidenciando que os historiadores necessitam primeiramente estar muito bem inseridos neste universo da História Ciência, faz uma análise firme e crítica dos propósitos que devem ter a Teoria na construção da Ciência da História, no sentido da história como produto da operação científica da história acadêmica ou investigativa, ou seja, faz parte da História Ciência reflexões profundas sobre o caráter específico do historiador, que para o autor é a especificidade do trabalho de dar sentido à experiência da mudança temporal do passado.

A Teoria da História tem de apreender, pois, os fatores determinantes do conhecimento histórico que delimitam o campo inteiro da pesquisa histórica e da historiografia, identificá-los um a um e demostrar sua interdependência sistemática. E como a pesquisa e a historiografia nada tem de estático, cabe à teoria mostrar como esse processo é dinâmico. Seu objeto são os fundamentos e princípios da Ciência da História. O termo técnico para descrevê-lo é matriz disciplinar: o conjunto sistemático de fatores ou princípios do pensamento histórico determinantes da Ciência da História como disciplina especializada. (RÜSEN, 2010, p. 29).

A matriz disciplinar apresentada no gráfico está propondo um processo lógico-dedutivo para fundamentar a Ciência da História. O ponto de partida é o vínculo entre História enquanto ciência (História Ciência) e o trabalho do historiador (Ciência da História) que ocorre, na medida em que o historiador para dar sentido à experiência do passado com o propósito de torná-lo presente, segue regras e métodos construídos pela História Ciência. O ‘sentido’ referido na obra, tem um caráter norteador, deve ser buscado pelas carências do presente, e esse processo racional pela busca de ‘sentido’ através das carências do presente, passa pelo campo das ideias, que seriam as perspectivas orientadoras da experiência do passado. A partir dessa estrutura racional do pensar, ocorre o uso do método, para concretizar os encaminhamentos da pesquisa. Esses fatores aparecem, em princípio, em todo pensamento histórico, “no entanto, articulados na matriz disciplinar da Ciência da História, eles adquirem a especificidade que permite distinguir o pensamento histórico constituído cientificamente do pensamento histórico comum.” (RÜSEN, 2010, p. 35).

O texto expressa que para Rüsen é primordial que a pesquisa histórica ou historiográfica se inicie não como forma de se encaixar ou adaptar-se a regras teóricas somente, ou que uma pesquisa se constitua a partir de interesses puramente pessoais ou quaisquer, dessa forma se produziriam histórias ‘não válidas’, ou seja, sem conexão com as demandas de interesse da sociedade presente, sem que o conhecimento produzido tivesse significado aos seus interlocutores. A história ‘válida’ então, seria aquela na qual o historiador estabelece seu objeto cognoscível através de um olhar cuidadoso a partir do seu presente, buscando observar quais são as carências da vida prática da sociedade, e a partir das carências sinalizadas, buscar um ‘sentido’ de conexão entre o passado e o presente, esse processo fundamenta o conceito de consciência histórica, explorado por Rüsen (2010, p. 57) “como a suma das operações mentais com quais os homens interpretam sua experiência na evolução temporal do seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo.”

Rüsen evidencia com clareza que a Ciência da História deve se movimentar pela consciência histórica, e que essa através de uma narrativa inteligível, consegue chegar ao âmbito de perspectivar o futuro.

“História” é exatamente o passado sobre o qual os homens têm de voltar o olhar, a fim de poderem ir à frente em seu agir, de poderem conquistar seu futuro. Ela precisa ser concebida como um conjunto, ordenado temporalmente, de ações humanas, no qual a experiência do tempo passado e a interação com respeito ao tempo futuro são unificadas na orientação do tempo presente. (RÜSEN, 2010, p. 74).

A valorização da consciência histórica é central na obra, bem construída e articulada por Rüsen, por exemplo, quando parte do princípio do questionamento, como surgem dos feitos a História? O autor para construir sua argumentação em favor da consciência histórica como resposta, fundamenta-se em bibliografias alemãs que responderam à pergunta em questão, ou de forma muito subjetiva ou de forma muito objetiva, os fatores de subjetividade (de Max Weber) e objetividade (do materialismo histórico) passam pela criticidade do autor, como forma de validar sua defesa por respostas históricas estruturadas a partir da matriz disciplinar.

Para Rüsen a matriz disciplinar e as conexões de orientações apresentadas nela: carências de orientação, diretrizes de interpretação, métodos; formas de apresentação, funções de orientação, é uma explicação teórica do tipo de racionalidade da constituição histórica de sentido, mas essas diretrizes não devem ser interpretadas como uma série de etapas sucessivas e estanques, ao contrário, esses fatores devem ser condicionados mutualmente representando uma forma de ‘pensar a história’ dentro de um conjunto sistemático e complexo.

Fazer uso da matriz disciplinar implica no uso de valoração da narrativa, para que todos os fatores apresentados na matriz possam ser articulados. Essa reflexão está no apêndice à edição brasileira e seu objetivo maior é articular a defesa da matriz disciplinar ao referencial teórico.

O apêndice mencionado, recebeu como título: a constituição narrativa do sentido histórico, no qual Rüsen explora o tema de forma bem argumentativa, mostrando por referenciais teóricos, como a questão da história narrativa foi tratada e refletida historicamente; o tema é explorado sob perspectiva do paradigma narrativista, onde para Rüsen como não existe uma racionalidade única, mas sim diversos tipos de racionalidade, trata-se agora de desenvolver “um tipo de racionalidade da constituição histórica de sentido na forma de um paradigma que resista à crítica feita à racionalidade até agora dominante no pensamento histórico moderno e que exprima em pretensões convincentes de racionalidade.” (RÜSEN, 2010, p. 169).

Para a narrativa histórica “é decisivo, por conseguinte, que sua constituição de sentido se vincule à experiência do tempo de maneira que o passado possa tornar-se presente no quadro cultural de orientação da vida prática contemporânea.” (RÜSEN, 2010, p. 155).

Rüsen argumenta com propriedade sobre as questões paradoxais da Ciência História, percebe isso como extremamente necessário, e expressa que o campo teórico da história não pode ser dado como finalizado, é necessário continuar explorando e ressignificando os teóricos e bibliografias. O livro também aborda outras temáticas próprias da Teoria da História, como, conceito de verdade, partidarismo, uso das fontes, humanismo, que não foram abordados, pois optei em encaminhar a resenha dentro do conceito que julguei ser a verdadeira alma do livro: a importância da consciência histórica estabelecida e guiada a partir da matriz disciplinar na produção da ciência da história. Como se trata de uma trilogia, os temas abordados em Razão Histórica continuam sendo explorados em perspectiva teórica em Reconstrução do Passado e História Viva.

Notas

30. www.joern-ruesen.de

31. Esta resenha foi produzida para a disciplina de Teoria da História (disciplina do Mestrado Profissional em Ensino de História da UFPR/ 2019), o objetivo estabelecido era buscar na leitura contribuições que pudessem dialogar com o projeto de pesquisa.

Fernanda Almeida de Souza – Professora da Rede Estadual de Ensino do Paraná, graduada em História, mestranda no Mestrado Profissional em Ensino de História da UFPR. E-mail: fernanda.giles.28@hotmail.com

Ana Claudia Urban – Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Paraná – Setor de Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, do Mestrado Profissional em Ensino de História e Professora de Metodologia e Prática de Docência de História. Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH – UFPR). ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001- 9957-8838. E-mail: claudiaurban@uol.com.br

Acessar publicação original

[IF]

O que é Educação Histórica – SCHMIDT; URBAN (REH)

SCHMIDT, Maria Auxiliadora M. dos S.; URBAN, Ana Claudia. O que é Educação Histórica. Curitiba: W.A. Editores, 2018. Resenha de: SUKOW, Nikita Mary; URBAN, Ana Claudia. Revista de Educação Histórica, Curitiba, n. 17, p.86-89, jul./dez., 2018.

Organizada por Maria Auxiliadora Schmidt e Ana Claudia Urban, professoras do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR e vinculadas ao Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da mesma universidade (LAPEDUH/UFPR), a obra “O que é Educação Histórica” (2018) inaugura uma coleção que se debruça sobre as problemáticas e questões tangentes ao domínio científico da Educação Histórica. Conforme anunciam as autoras, a característica marcante da coleção é a sua construção coletiva levada à cabo por professoras-historiadoras e por professores-historiadores que debruçam-se sobre as pesquisas em ensino de história. Ao longo de seis capítulo, o livro delineia o domínio da Educação Histórica, elencando sua tradição historicamente construída, seu arcabouço teórico próprio, as pesquisas desenvolvidas e sua relação com a vida prática das e dos professores e estudantes.

O primeiro capítulo discute a tradição historicamente construída da Educação Histórica, desde seus primórdios na década de 1960 com a History Education de origem inglesa e seus reflexos nas investigações portuguesas, passando pelas reflexões em Didática da História advindas da Alemanha, até chegar a consolidação deste campo no Brasil.

Após este resgate histórico, os capítulos seguintes discutem a fundamentação teórica das investigações em Educação Histórica. Em “Fundamentos da Educação Histórica”, o arcabouço teórico é trazido à tona, em especial a partir da Teoria e da Filosofia da História esboçadas por Jörn Rüsen. Destaca-se, neste momento ainda, a especificidade das investigações em Educação Histórica desenvolvidas no Brasil, isto é, a da interlocução entre as ideias rüsenianas e a Ciência da Educação – característica que pode ser encontrada nos exemplos de investigações trazidos pelo capítulo. á em “Educação Histórica e a aprendizagem da narrativa”, a narrativa histórica, como um dos elementos da matriz disciplinar da Ciência da História elaborada por Rüsen, é apontada como o foco principal da narrativa histórica. Ancorando-se neste historiador alemão, os e as autores(as) do capítulo ressaltam a teoria de que aprender história é aprender a narrar historicamente. A partir disso, em um primeiro momento, realizam um debate teórico acerca da teoria narrativa esboçada por Rüsen, passando em seguida para uma discussão acerca de pesquisas empíricas que preocuparam-se com a relação entre narrativa e aprendizagem histórica.

Dando continuidade a esta proposta de exemplificar os elementos teóricos a partir de pesquisas empíricas, o capítulo denominado “Pesquisar em Educação Histórica” resgata o histórico das pesquisas em ensino e aprendizagem históricos. Para tal, partem das pesquisas que tinham como referência o modelo memorialístico, pautado na teoria da aprendizagem associacionista que predominaram no início das investigações em aprendizagem histórica. Tal modelo sofre também a influência da teoria da taxionomia de Bloom e dos teóricos ligados à pedagogia construtivista. Em um segundo momento, o capítulo elenca as investigações pautadas pelas teorias piagetianas e os primeiros estudos, desenvolvidos na década de 1970, que tinham como preocupação a aprendizagem histórica dentro de uma perspectiva que levava em conta a lógica particular do desenvolvimento histórico. O capítulo encerra com as investigações que tomaram como perspectiva a History Education, bem como seus desdobramentos que desembocam nas pesquisas desenvolvidas no LAPEDUH/UFPR.

Concluindo a obra, os capítulos finais abordam a interlocução entre a Educação Histórica, a cultura histórica e a vida prática. O capítulo “Contribuições das pesquisas em Educação Histórica para a prática da sala de aula” ressalta uma das características mais significativas das pesquisas em Educação Histórica, em especial em termos brasileiros, qual seja a de manter a relação entre a teoria e a vida prática, ampliando o diálogo entre a Universidade e a Escola Básica. Esta característica deve-se ao fato da maioria dos e das investigadoras (es) ligados à diretamente nas suas pesquisas, que por sua vez, trazem consequências para as suas práticas. Após tratarem desta relação teoria-vida prática, os e as autores(as) trazem três exemplos de investigações que articularam ambos.

O capítulo final, “A Educação Histórica e o professor como investigador social”, mantém a tônica do capítulo anterior. As autoras refletem sobre o papel do professor e da professora investigadores, apontando como a pesquisa tem sido fundamental para o processo de produção do conhecimento histórico em sala de aula, sobretudo quando a História é entendida como um conhecimento científico. Seguindo o padrão dos capítulos anteriores, iniciam elencando como o papel da pesquisa na formação inicial e continuada dos e das professores(as) foi um tema de investigação que surge na década de 1970 na Inglaterra, tornando-se uma preocupação central das pesquisa em Educação no Brasil da década de 1990. Após esta discussão teórica, a importância e o significado dos Laboratórios de Ensino de História na prática dos e das professores(as) é ressaltada, principalmente pela sua característica de aproximar a Universidade da Escola Básica, diminuindo a separação teoria-prática.

Ainda que diversas obras com a temática da Educação Histórica tenham sido publicadas ao longo dos últimos 20 anos no Brasil, faltava uma obra que agregasse os princípios teóricos e trouxesse exemplos de investigações empíricas no tema de maneira objetiva e visando inserir pesquisadoras(es) interessadas(os) nesta campo de investigação. Lacuna esta preenchida pela obra “O que é Educação Histórica”.

Cabe ressaltar que, apesar de possuir este caráter introdutório à Educação Histórica, as discussões encetadas não se resumem a tal, avançando no diálogo teórico e oferecendo referências para o aprofundamento dos e das pesquisadoras(es) interessadas (os). Como anúncio de uma coleção que pretende avançar nas discussões em Educação Histórica levadas à cabo no Brasil, “O que é Educação Histórica” tem como grande mérito organizar de maneira objetiva os principais temas que giram em torno deste domínio científico. A maneira orgânica pela qual está organizado, iniciando pelo seu percurso histórico, passando pelo aporte teórico e encerrando com a relação com a vida prática, bem como o destaque dado às investigações já realizadas e o grande volume de referências oferecido aproximam as e os interessadas(os) a este campo de investigação. Paralelamente, oferecem subsídios para o aprofundamento das discussões e possibilitam o levantamento de novas questões de investigação.

Além disso, outro ponto a ser destacado é o caráter coletivo de sua elaboração, reforçando uma das peças fundamentais dos grupos de investigação ancorados na perspectiva da Educação Histórica, isto é, a busca pelo diálogo entre a Universidade e a Escola Básica. Cabe destacar, portanto, que o livro não foi apenas construído por professoras(es)-investigadoras(es), mas também para professoras(es)-investigadoras (es). Isso porque leva em conta as experiências dos autores e autoras, que preocuparam-se em elencar as questões fundamentais seja para o desenvolvimento de investigações que tomam como parâmetro a Educação Histórica, seja para suscitar reflexões acerca da prática do ensino de História em sala de aula.

Nikita Mary Sukow – Bacharel e licenciada em História pela UFPR, mestranda da linha Cultura, Escola e Ensino do PPGE/UFPR, bolsista CAPES e vinculada ao LAPEDUH/UFPR. E-mail: nikisukow@gmail.com

Ana Claudia Urban – Doutora em Educação pela UFPR, professora do DTPEN/UFPR e do PPGE/UFPR, vinculada ao LAPEDUH/UFPR. Orientadora do trabalho. claudiaurban@uol.com.br

Acessar publicação original

[IF]