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Questões metodológicas em manualística / Revista Brasileira de História da Educação / 2020
Os manuais escolares ou livros de textos se constituem como uma fonte relevante para a investigação histórico-educativa desde que a historiografia da educação pôs seu foco na cultura escolar, processo que recorre, sobretudo, as últimas três décadas. O livro escolar, desde então, tem sido considerado um dispositivo fundamental para a transmissão de saberes e para a organização das práticas escolares. Tendo isso por base, este dossiê pretende refletir sobre algumas questões metodológicas ao redor da manualística, um campo de pesquisa que tem produzido ao redor de si um corpus extenso de pesquisas de caráter histórico e didático, nem sempre atento às preocupações metodológicas. Assim, a partir dos trabalhos apresentados neste dossiê, buscamos divulgar as pesquisas ao redor da análise dos manuais escolares e livros de texto, possibilitando o diálogo com novas perspectivas metodológicas sobre essas fontes documentais. Propõe-se, igualmente, lançar um olhar sobre como as metodologias próprias das ciências sociais podem auxiliar na análise e nos questionamentos sobre os processos históricos-educativos que têm os manuais escolares objetos e fontes de pesquisa privilegiados.
Por manualística entendemos um campo de pesquisa que acolhe o livro escolar como objeto de estudo em suas diversas frentes analíticas e epistemológicas. Escolano (1998, 2013) define a manualística como o campo de conhecimento que pesquisa os manuais escolares por meio de diferentes enfoques e perspectivas, desde sua dinâmica interna (que perpassa o estudo do manual como textualidade – estrutura, gênero, formatos, linguagens, emoções etc. – até os formatos transponíveis pelo hipertexto na era digital), passando pelas suas formas de produção e utilização no âmbito histórico-educativo. Pensamos que a manualística se converteu numa linha de trabalho que vem ganhando fôlego na pesquisa histórico-educativa iberoamericana e europeia, como ressaltam os trabalhos de Mahamud e Badanelli (2016) e Martinez e Rubio (2018).
Reflexo desse processo, este dossiê surgiu a partir das discussões realizadas no painel ‘Avanços Metodológicos na pesquisa histórico-educativa com livros escolares’, realizado junto ao Congresso Iberoamericano de História da Educação Latino Americana em Montevidéu / Uruguai em 2018. Esta parceria foi inicialmente uma idealização do Centro de Investigação Manuais Escolares – MANES, sediado na Faculdade de Educação da Universidad Nacional de Educación a Distancia – UNED (Madrid, Espanha) que desde mediados dos anos 1990 tem contribuído para a criação e ampliação de uma rede internacional de pesquisadores europeus e latinoamericanos dedicados ao estudo da manualística escolar. Cabe destacar que o dossiê se soma a outros trabalhos que têm como foco o estudo desse objeto a partir de uma vasta gama de olhares, desde aqueles que se detêm aos contextos de produção e recepção (Teive & Ossenbach, 2016), até dos que o analisam desde uma perspectiva cultural e social (Rocha & Somoza, 2012) e como fonte para a história da educação no contexto espanhol e brasileiro (Moreira & Munakata, 2017).
Ao todo o dossiê reúne cinco artigos advindos de três países (Brasil, Espanha e Argentina) e caracteriza a produção de uma rede de pesquisadores que tem como foco o estudo dos manuais escolares na ponte histórica entre a educação e as ciências sociais. Em muitos casos, os / as autores / as são pioneiros / as em seus países, pelo estudo desses artefatos culturais, e que se propõem neste dossiê apresentar, por meio de suas experiências de pesquisa, estratégias metodológicas para análise de manuais escolares e livros de texto.
Cabe destacar que ainda não há um consenso entre os pesquisadores sobre o conceito de ‘manual escolar’. Isso talvez ocorra pela diversidade de contextos nacionais em que essa fonte se faz presente, acrescenta-se ainda as múltiplas dimensões: linguística, política, educacional, cultural etc.; que dificulta ainda mais na precisão de um termo que dê conta de nomear esse artefato cultural; produto e produtor de culturas (Magalhães, 2011; Munakata, 2016; Galván, Martínez, & Lópes, 2016). Apesar disso, podemos apontar algumas características básicas do que pode ser considerado um manual escolar, tais como a intencionalidade do autor ou editor de ser expressamente voltado para o ensino escolar; sistematicidade e sequencialidade na exposição dos conteúdos; adequação para o trabalho pedagógico; estilo textual expositivo; combinação de imagem com texto; presença de recursos didáticos explícitos, como tabelas, quadros, exercícios etc.; regulamentação dos conteúdos segundo os planos de ensino oficial e fiscalização do Estado sobre a produção e circulação desses artefatos culturais (Badanelli, Mahamud, Milito, Ossenbach, & Somoza, 2009).
Os artigos que fazem parte deste dossiê apresentam diferentes nomenclaturas para definir o manual escolar: livro didático, livro escolar, livro de texto etc. Podemos considerar que há diferenças entre eles, principalmente se tivermos em conta as demandas dos diferentes níveis de ensino. O contexto da educação básica (ensino infantil, fundamental e médio) se difere da educação superior ou cursos profissionalizantes, assim o sufixo ‘didático’ e ‘escolar’ auxiliaria na definição do nível educativo. Embora, em alguns casos essas nomenclaturas são mais fluídas e tendem a considerar todas as denominações como sinônimos. A questão é que ainda precisamos avançar na construção de um vocábulo, no interior da manualística, que consiga caracterizar o objeto, auxiliando no seu desenvolvimento teórico e metodológico. É com esse intuito que passamos para a descrição dos trabalhos que compõem o dossiê.
O primeiro artigo intitulado ‘Proposta metodológica multimodal e interdisciplinar na pesquisa manualística’ de Kira Mahamud Angulo, professora do Departamento de História da Educação e Educação Comparada da UNED, propõe uma reflexão teórica sobre os manuais e livros de texto como documentos relevantes para a história da educação. Ao resgatar as discussões teóricas internacionais sobre a valorização dessas fontes, a autora nos apresenta uma trama narrativa que se desenvolve em três aspectos: o primeiro resgata e atualiza as reflexões teóricas e empíricas sobre o método na análise de manuais escolares; o segundo ressalta a relevância do tratamento metodológico dos livros de texto como documentos singulares e, por último, nos apresenta uma proposta metodológica multimodal, pois é constituída pelo reconhecimento de que existem diversos elementos materiais e simbólicos que estão presentes nesses documentos (imagens, emoções, narrativas, sentimentos, intenções etc.) e interdisciplinar, porque compreende que os diversos conhecimentos científicos (teórico e metodológico) podem ser mobilizados na análise dos livros e manuais escolares. Pensamos que a proposição metodológica abre caminho para a obtenção de informações sobre o manual escolar como fonte documental historiográfica, permitindo ampliar os horizontes da análise social, política e cultural desse objeto, bem como desvelar projetos de sociedade orquestrado por determinados agentes e instituições sociais, na formação e constituição dos Estados nacionais e de seus sistemas de ensino.
O segundo artigo denominado ‘Os livros didáticos da perspectiva da sociologia do conhecimento: uma proposição teórico-metodológica’ é de autoria de Simone Meucci, professora de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (Brasil). Nele, a autora discute, num primeiro momento, o valor do livro didático como documento relevante para a compreensão dos processos de definição do trabalho intelectual na sociedade. Tal reflexão se atrela a sua experiência de pesquisa, que discute em diferentes momentos históricos, à produção de livros didáticos para o ensino da sociologia no Brasil. A autora nos convida a um olhar metodológico para analisar os livros escolares a partir da sociologia configuracional de Norbert Elias, delineando ações analíticas para a compreensão das diversas dimensões dos processos constitutivos de um campo de conhecimento, para o qual os manuais são destinados, tendo em vista as dinâmicas de fronteiras e seleção de conteúdos disciplinares para determinados contextos culturais e sociais.
Assim, a autora procura, por meio dessa proposta metodológica identificar três momentos dos quais denominam ‘sistematização, institucionalização e rotinização’. O primeiro refere-se ao processo de constituição e articulação entre produtores e receptores do conhecimento; o segundo ao delineamento de um campo de conhecimento e o terceiro a capacidade de manter a articulação dos agentes a estrutura organizacional estabelecida com o objetivo de possibilitar uma continuidade regular e estável ao campo do conhecimento. Além de detalhar cada um desses elementos, Simone Meucci aborda no decorrer do artigo, por meio do modelo teórico-metodológico, fontes, variáveis e proposições para analisar cada uma dessas etapas no estudo dos livros escolares.
Nesta mesma linha de proposição metodológica está o artigo de Marcelo Cigales, professor da Universidade de Brasília (UnB / Brasil) e Amurabi Oliveira, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC / Brasil), denominado ‘Aspectos metodológicos na análise de manuais escolares: uma perspectiva relacional’. Neste estudo, os autores discutem os avanços em relação à manualística, identificando no Brasil as pesquisas que se relacionam com o estudo dos manuais e livros escolares. Partem dos conceitos de Pierre Bourdieu na compreensão de que os manuais escolares estão atrelados à demanda de determinados campos sociais, como o político, cultural e científico que juntos dão forma ao campo educacional e, consequentemente, influenciam na produção dos manuais escolares. Nesse sentido, para os autores, para pesquisar os manuais escolares é preciso estar atento a três elementos: o primeiro é referente à constituição do campo educacional e às inúmeras disputas entre agentes sociais e ao capital simbólico no interior desse espaço social; o segundo volta-se ao interior do manual, onde se pode observar o conteúdo propriamente dito, assim como rede de relações sociais por meio de orelhas, agradecimentos, dedicatórias que também se vinculam à formação e disputa de determinados espaços sociais; e por fim, salientam que na pesquisa com livros escolares é preciso ir além da análise de conteúdo, possibilitando assim melhor compreensão da potencialidade heurística que tais fontes têm na análise histórico-educativa das sociedade modernas ocidentais.
O dossiê também contém dois artigos que abordam a iconografia dos manuais escolares. O primeiro é de autoria de Teresa Artieda, professora da Universidad Nacional del Nordeste, e denomina-se ‘Contribuições da antropologia visual na análise da leitura sobre povos indígenas’. ‘Ou de como diminuir os riscos de um estudo insular dos textos escolares’. Primeiramente, a autora argumenta a favor do uso do livro de texto como fonte primária para descrever certos processos no campo da história da educação. Entre outras coisas encontra no manual escolar uma fonte onde se pode observar indícios de formas de pensar em determinados temas, deixados pelos autores que os escreveram. Em um segundo momento, a autora faz menção para alguns procedimentos contextuais dos manuais escolares que possibilitam aproximações, entre outras coisas, entre os autores e autoras dos textos escolares e suas escolhas em relação à configuração ideológica dos manuais. Por fim, a última parte, são analisadas algumas imagens indígenas que contêm nos manuais analisados pela autora. Esta análise é realizada com apoio dos estudos dos especialistas sobre a prática de fotografar indígenas, localizada historicamente entre as décadas de 1860 até o início do século XX.
Por fim, o último artigo é de Ana Badanelli, professora do Departamento de História da Educação e Educação Comparada da UNED, onde é apresentada uma metodologia de análise para interpretar imagens e ilustrações presentes nos textos escolares editados na segunda metade do século XX até a primeira década do século XXI. No texto ‘As imagens e suas interpretações nos textos escolares espanhóis: uma proposta metodológica’, a autora propõe analisar quais os modos de interrelação entre as formas de representação e o conteúdo. O trabalho se centra no exame dos elementos e dos mecanismos postos nas imagens para transmitir conteúdos, valores, ideologias e crenças presentes nos manuais escolares. Assim, na primeira parte do artigo, Badanelli realiza uma revisão sobre os estudos históricos que utilizam as imagens como fonte primária, para então expor diferentes métodos de análise de imagens e fotografias, dos quais são utilizados tradicionalmente pela história da arte; por fim, a autora analisa diversas imagens escolhidas de diferentes manuais escolares com a intenção de validar e avaliar o método proposto.
Referências
BADANELLI, A., Mahamud, K., Milito, C., Ossenbach, G., & Somoza, M. (2009). Studying history on line, section: school textbooks: Lifelong Learning programme Erasmus. Bruselas, BE: European Commission. Recuperado de: https: / / www.academia.edu / 9171913 / Studying_History_On_Line._Section_Scho ol_Textbooks?auto=download
ESCOLANO, A. (2013). La manualística en España: dos décadas de investigación (1992-2011). In J. Meda & A. Badanelli (Ed.), La historia de la cultura escolar en Italia y en España: balances y perspectivas (p. 17-46). Macerata, IT: Edizione Universitá di Macerata.
ESCOLANO, A. (1998). La segunda generación de manuales escolares. In A. Escolano (Ed.), Historia ilustrada de libro escolar en España:de la posguerra a la reforma educativa (p. 19-48). Madrid, ES: Fundación Germán Sánchez Ruipérez.
GALVÁN, L., Martínez, L., & López, O. (Coord.). (2016). Más Allá del texto: autores, redes de saber y formación de lectores. Casa Chata, ME: Universidad Autónoma del Estado de Morelos. Centro de Investigación y Estudios Superiores en Antropología Social.
MAGALHÃES, J. (2011). O mural do tempo: manuais escolares em Portugal. Lisboa: PT: Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
Mahamud, K., & Badanelli, A. M. (2016). Los contextos de transmisión y recepción de los manuales escolares: una vía de perfeccionamiento metodológico en manualística. História da Educação, 20(50), 29-48. Recuperado de: http: / / seer.ufrgs.br / index.php / asphe / article / view / 62455
MARTÍNEZ, J. C. B., & Rubio, J. C. C. (2018). Teoría y metodología de investigación sobre libros de texto: análisis didáctico de las actividades, las imágenes y los recursos digitales en la enseñanza de las Ciencias Sociales. Revista Brasileira de Educação, 23, e230082. Recuperado de: https: / / dx.doi.org / 10.1590 / s1413- 24782018230082
MOREIRA, K. H., Munakata, K. (Org.). (2017). Dossiê livros didáticos como fonte / objeto de pesquisa para a história da educação no Brasil e na Espanha. Revista Educação e Fronteiras.
MUNAKATA, K. (2016). O livro escolar como indício da cultura escolar. História da Educação,20(50), 119-138.
OSSENBACH, G., & Somoza, J. (Coord.). (2009). Los manuales escolares como fuente para la historia de la educación en América Latina. Madrid, ES: Universidad Nacional de Educación a Distancia.
ROCHA, H., & Somoza, J. (2012). Apresentação do dossiê Manuais escolares: múltiplas facetas de um objeto cultural. Pro-Posições, 23(3), 21-31.
TEIVE, G., & Ossenbach, G. (2016). Dossiê: contextos de recepção e interpretação dos manuais escolares. História da Educação, 20(50), 25-28.
Ana Badanelli – Doctora en Ciencias de la Educación por la Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED), Madrid, Febrero 2004. Es Profesora Contratada Doctora del Departamento de Historia de la Educación y Educación Comparada de la Facultad de Educación de la UNED. Es Coordinadora General del “Centro de Investigación MANES” desde octubre del 2001. Su experiencia investigadora se ha centrado en el campo de la historia del currículo y de la cultura escolar, campos que se han consolidado como parte de la renovación de la Historia de la Educación en las últimas décadas. Sus estudios se centran fundamentalmente en dos fuentes: manuales escolares y cuadernos escolares, fuentes que favorecen la comprensión de la historia de la escuela. E-mail: abadanelli@edu.uned.es https: / / orcid.org / 0000-0001-5720-5531
Marcelo Cigales – Doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, professor adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). Esteve no Centro de Investigação Manuais Escolares (MANES) da Universidad Nacional de Educación a Distancia (Madrid-Espanha) em 2017, realizando parte da pesquisa de doutoramento. É editor das revistas Café com Sociologia e dos Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. Suas pesquisas voltam-se para o Ensino da Sociologia, a Formação de Professores e a História dos manuais escolares de Sociologia no Brasil. E-mail: marcelo.cigales@unb.br http: / / orcid.org / 0000-0002-4320-5941
BADANELLI, Ana; CIGALES, Marcelo. Introdução. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 20, n. 1, 2020. Acessar publicação original [DR]
Processos de emancipação e educação na América: história, política e cultura (séculos XIX e XX) / Revista Brasileira de História da Educação / 2020
As palavras não são as coisas (Foucault, 2016). Estado, nação, civilidade, emancipação, progresso, educação, são rastros de realidades que se constituíram ao longo do tempo, e de diferentes formas, a partir dos movimentos dispersos, aleatórios ou deliberados de muitos sujeitos. História e memória são elementos da ordem das palavras que transformam o passado em coisas. Nesse processo de legitimação, tais coisas seriam, posteriormente, lembradas, (re)definidas, celebradas, esquecidas.
Estudar as memórias coletivas fortemente constituídas, como a memória da Independência brasileira, implica na análise de sua função, visto que ela se integra às tentativas de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento (Pollak, 1989). Assim, se forjam lugares onde a memória se cristaliza e se refugia a partir de um determinado passado, definitivamente morto. Como nos ensina Pierre Nora, a história é exatamente o que as nossas sociedades condenadas ao esquecimento fazem do passado. Para ele, os lugares de memória são, antes de tudo, restos, a forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama (Nora, 1993). Neste sentido, a coletânea composta aqui se insere nas investigações acerca das palavras (memória, história, narrativas, representações, celebrações, fontes) sobre as coisas (independência, nação, política, educação).
Na perspectiva da historiografia brasileira, a definição de ‘emancipação política’ proposta no verbete do Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889), identifica dois momentos: o primeiro deles que considera 1822 como um momento decisivo na construção da nacionalidade, a independência foi analisada por muitas décadas, como o ponto final de um processo contínuo e linear, que desde o século XVIII até o XIX, forjara uma consciência nacional. E, um segundo momento da historiografia, identificado nas últimas décadas do século XX, procurou inserir o processo da independência brasileira na longa duração e na dinâmica mais profunda do Antigo Regime (Vainfas, 2008).
No sentido de interrogar tanto o acontecimento histórico da independência (Brasil, 1822 e demais países), quanto suas representações posteriores (em livros, fontes, documentos, imagens) ou efemérides (cinquentenário, centenário, bicentenário), buscando destacar o papel da educação nesse processo de constituição de memórias (por sujeitos, instrumentos, instituições, políticas) e de forças (Estado, Nação), que se consolidaram os propósitos do presente Dossiê.
Resultado da segunda chamada pública da Revista Brasileira de História da Educação, o Dossiê recebeu 45 propostas. Após avaliação, foram selecionados 11 artigos que demonstraram adesão ao edital e pareceres positivos dos avaliadores ad hoc. Os textos selecionados remetem à presença de investigações sobre os processos de independência em quatro países da América Latina (Brasil, Uruguai, Argentina e Venezuela), conduzidas por três professores estrangeiros (Espanha, Argentina e Uruguai) e dezessete pesquisadores brasileiros de seis estados (MG, RS, RJ, PE, RN e BA). Os autores que integram este dossiê atuam como professores do ensino superior, professores da educação básica, graduandos, mestrandos e doutorandos, apresentando, ainda, uma relativa equidade de gênero (nove homens e oito mulheres). Os 11 artigos deste dossiê dialogam com diferentes áreas do conhecimento das Ciências Humanas e Sociais (Educação, Letras e História), o que imprime marcas específicas nas análises sobre o complexo processo de construção dos estados nacionais, nos século XIX (sete artigos) e século XX (quatro artigos).
Entre os artigos, temos aquele que discorre acerca de temas caros à história da nação brasileira ao longo do século XVIII e XIX, como liberdade, educação, povo, igualdade, estado, e se intitula ‘Cultura ilustrada e educação conservadora: Bernardo Vasconcelos e sua carta aos senhores eleitores (1828)’. Luciano Faria Filho e Dalvit de Paula analisam a continuidade do projeto dos inconfidentes mineiros em Bernardo Vasconcelos (1828), demonstrando que, a despeito da modernidade constitucional de um país recém-independente, a Ilustração também inspirou e justificou o caráter conservador e centralizador do Estado Imperial brasileiro e, da mesma forma, as ações em torno da educação do povo, do esclarecimento das populações fazendo nascer a ‘máquina escolar’ e demais dispositivos culturais.
Rita Cristina Lages evidenciou formas a partir das quais as relações entre instrução e civilização se constituíram e se consolidaram em discursos políticos e projetos educacionais no Brasil Oitocentista. Em ‘Projetos educacionais para Minas Gerais no século XIX: nações estrangeiras na vitrine’, a autora inquire determinadas experiências de países estrangeiros, considerados avançados nos assuntos educacionais, que serviram como parâmetros para ações, experiências e propostas entre o contexto da Independência nacional (1822) e a República (1889), dando a ver certa continuidade na perspectiva do olhar para as ‘vitrines’. Ao tomar os relatórios oficiais da província mineira como fonte documental, o trabalho aborda a problemática das apropriações, da circulação de sujeitos, ideias e conhecimentos, tornando possível refletir, nessa chave de leitura, aspectos da formação e legitimação do Estado Imperial independente.
Ao examinar representações, tensões e impasses atinentes ao projeto de construção de uma unidade latino-americana, o estudo intitulado ‘Abordagens em livros didáticos de História do Brasil sobre a presença brasileira no cone sul latinoamericano (século XIX)’, de André Mendes Salles, professor do Departamento de História da UFRN e do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES-UFRN), e de José Batista Neto, professor titular do Centro de Educação da UFPE, constituiu, como base na investigação, 13 livros didáticos de História do Brasil, publicados entre 1886 e 1999. A partir desses instrumentos de formação escolar, os autores refletem a respeito de as narrativas sobre a presença brasileira na região platina, na segunda metade do século XIX, identificando permanências nos modos de entender e representar o exercício de poder do Império brasileiro, como nação autorizada a legitimar a independência do Uruguai.
Maria das Graças de Andrade Leal, é autora do estudo ‘Educação e trabalho; raça e classe no pensamento de um intelectual negro: Manuel Querino – Bahia (1870-1920)’. Especialista na história das populações afrobrasileiras e instituições operárias e educacionais desenvolve reflexões acerca da educação e do trabalho na obra do intelectual e educador afro-baiano Manuel Querino. Com essa proposta, expõe importante debate sobre projetos de escolarização e projetos de nação, articuladas às perspectivas de liberdade, civilização, progresso, cidadania em um país independente que transita entre as condições de monárquico, escravocrata, abolicionista e republicano. Neste aspecto, problematiza as narrativas recorrentes sobre velho / atraso (Império) e novo / avanços (República), acionando análises atinentes às permanências e continuidades, denunciando a existência de uma determinada divisão social do conhecimento como marca geral da história da educação no Brasil.
Antonio Mauro Romano dialoga com temáticas muito caras à história da educação, como saberes curriculares, Estado, militarismo, modernidade escolar, níveis de ensino, políticas públicas. Neste estudo, analisa aspectos relacionados à inclusão da instrução militar (Gimnástica y Ejercicios militares) como programa curricular do ensino secundário e os debates acerca da extensão da experiência dos Batalhões Universitários em direção ao ensino fundamental, no final do oitocentos (1887). A partir do estudo intitulado ‘Los dilemas en la formación ciudadana. Entre la instrucción cívica y la instrucción militar en los procesos de emancipación política en el siglo XIX en el Uruguay’, o autor questiona a presença do saber militar em um contexto de retirada de cena dos governos militares (1886) e da consolidação de um currículo humanístico como política pública.
No texto ‘La Gazeta de Caracas en el albor del movimiento independentista: análisis de las noticias educativas publicadas en el diario decano de la prensa venezolana’, Jordi Garcia Farrero examina o papel da imprensa no contexto de consolidação da independência política da Venezuela, a partir dos debates direcionados aos assuntos da educação. Procura refletir sobre um conjunto de ideias, memórias, narrativas e representações, dedicado à causa da liberdade no início do século XIX, que chamou de ‘pensamento pedagógico’, produzido por uma determinada geração de intelectuais. A análise incide sobre um período no qual se estabelecem as bases do nascimento de uma nova nação, não mais uma Venezuela colonial e, portanto, se justificavam as preocupações em torno da superação de uma velha condição colonial da educação.
No artigo ‘Pela iluminação do passado: livros e educação no contexto do cinquentenário da Independência (Capital brasileira, década 1870)’, as autoras analisam livros como engrenagens na construção e legitimação de representações, histórias e memórias. Aline de Morais, Aline Machado, Fátima Nascimento e Edgleide Clemente tecem reflexões acerca de determinadas narrativas e entendimentos relativos à Independência brasileira, no contexto de uma de suas efemérides. Ao mesmo tempo, buscam extrair e examinar as perspectivas educacionais e de formação dos sujeitos arroladas em tais livros e suas relações com o processo de consolidação da nação independente. Na análise, dão relevo aos questionamentos erigidos pelos autores dos livros estudados em torno do que se consideravam atrasos e incompatibilidades para um jovem país.
‘Educação e brasilidade: a política de nacionalização getulista no contexto escolar em Lajeado / RS (1939-1943)’ é o título do trabalho de Tiago Weizenmann. A pesquisa analisa a política de nacionalização como estratégia governamental, cuja finalidade era promover uma cultura cívico-patriótica no Brasil. Especificamente, reflete o contexto de uma região marcada pela presença de grupos étnicos europeus e seus descendentes, o Rio Grande do Sul, e suas políticas educacionais direcionadas à escola pública. Marcado pelo objetivo de forjar uma identidade coletiva, o projeto em análise conferiu espaço privilegiado a símbolos oficiais e a biografias dos grandes heróis, evidências de certa continuidade histórica no longo processo de construção e legitimação de um projeto de Brasil, Nação, Estado com reminiscências na Independência (1822) e República (1889).
No estudo de Márcia Cabral da Silva, os impressos e a circulação de ideias emergem como dispositivos culturais importantes para compreender processos de legitimação do Estado brasileiro. No artigo ‘Histórias da nossa terra: sobre o projeto cívico de construção da nação brasileira por meio do impresso’, a autora examina o processo de circulação de determinados saberes com características educacionais e políticas de patriotismo, nacionalismo e civismo no contexto de consolidação do (re)nascimento de uma nação republicana, cujo intuito maior era superar supostos atrasos de um passado imperial. Desta feita, a pesquisa lança ao debate algumas problemáticas acerca de modelos de formação e educação escolar dos sujeitos, impregnados pelo exercício de construção de determinada representação de Brasil (grandiosa, ufanista), de alguns brasileiros (heróis) e de brasilidade (tradição, crença, moral, pátria, território).
No artigo ‘Nacionalistas y libertarios: tensiones en torno de las conmemoraciones y símbolos patrios en la educación primaria (Argentina, 1910- 1930)’, Adrián Ascolani investiga aspectos do nacionalismo e história pátria no campo da educação no século XX, como saber curricular oficial das escolas primárias e como estratégia de formação das memórias por meio de símbolos, cerimônias e livros que deram centralidade ao episódio da independência política argentina (1816). Para tratar de tal problemática, o autor joga na cena reflexiva temas como cultura, positivismo, imprensa, anarquismo, militarismo, doutrinação, patriotismo, imigrantes e colonialismo. No contexto em análise, estava em relevo um movimento de renovação pedagógica, com base no escolanovismo e na necessidade de racionalização da escola moderna.
‘O Centenário da Independência Brasileira em nossas escolas primárias: narrativas históricas escolares em disputa’ é o estudo de Patrícia Coelho da Costa e Jefferson Soares, no qual analisam formas de apropriação e constituição de representações acerca da independência nacional no impresso pedagógico, A Escola Primária, e a sua reverberação nas escolas primárias, com a circulação determinada perspectiva deste fato. Ao examinar as orientações direcionadas aos professores, apontam interesses pela consolidação da identidade nacional, com ritos cívicos, homenagens e celebrações. Da mesma forma, interrogando disputas e tensões em um exercício de poder sobre construção de memórias e histórias, os autores dão relevo à presença e permanência de agentes e agências que tinham uma participação ativa desde o período monárquico, como o Colégio Pedro II e o IHGB.
As organizadoras do Dossiê ‘Processos de emancipação e educação na América: história, política e cultura (séculos XIX e XX)’ e a Comissão Editorial da RBHE entregam aos leitores e leitoras um conjunto composto por 11 artigos que permitem revisitar e agregar novos elementos às reflexões relativas aos processos de independência do Brasil e de três outros países da América Latina na expectativa de que os mesmos possibilitem outras investigações que deem visibilidade à temática da educação e suas relações com os processos de construção dos estados nacionais.
Referências
VAINFAS, R. (Org.). (2008). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.
FOUCAULT, M. (2016). As palavras e as coisas (10a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Martins Fontes.
NORA, P. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares (Yara Aun Khoury, trad.). Revista História e Cultura, 10, 7-28.
POLLAK, M. (1989). Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, 2(3), 3-15.
Aline de Morais Limeira Pasche – Doutora em Educação (2014) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação (PROPED). Integra o Núcleo de Ensino e Pesquisa em Historia da Educação (NEPHE-UERJ). E-mail: aline.de.morais.pasche@gmail.com https: / / orcid.org / 0000-0002-5964-6661
Cláudia Engler Cury – Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Atuou como Tesoureira da Sociedade Brasileira de História da Educação nos biênios (2013-2015 e 2015-2017), professora associada IV do departamento de história da Universidade Federal da Paraíba. Membro efetivo dos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UFPB. É editora-chefe da RBHE. E-mail: claudiaenglercury73@gmail.com https: / / orcid.org / 0000-0003-2540-2949
PASCHE, Aline de Morais Limeira; CURY, Claudia Engler. Introdução. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 20, n. 1, 2020. Acessar publicação original
A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas / Revista Brasileira de História da Educação / 2019
A produção de dossiês temáticos tem sido uma prática recorrente nas últimas décadas nas publicações acadêmicas, especialmente no campo das ciências humanas e sociais. As chamadas públicas de artigos utilizadas por parte dos periódicos acadêmicos representam estratégias de mobilização de pesquisadores para pensarem e produzirem análises em torno de determinados temas. Estes, em regra, são oriundos de demandas do próprio campo acadêmico, seja para atualizar um debate que é estratégico para o funcionamento do campo, seja para atender uma demanda institucional ou para suprir lacunas teóricas ou temáticas no Estado da Arte do campo.
Considerando este elenco de razões associadas à presença dos dossiês nos periódicos acadêmicos, a publicação – pela Revista Brasileira de História da Educação (RBHE), do dossiê A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas – justifica-se, por um lado, como demanda institucional que visa marcar a comemoração dos vinte anos da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE: 1999-2019). Por outro, investe e contribui para a atualização de uma discussão que é uma constante na área de história e, por extensão, da história da educação, ou seja: a reflexão em torno da sua escrita, a partir da problematização da historiografia da educação, entendida como a história da história da educação.
Acreditamos que é função precípua da SBHE fomentar esse debate sobre os diferentes modos de produzir conhecimento histórico-educacional, de maneira a mantermos atualizada a percepção sobre os movimentos teóricos e temáticos no interior da área de conhecimento e, assim, reconhecer tendências em curso no interior campo científico e disciplinar. Partimos da premissa que as reflexões sobre a historiografia da educação contribuem para a afirmação da identidade do campo, à medida que localizam e problematizam as obras e os autores reconhecidos como marcos da interpretação do passado educacional, considerando os tipos de fontes, as demarcações temporal e espacial, as teorias sociais e as linguagens utilizadas pela pesquisa na especialidade em diferentes contextos. Nessa chave de leitura, a análise historiográfica é regida pela compreensão, a um só tempo, textual e contextual das narrativas, considerando não somente os contextos disciplinar e científico, mas, também, a ambiência social, intelectual e política na qual as narrativas e os historiadores estavam e estão imersos.
O papel da SBHE na indução dessa reflexão sobre a historiografia da educação é perceptível à medida que analisamos os debates realizados nas dez edições dos Congressos Brasileiros de História da Educação (CBHE), organizados pela SBHE. Toda essa produção encontra-se publicada, seja na forma de livros, especialmente na Coleção Horizontes, mantida pela Comissão Editorial da SBHE, ou como Anais Congressuais que reúnem os trabalhos apresentados nos CBHEs. Nesse sentido, decidimos aproximar e somar os debates produzidos nos congressos e o potencial de disseminação de conhecimento da RBHE, a partir da publicação desse dossiê, como parte das atividades congressuais do X CBHE, realizado na cidade de Belém, entre os dias 02 e 05 de setembro de 2019. Essa ação permitiu a convergência de esforços e recursos e, sobretudo, reafirmou o compromisso da SBHE, da RBHE e dos CBHEs com o tema da historiografia da educação.
Esse dossiê reforça o papel da RBHE na publicização da pesquisa da área. O lugar ocupado pelo periódico – avaliado com os conceitos A1 e B1 nas grandes áreas de Educação e de História respectivamente, além da indexação em bases relevantes, como a SciELO – garante a visibilidade dos resultados das pesquisas e, por extensão, a circulação do conhecimento em âmbito nacional e internacional. Para além de lugar de exposição de artigos submetidos espontaneamente, o periódico assume com este dossiê, pela primeira vez organizado a partir de uma chamada pública, uma nova função, qual seja: fomentar e dirigir a produção de determinados temas e problemas históricos.
Dessa maneira, inaugura-se uma nova modalidade de publicação no periódico, com regras próprias e diferenciadas, se comparadas com os dezesseis dossiês publicados anteriormente pela revista, entre 2001 e 2018. Nessa nova modalidade não existe limite para o número de artigos publicados, uma vez que, dos mais de trinta textos submetidos à chamada publica, todos aqueles sintonizados com a temática e aprovados no mérito acadêmico foram publicados. A diversificação dos modos de publicar no periódico atende ao objetivo de qualificar a posição ocupada pela RBHE no espaço editorial acadêmico.
Sobre a posição da revista no contexto das publicações acadêmicas alguns dados são ilustrativos e pretendemos compartilhar nesse momento. Em primeiro lugar, destacamos o crescimento do número de artigos publicados anualmente e as mudanças na periodicidade da RBHE entre os anos de 2001 e 2018.
Analisando esse gráfico verificamos algumas oscilações no número de artigos publicados, mas, considerando a série que reúne todos os números da revista entre 2001 e 2018, é perceptível o crescimento sustentado, especialmente a partir de 2011. As mudanças de periodicidade são também evidências importantes desse movimento de ampliação da circulação do periódico. A RBHE foi criada como periódico semestral em 2001 e assim permaneceu até 2006, entre 2007 e 2015 a periodicidade foi quadrimestral, entre 2016 e 2017 a revista assumiu a trimestralidade, passando a publicação contínua em 2018, em sintonia com demandas dos campos editorial e científico, que exigem a aceleração do processo entre a submissão de originais, sua avaliação e publicação.
A ampliação crescente do número de artigos publicados é resultante do aperfeiçoamento técnico e gerencial do periódico, atendendo às modernas e internacionais normas para as publicações acadêmicas, assim como do amadurecimento e da consolidação da pesquisa em história da educação no país. É evidente que, sem produção qualificada na área, não há como sustentar um periódico como a RBHE. A rigor, é importante mencionar que a RBHE não é a única revista dedicada à publicação da produção em história da educação no mercado editorial acadêmico no Brasil, já que as grandes áreas da Educação e da História contam com, pelo menos, mais seis periódicos especializados no tema. Soma-se a esta produção veiculada em periódicos especializados um outro conjunto significativo de produtos de pesquisa em história da educação publicados em periódicos importantes, mas não especializados, da grande área de Educação. Acrescente-se, ainda, os periódicos internacionais vinculados ao tema. Em síntese, a amplitude desse espaço editorial é uma evidência, incontestes, da pujança da produção de pesquisas em história da educação no Brasil.
Um problema histórico do campo é a concentração da produção em determinadas instituições, estados e regiões do país. Esta não é uma questão exclusiva da história da educação, já que a concentração de recursos e, por extensão, de instituições qualificadas de pesquisa é uma constante nas diferentes áreas do conhecimento, reproduzindo as marcantes diferenças sociais e econômicas do país. Não obstante, a distribuição estadual e regional dos artigos publicados pela RBHE, entre 2001 e 2018, revela que, apesar da concentração da produção, a história da educação tornou-se um tema tratado em todas as regiões e em vinte e um dos vinte e seis estados que compõem a federação.
São Paulo e o Sudeste representam as maiores concentrações em termos estaduais e regionais. Na região Sul, Paraná e Rio Grande do Sul se equiparam, enquanto na região Nordeste os pesquisadores sediados em instituições do estado de Sergipe têm o maior número de artigos publicados na RBHE. No Centro-Oeste o Mato Grosso do Sul e no Norte o Pará são os estados de origem dos pesquisadores com maior concentração de publicações nas respectivas regiões.
Em termos institucionais, cerca de cento e quarenta instituições de pesquisa se fizeram representar por seus pesquisadores nos dezoito anos de circulação do periódico. O gráfico a seguir mostra as vinte instituições, nacionais e internacionais, que mais publicaram no periódico entre 2001 e 2018.
Outra frente de investimento importante da RBHE é a internacionalização do periódico. No âmbito do trabalho editorial destaca-se a inclusão de um Editor Associado com afiliação em instituição estrangeira, além do periódico contar com a colaboração de dez pesquisadores estrangeiros como membros do Conselho Editorial, perfazendo um total de 36% do conjunto dos conselheiros. Estes colaboradores estrangeiros estão vinculados a instituições da América do Norte, do Sul e da Europa. Sobre os artigos vale mencionar que 30 % são publicados em versão bilíngue (inglês e português), além do periódico aceitar a submissão de manuscritos em inglês e espanhol. Esse esforço de visibilidade da revista, para além das fronteiras nacionais, tem dado resultados, já que pouco mais de 20% dos artigos publicados, entre 2001 e 2018, foram submetidos, por demanda espontânea, por autores com afiliação institucional no exterior, distribuídos de acordo com o gráfico a seguir.
Fica evidente na distribuição dos artigos oriundos de pesquisadores com afiliação institucional no exterior a concentração na Península Ibérica e na América do Sul, com destaque para Argentina e Portugal. A questão da língua e da proximidade das fronteiras têm favorecido esse intercâmbio, contudo segue a necessidade de encontrar meios e estratégias capazes de ampliar a circulação internacional do periódico. A presença de pesquisadores franceses em número expressivo pode ser explicada pela ênfase na interlocução teórica da área com a cultura historiográfica francesa, especialmente em relação à chamada nova história cultural. Em relação à América do Norte percebemos nos últimos anos a ascendência de artigos procedentes do México e dos EUA, constituindo espaços de interlocução que deverão ser consolidados.
Apresentados estes dados e argumentos referentes aos papéis e às ações da SBHE e da RBHE nos planos acadêmico e editorial, passamos a apresentar o dossiê A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas. O Dossiê está composto por treze artigos, produzindo uma cartografia extensa de temas, abordagens e fontes mobilizadas na escrita da história da educação brasileira. Foram privilegiadas pelos autores, das mais diversas regiões do Brasil, reflexões que problematizaram o campo de pesquisa e as contribuições da SBHE ao longo de seus vinte anos de existência.
Abrindo o dossiê, o artigo Historiadores da Educação Brasileira: gerações em diálogo, de Antonio Carlos Ferreira Pinheiro, que apresenta aos leitores pesquisa, realizada especialmente para os propósitos das efemérides dos vinte anos da SBHE, por meio do conceito de gerações, traçando uma ampla visada do perfil dos pesquisadores da área de diferentes tempos e espaços institucionais.
Em seguida, o artigo O “grupo de Laerte” e a escrita da história da educação (1962-1972), de Bruno Bontempi Jr, retomando as contribuições do professor Laertes Ramos de Carvalho, na organização do primeiro projeto integrado de produção de conhecimento em história da educação no Brasil, iniciado nos anos de 1950, na Universidade de São Paulo.
O artigo, Presença franciscana e supremacia jesuítica no campo da História e da História da Educação na época colonial – um diagnóstico na pesquisa historiográfica a partir da análise dos CBHE da SBHE, de Luiz Fernando Conde Sangenis e Peter Johann Mainka, permite um olhar sobre um período da história da educação brasileira, que começa a ganhar visibilidade entre os pesquisadores nos congressos realizados pela SBHE. Os autores salientam a predominância dos estudos sobre os Jesuítas e destacam a importância das pesquisas que dão visibilidade à presença da ordem Franciscana, no âmbito da história da educação brasileira.
Apresenta-se na sequência, um conjunto de artigos dedicados à história das instituições escolares trazidas por autores que nos apresentam estudos que vão desde as concepções sobre os tipos de instituições escolares: As escolas que construímos: a História de Instituições Escolares na Revista Brasileira de História da Educação, de Ademir Valdir dos Santos e Ariclê Vechia; A Contribuição dos Estudos sobre Grupos Escolares para a Historiografia da Educação Brasileira: reflexões para debate, de Rosa Fátima de Souza. Dando continuidade, dois artigos cujo olhar dos autores dirige-se para a vida cotidiana das escolas, amparados em abordagens sobre a cultura escolar e cultura material escolar: A Escrita da Arquitetura Escolar na Historiografia da Educação Brasileira (1999-2018), de Marcus Levy Bencostta; e A cultura material da escola: apontamentos a partir da história da educação, de Andre Luiz Paulilo. E, finalizando esse conjunto de artigos temos um estudo comparativo sobre as festas escolares em Portugal e no Brasil: Festejar aqui e lá: a escrita comparada das festas escolares no Brasil e em Portugal (1890-1920), de Renata Marcílio Cândido.
No artigo de Eliane Teresinha Peres, A constituição de um arquivo e a escrita da história da educação: do gesto artesão à prática científica, a autora discute o importante papel da organização dos acervos escolares, como parte da constituição da memória sobre o universo escolar e, também, como prática do exercício de formação dos pesquisadores.
Nos dois artigos que se seguem História e historiografia da Educação de Jovens e Adultos no Brasil – inteligibilidades, apagamentos, necessidades, possibilidades, de Cristiane Fernanda Xavier e Educação não escolar: Balanço da produção presente nos Congressos Brasileiros de História da Educação, de Maria Betania Barbosa Albuquerque e Jane Elisa Otomar Buecke, os autores enfatizam dois temas ainda pouco explorados no âmbito da história da educação brasileira, identificando, inclusive, as possíveis razões para essas ausências.
O penúltimo artigo do dossiê, Cartografia das produções em história da educação nos programas de pós-graduação em educação no Pará (2005-2018), de Laura Maria Silva Araújo Alves, Vitor Sousa Cunha Sousa Cunha Nery e Livia Sousa da Silva, para além de apresentar a vitalidade das pesquisas em história da educação no Pará, estado que acolheu a décima edição do Congresso Brasileiro de História da Educação, em setembro de 2019, apresenta e amplia a percepção sobre as diferentes escritas da história da educação no país.
Fechando o dossiê temos o artigo de Marisa Bittar, Vinte anos da Sociedade Brasileira de História da Educação: com os olhos no futuro. A autora recupera a história da SBHE (1999-2019) e projeta possibilidades para o futuro, apresentando para a comunidade de pesquisadores novos desafios.
Como se percebe nos textos aprovados, ainda que não constasse no escopo da chamada pública do dossiê o papel da SBHE, muitos artigos tomam como tema, como fonte ou como problema a entidade e as suas instâncias de divulgação e produção do conhecimento. Este movimento espontâneo dos pesquisadores evidencia o lugar central ocupado pela SBHE, RBHE e CBHEs, nos horizontes da produção do conhecimento em história da educação no país.
Desejamos uma boa leitura.
Carlos Eduardo Vieira – Doutor em História e Filosofia da Educação (PUCSP – 1998); Pós-Doutor nas Universidades de Cambridge (2008) e Stanford (2015). Professor e Pesquisador da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: cevieira9@gmail.com https: / / orcid.org / 0000-0001-6168-271X
Claudia Engler Cury – Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Atuou como Tesoureira da Sociedade Brasileira de História da Educação nos biênios (2013-2015 e 2015-2017), professora associada IV do departamento de história da Universidade Federal da Paraíba. Membro efetivo dos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UFPB. É editora-chefe da RBHE. E-mail: claudiaenglercury73@gmail.com https: / / orcid.org / 0000-0003-2540- 2949
VIEIRA, Carlos Eduardo; CURY, Claudia Engler. [A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas]. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 19, 2019. Acessar publicação original [DR]
Perspectivas latinoamericanas e históricas sobre la educación estética y de las sensibilidades / Revista Brasileira de História da Educação / 2018
Historia y educación de las sensibilidades. Estéticas y cuerpos en los procesos latinoamericanos
El presente dossier se ha preparado siguiendo la búsqueda de un abordaje conceptual que historice la educación estética en tanto ciencia de la sensibilidad, así como la presencia de las emociones, afectos y sensibilidades en la consolidación, puesta en crisis y renovación por la que transitan las instituciones formadoras, los propósitos generales de escolarización y la vida cotidiana de los sistemas educativos.
La investigación histórico-educativa sobre estéticas y sensibilidades tiene un desarrollo reciente pero de una gran riqueza, y está logrando constituirse en condición de posibilidad para indagaciones profundas de grandes y clásicos interrogantes sobre la construcción dominante, la producción de subjetividades y las posiciones de sujeto. Desde la reveladora formulación de Sigmund Freud acerca de que el lazo social es un lazo libidinal, hasta las teorizaciones más recientes, va haciéndose más evidente que la relación entre significación y afecto es íntima. Y siguiendo la reflexión de Chantal Mouffe para las sociedades contemporáneas, en la etapa “[…] del capitalismo postfordista el terreno cultural ocupa una posición estratégica ya que la producción de afectos desempeña un rol cada vez más importante. Al ser vital para el proceso de valorización capitalista, este terreno debería constituir un lugar crucial para las prácticas contrahegemónicas” (Mouffe, 2014, p. 18).
Estudiar las emociones es fundamentalmente entender “[…] cómo las personas articulan, entienden y representan qué es lo que sienten […]”, sostiene Barbara Rosenwein (2010, p. 11). A la vez, el afecto no es algo que exista por sí solo, independientemente de los lenguajes, sino que sólo se constituye a través de la catexia [1] diferencial de una cadena de significación, como afirma Ernesto Laclau (2005) y a esto le podemos llamar investidura. Si una entidad se convierte en el objeto de una investidura, ese investimiento pertenece necesariamente al orden del afecto. Por ello, los discursos que en este Dossier se analizan en su devenir histórico serían ininteligibles sin el componente afectivo y por ello toda construcción social es resultado de una articulación indisociable entre la dimensión de significación y la dimensión afectiva.
PASIONES EN DEVENIR
En el transcurso de nuestro estudio de la Historia de la Educación, la dimensión estética del proceso de escolarización se nos fue presentando como una variable central para comprender la educación, y por ello lo hemos tomado como el objeto de estudio de investigaciones específicas y de largo aliento. Así, nos hemos propuesto tematizar el problema de las sensibilidades y de la construcción colectiva de los deseos, el problema de lo común vinculado con una política de los afectos.
El pasaje del positivismo al idealismo moral, la producción de un orden pedagógico que involucra la regulación de la conducta vía el aprendizaje, la reverencialidad, la disposición de los cuerpos, la introducción de normas flexibles son –sólo algunas– experiencias a las que resulta productivo acercarse integrando un análisis político-estético y educativo.
Nuestro punto de partida respecto de la conceptualización de lo político remite a la dimensión del antagonismo constitutivo de las sociedades y diferenciado de la política, como el conjunto de prácticas e instituciones a través de las cuales se crea un determinado orden, organizando la coexistencia humana en el contexto de la conflictividad derivada de lo político. Pensar la estética como ‘constructo’ histórico-cultural posibilita poner el foco en cómo se constituye en uno de los campos de lucha por la imposición de formas de entender / concebir / actuar en el mundo y la jerarquización de unos repertorios sobre otros.
Siguiendo a Rancière, asumimos que “[…] la política es un asunto estético, una reconfiguración del reparto de los lugares y de los tiempos, de la palabra y el silencio, de lo visible y de lo invisible” (Rancière, 2011, p. 198). Uno y otro ámbito, el de la política y el de la estética, el de las disposiciones para expresar sensibilidades, el de las instancias para decir, hacer o pensar, se articulan de manera compleja. Esto es así porque la estética es un modo de configuración sensible, un reparto de lugares y cuerpos cuya ruptura o emergencia determina la ‘cosa misma’ de la política. Por ende, ello no concierne a la validez moral o política del mensaje transmitido por el dispositivo escolar, sino al dispositivo mismo. Consiste antes que nada en disposiciones de los cuerpos, en recortes de espacios y de tiempos singulares que definen maneras de estar juntos o separados. Es decir, consiste en los modos de subjetivación política socio-culturalmente legitimados. Jacques Rancière llama la división policial de lo sensible a “[…] la existencia de una relación ‘armoniosa’ entre una ocupación y un equipamiento, entre el hecho de estar en un tiempo y un espacio específicos, de ejercer en ellos ocupaciones definidas y de estar dotado de las capacidades de sentir, de decir y de hacer adecuadas a esas capacidades” (Rancière, 2011, p. 46, destacado del autor).
En ese marco nos interesa explorar el trabajo formativo fuera y dentro de lo escolar en el marco de una reconfiguración de los datos sensibles por la subjetivación política, en la reconfiguración del tejido de la experiencia común producidos por el discurso político-pedagógico de distintos períodos históricos.
RESITUAR LOS AFECTOS, LAS ESTÉTICAS Y LOS CUERPOS EN LOS PROCESOS HISTÓRICOS LATINOAMERICANOS
Los textos que componen el dossier ‘Perspectivas latinoamericanas e históricas sobre la educación estética y de las sensibilidades’ proponen una mirada particular del problema que venimos planteando. Con sus singularidades, cada uno de los escritos presenta características de los contextos abordados: de esta manera, la materialidad transnacional de una sensibilidad que pasa por Brasil, la exhibición de cuerpos y movimientos patrióticos en el Uruguay, los modelos didácticos para la formación de profesores chilenos o los discursos sobre la afectividad que giran en torno a la profesionalización de maestros en Argentina arrojan elementos para pensar lo local, lo regional y lo global respecto de la historia de cómo se educaron las subjetividades. Con esto queremos indicar el carácter transitivo y contingente de la propuesta: pensar lo latinoamericano no supone reflexionar sobre algo estrictamente nuevo o disruptivo, sino más bien lo distintivo ‘dentro de’ sus generalidades y recurrencias. Es decir, los artículos exponen particularidades distintas que permiten, en el juego de lo propio y ajeno de cada contexto, comprender las continuidades y las rupturas, en ‘su’ interior, pero también en ‘su’ exterior.
A su vez, se destaca que lo histórico está en evidencia en un doble sentido por demás interesante. En primer lugar, porque lo histórico permite pensar lo político, y con ello lo legítimo, no para reafirmarlo sino para desentrañar cómo se constituyó. Esto es, así como las fronteras entre lo particular microcontextual y lo general macropolítico son difusas, haciendo que lo que ocurrió en un territorio pueda arrojar elementos para pensar otros, en todos los textos se exponen casos en los cuales también las líneas divisorias entre lo que pasó y lo que pasa se configuran como porosas. Es que las propuestas de los autores constituyen ejemplos históricos pero que por su relación con lo político no se presentan como ‘pasados’.
En segundo término, si tal como planteaba Karl Marx la naturalización es el efecto del olvido de la génesis de un proceso, entonces puede comprenderse por qué pensar la historia de la educación de las sensibilidades implica recordar aquello que damos por natural. Y en este sentido puede encuadrarse una de las posibles razones por las cuales interpelar las pasiones y los afectos parece ‘necesariamente’ obligarnos a referirnos a lo corporal, modernamente entendido como sinónimo de naturaleza. De allí que no es casual que atraviese la cuestión del cuerpo como tema transversal en las relaciones entre subjetividad y sensibilidad. Vale preguntarse entonces si es posible pensar la educación de las emociones sin pensar la regulación de los cuerpos, o en todo caso si la formación de las sensibilidades es un subtópico de la educación de los cuerpos, o viceversa. Quizás esto puede ser explicado a través de Theodor Adorno y Max Horkheimer, quienes sostenían que por debajo de la historia conocida corre una historia subterránea, que es “[…] la historia de la suerte de los instintos y las pasiones humanas reprimidos o desfigurados por la civilización”, que es en definitiva la historia del interés por el cuerpo [2] (1998, p. 277).
Los artículos de Pablo Toro y Ana Abramowski coinciden en transitar dos caminos, uno acerca del objeto histórico de estudio y otro acerca de sus posicionamientos frente a las emociones para el primero y de los afectos para la segunda. En el caso de Toro, observa las sensibilidades en estudiantes chilenos hacia finales de la década de 1920 a partir de una crítica teórica de los conceptos de ‘emocionología’ de Peter Starns y de ‘comunidad emocional’ de Barbara Rosenwein, para coincidir con la perspectiva de los ‘regímenes emocionales’ de William Reddy, en tanto que Abramowski reflexiona acerca de la afectividad de docentes argentinos de primeria entre 1870 y 1970, particularmente a partir de interpelar el “eros pedagógico” como una manera de ser que combina vigilancia, amor, disciplina, saber, escolarización y familiaridad.
Por su parte, Katya Braghini aborda un tópico central en la problemática de la educación histórica de las sensibilidades que no debiera ser obviado: la materialidad de la estética. Si partimos de seguir el posicionamiento foucaultiano – en boga en los estudios actuales– que indica que la estética es la relación con las cosas, y si entendemos el peso central para la modernidad de lo presente y lo material como vías de acceso a la belleza, entonces es posible pensar por qué representa una relevancia destacable el estudio de un objeto material producido para generar una sensibilidad sobre esa cosa, transmitir un sentido unificado. Es que eso hace la condición material de la estética: procurando fijar las ideas o las palabras en las cosas, buscando delimitar las significaciones a los límites sedimentados del objeto. Dicho de otro modo, el objeto que Braghini analiza –la mujer transparente de Dresden– muestra una legitimada belleza moderna, transformada en un juguete científico, en donde la belleza está asociada a la juventud como sinónimo de belleza del pueblo, la higiene del cuerpo ‘transparente’ como la ciencia, a lo científico como perspectiva futurista. Puede pensarse que el trabajo de Katya aporta también en otra dirección: la estética del objeto femenino, y su relación con la sensibilidad, cuestión generalmente ligada a las mujeres por su proximidad con la naturaleza. Es que para la autora hay en la producción material de un objeto la posibilidad de producir efectos estéticos, y con ello la posibilidad de modelar aquello que nos constituye como sujetos.
Hay en este punto una posible relación con el texto que presentan Virginia Alonso, Leticia Corvo, Jimena González, Lucía Mato y Raumar Rodríguez Giménez, cuando esbozan su análisis sobre las exhibiciones gimnásticas masivas en eventos deportivos, particularmente a través de los sentidos estatales sobre la Educación Física como método para transmitir sentidos sobre higiene ‘científica’ de los cuerpos. En este registro es interesante el esfuerzo teórico de los autores por retomar la dimensión estética en relación con lo político, y cómo a través de un dispositivo pedagógico específico –como fueron las exhibiciones gimnásticas durante la dictadura cívico-militar en el Uruguay entre los años 1973 y 1985– se transmitieron legitimados sentidos sobre las sensibilidades. Es que cuerpo y movimiento son históricamente recursos de la educación escolarizada para formar la percepción del mundo y establecer juicios de valor consagrados, especialmente a través de una homogeneización liberal que, antes de estar preocupada por que ‘todos sean iguales’, se ocupa de ‘mantener la igualdad de las cosas’, el ‘statu-quo’.
Por su parte, Pablo Pineau esboza en su escrito otra trayectoria, que no está ligada al estudio de un objeto material o histórico específico, sino más bien a una lectura trasversal sobre las miradas latinoamericanas acerca de la educación de las sensibilidades. En un trabajo epistémico con tono ensayístico que se propone recuperar los principales debates acerca de las emociones, las sensibilidades y la estética, el autor despliega un interesante estado de la cuestión de las principales teorías que en este sentido vienen desarrollándose en Europa y en Estados Unidos en las últimas dos décadas, y una particular lectura de cómo viene formulándose el diálogo teórico con América Latina, especialmente para la prescripción de una ‘estética escolar’ reproducida a través de los sistemas educativos latinoamericanos.
Es posible ver en este recorrido transversal por los textos que, si bien el debate por la educación de las sensibilidades interpela sus usos políticos, las disputas teóricas en torno a la conceptualización de los afectos, las pasiones, las emociones, los sentidos, los sentimientos o las sensibilidades no son excluyentemente una cuestión academicista, sino que también implica posicionamientos respecto de las relaciones entre los sujetos, el mundo y los cuerpos. A su vez, una última cuestión: hay en la base de todo este recorrido un trasfondo inteligible que reparte lo sensible, que distingue qué es lo colectivo y qué lo individual, qué lo público y qué lo privado, qué lo externo y qué lo interno, qué lo natural y qué lo cultural.
LO COMÚN Y LO PARTICULAR
La tradición del pensamiento racionalista y la praxis política de la democracia liberal o consensual en la que nos hemos formado predominantemente, ha desarrollado una serie de preconceptos que han dado como resultado la marginación de los afectos y la dimensión sensible, de la tematización de la ciencia social. Por ejemplo, la presencia de los afectos en la política ha sido frecuentemente analizada como un signo de debilidad y atraso, más que como parte de una consolidada institucionalidad política. Contrariamente, quisiéramos subrayar que se trata de problemas estético-políticos [3], una dimensión sensible que se pone en juego en relación a constituir sensibilidades populares, formas de sentir común (Cadahia, 2015), que obnubilan ocultando –nunca totalmente– lo subjetivo tras el manto de lo colectivo. El conocimiento estético, para Baumgarten [4] (1758), se ubicaría entre la generalidad de la razón y la particularidad de los sentidos.
En el terreno de las pasiones el espacio de la política emerge exactamente cuando lo público deja de operar con sus requisitos habituales. La democracia debe entenderse entonces como la constitución de un sujeto político en una manifestación o en una demostración de una injusticia o de un equívoco. “La política empieza con la existencia de sujetos que no son ‘nada’, que son un exceso respecto al recuento de partes de la población […]” “[…] no hay política hasta que no hay una capacidad de universalización de lo que está en cuestión en una u otra situación” (Rancière, 2011, p. 73, destacado del autor, 112).
Por ser la estética una forma de apropiarse del mundo y actuar sobre él, inevitablemente se desliza hacia la ética, y por añadidura a la política. Lo que parece bello resulta, además, correcto. Y luego, un ideal de lucha. La estética se vuelve entonces un campo de debate político y de producción de proyectos de alto impacto social. Es impensable que esta lógica no haya estado encarnada por las instituciones formadoras. Justamente por ello entendemos que el valor de los textos que este Dossier compone radica en la potencialidad de desentrañar, al decir ‘con’ Bourdieu, tanto el cuerpo en lo social, como lo social en el cuerpo. 3 Conviene recordar que lo político remite a la dimensión antagónica que es inherente a todas las sociedades humanas.
Notas
1. Según Freud, el sujeto puede dirigir su energía pulsional hacia un objeto o una representación e impregnarlo, cargarlo o cubrirlo de parte de ella. Se llaman catexias a estas descargas de energía psíquica. A partir de la experiencia de catetización, el objeto cargado ya no le resulta indiferente al sujeto, más bien tendrá para él una halo o colorido peculiar.
2. Precisamente se titula ‘Interés por el cuerpo’ al apartado incluido en Dialéctica de la ilustración.
3. Conviene recordar que lo político remite a la dimensión antagónica que es inherente a todas las sociedades humanas.
4. Recordemos que se le asigna a Alexander Baumgarten, el nacimiento de la estética como disciplina filosófica que se ocupa de la belleza como saber específico y autónomo, al que considera la intuición sensible como un conocimiento que no es inferior a la razón, sino como un tipo diferente de conocimiento.
Referências
ADORNO, T. W., & Horkheimer, M. (1998). Dialéctica de la ilustración: fragmentos filosóficos. Madrid: Trotta.
BAUMGARTEN, A. (1758). Aesthetica. Hildesheim: Georg Olms.
CADAHIA, L. (2015). Podemos y el despertar de la sensibilidad colectiva. Debates y Combates, 8(5), 151-168.
LACLAU, E. (2005). La razón populista. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica.
MOUFFE, C. (2014). Agonística: pensar el mundo políticamente. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica.
RANCIÈRE, J. (2011). El tiempo de la igualdad: diálogos sobre política y estética. Barcelona: Herder.
ROSENWEIN, B. (2010). Problems and methods in the history of emotions. Passions in Context, 1(1), 1-32.
Myriam Southwell – Doctora por la Universidad de Essex (Inglaterra), magister en Ciencias Sociales con orientación en Educación (FLACSO Argentina), profesora y licenciada en Ciencias de la Educación, Universidad Nacional de La Plata. Directora del Doctorado en Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de La Plata e investigadora independiente del CONICET. Es miembro del Comité Ejecutivo de ISCHE (International Standard Conference on History of Education) Fue secretaria académica de FLACSO Argentina (2011-2015) y presidenta de la Sociedad Argentina de Historia de la Educación entre 2008 y 2012. E-mail: islaesmeralda@gmail.com orcid.org / 0000-0001-5392-6606
Eduardo Lautaro Galak – es profesor en Educación Física, Magíster en Educación Corporal y Doctor en Ciencias Sociales por la Universidad Nacional de La Plata (Argentina), con post-doctorado en Educação, Conhecimento e Integração Social (UFMGBrasil). En la actualidad es Investigador Asistente del CONICET (Argentina). Ejerce la docencia actuando en grado y posgrados. Es autor del libro “Educar los cuerpos al servicio de la política. Cultura física, higienismo, raza y eugenesia en Argentina y Brasil” (2016) y compilador de “Cuerpo y Educación Física. Perspectivas latinoamericanas para pensar la educación de los cuerpos” (2013) y “Cuerpo, Educación, Política: tensiones epistémicas, históricas y prácticas” (2015), así también como de diversos artículos y capítulos de libro en los que trabaja la relación entre educación del cuerpo y (re)producción política, principalmente a través de analizar genealógicamente discursos referidos a la formación profesional, a la estética, al cine, al cientificismo, a la salud e higiene públicas y al mejoramiento de la raza. E-mail: eduardogalak@gmail.com orcid.org / 0000-0002-0684-121X.
SOUTHWELL, Myriam; GALAK, Eduardo Lautaro. [Perspectivas latinoamericanas e históricas sobre la educación estética y de las sensibilidades]. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 18, 2018. Acessar publicação original [DR]
Magistério oitocentista: contribuições da história da educação na problematização de questões de gênero, etnia e protagonismo docente / Revista Brasileira de História da Educação / 2018
Este dossiê é composto por quatro artigos sobre professores oitocentistas com recortes que contemplam diferentes regiões, períodos e questões [1]. O intuito desse conjunto de reflexões consiste em trazer contribuições da história da educação para a problematização de questões de gênero, etnia e protagonismo no exercício do magistério, considerando as singularidades regionais do território, em um período determinado da história brasileira, o Oitocentos.
A docência constitui parte imprescindível dos processos educacionais previstos nos projetos de civilização, progresso e ordenação de sociedades no século XIX, concebidos por agências governamentais ou não. O magistério público, em tais circunstâncias, confere ao ofício a particularidade de atuar em nome do Estado, mas também de ser peculiarmente afetado por ele. Da mesma maneira, atua na sociedade e é afetado por ela e por suas demandas sociais, ainda que algumas sejam configuradas como bandeiras de determinados grupos. Ambas as condições provocam continuamente os professores a se posicionarem com gradações de maior ou menor conformismo ou insubordinação, tornando-se atores de uma agenda que são convocados a cumprir.
Ao longo do Oitocentos, o ofício foi significativamente regulado por leis e por costumes oficiosos marcados pelas diversidades regionais, imperativos e urgências que, somados às experiências docentes (Schueler, 2001; Munhoz, 2012), conferem diferentes matizes aos processos de constituição da profissão. Também sinalizam os problemas e os efeitos do processo de inculcação de valores, de conformação e de adesão da população, via educação, a um projeto de governamentalidade, em que pesem os recorrentes movimentos insurgentes ao longo do Império.
Compreender e analisar tais aspectos permitem desnaturalizar ideias e imagens produzidas em torno do ofício de professor, bem como desconstruir crenças arraigadas e difundidas por muito tempo no próprio meio acadêmico. A persistência do tema da docência na composição dos eixos dos congressos da área como o Congresso Brasileiro de História da Educação e o Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação e o quantitativo expressivo de trabalhos remetem à emergência de novas abordagens, mas também sinalizam que a temática continua sendo importante objeto de estudos da história da educação e do campo da educação.
Os artigos que compõem o dossiê, no que se refere aos recortes temporais, abordam desde experiências iniciadas na década de 1820 avançando até o fim do século XIX. A maior concentração de estudos na segunda metade do século se relaciona com a ampliação da escolarização e da cultura escrita, abertura de escolas, instituições formadoras e criação de periódicos. Este crescimento incrementou a produção de registros que são tomados como fontes das pesquisas. Neste período, algumas medidas governamentais relativas à Instrução Pública, como a lei de 15 de outubro de 1827 e o ato de 1834 (adicional à Constituição de 1824), desencadearam um significativo crescimento da malha escolar e dos docentes. Marcos internos à história da educação – tanto da esfera central como estes citados, quanto provinciais – balizam as periodizações, assim como os eventos da história política das regiões e do Império do Brasil.
Assim, são analisadas trajetórias docentes vividas em regiões com diferentes características, ‘centrais’ e ‘periféricas’, imersas em ritmos sociais e econômicos distintos. São locais centrais – como a Corte – ou mais distantes geograficamente do poder imperial como a província da Parahyba do Norte. A Corte apresentava grande urbanização e era a mais populosa entre as localidades recortadas; São Paulo era uma capital pouca urbanizada, mas estava entre as regiões mais populosas da província. A vila de Cotia, servindo de contraponto, apresenta um contexto cultural caipira de uma região da província de São Paulo.
Fernanda Moraes, no artigo intitulado ‘Professores e professoras públicas de Primeiras Letras em Cotia (SP, 1870-1885): trajetórias docentes e estratégias do oficio de ensinar’, analisou a atuação de docentes de primeiras letras em Cotia – município vizinho à capital paulista, entre os anos de 1870 e 1885. Ao rastrear a vida pública de 14 professores, a autora identificou a presença deles em cargos públicos e / ou em funções diversas, concomitantes ou não ao exercício do magistério. Foram sujeitos que atuaram, sobretudo, no último quartel do século numa localidade periférica – Cotia – geograficamente próxima à capital paulista, mas distante do crescimento econômico que se assistia em outras regiões da província. Enquanto muitas localidades paulistas vivenciavam o desenvolvimento econômico propiciado pela cultura do café e instalação da linha férrea, Cotia vivia um processo de retrocesso justamente por ser um ponto importante do tropeirismo que decaiu com a ferrovia. Fernanda Moraes destacou que, a despeito da estagnação econômica, a escolarização foi ampliada na região e ressaltou a importância da ambiência familiar e das relações entre masculino e femininona configuração do magistério no XIX.
Angélica Borges, no texto intitulado ‘Lugares do magistério na Corte Imperial: o protagonismo do professor Candido Matheus de Faria Pardal’, apresenta uma reflexão acerca da trajetória de um professor que lecionou e circulou por diferentes espaços escolares, mas também por espaços religiosos, recreativos, sociais e políticos, na capital do governo imperial, a localidade mais urbanizada no período. Candido Matheus de Faria Pardal (1818-1888) exerceu o magistério por pelo menos 42 anos – no ensino primário, secundário e profissional – em instituições públicas e particulares, para meninos e meninas. O professor também atuou como examinador e escreveu compêndios. Angélica Borges destacou como Pardal extrapolou os limites da escola em diversas associações de caráter religioso, social, cultural, político e econômico, e em diferentes cargos públicos, estabelecendo uma série de relações a partir da escola com professores, governantes, famílias dos alunos, vizinhança, a cidade e o mundo estrangeiro, em um momento de intensificação do processo de escolarização na sociedade da Corte – por mais de quatro décadas – atravessando três quartéis do XIX. Por meio do recorte da trajetória prolongada de um professor numa localidade central, a autora refletiu sobre as diferentes relações estabelecidas entre magistério, escolarização e cidade.
A partir de um recorte provincial, Surya Aaronovich Pombo de Barros, no artigo intitulado ‘Graciliano Fontino Lordão: um professor ‘de côr’ na Parahyba do Norte’ destaca à luz da história da educação da população negra no Brasil a trajetória do professor Lordão (1844-1906), filho de uma mulher negra de quem se tem poucas informações e de um frei católico, que era professor e detinha relativa proeminência na sociedade local. Surya Barros acompanha a trajetória de escolarização, o exercício do magistério (como professor particular e público de primeiras letras e de latim) e a atuação política de Lordão como deputado provincial / estadual por quatro mandatos, além de dirigente do Partido Liberal. A autora questiona o impacto que a presença de um professor negro pode ter representado para os alunos e a possível relação entre pertencimento racial e algumas de suas práticas docentes como ter um aluno que era filho de uma escrava ou abrir uma aula noturna para adultos. Seu objetivo é destacar a possibilidade de ascensão social que a instrução podia representar para a população negra sem desconsiderar os obstáculos, a exclusão e a precariedade vivida por estes sujeitos.
Fabiana Garcia Munhoz, no artigo intitulado ‘Para além das prendas domésticas: a trajetória da mestra Benedita da Trindade no magistério feminino paulista’, aborda a trajetória da professora pública de primeiras letras pioneira da cidade de São Paulo, Benedita da Trindade do Lado de Christo. A autora interpreta questões que perpassaram o magistério feminino nesta província problematizando a legislação que criou as aulas públicas de primeiras letras para meninas e, a partir da trajetória da mestra Benedita, destaca a questão dos saberes específicos previstos pela lei (as prendas domésticas) retomando estudos anteriores (Hilsdorf, 1997; Rodrigues, 1962) e a interpretação desta historiografia de que a mestra resistia em ensinar as prendas domésticas previstas pela lei. Operando numa perspectiva micro-histórica, Fabiana Munhoz analisa o ingresso no magistério com a novidade representada pelos concursos públicos entre a população feminina; destaca a atuação de professoras como examinadoras das novas candidatas e estabelece algumas relações entre as experiências das mestras e os lugares que ocuparam – ou buscaram ocupar – na instrução feminina e transmissão do magistério entre mulheres na cidade de São Paulo em meados do XIX.
Os artigos do dossiê dão cor à heterogeneidade da docência – e da escolarização – ao longo do Oitocentos. Foram três abordagens com recortes locais e uma provincial. Em um cenário de contexto caipira, como o da vila de Cotia, observamos uma rede de professores em atividade e a ampliação da malha escolar. Acompanhamos os sujeitos professores – homens e mulheres – em suas relações, cooperações e conflitos para efetivar as aulas de primeiras letras numa localidade pouco populosa e urbanizada e com uma economia próxima da subsistência. Quase meio século antes, há alguns quilômetros da pequena vila de Cotia, na capital da província de São Paulo (uma cidade pouco urbanizada no período, mas capital de província), o magistério feminino era inaugurado e exercido por uma professora que conviveu com outras mestras, alunas e famílias, vereadores, inspetores e presidentes de província e lidou com questões relativas ao ingresso, exames, saberes das aulas femininas e transmissão do magistério. À modesta urbanização da província de São Paulo, onde acompanhamos uma experiência feminina, contrapõese o dinâmico cenário da Corte. Além dos contrastes regionais e do espaçamento do tempo, pesa a diferença de gênero nas experiências docentes dos sujeitos investigados.
A diversificada trajetória do professor Pardal atravessa e é atravessada por múltiplos espaços da cidade do Rio de Janeiro. Por ser homem, a vida pública do mestre foi bastante movimentada (e registrada em fontes) em associações de caráter religioso, social, cultural, político e econômico. Sua experiência indicia um caráter urbano do magistério na medida em que professor e seus alunos adentraram e abriram as escolas para estes espaços. No mesmo Império do Brasil, numa província do Norte do Império [2], bastante distante da Corte e com uma economia alicerçada na produção agrícola (açúcar e algodão), pecuária e no trabalho escravo combinado à mão de obra livre, acompanhamos a trajetória de um professor negro e os impactos de sua atuação num país onde a escravidão era legalmente permitida e fonte de produção da riqueza que se concentrava nas mãos de uma minoria da população.
Às diferenças regionais soma-se a diversidade temática das investigações. Como já destacamos, houve uma variedade de objetos – desde a circulação de professores e sua presença em outros espaços da cidade exercendo um protagonismo docente, relações familiares, transmissão do magistério até a questão racial e de gênero. Para subsidiar as análises, foi mobilizado um repertório diversificado de fontes. As interpretações são construídas a partir de cuidadoso trabalho de pesquisa em arquivos e de sistematização. Entre as fontes, destacam-se os documentos manuscritos da Instrução Pública de arquivos estaduais; imprensa oitocentista; relatórios de inspetores da Instrução e de presidentes de província; relatórios oficiais e legislação educacional.
Os artigos do dossiê trazem contribuições da história da educação para as reflexões sobre o magistério oitocentista e evidenciam as diferentes possibilidades de enfoque em torno da docência. Pardal, Lordão, Benedita da Trindade e os diversos professores de Cotia protagonizaram histórias de negociação e conformação diante das condicionantes impostas, e também de resistência, ousadia e luta para inserção e intervenção na sociedade por meio do magistério. Cada qual à sua maneira, a partir das possibilidades, de sua condição regional, de gênero ou de etnia, deixou seu quinhão de contribuição para compreendermos e constituirmos as multifacetadas páginas da docência na história da educação brasileira.
Notas
1. Os artigos que compõem este dossiê foram apresentados no formato de Comunicação Coordenada intitulada ‘Magistério oitocentista: singularidades regionais, de gênero e raça em trajetórias docentes’, no IX Congresso Brasileiro de História da Educação, realizado em 2017, em João Pessoa-PB, no eixo temático ‘Formação e Profissão Docente’.
2. Durante o século XIX, as expressões ‘províncias do norte’ e ‘do sul’ eram utilizadas, mas sem organização oficial. O que se denominava de região Norte dizia respeito aos atuais norte e nordeste (Gregório, 2012).
Referências
GREGÓRIO, V. M. (2012). Dividindo as províncias do Império: a emancipação do Amazonas e do Paraná e o sistema representativo na construção do Estado nacional brasileiro (1826-1854). São Paulo, SP: USP.
HILSDORF, M. L. S. (1997). Mestra Benedita ensina primeiras letras em São Paulo. São Paulo, SP: Plêiade.
MUNHOZ, F. G. (2012). Experiência docente no século XIX: trajetórias de professores de primeiras letras da 5ª comarca da Província de São Paulo e da Província do Paraná (Dissertação de Mestrado em educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo.
Rodrigues, L. M. (1962). A instrução feminina em São Paulo. São Paulo, SP: Escolas Profissionais Salesianas.
SCHUELER, A. F. M. de (2001). Culturas escolares e experiências docentes na cidade do Rio de Janeiro (1854-1889) (Tese de Doutorado em educação). Faculdade de Educação da UFF, Niterói.
Fabiana Garcia Munhoz – Historiadora e pedagoga pela Universidade de São Paulo (2002, 2008). Mestra (2012) e doutora (2018) em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Suas investigações na área da História da educação dedicam-se ao estudo sobre o magistério oitocentista com foco na história social do trabalho docente, história social das mulheres e relações de gênero. Participa do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação (NIEPHEFEUSP) desde 2007. É professora de Educação básica da cidade de Rio Claro – SP / BR desde 2013. E-mail: fgmunhoz@gmail.com https: / / orcid.org / 0000-0002-0198-4924
Angélica Borges – Graduada em Pedagogia e mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP, 2014). Professora adjunta do Departamento de Ciências e Fundamentos da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Campus Duque de Caxias (FEBF-UERJ), e professora da educação básica na Rede Municipal de Duque de Caxias (RJ). Integrante do grupo de pesquisa EHELO- FEBF (Estudos de História da Educação Local). E-mail: angelicaborgesrj@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0003-0207- 943X
MUNHOZ, Fabiana Garcia; BORGES, Angélica. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá-PR. Maringá, v. 18, 2018. Acessar publicação original [DR]
Escolas isoladas e reunidas: a produção da invisibilidade / Revista Brasileira de História da Educação / 2016
Nos últimosanos, no Brasil, tem se apresentado uma significativa produção acadêmica no campo da história da educação a respeito do projeto de educação primária das primeiras décadas do regime republicano. Enfoca-se basicamente a constituição de uma nova organização escolar, a escola graduada, cuja institucionalização teria ocorrido por meio dos grupos escolares, que são tomados como vitrines do projeto republicano e símbolos da modernidade. Porém, o avanço das pesquisas e o contato mais sistemático com as fontes tem demonstrado que os grupos escolares não predominaram na maioria dos estados brasileiros. Na realidade, em várias regiões do país, imperaram, em termos quantitativos, ou seja, em número de unidades escolares e de matrícula, as chamadas escolas isoladas e reunidas, cujas condições de financiamento e manutenção eram precárias.
Dar visibilidade a essas instituições de ensino primário significa contribuir para a necessária revisão historiográfica da difusão da educação elementar no país. De modo algum, o enaltecimento de um tipo de escola em detrimento de outro se vislumbra como perspectiva adequada. Ao contrário, cabe dimensionar quantitativa e qualitativamente o lugar ocupado pelos diferentes tipos de instituição destinados à escolarização da infância. O recomendável, sem dúvida, é a perspectiva relacional que amplia a perspectiva analítica do alcance das escolas no atendimento à população.
O cuidado para não embarcar nas representações dos educadores em circulação em vários momentos do período republicano é medida cautelar desejável. Considerar o número de escolas e de alunos matriculados, o nível de formação dos professores, a infraestrutura material e as condições de trabalho dos professores também constitui procedimento analítico necessário. Tomar qualquer um desses tipos de escola como objeto histórico requer considerar o significado político e sociocultural da diferenciação da rede escolar de ensino público. Não é demais ressaltar que a atenção dada nos últimos anos pelos historiadores da educação aos diferentes tipos de escola primária mantidos pelos governos dos estados para o povo tem uma dimensão política e pedagógica. A diferenciação interna da rede escolar é um problema central para a compreensão das desigualdades educacionais que predominaram na instrução pública do país. Escolas isoladas, grupos escolares, escolas ambulantes, provisórias, rudimentares, promíscuas, reunidas, mistas, noturnas, entre outras denominações, diferenciaram modos de ensino, tempo de duração do curso primário, programas escolares, nível de formação dos professores, condições salariais, localização espacial, etc. Por sua vez, essas múltiplas diferenciações implicaram e justificaram dotações diversas de recursos públicos. Da perspectiva pedagógica, sobressai a diversidade da produção da escola e da experiência docente.
Nesse sentido, no estudo das escolas isoladas e reunidas, tanto a produção da invisibilidade quanto a permanente precariedade material inscrevem-se como aspectos determinantes no estudo crítico e aprofundado da história do ensino primário.
Os textos reunidos neste dossiê têm esse intuito. Contemplando contextos nacionais ( Brasil e México) e regionais distintos ( São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais), períodos históricos diversos( final século XIX e meados século XX), aspectos variados no tratamento do tema(formação de professores, estatística escolar, organização das salas de aula, condições de funcionamento ) fontes múltiplas ( relatórios de inspeção, estatísticas escolares, legislação, currículos escolares, entre outros), tem-se em vista contribuir para a produção de uma historiografia das escolas isoladas e reunidas. Procura-se apreender as múltiplas possibilidades de instrução da infância no interior do espaço escolar, bem como as diversas configurações que a instituição escola assumiu ao longo da história.
Maria Cristina Soares de Gouvêa – Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: crisoares43@gmail.com
Rosa Fátima de Souza – Universidade Estadual de São Paulo- Unesp / Araraquara.
GOUVÊA, Maria Cristina Soares de; SOUZA, Rosa Fátima de. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 16, n. 2, abr / jun, 2016. Acessar publicação original [DR]
História da Cultura Escrita / Revista Brasileira de História da Educação / 2016
O número de estudos sobre história da cultura escrita tem aumentado muito em diversos países nas últimas décadas. Esses estudos, que mantêm uma interface estreita com áreas correlatas, como a história do livro e da leitura, a história da educação e a história da alfabetização, possuem especificidades que lhes atribuem contornos próprios, sobretudo em algumas tradições disciplinares e culturais. Já consolidada, a produção de alguns autores e grupos internacionais tem tido grande impacto nas pesquisas que vêm sendo realizadas no Brasil. Entre tais autores, destacam-se Armando Petrucci, na Itália, Antonio Castilho Gómez, na Espanha, de Roger Chartier, Jean Hébrard e Anne-Marie Chartier, na França. Na produção nacional, juntam-se a eles os que, embora realizem trabalhos semelhantes em seus propósitos e fontes, advêm de outros países, como os anglo-saxônicos, em que a própria expressão história da cultura escrita não tem sido a mais utilizada: em lugar dela, é utilizada a denominação history of literacy. Nessa direção, autores como Harvey Graff e David Vincent também têm contribuído para a configuração do campo em nosso país.
O uso de diferentes denominações para o estudo desse fenômeno em uma abordagem histórica é compreensível. Se considerarmos cultura escrita como o lugar simbólico e material que o escrito ocupa em determinados grupos sociais, comunidades e sociedades, em épocas distintas (Galvão, 2010), são muitas as “entradas” [1] (Chartier, 2002) que podem ser utilizadas para estudá-la: as instâncias ou instituições que ensinam ou possibilitam a circulação do escrito; os objetos que lhe dão suporte; os próprios suportes nos quais o escrito é difundido e ensinado; os sujeitos que o utilizam (ou não); os seus meios de produção e transmissão.
Nessa direção, o campo de estudos sobre história da cultura escrita necessariamente dialoga com um conjunto de abordagens que têm tido um papel fundamental na renovação observada, desde o final dos anos 1980 no Brasil, no campo da História da Educação. A princípio, portanto, se desejássemos expressar o contexto de produção da maioria dos artigos aqui reunidos, poderíamos nomear o dossiê de, pelo menos, três diferentes modos: história da alfabetização, história do letramento e história da cultura escrita. No entanto, como compreendemos que a história da alfabetização está centrada na compreensão do fenômeno da aquisição / apropriação de uma nova tecnologia e seus materiais e que a história do letramento focaliza os usos sociais da leitura e da escrita, optamos pela última denominação. Como discutimos acima, a expressão cultura escrita é capaz de abarcar um conjunto mais amplo de objetos e abordagens. Evidentemente, essa tentativa de delimitar campos cujas fronteiras são tão tênues não está isenta de polêmicas, principalmente porque, em torno dessas expressões, está também a tradução da palavra literacy, como mostram os dois primeiros textos publicados.
É nesse contexto de polêmicas e de um campo ainda em construção no Brasil que propomos o presente dossiê. Com ele, objetivamos apresentar contribuições que reforcem a produção de estudos cada vez mais sólidos, rigorosos e complexos sobre a temática. Buscamos também estreitar o diálogo com pesquisadores que, há cerca de três décadas, vêm renovando os estudos realizados no campo da História da Educação no Brasil e constituem o principal público leitor da RBHE.
A proposição deste dossiê também foi motivada pela presença de dois renomados pesquisadores, Harvey Graff (Ohio State University) e Anne-Marie Chartier (Laboratoire de Recherche Historique RhôneAlpes / École Normal Supérieure de Lyon), como professores visitantes [2] em universidades brasileiras (Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade do Estado do Rio de Janeiro), em agosto de 2014. Entre as diversas atividades por eles realizadas no país, destaca-se a participação na mesa redonda Perspectivas para uma história do letramento e da alfabetização, no V Colóquio Internacional sobre Letramento e Cultura Escrita, realizado em Belo Horizonte e organizado pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale / UFMG).
O dossiê é aberto, assim, por ensaios desses dois autores, reconhecidos internacionalmente pelo conjunto de suas obras. Nesses textos, eles retomam as principais questões que têm constituído a trajetória do campo de estudos sobre a história da literacy, nas tradições norteamericana e europeia. Com base nessa revisitação das grandes discussões que têm marcado a área, eles apresentam proposições que podem ser lidas como um grande programa de pesquisas que pode conduzir a um avanço de fato na produção do conhecimento sobre os fenômenos da alfabetização, do letramento e da cultura escrita. Entre essas proposições, destaca-se a necessidade de superar dicotomias tradicionalmente marcadas nos debates e compreendê-las como dimensões indissociáveis na pesquisa: oralidade e escrita, estudos históricos, sociológicos e históricos e práticas pedagógicas, prescrições e usos; idealizações e materialidade.
O artigo de Harvey Graff, o primeiro do dossiê, com um olhar comparativo voltado para uma abordagem intelectual, cultural, histórica e institucional, ajuda-nos a problematizar o lugar ocupado pelo letramento no plano simbólico e nas práticas. Na tradição de seus trabalhos, o autor recupera a noção de mito do letramento, reforçando a forma como o próprio Iluminismo e a ideia de modernidade foram amparados na crença na superioridade da tecnologia da escrita para a cognição, para a moral, para o controle social. Essas noções, construídas, pelo menos, desde a Renascença, por mais que tenham sido problematizadas em estudos acadêmicos e nas promessas não cumpridas das próprias práticas sociais, permanecem fortes no imaginário de pesquisadores, dos cidadãos e dos governos. O autor, ao reconstruir a trajetória dos estudos sobre letramento, localizando os principais trabalhos por volta dos anos 1920 e 1930, relaciona as viradas paradigmáticas neles observadas a crises sociais de diversas ordens, como guerras, migração, taxas de fertilidade, mudanças tecnológicas, entre outras, que põem em questão o mito do letramento e fazem avançar as tentativas de estudos interdisciplinares. Ao fazer uma análise do lugar institucional que os estudos sobre letramento ocupam na hierarquia das disciplinas, inclusive naquelas que tomam para si o status de ciências de base e se proclamam como novidade, o autor nos alerta para o passado, o presente e o futuro dos estudos, apresentando alguns caminhos-questionamentos para o avanço em uma direção interdisciplinar. Desafiam-nos, assim, a pensar o campo, seu status e reputação: ao mesmo tempo em que são vistos como inseparáveis das práticas educativas, os estudos sobre letramento ocupam espaços diferenciados nas ciências sociais e em outras áreas. Ao problematizar os termos letramento e cultura escrita, assim como algumas abordagens atuais, o texto convoca-nos a realizar uma permanente metarreflexão em torno de noções que têm sido repetidas em nossas produções acadêmicas sem que dimensionemos seu poder para instituir realidades. Como propor novos olhares que façam complexificar e provocar fissuras nas cômodas análises que temos realizado? Em que o lugar ocupado pelos estudos sobre letramento na hierarquia do “panteão das disciplinas” impõe limites e, ao mesmo tempo, aponta possibilidades para abordagens mais rigorosas, menos salvacionistas, mais voltadas para a compreensão das práticas e dos usos, mais interdisciplinares?
É exatamente a reflexão sobre o entre-lugar ocupado por pesquisadores que se interessam pela história do letramento, de um lado, e pelo ensino da leitura, de outro, que está no cerne da discussão contida no segundo artigo do dossiê, de autoria de Anne-Marie Chartier. Baseado em memórias pessoais e em estudos acadêmicos, o texto apresenta-nos os principais debates que estiveram no centro das reflexões dessas duas grandes áreas, principalmente nos últimos cinquenta anos. Por muito tempo, a pedagogia e as ciências a ela aplicadas (como a psicologia, a neurologia e a sociologia) situaram os estudos sobre a alfabetização e sua história no âmbito das práticas escolares, buscando respostas para os problemas cotidianamente enfrentados, contribuindo para construção de prescrições e para uma didática da leitura. Os historiadores, os antropólogos e os sociólogos, ao realizar estudos sobre letramento e cultura escrita em diferentes épocas e sociedades, por sua vez, quase sempre ignoraram os debates ocorridos entre aqueles que viviam os dilemas das práticas pedagógicas. Ao trabalhar com os dois domínios, Anne-Marie Chartier nos alerta para uma espécie de cegueira: a ausência de diálogo de um domínio com o outro torna-nos um pouco ingênuos em relação às formas instituídas e instituintes da cultura escrita. Reunindo esses dois domínios, a autora apresenta reflexões sobre que significa ler, o que significa ler partindo do ato de escrever e também sobre o papel da materialidade dos objetos que transmitem / portam a leitura. Esse último elemento, o da materialidade, por exemplo, transforma uma leitura de recepção em uma leitura para comunicação, alterando as relações entre quem pode escrever para que outros leitores recebam seus escritos e quem lê e escreve para se conectar aos outros na sociedade contemporânea. Não há desenvolvimento linear e evolutivo nas relações entre o oral e o escrito ou entre os poderes que definem quem transmite e quem aprende em determinado contexto. Os estudos históricos são uma porta de entrada para pensar momentos em que determinados poderes não estão nas mãos da escola: ora eles estão em instituições como a igreja, ora na sociedade e em suas práticas sociais, ora nas tecnologias. A contribuição de Anne-Marie Chartier permite problematizar esses poderes ao trabalhar alguns modelos dominantes de transmissão e aprendizagem da leitura, percorrendo um período que vai do século XVI ao XXI. Nesse estabelecimento de diálogo entre períodos tão distintos, ganham relevo aspectos que determinaram mudanças mais radicais nas práticas de leitura. Aos jovens pesquisadores fica o apelo para que, mesmo quando problematizam fenômenos da cultura escrita próprios do século XXI, operem com a ideia de que esses fenômenos somente podem ser compreendidos em sua historicidade.
Os três artigos seguintes, por sua vez, apresentam resultados de pesquisas empíricas com foco no caso brasileiro. Neles, é possível visualizar a operacionalização de algumas teorizações e pressupostos discutidos nos dois primeiros artigos.
No artigo de Isabel Cristina Alves da Silva Frade e Ana Maria de Oliveira Galvão são apresentados resultados de um estudo empírico sobre instrumentos e suportes de escrita prescritos e aqueles que eram cotidianamente utilizados por pessoas comuns para viabilizar seu próprio processo de escolarização nas primeiras décadas do século XX. Ao abordar elementos que têm se cruzado pouco nos estudos brasileiros, como a relação entre os objetos e os comportamentos, os gestos, as formas e os gêneros que podem ser praticados no ato de escrever, as autoras destacam o papel da materialidade na definição dos usos e práticas pedagógicas, como também é ressaltado no ensaio anterior. Apresentam, portanto, a possibilidade de relacionarmos base material e pensamento, materialidade e memória-uso, suporte e instrumento. Faz-nos compreender, como, no cotidiano da maior parte da população brasileira do período – professores, alunos e suas famílias –, era preciso produzir táticas para atender às exigências do processo de escolarização. A modernidade pedagógica e suas prescrições, que apostavam na homogeneidade do acesso / distribuição / usos dos objetos de escrita, pareciam muito distantes dos sujeitos que viviam, em grande parte, em comunidades regidas pelas lógicas da oralidade e pela (quase) ausência de materiais escritos. Os testemunhos analisados reforçam a realidade heterogênea, as apropriações criativas e a força dos objetos na constituição de determinadas práticas de escrita escolar. O estudo favorece que a análise ultrapasse a dimensão do dever-ser da realidade social, justificando tanto a produção quanto o uso de teorias pedagógicas para prescrever e, ao mesmo tempo, idealizar aquilo que se considerava como a melhor forma de inscrever e o melhor suporte para receber o traçado. Auxilia-nos, portanto, a entender o fenômeno da cultura escrita (ou melhor, das culturas do escrito) em contextos localizados e heterogêneos, centrados nos usos e nos sujeitos e, assim, relativiza, uma vez mais, o letramento e seus mitos.
Se, no artigo anterior, o foco da análise estava na escrita, os dois últimos artigos do dossiê tomam por objeto materiais de leitura. Nesses estudos, também problematizando a base material da produção, as autoras se dedicam à análise de livros e põem em relevo aspectos materiais que explicam seus processos de produção, circulação e uso. Utilizando como base a história do livro e da edição e / ou a história da educação, deixam importantes contribuições para o campo de estudos da cultura escrita.
No Brasil, no final do Império, tem início a produção de cartilhas por autores de renome, professores e inspetores de escolas, tais como: Abílio Cesar Borges, Tomaz Galhardo, Felisberto de Carvalho e Hilário Ribeiro. Vários estados brasileiros passaram a construir suas políticas com base nas inovações pedagógicas. No início do século XX, buscavam-se modelos europeus e americanos para produzir cartilhas ou pré-livros e tornar a prescrição dos métodos analíticos uma constante. No entanto, ao mesmo tempo, uma produção diferenciada instalava-se no contraponto dessas prescrições: a de professores que experimentavam alguns métodos considerados próprios, de estrutura mais simples e que pareciam falar a língua de seus pares. No esgotamento de determinado modelo de inovação e pela legitimação que os docentes dão a certos materiais é que aparecem brechas para divulgação de algumas propostas. No entanto, para que sua abrangência não seja local, é preciso fazer com que o governo os adote, sob a forma de indicação, coedição. É o caso de um best-seller que marcou a experiência de alfabetizar e de se tornar alfabetizado para muitos professores e leitores brasileiros: o livro Caminho Suave. Recuperando fontes pouco trabalhadas em outros estudos, como a imprensa periódica destinada ao grande público, e cruzando aspectos editoriais e pedagógicos, por meio da análise de contratos de edição e coedição, o texto de Eliane Peres e colaboradoras apresenta dados que reforçam que o poder público ora acompanha a produção, ora prescreve, ora legitima materiais para uso em sala de aula. Teria o livro de Branca Alves da Lima tanta circulação se não fossem as coedições? Ou é a força de sua proposta que faz com que os professores ainda o utilizem? É interessante observar que, em um primeiro momento, é o próprio esgotamento do contexto de inovações propostas no início do século XX que, entre as décadas de 1940 e 1990, propicia a grande utilização da proposta da autora; em um segundo momento, novas promessas pedagógicas de resolução dos problemas de alfabetização – representadas pelo construtivismo – é que explicam o seu declínio. Nesse último caso, o mesmo poder oficial promove uma exclusão brutal da proposta da autora: aparentemente, não há forma de adaptação da cartilha possível de ser executada. Como no artigo anterior, temos aqui uma relação complexa entre prescrições e usos: se a circulação oficial é impossibilitada, que utilizações são possíveis? A circulação contemporânea do livro é um mistério a ser desvendado e o artigo das autoras nos incita a pensar novos circuitos do livro. Por todas essas razões, traz contribuições significativas para a compreensão da história do livro escolar no Brasil e, mais amplamente, para a história da cultura escrita no país.
Ainda na linha de estudos sobre circulação de livros didáticos, o artigo que encerra o dossiê, de autoria de Estela Bertoletti e Márcia Cabral da Silva, apresenta os resultados de um estudo de caso sobre livros que circularam em duas escolas de referência no ensino primário do município Paranaíba, no Mato Grosso do Sul, entre 1928 e 1961. Ao se voltar para um contexto específico – situado fora do circuito dos estados que foram os principais produtores de livros no Brasil – as autoras abordam alguns elementos que nos auxiliam, uma vez mais, a pensar a cultura escrita em sua pluralidade, em sua heterogeneidade. Nas listas analisadas, por exemplo, há indicação de uso de cartas de ABC, atestando a permanência desse impresso nas escolas brasileiras, mesmo quando a produção nacional já dispunha, na década de 1920, de obras de grande alcance nacional. A menção à cartilha Caminho Suave corrobora o estudo anterior, mostrando o alcance dessa obra. O artigo também nos coloca questões que nem sempre são tematizadas em outros estudos, como o uso concomitante de livros didáticos e de outros materiais, como histórias em quadrinhos ou periódicos infantis. Apresenta também indícios de que as escolas tinham relativa autonomia para a compra direta de materiais. Reforça, por fim, a importância do estado de São Paulo como polo editorial produtorcomercializador. Algumas indagações são suscitadas pela leitura do artigo: seriam os livros utilizados pelos alunos ou pelos professores? O uso de coleções seria continuado ou dependente de exemplares disponíveis? Quais seriam os quadrinhos adquiridos pela escola? Por que, mesmo com apelo para uma produção local, isso não se concretizou? Conforme nos alerta Roger Chartier (2002), não basta a existência de autores para que sejam publicados impressos; reforçamos, fazendo o raciocínio inverso, que não bastam apelos à produção, se não há autores ou autores com peso e legitimação para escrever. Enfim, o artigo nos faz pensar sobre a necessidade de novos estudos que, voltados para contextos de circulação e usos mais restritos, revelem a construção de culturas do escrito na diversidade da realidade brasileira, destacando possíveis especificidades, mas também aspectos comuns a outros contextos.
Conscientes de que os estudos reunidos no dossiê não são capazes de abarcar, em sua amplitude, o crescimento do campo de estudos sobre a história da cultura escrita, a riqueza das abordagens utilizadas, a diversidade de temas e enfoques, apostamos que eles expressam, pelo menos em alguma medida, o debate que vem sendo realizado no Brasil e em outras partes do mundo. Nesse sentido, podem contribuir para o avanço das discussões, para a sinalização de temas emergentes para novas pesquisas e, por fim, para a internacionalização da produção científica brasileira.
Notas
1. Um detalhamento dessas “entradas” e um balanço da produção no campo nos últimos anos podem ser encontrados em Galvão (2010).
2. Com o apoio do CNPq, dos Programas de Pós-Graduação da UFMG e da UERJ e do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale / UFMG).
Referências
Chartier, R. (2002). Os desafios da escrita. São Paulo, SP: Ed. Unesp.
Galvão, A. M. (2010). História da cultura escrita: tendências e possibilidades de pesquisa. In M. Marinho, M., & G. Carvalho (Orgs.), Cultura escrita e letramento (p. 218-248). Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG.
Ana Maria de Oliveira Galvão. E-mail: icrisfrade@gmail.com
Isabel Cristina Alves da Silva Frade. E-mail: anamgalvao@uol.com.br
GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 16, n. 1, jan. / abr., 2016. Acessar publicação original [DR]
O Colégio Pedro II e seu impacto na constituição do Magistério Público Secundário no Brasil (1837-1945) / Revista Brasileira de História da Educação / 2015
O conjunto de textos que compõem este dossiê se refere à pesquisa desenvolvida pelo grupo História da Profissão Docente, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio – mas que envolve pesquisadores de outras instituições universitárias -, intitulada O Colégio Pedro II e seu impacto na constituição do magistério público secundário no Brasil, financiada pelo CNPq e pela Faperj [*]. A pesquisa propõe-se a estudar o processo de constituição de uma identidade profissional específica por parte desse segmento da categoria docente, o magistério público secundário, a partir de um recorte institucional. Toma como objeto de estudo o Colégio Pedro II, com um largo espectro temporal (1837- 1945), buscando entender como, ao longo desse período, foi se configurando o seu quadro docente, considerando-se o lugar que a instituição ocupa no processo de institucionalização do ensino secundário no Brasil e o seu caráter modelar. O marco inicial da pesquisa é a criação do colégio, em 1837, com a qual a própria denominação de ensino secundário passa a ter curso legal entre nós. O marco final, 1945, foi estabelecido em função do término do período do Estado Novo, ao longo do qual foi gestada uma política de centralização do controle do ensino secundário nas mãos do governo federal, por meio do Ministério da Educação e Saúde Públicas, que se consubstanciou na Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942, e sob cujo impacto, a nosso ver, o colégio encerra uma espécie de ciclo e perde o seu caráter de colégio padrão.
A referida pesquisa possui uma equipe grande de pesquisadores, de cerca de 15 integrantes, entre professores da PUC-Rio e de outras instituições (UFF, UFOPE, UESA), pós-graduandos da PUC-Rio, bolsistas de iniciação científica e voluntários, o que nos permitiu rastrear vários arquivos da cidade do Rio de Janeiro, entre os quais o Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II (Nudom), o Arquivo Nacional, o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), além de outras fontes disponíveis na internet.
A pesquisa se desenvolve com uma pesquisa-mãe, que é assumida pelo grupo como um todo, e com alguns subprojetos vinculados. A pesquisa-mãe vem se debruçando, particularmente, sobre o período imperial.
Dos subprojetos vinculados, já resultaram a dissertação de Mestrado de Gilberto Vieira Garcia (2014), orientada pela professora Patrícia Coelho, que estudou a trajetória profissional dos dois primeiros professores de música do colégio, nos seus anos iniciais de funcionamento, e uma tese de Doutorado, de Jefferson Soares (2014), orientada por mim, que se debruçou sobre o quadro docente do colégio, entre os anos de 1925 e 1945, período marcado por três reformas (Rocha Vaz, em 1925, Francisco Campos, em 1932, e Gustavo Capanema, em 1942), que consolidaram o processo de institucionalização do ensino secundário brasileiro. Foi, em particular, a tese de Jefferson que nos permitiu estabelecer, com clareza, o marco final da pesquisa.
Há um terceiro subprojeto vinculado à pesquisa, que se configurou inicialmente como um projeto de Pós-Doutorado, financiado por uma bolsa PNPD / Capes, ainda em fase de conclusão, que vem se debruçando sobre o período ao longo do qual o colégio funcionou sob a denominação de Ginásio Nacional (1890-1911), e que está sendo desenvolvido por André Freixo, atualmente professor do departamento de história da UFOP. Por fim, outra integrante do grupo, professora da UFF, Flávia Soares, fez a sua tese de Doutorado sobre os professores de matemática do colégio, durante o período imperial. Por meio dessa estratégia, conseguimos estabelecer para a pesquisa um recorte temporal de longa duração, sem nenhuma pretensão de esgotar a análise do período, fugindo também de uma visão de linearidade do processo.
Dois sociólogos franceses têm sido os nossos principais interlocutores: François Dubet e Claude Dubar. Com relação a Dubet, a nossa referência central é a análise que este desenvolve sobre a profissão docente, em seu livro Le Declin de l’Institution (DUBET, 2002). Dubet situa essa profissão entre aquelas que se remetem ao ‘trabalho sobre o outro’, ou seja, “[…] atividades assalariadas, profissionais e reconhecidas que visam explicitamente a transformar o outro, ou, conjunto das atividades profissionais que participam da socialização dos indivíduos” (DUBET, 2002, p. 9, tradução nossa).
Partindo do pressuposto de que o ‘trabalho sobre o outro’, nas suas origens, foi concebido como um ‘programa institucional’, que designa particularmente um modo de socialização ou um ‘tipo de relação com o outro’, esse autor estabelece distinções entre a forma como se configuraram o trabalho do professor primário e o do professor secundário. Chama a atenção, igualmente, para o fato de que mudanças nesse ‘programa institucional’ repercutem na percepção que os professores possuem do seu trabalho docente e, consequentemente, da sua própria identidade profissional.
Quanto à interlocução com Dubar, esta se desenvolve em torno à sua percepção do processo de profissionalização como um processo de socialização que se desenvolve ao longo de toda a vida do sujeito (DUBAR, 1997). Desse ponto de vista, a identidade profissional do professor se configuraria como o resultado, sempre instável e provisório, da mediação de múltiplas interferências: as relacionadas ao controle estatal e as que emanam da cultura institucional em que aquele se encontra inserido, interagindo ambas com as identidades visadas pelo próprio sujeito. Particularmente importante, no caso, é a categoria, proposta por Dubar, de ‘estratégias identitárias’, que podem ser externas e internas à instituição e que buscamos identificar no caso dos nossos sujeitos.
Para esse autor, igualmente, a identidade profissional possui, também, uma ‘dimensão geracional’, devendo-se, portanto, atentar para as características das ‘gerações de professores’, pois elas constituem uma referência importante em termos da historicidade desse processo identitário.
Os textos incluídos neste dossiê se remetem a distintos momentos da história da instituição objeto do nosso estudo e têm recortes bastante diferenciados. Os três primeiros textos se remetem ao período imperial e os dois outros se debruçam sobre o período republicano a partir de óticas distintas.
O primeiro texto, de Luciana Borges, Ivone G. Lopes e Regina Lucia F. Cravo, intitulado Verdadeiras Glórias Nacionais: a memória acerca das primeiras gerações de professores do Colégio de Pedro II através das páginas da Revista da Semana, aborda a memória construída sobre os professores do Colégio de Pedro II, do período imperial, chamando a atenção para o seu caráter ‘monumental’, por meio da análise dos artigos publicados na Revista da Semana, entre os anos 1928 e 1941, ao longo dos quais se comemora o centenário do colégio.
O segundo texto, de Ana Waleska Mendonça, Fernando dos S. Silva e Paloma de O Rezende, A Classe de Repetidores do Colégio de Pedro II: um degrau na carreira docente ou uma estratégia de formação?, debruçase sobre uma peculiar categoria docente, criada no colégio em 1855, a ‘classe dos repetidores’, que não só passou a constituir um degrau na carreira docente interna ao colégio, como também, e talvez principalmente, apresentava-se como uma estratégia de formação docente.
O terceiro texto, de Gilberto Vieira Garcia, com o sugestivo título: Lições e Mestres de Música no Colégio Pedro II (1838-1858): contrapontos à memória da educação musical no Brasil, estuda em particular a trajetória dos dois primeiros professores de música do colégio, chamando a atenção para o lugar da educação musical no seu ‘projeto institucional’ e, a partir daí, discutindo a memória construída sobre a história da educação musical no Brasil.
O quarto texto, de André Freixo e Patrícia Coelho, O ensino renovado de História pelo catedrático do Colégio Pedro II Jonathas Serrano, já se aplica ao período republicano e analisa a proposta de renovação do ensino de história, implementada no colégio (uma ‘renovação conservadora’), no início da década de 1930, por Jonathas Serrano, à época catedrático da disciplina e ex-aluno do Ginásio Nacional, ‘nascido e criado’ no colégio.
O quinto e último texto, de Jefferson da Costa Soares, Os Professores do Colégio Pedro II: categorias, trajetórias e aspectos identitários (1925-1945), estuda os professores que lecionaram no colégio, entre 1925 e 1945, buscando identificar as várias categorias docentes existentes, ao longo desse período, as trajetórias de alguns desses professores e alguns aspectos da identidade dos mesmos enquanto professores do Colégio Pedro II, em um momento crítico da história do magistério secundário no Brasil.
Nota
* O projeto se vincula a um amplo programa de pesquisa de caráter interinstitucional que se intitula A construção da identidade do professor do ensino secundário, normal e profissional: uma abordagem comparativa, que envolve pesquisadores de várias instituições universitárias do Rio de Janeiro e que recebeu o apoio da Faperj.
Referências
DUBAR, C. A Socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Porto: Porto Ed., 1997.
DUBET, F. Le Declin de l’Institution. Paris: Seuil, 2002.
GARCIA, G. V. Tão sublime quanto encantadora arte: o ensino de música no Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858). 2014. 288 f. Dissertação (Mestrado em Educação)-Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
SOARES, J. C. Dos professores ‘estranhos’ aos catedráticos: aspectos da construção da identidade profissional docente no Colégio Pedro II (1925- 1945). 2014. 100 f. Tese (Doutorado em Educação)-Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
Ana Waleska Pollo Campos Mendonça – Doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRio), Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pesquisadora do CNPq. E-mail: awm@puc-rio.br
MENDONÇA, Ana Waleska Pollo Campos. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 15, n. 3, set. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]
Políticas católicas: educação, arte e religião / Revista Brasileira de História da Educação / 2015
Os textos apresentados no presente dossiê resultam mais diretamente de pesquisas empíricas e dos debates ocorridos por ocasião do I Colóquio Internacional: Congregações Católicas, Educação e Estado Nacional. Examinam o lugar das políticas católicas na formação cultural de importantes segmentos da população brasileira e se articulam em torno do debate sobre a dinâmica que animou a Igreja Católica na direção de determinado projeto para a modernidade. Nesse sentido, o principal objetivo que alinhava os trabalhos escolhidos para compor este conjunto é a análise de temáticas e hipóteses que perpassam a complexa rede de indivíduos e instituições que constroem e reconstroem, em contextos e temporalidades diversas, as relações entre educação, Igreja Católica e Estado Nacional.
Nestes artigos, os autores aprofundam o debate, enfrentando conceitos polissêmicos como educação, política, arte e religião, de forma a expor aos leitores diferentes olhares sobre as dimensões nas quais se engajaram e se articularam religiosos e militantes católicos comprometidos com a formação de uma república católica. As análises da atuação dos agentes, seja em colégios, seja por meio de obras artísticas ou, ainda, em organizações profissionais e no exercício político dentro e fora da Igreja, dão sentido à unidade de propósitos desenvolvida.
O Brasil conta com mais de 500 anos de catolicismo e este pode ser considerado um dos temas mais estudados no campo das Ciências Humanas. De um largo espaço de atuação nos tempos da colônia, passando pelo padroado controlado pelo Imperador, a Igreja Católica alcança o período republicano com suas Ordens envelhecidas, seus seminários esvaziados e suas ações inibidas, numa sociedade com milhares de pobres e analfabetos.
Na Europa, os tempos são de conflito aberto entre a modernidade e a Igreja, entre o Estado em processo de secularização e a moral cristã inscrita na escola pública. Os dois contextos favoreceram a política do Vaticano para a América Latina. O resultado foi a intensa migração regional de Congregações e Ordens no interior da própria Europa e a imigração para a América Latina, especialmente para o Brasil. Essa circulação internacional traz um considerável contingente de religiosos que reposiciona a Igreja em relação aos estados nacionais. Trata-se de intelectuais – pregadores, escritores, professores, editores, poetas, artistas, políticos, sensores – cujo objetivo maior é a educação das elites e a recristianização de futuros quadros do Estado republicano. Entender os percursos e as ações decorrentes desse movimento na construção da cultura republicana é o objetivo de distintos estudos contemplados no presente dossiê. Nessas trilhas se encontram e confluem novas e antigas possibilidades de análise e ângulos de leitura sobre conceitos e processos, constantemente revisitados.
José Maria de Paiva desenvolve seu artigo, instigado pelas perguntas: que educação se faz hoje e que proposta de sociedade perseguimos? Vai buscar no passado, na ação dos jesuítas, os elementos para alimentar os estudos contemporâneos. Seu artigo, Estado e educação – A Companhia de Jesus: Brasil, 1549-1600, abre o debate, desafiando o leitor à discussão sobre o significado da relação entre educação, religião e Estado nos primórdios da sociedade brasileira. O Brasil quinhentista é abordado nas dimensões teológica, social e política que traduzem, assim, os múltiplos aspectos de um modelo de sociedade fundado em concepções que conformavam a ordem como unidade: o corpo, desenhando a sociedade, e a presença divina, conduziam os entendimentos. O autor considera, nesse aspecto, as atuações e representações que moldam o agir humano.
Para discutir como essa dinâmica se desenvolveu em distintas esferas da convivência social, José Maria de Paiva busca suas causas e fundamentos na releitura das relações entre os jesuítas, a Coroa Portuguesa e as populações que habitaram as terras brasilis. Para tanto, situa a Companhia de Jesus no âmbito dos interesses do Estado Português. Na visão do autor, a divisão político-territorial portuguesa favorecia a legitimação e o predomínio do poder real junto aos senhores de terras, fazendo valer tanto as representações corporativas quanto os interesses mercantis que ditavam as regras do desenvolvimento econômico europeu naquele momento.
Na busca da gênese da tensa relação entre Estado, Igreja e educação, o autor convida o leitor a refletir sobre o predomínio do indivíduo como elemento chave na constituição do Estado moderno. Nesse sentido, sustenta a tese de que o Estado português preserva o entendimento de corpo social numa gestão da sociedade repleta de linguagens afetivas e mercantis. Afirma que esse é o modelo instaurado no Brasil e que é nas relações entre o interesse mercantil e a tradição do senhorio que se deve pensar a educação.
No esforço de demonstrar como o conceito de educação se encontra imbricado às visões de mundo definidoras do lugar a ser ocupado pelos grupos na sociedade colonial, o autor analisa as implicações da missão de evangelizar e cultivar a fé católica no Brasil. A Companhia de Jesus se inscrevia no trabalho de evangelização do índio, na missão de criar um ambiente harmonioso entre os habitantes das terras conquistadas e na formação instituída pelos colégios. Estes últimos, expressão ativa da educação que permaneceu, embora os estudos ocupassem uma posição menor nessa sociedade e fossem um dos instrumentos do plano mais geral da evangelização, serviam ao pleno desenvolvimento das relações mercantis. Ou seja, os colégios tinham função social mais ampla que a dinâmica escolar, entendida no sentido de uma simples formação acadêmica. Nessa reflexão, desloca-se o foco da discussão da forma da organização escolar para a educação e ‘seu objeto: significado religioso, divino’, naquela sociedade quase estática.
No texto Instrução do povo sob a proteção do catolicismo, militância docente e a expansão da escolarização em São Paulo, Ana Regina Pinheiro está atenta às estratégias empregadas pela Igreja para propagar o catolicismo em espaços de formação docente. Para tanto, problematiza a relação da Liga do Professorado Católico de São Paulo – antiga Liga das Professoras Católicas – com a Escola Normal e a Diretoria de Instrução Pública, na década de 1920. Baseada nos resultados parciais de seu estudo, desenha um cenário no qual a religião encontra-se imbricada à política e às reformas educacionais nas primeiras décadas da República.
A autora persegue as permanências presentes no discurso que enaltecia o modelo escolar paulista e idealizava o pioneirismo da escola republicana. No diálogo com a historiografia, assinala que esse discurso foi um dos fatores que alicerçou as estratégias do movimento docente, em São Paulo, na Associação Beneficente do Professorado Paulista (1902- 1918) e, mais tarde, na Liga do Professorado Católico (criada em 1919). Analisa tais anseios como mediações que favoreceram o alinhamento da categoria às diretrizes da Igreja romanizada. Militantes dos movimentos sociais e indivíduos responsáveis pela elaboração de políticas para a área de educação usam discursos e práticas, frutos de habitus construídos nas igrejas e sacristias.
Coerente com essa abordagem, debate o lugar dos educadores católicos na construção da escola pública, no período de laicização do Estado brasileiro. Por meio da leitura da documentação histórica vinculada à Liga, a autora demonstra que setores da Igreja associavam a busca das meninas pelo magistério ao movimento feminista nascente. Sendo assim, para enfrentar o desafio que representava a crescente profissionalização das mulheres, a Liga visava à atrair, para seu quadro de associadas, professoras que fossem católicas praticantes e que exercessem a catequese. O foco de tal exigência era a difusão do catolicismo na escola pública, local onde as ideias laicas ameaçavam a tradição. Analisa, assim, a permeabilidade do discurso católico no processo de escolarização.
Esse contexto de mudanças exigia a proposição de um programa formativo que fora delegado a essa associação. Nesse sentido, advogados, juristas, médicos e professores de reconhecida competência profissional e com forte ligação com o catolicismo eram frequentemente convidados pelos fundadores ou pelo diretor espiritual para atuar como orientadores das associadas em diversas áreas, promovendo, assim, o acesso das professoras à filosofia e moral católicas. Essas manifestações, ao contrário de reforçar a recusa às mudanças advindas do mundo moderno, indicam que a Igreja se mostrava capaz de conduzir o projeto da modernidade.
Na Espanha, como no Brasil e em Portugal, as relações entre a Igreja Católica e o Estado estão tensionadas em torno da disputa pelo direito de fazer a escola. Maria Fernanda Piñero Sampayo, em Evolución y desarrollo de los colegios religiosos femeninos en España, problematiza a ampla articulação política da Igreja a partir da segunda metade do século XIX, em um estudo que revisita a histórica presença dessa instituição na educação. A autora refere-se ao duplo movimento: o processo de fundação e expansão de colégios para a formação de moças e a circulação internacional das Congregações Católicas, ambos favorecidos pelas políticas e pelos acordos de Estado. Ressalta, por outro lado, que a participação majoritária da Igreja no processo educacional se deveu, sobretudo, aos anseios de uma sociedade cujo amparo espiritual e referência moral eram reconhecidamente católicos.
Em seu texto, o lugar da Igreja Católica na educação é tratado como um fenômeno presente desde a fundação das universidades medievais e potencializado pelas Ordens Religiosas que se estabeleceram no território espanhol nos séculos XVI e XVII, tais como a Companhia de Jesus, os Escolapios, as Ursulinas ou a Companhia de Maria. Situação que se manteve inalterada até a primeira metade do século XIX, quando a corrente política anticlerical acirrou o processo de implantação de políticas voltadas à secularização do Estado e da sociedade. Em várias partes da Europa, a Igreja foi forçada a adotar medidas que a recolocariam na liderança nesse novo cenário político e social. A circulação internacional dessas Congregações pelo continente europeu é tratada pela autora ao focalizar o caso da Espanha, que recebeu as congêneres francesas a partir de 1881. A circulação internacional, analisada pelo lado espanhol, confirma hipóteses sobre a política de imigração de Congregações para o Brasil.
A estratégia da Igreja desencadeou uma série de políticas que confluíram para o desenvolvimento de um modelo de ensino organizado para as meninas de classe média. Dentre elas, a Concordata de 1851, permitindo à Igreja se renovar e fundar novas Congregações em território espanhol. Em distintas áreas da sociedade, sobretudo na educação secundária, a Igreja viu-se em situação de quase monopólio. Ao reforçar os termos da aliança dessa instituição com as forças políticas laicas, a autora aborda os conflitos e as contradições que levaram o Estado espanhol a se autoproclamar católico, na Constituição de 1876, e por meio de outras leis, implementadas nesse mesmo período.
Múltiplos fatores que teriam favorecido o desenvolvimento do ensino secundário são explorados no texto, de forma a demonstrar que esse segmento ficou a cargo do investimento privado, primordialmente confessional, enquanto o ensino primário permanecia sob a responsabilidade do poder público. Nesse sentido, foi a demanda social pela formação escolar das moças que favoreceu o surgimento de colégios, em sua maioria, fundados por Congregações de longa tradição, como a Companhia de Maria ou as Ursulinas, dentre outras, de criação mais recente. Essas Congregações tiveram um surto de crescimento entre os anos 1820-1878 e 1883-1905. No geral, eram colégios com várias modalidades de ensino, cujo modelo de educação integral englobava educação moral e conhecimentos práticos adequados às atividades domésticas.
Os textos até aqui apresentados oferecem pistas para se pensar a educação para além dos muros da escola. Ela faz sentido, como se pode ver no texto de Paiva quando conforma um tipo de sociedade desejada, por isso, ela se processa em todos os espaços da cultura. Ela se dá pela educação do olhar feita pelas artes plásticas, pela educação do ouvido por meio da música ou grava-se na memória ao longo da trajetória de vida.
Em Um pintor na Ordem de São Gregório, Godiva Accioly situa o leitor na história e na arte do pintor Carlos Oswald, quando convida a conhecer as incursões desse artista no mundo das artes sacras, fruto de uma formação erudita, conquistada pela circulação em espaços cosmopolitas.
Filho de pai brasileiro, nascido em Florença, Carlos Oswald passou sua infância na cidade natal, conhecido polo cultural para onde convergiam artistas de todas as artes. Nesse contexto favorável, os pintores que cita como grandes influências de sua arte são Pedro Américo, Rodolfo Amoedo, os irmãos Bernadelli, Antonio Parreiras e José Mariano. A autora ressalta que, na fase de formação, o jovem artista foi marcado pela fé cristã. Em suas idas e vindas ao Brasil, se mostrou determinado a continuar no mundo das artes, reafirmando seus laços com o catolicismo. Além de acompanhar regularmente os rituais da fé ao longo de sua trajetória, Carlos Oswald fez parte de várias associações e grupos católicos e ingressou na Ordem Terceira dos Franciscanos em Petrópolis; foi nomeado, ainda, ‘Comendador da Ordem de São Gregório Magno’ pelo Papa Pio XII. Foi escritor e literato, escreveu em várias revistas e jornais. Presidiu a Sociedade Brasileira de Arte Cristã, criada no momento em que as elites católicas buscavam assegurar seu espaço na cultura brasileira, cuja afirmação girava em torno da Semana de Arte de 1922.
Graças aos registros encontrados em cadernos do pintor, onde aparecem suas leituras e aspirações artísticas, religiosas e filosóficas, e aos depoimentos de seus familiares e pessoas de seu convívio, a autora identificou facetas instigantes de suas atividades artísticas, dando significado à sua produção na arte sacra. Examina as relações desse artista com a hierarquia da Igreja Católica e as nuances presentes na conversão da arte em expressão religiosa. Conhecer as dimensões educacionais e políticas da trajetória do pintor Carlos Oswald significa, para a autora, adentrar os conflitos e as inquietações de foro religioso, explicitados em sua disposição apostólica e no conhecimento teológico, que o tornavam um homem de fé.
Nesse sentido, a autora optou por um tom ‘narrativo’, devido ao teor das fontes que principiam e embasam o desenvolvimento dessa reflexão, sendo elas a autobiografia do artista e uma biografia relativa a ele, de autoria de sua filha. Intentou, por meio dessa escolha, a transposição da essência dessas narrativas ao próprio artigo, buscando imprimir a tais fontes a categoria documental necessária à análise histórica, como potenciais fontes de memória.
O vínculo entre a história de vida do artista, assim como do alcance de seu trabalho artístico, e a reflexão acerca da constituição de uma orientação católica sobre as relações entre a arte sacra, cultura e educação brasileiras vem estabelecido na seleção crítica de pontos considerados centrais em meio a tais fontes. Assim, são aspectos da formação e direcionamentos da obra do artista, resultando, dessa maneira, em um determinado tratamento das ‘memórias’ como fontes.
As contradições de um indivíduo que pautou sua vida pela ortodoxia católica, comprometendo-se com o grupo cristão ortodoxo do fim do século XIX e começo do século XX permeiam o artigo. Em 1915, ao pintar os murais da ‘Sala dos Párocos’ do Palácio São Joaquim no Rio de Janeiro – marco de acervo considerável na Arte Sacra no Brasil e no exterior, o pintor inicia seu engajamento na arte cívico-religiosa. Considerava aproximar o católico da fé cristã. Nesse sentido, ressaltava os fins pedagógicos da obra de arte, atento para os atos do Concílio de Trento. Esses elos, que não estão explícitos nos registros, mas são demonstrados com competência pela autora, colocam em discussão a função pedagógica da arte sacra.
No texto Circulação Internacional, Politização e Redefinições do Papel Religioso, Wheriston Silva Neris e Ernesto Seidl analisam as transformações da natureza e das modalidades da ação pública dos Missionários Combonianos do Coração de Jesus – Instituto religioso de origem italiana, que imigrou para o interior do Estado do Maranhão, em 1952. Os autores buscam abordar os efeitos da constituição de uma rede internacional de religiosos missionários para a construção da sociedade moderna. No processo de expansão dessa rede, destacam a delicada adequação da política e dos métodos do empreendimento missionário às condições de acolhimento encontradas no Brasil, bem como os impactos causados na vida política das cidades.
Os autores iniciam problematizando o conceito de missão, empregado no século XVI com o sentido de envio de religiosos para a conversão de povos não cristãos, e culminam, no século XX, apresentando, pelo menos, três sentidos do conceito: o medieval, que nos remete às cruzadas de evangelização ou da conquista; o da missão moderna, que representa a função da Igreja em ‘instruir, cuidar e construir’; e, por último, a concepção de que a Igreja deve difundir a fé em nome da salvação, deslocando o foco do sentido de evangelização ou conversão.
Para os autores, o missionário que atua no Brasil é um mediador e sua experiência constitui-se em expressão da memória, da identidade e das relações de forças locais. O artigo revela que os Combonianos do Coração de Jesus operam um modelo de missão que atua nas fronteiras da evangelização e se organiza em distintos espaços. Passaram por várias transformações desde o século XIX e sua ação correspondia à estratégia de expansão da Igreja, que estendia suas instituições pelos países da África, da Europa e do Continente Americano. O braço feminino dessa congregação também se expandiu na África, na América Latina e no Oriente Médio entre os anos 1930 e 1960.
Nessa perspectiva, os combonianos começaram a se espalhar pelas cidades brasileiras em 1939, sendo São Paulo, Espírito Santo e Maranhão regiões pilares do engajamento missionário. Dados sobre sua atuação demonstram que era incipiente a presença da Igreja Católica na região do Maranhão, restringindo-se, praticamente, à atuação dos Capuchinhos. Além disso, era recorrente o emprego da desobriga, que mobilizava padres a levar a liturgia aos lugares mais afastados onde a instituição ainda não estava organizada. Os contrastes sociais e as péssimas condições de infraestrutura das cidades localizadas no sertão causaram estranhamento aos missionários, principalmente, os contornos peculiares do desenvolvimento no Maranhão, cujo elemento central eram as disputas políticas em torno da propriedade da terra. A distância que percebiam entre as referências europeias e essas condições singulares proporcionou uma experiência religiosa distante dos dogmas do catolicismo romanizado e repleta de referências à religiosidade popular.
As iniciativas dos Combonianos no Nordeste, no que tange à educação e assistência social, na década de 1960, indicam expansão institucional com aquisição de terrenos, investimentos em escolas e projetos educacionais. Estava no horizonte dessa expansão o enfrentamento do analfabetismo, da ausência de cuidados médicos e da insuficiência de instrumentos agrícolas nas mãos dos sertanejos. Condições que atribuem sentido mais amplo ao processo de educação exercido por professoras catequistas que viajavam para as vilas mais populosas, a fim de instruir as mentes e orientar a alma dos homens da roça, ocupando o lugar do Estado na oferta de serviços básicos aos brasileiros.
Finalizando, este dossiê foi organizado para os leitores que buscam a discussão relativa às várias frentes de atuação de religiosos e leigos católicos na sociedade moderna e contemporânea. Pretende ser útil aos pesquisadores que investigam as políticas e práticas da Igreja, sua capacidade de se reinventar a cada novo obstáculo. Situa-se, porém, longe da pretensão de abranger todas as relações, dimensões, contextos que a política católica e as práticas religiosas representam na busca de construção de uma cultura cristianizada. Os artigos aqui apresentados trazem pistas, detalhes, indagações que provocam o leitor a estender seu olhar para além das ações institucionalizadas, revelando brechas documentais, metodológicas e conceituais que poderão ser aproveitadas em futuras pesquisas.
Ana Regina Pinheiro – Unicamp
Agueda Bernardete Bittencourt – Unicamp
PINHEIRO, Ana Regina; BITTENCOURT, Agueda Bernardete. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 15, n. 2, maio / ago., 2015. Acessar publicação original [DR]
América como ponto de inflexão e observação de experiências de escrita da História da Educação / Revista Brasileira de História da Educação / 2014
A historiografia da educação no Brasil tem afirmado uma preocupação crescente com a dimensão da circulação cultural. Um traço marcante que tem caracterizado os trabalhos na área se refere à análise dos regimes de referência que presidiram a produção e a disseminação de manuais de História da Educação, responsáveis por (re)ativar importantes circuitos culturais entre o Brasil e outras partes do mundo. Outro aspecto relevante diz respeito à análise da apropriação dos saberes e das representações veiculadas por esses manuais. Nessa linha, pretendemos esquadrinhar experiências de escrita elaboradas nos Estados Unidos, no Brasil e na Argentina – englobando sujeitos e temporalidades distintas – que lograram alcançar significativo sucesso editorial no país. Associado a esse objetivo, almeja-se também apreciar como as Américas comparecem nessas narrativas. A proposta está estruturada em quatro núcleos. O primeiro responde pelo objetivo de aquilatar a extensão e as representações do continente americano e dos Estados Unidos num determinado manual de ensino da História da Educação que circulou no Brasil no último século, com especial atenção para os modelos legitimados e os regimes de referência em que se amparou. Para esse efeito, selecionou-se para análise o textbook A Brief Course in the History of Education, de Paul Monroe, educador estadunidense. O segundo núcleo engloba adicionalmente a investigação acerca da circulação de pessoas, no caso autores de compêndios escolares de História e Filosofia da Educação. A lente procura focar os vínculos institucionais, as redes de sociabilidade, os pertencimentos teóricos e, precipuamente, a operação metodológica posta em prática por Thomas Ransom Giles – filósofo norte-americano estabelecido no Brasil – na escrita de seu livro História da Educação. Ao mesmo passo, trata-se de examinar as imagens de América emanadas e quais relações estabelecem acerca das experiências educativas nos Estados Unidos e no Brasil. O terceiro núcleo, composto por dois artigos, destina-se a analisar as condicionantes associadas à produção e circulação de História da Educação e da Pedagogia, manual escrito pelo pedagogo espanhol radicado na Argentina, Lorenzo Luzuriaga. Título que alcançou um considerável sucesso editorial e de aproveitamento nos cursos de formação de professores tanto no país platino quanto entre nós, essa obra, detentora de uma cosmovisão que bebe em tradições historiográficas ibéricas e sul-americanas, instiga a reflexão sobre o lugar reservado à América Latina nas narrativas que circularam na Argentina e no Brasil e as apropriações realizadas neste último quanto a manuais escolares estrangeiros, recortando para isso, notadamente, as inter-relações entre o mercado editorial, os cursos de formação docente e os dispositivos que estruturaram a disciplina História da Educação no país. Por fim, o dossiê apresenta uma tradução de artigo da historiadora norte-americana Kate Rousmanière, intitulado Historiography of American Education: Pragmatism, consensus, revisionism and new revisionism, o qual aborda os mais significativos temas de pesquisa e tendências apresentadas no periódico estadunidense The History of Education Quarterly, segundo a autora, o veículo que mais bem representa o estado do trabalho atual de história da educação nos Estados Unidos.
Em seu conjunto, portanto, as iniciativas aqui esboçadas lançam a questão de como os referentes europeu e americano aparecem nas diferentes experiências de escrita da História da Educação e como as traduções, a circulação e os usos de tais obras refletem estratégias de legitimação, difusão e apropriação internacional de tal saber.
Roni Cleber Dias de Menezes
MENEZES, Roni Cleber Dias de. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 14, n. 3, set. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]
Imagens da Infância / Revista Brasileira de História da Educação / 2014
Os autores foram convidados a colaborar com um dossiê em torno de imagens da infância. Traçamos alguns parâmetros comuns, mas longe de definições sobre um único conceito de imagem ou de infância.
Compartilhamos avaliações sobre o andamento dos estudos sociais e históricos da infância; a originalidade das produções recentes em relação às produções vindas dos anos 1980 e 1990, marcadas pelas referências a Ariès e a Foucault; os impasses ou os dilemas da produção dos últimos dez anos no âmbito da Sociologia e da História da infância.
Duas vertentes, ao menos, vêm interpondo dificuldades para o aprofundamento das pesquisas sobre a infância produzidas no Brasil dos últimos anos, no âmbito dos estudos sociológicos e históricos. De um lado, os trabalhos que se autoproclamando pós-coloniais pretendem projetar a criança para além das fronteiras nacionais, a favor do seu cosmopolitismo. É nesses trabalhos que se encontram as teses defensoras tanto da existência de ‘culturas infantis’ autônomas a serem estudadas e protegidas da intervenção e da apropriação adulta como do ‘protagonismo infantil’ que, realizado entre as crianças, protege-as da ‘cultura adulta’, social e historicamente hegemônica.
Não é difícil vislumbrar nessa vertente a tendência regressiva de recuperar um passado idílico no qual a criança, livre da intervenção punitiva do adulto e das suas instituições castradoras, teria vivido a sua plena essência. No limite, portanto, essa vertente vem inviabilizando abordagens sociológicas e históricas da infância.
De outro lado, soma, a favor dessa vertente, a tendência de demonizar toda e qualquer abordagem que esteja inscrita nos campos médico, biológico e, especialmente, no campo psicológico, responsabilizados pelas visões distorcidas que teriam sido produzidas sobre a infância desde fins do século XIX. A visão médica e biológica, que pasteuriza, esteriliza, mede, esquadrinha, normatiza e normaliza a criança e prescreve uma infância. A psicológica, que mede a inteligência, prescreve o desenvolvimento, divide as crianças por idades, por capacidade mental, elabora standards para observar, etapa por etapa, da infância até a adolescência.
Embora essa vertente admita que aqueles discursos científicos e suas derivações tecnológicas, clínicas e pedagógicas tenham produzido as imagens de infância do último século, aqueles discursos são desqualificados e descartados em bloco, sem que sejam diferenciados entre si, examinados e criticados em seus fundamentos, em sua lógica interna e em seu poder de se fazerem hegemônicos.
Com esses parâmetros em mente, compusemos este dossiê, visando contribuir para os estudos sociológicos e históricos da infância, considerando, de um lado, que não basta anunciar a crítica às perspectivas que historicamente vêm naturalizando a infância, assim como não basta imputar responsabilidades, pois é indispensável realizar, de modo competente, a crítica interna para desmontar aquelas perspectivas; de outro lado, não basta anunciar a superioridade das perspectivas sociais ou históricas sem atestá-las como tal.
Trabalham nessa direção os dois artigos de autores estrangeiros e três artigos de autores nacionais. Os dois primeiros artigos operam em sentidos que podem ser considerados como ‘história do presente’ ou como ‘desmontagem de representações históricas’. Nos dois casos, são perspectivas sedimentadas ao longo do tempo que estão sendo abaladas por novas perspectivas – teóricas ou práticas – em crescente expansão em tempos atuais.
O artigo de Nancy Lesko e Stephanie D. McCall, Cérebros cor-derosa e educação: uma análise pós-feminista da neurociência e do neurossexismo, traz à cena um problema de longa tradição no campo da Educação: a apropriação cientificamente descompromissada de resultados de pesquisas desenvolvidas em outros campos científicos, a partir de perspectivas ideológicas ou politicamente comprometidas; no caso por elas examinado, apropriação de resultados da neurociência. Lesko e McCall descrevem algumas imagens de meninas veiculadas na literatura recente que pretendem com elas fundamentar diferenças inatas entre meninas e meninos, mulheres e homens, e assim sustentar a heterossexualidade como natural. As derivações políticas dessas pressuposições são espantosas: alertam-nos, de modo contundente, que nenhuma das conquistas da educação norte-americana progressivista ou da aqui chamada ‘escola nova’ é irreversível. Da mesma forma, cresce nos Estados Unidos a defesa da escolarização doméstica. Ao longo da exposição, as autoras sustentam críticas às teses defensoras do uso seletivo de dados neurocientíficos, mostrando que as pesquisas do cérebro que estabelecem sua distinção por gênero é ‘pseudociência’.
O artigo de Mariano Narodowski examina as transformações ocorridas nos processos de transmissão intergeracional e os impactos que elas produzem na construção das narrativas sobre a infância. No primeiro movimento do artigo, o autor chama Margaret Mead para apoiá-lo na relativização da tese durkheimiana de que a educação é o processo de transmissão cultural da geração mais velha à geração mais nova. Essa relação que vai dos mais velhos aos mais jovens só se daria em algumas circunstâncias históricas. Nas atuais circunstâncias, em que aquela relação vai deixando de ser assimétrica, em que a cultura vai sendo ‘desierarquizada’, jovens e crianças vão ganhando equivalência com os adultos. No segundo movimento do texto, Narodowski trabalha os efeitos da nostalgia produzida pela perda das relações assimétricas adultos-jovens / crianças. O nivelamento dos sujeitos sociais, a perda de hierarquia entre os mais velhos e os mais jovens estaria na base dos clamores nostálgicos pela velha infância (a ‘nostalgia reflexiva’ de Boym). No terceiro e último movimento, com o objetivo de ilustrar a busca simbólica da assimetria perdida, Narodowski traz à cena um capítulo da 23ª temporada da série Os Simpsons. Com essa ilustração, ele dá a ver que, na ‘nostalgia reflexiva’, não se trata da busca de um momento mágico ou mítico da infância nem da restauração de um passado melhor; o que está em jogo, apenas, ‘é a aproximação às vivências infantis que ordenavam a vida de uma maneira estável e previsível’, e que estão agora transformadas.
Em dois artigos, o foco recai sobre a Psicologia e os ramos que têm a criança e a infância como objetos; no conjunto, esses artigos efetuam a crítica tanto do processo de produção como dos processos de difusão e apropriação dos saberes gerados pelo campo psicológico ou pelos seus derivados diretos. A História da educação no Brasil muito se beneficiará desses estudos que fazem a análise interna de ramos psicológicos que moldaram o campo e as imagens de infância com as quais ele opera.
O artigo de Regina Campos, Maria Cristina Gouvea e Paula Cristina Guimarães busca analisar a recepção da obra de Binet e o uso dos testes no Brasil, nas primeiras décadas do século XX. Foram focalizados os autores que, em períodos históricos distintos, produziram críticas ao uso indiscriminado dos testes, ou enfrentaram resistências por parte de autoridades educacionais ao seu uso nas escolas. São eles: Manoel Bomfim, Maria Lacerda de Moura e Helena Antipoff. O objetivo das autoras não é fazer a crítica da obra de Binet, mas, sim, analisar o que denominam ‘as contrafaces da História da Psicometria no Brasil’, conferindo visibilidade às tensões e aos embates no uso dos testes na educação brasileira. Nos resultados apresentados, o artigo evidencia que o fato de a recepção de Binet e dos testes psicométricos no âmbito da educação ter sido crescente e vitoriosa não teria ocorrido sem resistências e reticências, tais como as interpostas pelos três autores destacados. Exame, aliás, destacado pelas autoras como fundamental para que se possa proceder criticamente em face da psicologização do campo pedagógico.
O texto de Mirian J. Warde trata da formação do campo dos estudos da criança nos Estados Unidos – o child study – sob a égide de G. Stanley Hall, nos anos em torno de 1880 a 1910. O artigo centra-se na luta dos discursos que disputavam a legitimidade para falar da criança, dos ‘seus’ adultos e das ‘suas’ instituições, para, assim, falar em seu nome. Aborda um momento importante, no qual a Psicologia está se afirmando como nova ciência e está construindo a sua hegemonia em assuntos pertinentes à criança e suas circunstâncias.
A importância de Stanley Hall na história dos estudos sobre a criança e o adolescente é confirmada pela literatura especializada. Do ponto de vista aqui adotado, o destaque a Hall deve-se, especialmente, ao fato de ter deslocado os parâmetros dos estudos e dos debates sobre a criança, suas relações com a Pedagogia e as reformas escolares, com os professores primários e pais; Hall polemizou em todas as frentes e formou um número vultoso e relevante de acadêmicos e líderes educacionais.
O artigo examina também o fato de Stanley Hall estar à testa de muitas frentes do movimento de institucionalização da Psicologia e da sua afirmação como campo autônomo de estudo; sua relação com a Psicologia não o teria impedido de entender o child study como um campo para o qual confluíam muitas disciplinas centradas em um único tema – a criança – cujos resultados deveriam ser revertidos em favor da Educação. No entanto, ainda que pregasse a favor da conjugação de vários pontos de vista no estudo da criança, Hall contribuiu decisivamente para produzir a hegemonia da Psicologia sobre as demais disciplinas, no que tange aos estudos da criança. O exame de suas iniciativas, portanto, dá a ver as complexas e tortuosas trajetórias percorridas pelo child study das quais resultam hegemonias e subordinações originalmente não planejadas.
Embora não seja seu foco, o artigo de Warde aponta para o peso da religiosidade na trajetória intelectual de Hall enquanto pugnava ferozmente pela subordinação dos estudos da criança, do adolescente e da Educação aos ditames da ciência. O tema, que aqui é apenas tangenciado, é o centro das atenções do artigo de Claudia Panizzolo.
O artigo de Panizzolo examina uma dimensão do projeto civilizatório dos metodistas no Brasil especificamente destinado à conquista, melhor seria dizer, ao amoldamento da alma infantil. Os missionários e educadores norte-americanos que fundaram igrejas e escolas metodistas no Brasil, entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, criaram a Revista Bem-te-vi, destinada às crianças. No artigo, Panizzolo examina a construção e a difusão da imagem de criança impressa nas páginas da Revista e oferece evidências de que o projeto civilizatório dos metodistas, em termos gerais, não colidia com as proposições das lideranças que comandaram a implantação e a consolidação da República no Brasil. No que tange à Educação, a autora aponta que a Revista Bem-te-vi veicula mais um, entre tantos projetos em circulação e em disputa que pretendem civilizar as crianças, e que apresentam em comum a necessidade de moldar a infância para a modernidade. O caminho adotado foi o da centralidade da criança, do respeito às normas higiênicas, da disciplinarização do corpo e da mente das crianças (por meio da civilização de hábitos e condutas), e da valorização do ato de observar na construção do conhecimento das crianças.
Nesse sentido, constata certas convergências entre as idealizações da infância dispostas pelos metodistas e as idealizações liberais e republicanas postas em circulação no mesmo momento histórico.
Que os cinco artigos aqui reunidos contribuam não só para a ampliação das pesquisas sociais e históricas sobre a infância, mas, principalmente, para problematizar perspectivas e fertilizar novos programas investigatórios.
São Paulo, outono de 2013
WARDE, Mirian Jorge; PANIZZOLO, Claudia. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação, Paraná, v.14, n.2, maio / ago., 2014. Acessar publicação original [DR]
Palavras viajeiras: circulação do conhecimento pedagógico em manuais escolares (Brasil / Portugal, de meados do século XIX a meados do século XX) / Revista Brasileira de História da Educação / 2013
Os textos aqui reunidos nasceram de múltiplos encontros que tematizam, particularizam e formalizam processos de circulação de ideias educacionais. Seus autores participam do Projeto de Pesquisa “História da Escola Primária no Brasil: investigação em perspectiva comparada em âmbito nacional (1930-1961)”, que fomentou a confluência de análises, o compartilhamento de fontes documentais e o intercâmbio de pessoas e experiências acadêmicas entre o Brasil e Portugal. Num desses encontros, o IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: Rituais, Espaços & Patrimónios Escolares, realizado em Lisboa em julho de 2012, foram apresentados estudos que atestaram a coerência metodológica e as múltiplas possibilidades interpretativas com um mesmo conjunto de fontes. Daí resultou a presente publicação, cujo intento é apresentar análises de um conjunto de manuais escolares que circularam na Escola Normal brasileira e portuguesa entre meados do século XIX e meados do século XX, a partir de diferentes olhares, reeditando em outra chave o processo original de circulação de ideias entre Brasil e Portugal no qual esses materiais se inserem.
O trabalho foi iniciado por meio do levantamento de estudos (devidamente referenciados nos artigos) que investigaram manuais didáticos publicados nos dois países, cuja listagem serviu de guia para a busca nos seguintes acervos: Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da USP / São Paulo; Biblioteca Nacional / Rio de Janeiro; Biblioteca da Universidade do Estado de Santa Catarina, Biblioteca Nacional / Lisboa; Biblioteca da Escola Superior de Educação / Lisboa e Biblioteca da Casa Pia / Lisboa. Por meio desses procedimentos, foram localizados cerca de dez manuais que, comprovadamente, circularam nos dois países, e foram selecionados aqueles cujo conteúdo abordava a formação profissional docente em maior amplitude (função social da escola primária, métodos e conteúdos de ensino, processos avaliativos, provimento material da escola); excluíram-se, por exemplo, aqueles voltados especificamente para questões próprias da Psicologia. As discussões metodológicas preliminares buscaram estabelecer um corpus empírico que possibilitasse o diálogo entre os diferentes enfoques e evidenciasse a fertilidade das fontes, e, por meio desses procedimentos, foi definido o seguinte conjunto de manuais didáticos: Elementos de Pedagogia, de Affreixo e Freire (1870); Curso Prático de Pedagogia Destinado aos Alunos-Mestres das Escolas Normaes Primarias e aos Instituidores em Exercício, de Daligault (1874); Lições de Pedagogia Geral e de História da Educação, de Pimentel Filho (1875); Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental, de Faria de Vasconcelos (1910); Lições de Metodologia, de Fonseca Lage (1920); A arte da leitura, de Mário Gonçalves Viana (1949); e Lições de Pedagogia, de Aquiles Archêro Junior (1955).
Os pesquisadores utilizam diferentes lentes para tecer suas análises, e cada um, segundo sua especialidade de pesquisa, aprofunda aspectos que, juntos, compõem um painel interpretativo sobre o processo de escolarização e seus espaços; a normatização do trabalho docente; os princípios que nortearam a seleção cultural para a escola primária; a constituição de modos e métodos de ensino para realizar os objetivos educacionais; e especificidade que assumem os materiais e o ensino da leitura e da escrita. Todas as análises reiteram a importância dos impressos na consolidação da escola primária portuguesa e brasileira, notadamente no que se refere às prescrições feitas nos manuais escolares que, em trânsito, configuramse como palavras viajeiras.
Nessa perspectiva, o artigo “A função social da escola e a constituição da forma escolar (Brasil e Portugal, 1870-1932)”, de Vera Teresa Valdemarin, contribui para a compreensão da consolidação da forma escolar entre os séculos XIX e XX, pois, nas proposições conceituais e teóricas presentes nos diferentes manuais, não são percebidas alterações na função que a instituição adquiriu nas sociedades modernas. No entanto, houve profundas transformações nos procedimentos pedagógicos, tributários de mudanças científicas, sociais e econômicas ocorridas entre a publicação dos textos. Essa transformações refletem a complexidade da cultura composta por acréscimos, desusos, empréstimos e embates que sofreram alterações mediante o enraizamento em continuidades práticas nas quais o processo de escolarização se ampara.
Vera Lucia Gaspar da Silva, no artigo “Objetos em viagem: discursos pedagógicos acerca do provimento material da escola primária (Brasil e Portugal, 1870 – 1920)”, localiza e analisa nos manuais um conjunto de prescrições indicadoras do provimento material da escola, que levam à identificação de um desenho material para a escola primária brasileira e portuguesa, num importante período de sua expansão: finais do século XX e anos iniciais do século XX. No retrato construído a partir dos discursos dos diferentes pedagogos destacam-se elaborações sobre o espaço físico, sobre os materiais para o ensino e sobre o aparato burocrático. Nesses elementos, observa-se a suavização do caráter prescritivo inicial, que vai sendo matizado por um tom mais “cientificista”; além disso, no cenário escolar esboçado, revelam-se diferentes formas de conduzir os trabalhos e de operar com os objetos num processo não linear, mas construído por meio de movimentos, de idas e vindas e da convivência de diferentes abordagens.
No artigo “O tema dos modos de ensino nos manuais de pedagogia ou em torno de um problema pedagógico”, Carlos Manique da Silva aborda os manuais na perspectiva da produção de um conhecimento científico em educação que se tornou referencial das práticas, qual seja, aquele que diz respeito aos modos de ensino. Nos manuais selecionados, o autor detecta a mudança de uma perspectiva que advoga a homogeneização da população escolar para o tratamento diferenciado do aluno, produzido pelo desenvolvimento das proposições ancoradas na Psicologia. No debate travado entre duas maneiras de conduzir a relação pedagógica explicitam-se aspectos profundos da atividade escolarizada, que dizem respeito à transmissão do conhecimento e à forma como os professores são entendidos na sua identidade profissional.
Rosa Fátima de Souza, no artigo “A formação do cidadão moderno: a seleção cultural para a escola primária nos manuais de Pedagogia (Brasil e Portugal, 1870 – 1920)”, focaliza a organização pedagógica proposta para a escola primária, tendo em vista o objetivo de ensinar muitas crianças ao mesmo tempo. Nos manuais didáticos analisados, evidencia-se a crescente preocupação com a ordenação e a distribuição do conhecimento e do tempo, que passam a ser considerados requisitos para o exercício da docência. Os conteúdos do ensino primário, resultantes de seleção cultural, tornam-se indissociáveis dos programas, da avaliação e da classificação da aprendizagem e dos procedimentos metodológicos e, juntos, atestam a racionalidade que preside a instituição escolar.
“A mão, o cérebro, o coração. Prescrições para a leitura em manuais escolares para o Curso Normal (1940 – 1960 / Brasil-Portugal)”, artigo elaborado por Maria Teresa Santos Cunha, focaliza questões referentes à escolarização da leitura e evidencia como a ação do Estado a transformou num saber escolar. Nesse processo, os manuais produzidos para uso nos cursos de formação de professores assumem função essencial, pois definem programas, comportamentos – concentração e paciência, por exemplo – e, por meio deles, transformam alunos em leitores. Aliado à escrita, o ensino da leitura atribuiu à instituição escolar importância social sem precedentes, investindo, ao mesmo tempo, na qualificação técnica e simbólica do corpo docente.
Além dos diferentes aspectos tematizados em cada um dos artigos, o conjunto dos textos evidencia a fertilidade dos manuais didáticos como documentos históricos. Indissociáveis da expansão da escola pública, esses materiais de uso cotidiano revelam os vínculos dos autores com o campo editorial e com o campo profissional e a construção do discurso pedagógico. A delimitação temporal aqui adotada possibilitou ainda detectar as modificações produzidas nesse discurso, seja pela incorporação de práticas usuais, seja pela divulgação de tendências emergentes; foram atestados também elementos que parecem resistir às mudanças e têm caracterizado a escola como instituição peculiar. Os manuais, enfim, são dispositivos privilegiados para a compreensão dos processos de circulação de ideias: de mão em mão, de país em país, viajam no tempo; estruturam saberes; e, tomados em fragmentos ou na totalidade, possibilitam o aprofundamento do que sabemos sobre o passado e sobre o presente da escola.
Vera Teresa Valdemarin
Vera Lucia Gaspar da Silva
VALDEMARIN, Vera Teresa; SILVA, Vera Lucia Gaspar da. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.13, n.3, set. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]
Arquivos, objetos e memórias educativas: práticas de inventário e de museologia / Revista Brasileira de História da Educação / 2011
Lugares de memória, espaços de saberes e vestígios da cultura escolar: estratégias propedêuticas em prol da história da educação
No dossiê “Arquivos, Objetos e Memórias Educativas: práticas de inventário e de museologia” pretende-se apresentar projetos desenvolvidos no âmbito da preservação do Patrimônio Histórico Educativo, sobretudo, práticas de salvaguarda e difusão dos acervos, elaboradas no interior desses projetos.
Os autores desta apresentação sentem-se honrados com o convite das organizadoras do dossiê, pela oportunidade, sobretudo, enquanto iniciadores da Rede Iberoamericana para a investigação e a Difusão do Patrimônio Histórico-Educativo (RIDPHE), que hoje se mantém em atividade como lista de discussões, gerenciada pela UNICAMP, com o endereço Ridphe_l@listas.unicamp.br da qual somos moderadores, Vicente Peña Saavedra e Maria Cristina Menezes.
Os textos deste Dossiê, escritos por pesquisadores que participam da Ridphe, trazem a marca das preocupações que, na atualidade, se encontram no bojo daquelas que se colocam na intersecção dos campos da história da educação, arquivologia e museologia. Tal conjugação traz o indicativo da interdisciplinaridade das pesquisas que têm investido no conhecer, identificar e prover, com ações de preservar, acervos históricos indicativos de práticas educacionais de tempos passados, que permitem a nostalgia de um desconhecido por vezes apenas vislumbrado, diante do pouco que se pôde reter.
Essas colocações vêm ao encontro daquelas apresentadas quando do lançamento da Ridphe, no VIII Congresso Ibero-americano de História da Educação (Cihela), em Buenos Aires, durante a exposição do painel “A constituição de lugares de memória para a história da educação: museus, arquivos e bibliotecas na reconstrução histórica das práticas educativas”, coordenado por Rogério Fernandes, de Portugal, e Maria Cristina Menezes, do Brasil. Na ocasião, o professor Vicente Peña Saavedra, da Universidade de Santiago de Compostela, Espanha, fez a proposta de criação de uma Rede Ibero-americana que conclamasse os investigadores voltados para a discussão da recuperação, custódia, estudo, valorização e difusão do patrimônio histórico educativo. Tal proposta teve o apoio efusivo dos participantes e possibilitou que ali se desse o lançamento de mais essa instância de comunicação coletiva. O número de aderentes e o entusiasmo em torno da ideia, que rapidamente se concretizou, possibilitaram que se organizasse no rol de Redes de Discussões da Unicamp, no Brasil, uma lista eletrônica de intercâmbio científico promovida pela Ridphe. A lista conta com a moderação dos seus coordenadores e com a participação de vários pesquisadores latino-americanos, representantes de diversos países, além de colegas de distintas universidades portuguesas e espanholas, que totalizam a esta altura 127 investigadores, especialistas e interessados no tema de muitos variados perfis.
Os textos que compõem este dossiê trazem as preocupações de pesquisadores, em sua maioria, envolvidos com a preservação do patrimônio histórico pedagógico, em escolas, museus escolares, centros de memória, laboratórios científicos de caráter retrospectivo, enfim, com as práticas de manter e inventariar, mas também com a preocupação da difusão dos acervos organizados de forma segura e historicizada.
Portanto, os textos trazem as experiências de seus autores e, conjugadas a elas, as preocupações e angústias que acompanham esse tipo de trabalho, em especial, quanto à garantia de continuidade das propostas e condições para a sua propagação.
Uma suposta interlocução entre os autores nos levaria a examinar preocupações e ideias que se coadunam em prol de objetivos que também se alinham.
Os textos que mobilizam para o inventário de objetos, seja em um museu ou em um centro de memória em construção, como em uma instituição escolar, apresentam-se com a intencionalidade de que a preservação não seja um fim, mas meio de instaurar a comunicação, diante do desafio de se investir na tentativa de transformar a informação científica em conhecimento.
Vera Gaspar e Marília Gabriela Petry trazem o questionamento de como incorporar num registro sistematizado materiais pedagógicos, documentos e registros iconográficos, que carregam os vestígios do ordinário escolar, sem esterilizá-los, ou mesmo transformá-los em objeto qualquer que sofre os efeitos do registro burocrático. As autoras perguntam como fazer esse trabalho sem aprisionar os objetos e perder a riqueza das práticas inscritas em sua materialidade.
Segundo as autoras, essas inquietações articulam-se ao desafio de preservar o objeto e as informações que ele comporta, que o qualificam como documento histórico. Sobretudo, ao compreender-se a preservação como um meio de se instaurar processos de comunicação, e não como uma meta em si.
Também na linha da preservação dos objetos pedagógicos históricos, o texto de Reginaldo Alberto Meloni carrega seus avanços e suas limitações, advindos do trabalho voltado para a preservação dos instrumentos científicos, dos antigos laboratórios, da EE Culto à Ciência, de Campinas / SP, instituição escolar de origem dos objetos escrutados. A sua investigação acaba por tomar outros rumos, o da própria instituição, com o seu precioso acervo documental textual, iconográfico, bibliográfico e arquitetônico, além do material pedagógico e do mobiliário, possibilitando uma pesquisa interna rica em sua localização temporal e espacial. A pesquisa enveredou pela busca de vestígios das práticas pedagógicas que envolviam os usos dos materiais, a partir, sobretudo, das correspondências oficiais da escola, dados obtidos em livros de registro de materiais, com datas e nome de fornecedores, referências dos próprios utensílios, espaço pedagógico dedicado ao seu ensino, programas de ensino, manuais adotados pela escola, avaliações.
O autor investe nas peças enquanto objetos pedagógicos que contribuem para o conhecimento das finalidades das disciplinas de ensino às quais se articulam, especialmente, quanto a conteúdo e método. Ou seja, há uma busca pelas práticas educativas que ocorreram em momentos anteriores na instituição. Os vestígios dessas práticas fazem-se mais presentes neste caso, em que os objetos se encontram na instituição de origem, pelo menos da origem de uso. Mesmo ao se compararem os inventários com os catálogos dos fabricantes, que muitas vezes contêm recomendações de uso, emergem pistas de apropriações realizadas pelos sujeitos escolares.
Ao mesmo tempo, as possibilidades de difusão, com a abertura do acervo ao público, melhor se concretizam no caso do Museu Catarinense. Isso se percebe tanto no aspecto presencial como na constituição do banco de dados, e na construção do site do centro museal, o que não significa a inviabilidade dessas práticas também para o acervo escolar campineiro.
As autoras que tratam do Museu Catarinense expressam também a sintonia do processo de institucionalização do Museu da Escola Catarinense com a política nacional de museus; adotaram-se como base metodológica para elaboração do Banco de Dados as convenções estabelecidas no Caderno de Diretrizes Museológicas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Outrossim, informam que as descobertas mais significativas acerca dos objetos que compõem o acervo estão vinculadas a projetos de pesquisa que buscam perseguir origens e usos dos artefatos escolares, um percurso que se assemelha em múltiplas vertentes ao que já se vem realizando no projeto da Escola de Campinas. Entretanto, em muito se enriqueceria tal projeto, ao dialogar com a experiência dos pesquisadores catarinenses, sobretudo, quanto à difusão da informação como conhecimento.
As autoras trouxeram o fato de a subjetividade fazer-se presente no trabalho de inventariar, no entanto, apostaram na interdisciplinaridade e nas soluções conjuntas, que apontam para o caminho do coletivo, para além dos desejos pessoais.
O quadro exposto revela que os dois percursos se entrecruzam em vários momentos e em seus distanciamentos, se não se complementam, deixam transparecer a fertilidade de uma possível e salutar comunicação entre os projetos. Para além das duas experiências aqui relatadas, e que se encontram em tantos outros e nos mais diversos espaços, ao desafio do trabalho, visando à retenção de perda dos acervos e a preservação da memória escolar, cabe a nossa insistência na necessidade da interlocução.
No texto “Herança educativa e museus”, no qual discorre em primeiro plano sobre os museus pedagógicos e escolares na história da educação, Margarida Louro Felgueiras também chama a atenção para o fato de o inventário, na organização dos arquivos e museus, não se constituir na finalidade da investigação histórica.
Maria Cristina Menezes, por sua vez, considera, em seu texto, que o inventário permite a abertura dos acervos para as pesquisas, visitas, novas elaborações que enunciarão outros saberes, desde que garantidas condições seguras para a consulta aos bens preservados. No entanto, pondera que após dez anos de trabalho na recuperação de acervos, em risco de perda, em porões, sótãos, e outros espaços escolares, percebeu o quanto exige dos pesquisadores o trabalho de inventário. Tal trabalho requer conhecimentos de várias áreas, demanda pesquisa histórica, a leitura nos próprios documentos, portanto, é interdisciplinar e as equipes nem sempre permanecem as mesmas, o que muitas vezes dificulta a continuidade dos estudos, além do agravante da falta de verbas. Justamente pelo desconhecimento das várias frentes abertas nesse tipo de projeto, nem sempre eles são tratados com o devido merecimento por órgãos de fomento e similares.
Menezes cita Saavedra em seu texto, quando este pesquisador assevera que o registro e a sistematização dos acervos informativos, dos quais se vale o investigador para tecer e fundamentar os seus discursos sobre a memória do ocorrido, poucas vezes recebem a ponderação devida, diferente do que ocorre, com maior frequência, com as obras que em tais suportes se sustentam.
O recorrente, segundo a autora, tem sido os investigadores, ao realizar suas pesquisas nas instituições, utilizarem os acervos como fonte, dar a estes uma ordem precária, apenas o suficiente para o desenvolvimento da pesquisa em curso, e os abandonarem após a finalização delas. Essas investidas deliberadas e sem um plano de organização dos acervos não poucas vezes resultam em perdas ou alterações nos suportes por falta de manuseio correto e outros cuidados. Os trabalhos de conservação, descrição, acondicionamento ficam para outros. Essas práticas deixam marcas nos acervos, com lacunas e ordenações precárias, fora da ordem original. São reordenações, com períodos ou temas específicos, em geral sobre os quais se detiveram os pesquisadores em suas investigações.
O texto sob a coordenação de Carmen Sylvia Vidigal Moraes coloca como objetivo apresentar trabalho de pesquisa histórica e arquivística, realizado por um grupo do Centro de Memória de Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (CME / Feusp), o qual consistiu no recolhimento, organização, acondicionamento e referenciação das fontes do legado do educador anarquista João Penteado, composto de documentos produzidos e acumulados por uma das escolas criadas e mantidas por anarquistas no Brasil. Os pesquisadores enfatizam que se trata de pesquisa histórica e arquivística, o que tem caracterizado esse tipo de investigação. Anunciam o teor da equipe, ao afirmarem que o trabalho foi realizado por um grupo de pesquisadores, professores e alunos bolsistas (iniciação científica, mestrado e doutorado) da Feusp, o que vem comprovar a necessidade de braços e pesquisadores em modalidades diferenciadas de formação, além da equipe que comporta o CME / Feusp com arquivistas e historiadores da educação, evidenciando a interdisciplinaridade da proposta.
O acesso à documentação inédita dos arquivos das escolas dirigidas por João Penteado, no largo período de quase cinquenta anos, com certeza permitirá que muitos pesquisadores se beneficiem da recolha e organização desse acervo inédito que contém um número espantoso de itens documentais. Enfim, são experiências distintas que se coadunam, se complementam e se entrelaçam em muitos de seus propósitos.
As pesquisadoras do Museu da Escola Catarinense, com um acervo de objetos de procedências diversas, têm investido em projetos de pesquisa que buscam perseguir origens e usos dos objetos escolares; essas buscas inferem ao retorno às instituições de procedência dos objetos. A pesquisa, ao construir um banco de dados, enxerga-o como ferramenta de consulta ao público, considerando que esse trabalho deverá ser contínuo dentro das atividades do museu, com o surgimento de novos dados a serem registrados. O fundo físico, por sua vez, constitui-se como material de pesquisa.
O acervo de instrumentos científicos do antigo Ginásio de Campinas encontra-se no mesmo espaço que o adquiriu, quando desembarcou de algum navio, vindo da Europa, o mesmo local onde sofreu as apropriações que o conformou aos propósitos dos sujeitos que praticavam a educação naquela instituição de grande importância republicana. Os espaços também enunciam, trazem vestígios das práticas que acolheram.
O grupo do CME da Feusp recebeu um acervo valioso, diretamente dos familiares de João Penteado, o educador anarquista, que era um arquivista por convicção. O acervo foi recebido pelo CME conservado, organizado, referenciado para nele permanecer. Trata-se, no entanto, de um espólio com a mesma origem, do mesmo fundo.
O estudo que resultou na publicação do inventário das fontes documentais do arquivo histórico da Escola Normal de Campinas, apresentado por Menezes, realizou-se no interior da instituição de guarda do arquivo. Os documentos foram produzidos na instituição de depósito, que é também a de origem. A arquitetura monumental da Escola Normal de Campinas revela a austeridade e a importância da instituição e de seus sujeitos para a época. Apesar das condições do acervo, da insalubridade dos espaços de guarda, que, mesmo após limpeza e reforma, mantêm a umidade de outrora, há a força da arquitetura, dos espaços planejados para um tempo e para as práticas escolares de outrora.
Alguns apontamentos já foram enunciados nesta apresentação, mas acreditamos que somente a interlocução com propósito e aprofundamento entre os autores poderá trazer ganhos substanciais e transformar informações em conhecimentos do interesse de todos. O que, de fato, diferencia e aproxima esses trabalhos, quanto às ações que incidirão sobre os itens, quanto aos termos de preservação, organização, descrição e guarda definitiva?
Retornamos ao texto de Felgueiras, para quem foi a premência da recolha e preservação das fontes para a história da educação que, tanto em Portugal quanto no Brasil, levaram ao inventário e registro dos acervos, com a construção de bases de dados. Por conseguinte, a autora pondera, como em plena sociedade do conhecimento e da informação se corre o risco de viver num presente sem memória e sem futuro, ao que intenta pelas condições básicas para a conservação de arquivos “reais”, físicos, e não apenas virtuais.
Tal tema retoma discussão, já iniciada, sobre a necessidade de políticas públicas para essa área específica, o que tem suscitado a preocupação e a busca de alternativas por pesquisadores, quando estas falham ou mesmo não existem, e ainda também naqueles supostos nos quais caminham ao avesso das nossas expectativas. As experiências no desenvolvimento de projetos sobre a preservação dos acervos que conformam a cultura material e imaterial das instituições educativas têm apontado caminhos e mostrado as possibilidades, as dificuldades, os acertos, os erros para encarar o porvir. Daí a importância de investir na interlocução, no conhecimento das várias experiências, percebendo, nessas vias fertilizadoras de participação dos investigadores, critérios de referência para a formulação de políticas que valorizem esses esforços que hoje se realizam em prol da recuperação e preservação dos espaços de memória e história educacional. O que se busca é ainda a garantia de continuidade dessas realizações, a sua visibilidade e difusão, para que esses tantos trabalhos não tenham sido em vão. Nessa linha de ação coloca-se a Ridphe, como espaço para a acolhida e o estímulo da interlocução dos pesquisadores, que persistem e resistem neste trabalho árduo, moroso e de pouca projeção socioinstitucional, em prol da recuperação do patrimônio histórico da nossa educação.
Galícia e Campinas, junho de 2010
Vicente Peña Saavedra
Maria Cristina Menezes
SAAVEDRA, Vicente Peña; MENEZES, Maria Cristina. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.11, n.1, jan. / abr., 2011. Acessar publicação original [DR]
Viagens de educadores, circulação e produção de modelos pedagógicos / Revista Brasileira de História da Educação / 2010
Neste número 22 da Revista Brasileira de História da Educação (RBHE), a Comissão Editorial vem saudar a nova Diretoria da Sociedade Brasileira de História da Educação, nas pessoas dos Professores Doutores Wenceslau Gonçalves Neto e José Gonçalves Gondra. Eleita por sufrágio dos associados, essa Diretoria tomou posse na Assembleia Geral da entidade, que teve lugar durante o IX Congresso Iberoamericano de História da Educação Latino-americana, realizado em novembro de 2009 na capital do Rio de Janeiro. Desejamos todo o sucesso aos colegas que assumiram os diversos cargos e responsabilidades concernentes à gestão da entidade que há uma década legitimamente representa a comunidade brasileira de historiadores da educação. Saudamos, igualmente, a Diretoria que encerrou o mandato sob merecidos aplausos, nas pessoas da Professora Doutora Cláudia Alves e do Professor Doutor Wenceslau Gonçalves Neto, cujo apoio generoso e incondicional à RBHE permitiu à Revista a manutenção de sua excelente qualidade e representatividade.
A própria Comissão Editorial, por sua vez, foi recomposta, em obediência ao revezamento previsto no Estatuto. A referida Assembleia Geral endossou as indicações de duas novas colegas para a sua composição, a Professora Doutora Heloísa Helena Pimenta Rocha (Unicamp) e a Professora Doutora Flávia Obino Corrêa Werle (Unisinos), a quem, publicamente, damos as boas-vindas neste Editorial. Expressamos, além disso, o nosso agradecimento e a devida reverência ao competente trabalho realizado nesta comissão pelos colegas Dislane Zerbinatti Moraes e Carlos Eduardo Vieira, a quem as professoras vieram substituir. A RBHE conta também, a partir deste número, com novos Conselhos Editoriais, compostos por renomados historiadores da educação, que representam programas e instituições de ensino e pesquisa de todo o país, bem como dos países com os quais nossa comunidade mantém relações mais próximas. A todos os membros dos conselhos agradecemos pelo aceite e expressamos a honra de poder contar com suas preciosas colaborações.
Neste número, que abre o conjunto de três edições para as quais obtivemos os recursos do Edital MCT / CNPq-MEC / Capes nº 16 / 2009 – Editoração e Publicação de Periódicos Científicos Brasileiros, a RBHE traz o Dossiê “Viagens de educadores, circulação e produção de modelos pedagógicos”, organizado por José Gonçalves Gondra, cujos artigos versam sobre a interessante e, ao menos entre nós, pouco explorada temática das viagens de educadores. Como Gondra bem expressa na apresentação do dossiê, os artigos de Carla Simone Chamon e Luciano Mendes de Faria Filho, Ana Chrystina Venancio Mignot, Joaquim Pintassilgo e Alessandra Frota Martinez de Schueler trazem os momentos decisivos em que tais viajantes tornaram-se vetores da circulação de livros, ideias e modelos pedagógicos, compondo em seu conjunto um instigante panorama para novas pesquisas e debates.
Apresentamos, também, o artigo de Claude Carpentier, “Manuais e programas escolares franceses de história e geografia: identidades, globalização e construção europeia (1995-2002)”, em tradução de Dislane Zerbinatti Moraes, que, ancorado em substantiva documentação, trata do modo como os manuais e programas dessas disciplinas têm apresentado aos secundaristas franceses a problemática questão do duplo processo de globalização e de construção da identidade europeia. O artigo de Antonio Simplício Neto, “Ensino de história e cultura escolar: fontes e questões metodológicas”, articulando discussão teórica e pesquisa com documentação escolar, defende uma história das disciplinas que privilegie a análise das práticas escolares, a fim de superar interpretações que sobrelevam as problemáticas externas e que tendem a empobrecer o papel da escola e de seus agentes na produção dos saberes disciplinares. O artigo de Mônica Yumi Jinzenji, “As escolas públicas de primeiras letras de meninas: das normas às práticas”, trata da organização dessas escolas em Minas Gerais no século XIX, com especial atenção para as tensões entre controle e resistência que povoaram o cotidiano de professoras, alunas e suas famílias. Esta edição encerra-se com a entrevista do reconhecido historiador da educação espanhol, Antonio Viñao Frago, que, respondendo a Marcus Taborda, aborda tópicos de grande interesse para historiadores da cultura e da educação e para educadores, tais como a importância do espaço e do tempo na organização e cultura escolares, a realização histórica da utopia da escola para todos e o propalado anacronismo da instituição escolar na sociedade contemporânea.
Uma ótima leitura a todos!
Comissão editorial. Editorial. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.10, n.1, jan. / abr., 2010. Acessar publicação original [DR]
Concepções de universidade e de educação superior no Brasil nos anos de 1920 e 1930 / Revista Brasileira de História da Educação / 2008
Os artigos aqui reunidos têm como marcos periodizantes os anos de 1920 e 1930, e levam em conta os seguintes posicionamentos: a) de Antonio Carneiro Leão (1887-1966), por meio de algumas de suas obras; b) de Fernando de Azevedo (1894-1974) e outros, que resultaram no conhecido Inquérito de 1926; c) do Estatuto das universidades brasileiras pelo decreto-lei n. 19.851 de 11 de abril de 1931 e de outros decretos-lei interligados a esse; d) do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932; e) em torno da gênese e da criação da Universidade do Distrito Federal de 1935, idealizada por Anísio Teixeira (1900-1971).
As universidades vigentes entre as fronteiras de tal periodização são: nos anos de 1920 a Universidade do Rio de Janeiro (a atual Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), criada em 1920, a Universidade de Minas Gerais (atualmente, a Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), criada em 1927; a Universidade de São Paulo e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ambas criadas em 1934, e a Universidade do Distrito Federal, criada em 1935.
Entretanto, as opções feitas na elaboração deste dossiê deixam a descoberto lacunas, como as apontadas em parágrafo anterior. Outrossim, há outras: a própria Universidade do Rio de Janeiro, que foi transformada em Universidade do Brasil, pela lei n. 452, de 5 de julho de 1937; ressalve-se também o movimento católico pela instauração de universidades, gerido desde os anos de 1930. Todavia, os cinco temas contemplados por este dossiê estão entre os seminais e inspiradores de projetos em torno da construção da universidade brasileira.
As críticas aos modelos universitários adotados ou em gestação, seja em documentos ou em textos de época, objetos deste dossiê, estão aqui fundamentalmente presentes, e revelam o movimento universitário brasileiro nascente: é o caso da Universidade do Rio de Janeiro, objeto de críticas localizáveis, explicitamente, na tomada de partido de Carneiro Leão e de alguns depoentes presentes no Inquérito de 1926. Entretanto, a crítica aos modelos instituídos e as tensões a serem enfrentadas revelam que a concepção de universidade perpassa a todos eles, pelas discussões em torno do tripé – ensino, pesquisa e extensão –, pelas funções que à universidade deveria caber, pelas críticas às cinco reformas educativas que envolveram a educação superior, desde a instauração da República, pela discussão a respeito da estruturação organizacional, pelos papéis que deveriam desempenhar, ou também pelas expectativas expressas em torno da formação do professor do ensino secundário ou mesmo em torno de uma cultura universitária a construir.
Em suma, como coroação de tais aspectos, o processo constituinte da nacionalidade era a orientação primacial, a qual daria o norte às universidades emergentes, seja pela formação de profissionais para os diferentes ramos, seja pela formação acadêmica, traduzida então por locuções, tais como alta pesquisa, alta investigação, alta cultura, cultura desinteressada etc. Um tema básico a todos foi, ainda, a relação entre as elites e o povo: a defesa deste implica crítica à concepção elitista que dominava a educação superior, mas, em contrapartida, privilegiar a formação do povo, cujo analfabetismo estava, em 1930, na casa dos 65%; a defesa de que a universidade fosse um lugar de formação das elites condutoras para a constituição da nacionalidade implicava que elas se constituíssem em farol para o povo, por sua vez, analfabeto.
Afinal, a universidade estava aí afirmada e em processo constituinte como um centro de formação e de irradiação para a nacionalidade, por meio do ensino e da pesquisa. Destarte, a formação do professor secundário, dos profissionais e dos pesquisadores buscava responder à emergente divisão do trabalho. Ainda que fossem universidades nascentes, entre as mencionadas para o período em pauta, tratava-se, como reflete o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932, de reconstruir educacionalmente o Brasil.
Em suma, pode-se averiguar que o processo constituinte da cultura universitária brasileira não se deu sem conflitos e sem busca por apoio: a vinda de professores estrangeiros, os estudos e as conferências sobre as universidades européias, as visitas técnicas a universidades estrangeiras, os confrontos em torno da estruturação organizativa, a defesa da liberdade de concepção e de organização institucional, as discussões veiculadas em congressos e em revistas nacionais são, entre outros aspectos, reveladores de posições divergentes, de problemas e necessidades diversos e de heterogeneidades a serem enfrentadas, além das rupturas, como é o caso da Universidade do Distrito Federal, uma utopia vetada em 1939.
Entre as universidades nascentes nos anos de 1920 e 1930 e as atuais torrentes que formam correntezas no leito da educação superior contemporânea estão, certamente, presentes vários temas que compuseram o nascedouro de então. Contemporaneamente, clama-se por democratização da cultura superior, mas de fato as aspirações agigantam-se diante de sua não-realização. Nesse sentido, o conteúdo de tais artigos podem ser afirmados como ecos para os dias de hoje, e pleitear constituir-se, quem sabe, entre os vários norteamentos, uma das explicitações a compreender a universidade brasileira contemporânea.
José Carlos Souza Araújo
ARAÚJO, José Carlos Souza. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação, Paraná Maringá-PR, v.8, n.2, maio/ago, 2008. Acessar publicação original [DR]
A cultura material na história da educação: possibilidades de pesquisa / Revista Brasileira de História da Educação / 2007
Vestígios da cultura material escolar
Como afirmou de forma muito pertinente Margarida Felgueiras (2005, p. 97), “falar de cultura material da escola é mudar o foco de atenção […]”. De fato, implica desviar o olhar para dimensões do universo educacional – edifícios, mobiliário, utensílios, materiais pedagógicos, manuais didáticos etc. – quase sempre tomados como um dado natural, evidentes por si mesmos, sem maior relevância, ainda que sejam suportes de práticas, instrumentos mediadores da ação educativa e elementos estruturais para o funcionamento dos estabelecimentos de ensino. Mas o pesquisador interessado em efetuar esse deslocamento enfrentará, necessariamente, os desafios diuturnos daqueles que se aventuram a seguir caminhos pouco trilhados, tendo que se haver com as dificuldades teórico-metodológicas de tomar os artefatos como objeto e fonte de pesquisa.
Os textos reunidos neste dossiê foram apresentados no IV Congresso Brasileiro de História da Educação, realizado em Goiânia, em 2006. Eles constituem bons exemplos da fertilidade do estudo da cultura material para a ampliação do conhecimento histórico em educação. Confrontando prescrições e práticas, a partir de diferentes fontes e abordagens de pesquisa, os estudos revelam como em torno dos materiais escolares foram instituídas práticas discursivas, modos de organização pedagógica da escola, consolidação de métodos de ensino, constituição de sujeitos e práticas, aspirações de modernização educacional e significados simbólicos. Além da análise dos materiais, os trabalhos revelam os percursos traçados na constituição de acervos e a metodologia empregada para o exame dos objetos. Ressaltam-se ainda a riqueza das interpretações empreendidas pelas pesquisadoras e a diversidade dos artefatos que emergem nas análises.
Valdeniza Maria Lopes da Barra flagra um episódio ordinário das relações entre os órgãos da administração da instrução pública e professores de primeiras letras na província de São Paulo, no século XIX. Acompanhando os desdobramentos da trama que se desenrola em torno das prescrições da Inspetoria acerca dos materiais necessários às escolas públicas primárias e as solicitações de uma professora do mobiliário e utensílios requeridos para ministrar o ensino, a autora mostra como espaço, mobiliário e utensílios entram em jogo na produção da escola. Dessa maneira, a análise faz emergir as concepções dos atores educacionais e, com muita clareza, põe em destaque a ação que subjaz nos objetos quando em relação com os sujeitos e a cultura. Num tempo em que a escola funcionava freqüentemente na casa do professor e que a relação de materiais se restringia a mesas, bancos, mochos, papel almaço, penas de aves, lápis, tinta, canivetes, traslados, catecismos, entre outros poucos artefatos, ainda assim em quantidade sempre insuficiente para as necessidades dos professores e alunos, é o modo de organizar a escola pela transmissão simultânea do ensino e um modo de ser professor que a materialidade inscreve, e que a autora habilmente demonstra.
O texto de Gizele de Souza, em contrapartida, põe em questão as exigências materiais ampliadas requeridas para o funcionamento dos primeiros grupos escolares implantados no estado do Paraná, no início do século XX. O foco do texto são as representações em torno da composição material desse novo modelo de escola primária que se consagrou durante a Primeira República, como símbolo da renovação e modernização educacional no Brasil. Emerge na análise o significado simbólico dos prédios escolares, do mobiliário escolar condizente com as normas de higiene e a profusão de materiais didáticos tendo em vista a ampliação dos programas de ensino e a adoção do método intuitivo. Nesse sentido, como bem demonstra a autora, a materialidade da escola expressa suas finalidades sociais, políticas e culturais, o sentido da renovação e sua importância no projeto republicano. É tanto perceptível as representações sobre os objetos quanto o significado simbólico que eles instauram pela sua visibilidade. Outro aspecto que sobressai no texto são as contradições entre as práticas discursivas e a provisão efetiva das escolas, ou seja, as mazelas do ensino público marcado pela precariedade e insuficiência de toda sorte. Como no texto de Valdeniza Barra e nos demais textos deste dossiê, a autora, pela nomeação e descrição minuciosa dos objetos, descortina um cenário vívido da escola. Esse quadro mais preciso do que tem sido a escola em diferentes épocas é uma contribuição inegável de uma abordagem sobre a cultura material.
O exame minucioso de fontes como relatórios de professores, diretores de escolas, inspetores e delegados de ensino, legislação e instruções emanadas dos órgãos da administração educacional, ofícios e correspondências, relações de materiais e inventários tem fomentado o encontro dos historiadores da educação com a materialidade da escola. Na análise da ausência e presença dos materiais escolares, os pesquisadores têm posto em relevo os condicionantes das práticas, como a frontalização do ensino pelo uso sistemático do quadro-negro, as posturas corporais impostas pelas carteiras, os livros de leitura mais utilizados nas escolas como suportes de transmissão de saberes, os cadernos especiais para o ensino de determinadas disciplinas escolares (por exemplo, cadernos de trabalhos manuais, de caligrafia, de aritmética, entre outros), materiais que indicam a introdução de inovações pedagógicas (como os contadores mecânicos, as cartas de Parker, os modelos de Prang, entre outros, utilizados nas lições de coisas, os aparelhos para o cinema educativo ou os meios audiovisuais).
Se a escrita administrativa produzida pelos profissionais da educação no cumprimento das exigências dos órgãos da administração do ensino (relatórios, relações de materiais, inventários etc.) tem-se constituído em fonte relevante para o estudo da cultura material escolar, o que dizer sobre a imensa quantidade de artefatos que se encontram deliberadamente ou não guardados nas instituições educativas e com os quais se defronta o historiador da educação? E aqueles salvaguardados do descarte e que fazem parte dos arquivos pessoais preservados como lembranças eivadas de afetos? E as coleções armazenadas em museus, centros de referências e de memória da educação?
O texto de Regina Maria Schimmelpfeng de Souza articula as práticas discursivas sobre a materialidade da escola com a exploração de alguns objetos como fonte de pesquisa. Para a reconstituição da história da escola alemã de Curitiba, no período entre 1884 e 1917 (Deutsche Schule), a autora valeu-se de inúmeros vestígios da cultura material. De um lado, nas fontes escritas, pôde verificar o moderno aparelhamento dessa escola, especialmente, a numerosa coleção de objetos para as “lições de coisas”, estratégia utilizada pelos mantenedores para projetar a instituição na sociedade auferindo-lhe prestígio e reconhecimento social cuja identidade passou a ser associada à boa organização escolar e à qualidade do ensino. Além disso, no exame de materiais de uso escolar encontrados nos guardados de antigos alunos – cadernos, lousa, caneta e mata-borrão – a autora pode entrever a relação intrínseca existente entre os objetos e os sujeitos, isto é, o quanto os objetos estão implicados nos processos de subjetivação. Nessa direção, ela aponta os constrangimentos corporais inscritos no uso da lousa pelos alunos, as habilidades motoras requeridas para o manuseio da pena, as múltiplas destrezas físicas e cognitivas associadas ao uso cotidiano do caderno. Assim, o texto permite apreender os objetos tanto como linguagem como materialidade que produz ações.
O texto de Rosilene Batista de Oliveira Fiscarelli e Rosa Fátima de Souza põe em discussão as possibilidades e os limites do uso de uma coleção de troféus escolares como fontes para a história da educação. Baseando-se na organização de um acervo digital de artefatos encontrados numa escola pública de ensino básico do estado de São Paulo, as reflexões das autoras buscam evidenciar os diversos tipos de informação que essa coleção propicia, assim como a abrangência das investigações que suscita. Os troféus são testemunhos das participações bem-sucedidas da escola em diferentes tipos de certames e competições de natureza esportiva, sociocultural e cívico-patriótica. Eles revelam modalidades, características dos certames, a cronologia das participações, o nível de ensino dos alunos envolvidos, as entidades promotoras e os significados sociais compartilhados. Tomados como símbolos da excelência da escola pública, eles dão visibilidade a um passado recente memorável e mantêm uma íntima relação com a memória institucional. O questionamento das autoras volta-se para a validade dos artefatos como documentos e os desafios metodológicos no enfretamento da questão.
A organização deste dossiê objetiva contribuir com os pesquisadores da área da história da educação fomentando o debate e socializando uma amostra significativa das possibilidades de investigação da cultura material escolar, domínio de pesquisa relativamente novo e muito promissor, como demonstrado nos textos aqui reunidos.
Referência
FELGUEIRAS, M. L. Materialidade da cultura escolar. A importância da museologia na conservação / comunicação da herança educativa. Pro-prosições, v. 16, p. 87- 102, jan. / abr. 2005.
Rosa Fátima de Souza – Professora adjunta do Departamento de Ciências da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara / Universidade Estadual Paulista (UNESP).
SOUZA, Rosa Fátima de Souza. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.7, n.2, maio / ago, 2007. Acessar publicação original [DR]
História da profissão docente no Brasil e em Portugal / Revista Brasileira de História da Educação / 2007
A história da profissão docente no Brasil e em Portugal: aproximações e distanciamentos
O conjunto de artigos que compõem este dossiê1 remete-se a um projeto de intercâmbio entre pesquisadores brasileiros e portugueses que pretende debruçar-se sobre a história da profissão docente no mundo luso-brasileiro, numa perspectiva de longa duração, tentando entende-la em um duplo contexto caracterizado, por um lado, pelo processo de formação dos Estados modernos, do qual a constituição dos sistemas nacionais de ensino (que, por sua vez, se viabiliza com a universalização da forma ou modelo escolar) é, sem dúvida, uma das dimensões mais significativas; e, por outro, pelo processo de institucionalização das ciências da educação, que se articula por uma via de mão dupla ao próprio processo de profissionalização do professor.
Assume-se o termo história da profissão docente por considerar o seu caráter elucidativo, enquanto “noção unificadora das várias dimensões do exercício profissional do magistério, cuja concepção exige a análise simultânea e integrada dessas mesmas dimensões” (Catani, 2000, p. 587).
Dessa perspectiva, o projeto tem como referência central o modelo de interpretação construído por Nóvoa (1987), em seu estudo sobre a profissão docente em Portugal. Esse autor, partindo de uma abordagem que chama de socioistórica, propõe um conceito de profissão que aponta para uma nova chave de leitura dessa problemática, que se faz a partir de uma dupla dimensão (a dimensão do saber e a dimensão ética) e da percepção da existência de quatro etapas ou momentos do processo de profissionalização da atividade docente, que podem ser estudadas tanto numa perspectiva diacrônica quanto numa perspectiva sincrônica.
Tomando como referência os momentos fortes identificados por Nóvoa na sua análise, o projeto propõe-se a agrupar em torno de quatro eixos temáticos os subprojetos que constituem esse amplo programa de pesquisas. São eles:
- as Reformas Pombalinas da Instrução Pública, particularmente a reforma dos estudos menores, no século XVIII, que marcam a intervenção pioneira do Estado português, no sentido da constituição de um sistema estatal de ensino, em todos os domínios do Reino, e pelas quais se cria um primeiro quadro de professores recrutados e pagos pelo Estado. Ênfase será dada aos professores dos estudos secundários, prolongando-se a análise, no caso de Portugal, para a reforma de Jaime Moniz, no termo do século XIX;
- a emergência das escolas normais, no século XIX, e sua consolidação, na primeira metade do século XX, considerando-se que tais escolas vão constituir-se nas primeiras instituições voltadas para a formação prévia e específica dos professores (no caso, os professores primários) e surgem mais ou menos na mesma época, com características bastante semelhantes, em diferentes contextos nacionais, inclusive no Brasil e em Portugal;
- a consolidação do processo de profissionalização dos professores, que ocorre, no Brasil, entre os anos de 1920 a 1960, sob o impacto do ideário da Escola Nova e que impulsiona um projeto de cientificização do campo da educação. Nesse caso específico, dados os contextos políticos bastante diferenciados entre Brasil e Portugal ao longo do período, o esforço de comparação será particularmente interessante, tentando-se, inclusive, perceber as influências recíprocas entre os dois países;
- as questões que marcam a atual problemática da formação de professores e do exercício da profissão docente, buscando pensá-la na contemporaneidade, tendo sempre presente o fato de que os professores constituem uma categoria com uma longa história, que deixou marcas profundas na forma de conceber hoje o ofício de professor, e entendendo que a história da profissão docente se encontra em curso.
Em todos os casos, parte-se do pressuposto de que, se por um lado é preciso levar em conta as especificidades de cada um dos dois países (e mesmo as diferenças internas, particularmente no caso do Brasil), por outro não se pode deixar de reconhecer, como afirma Nóvoa (1994), o caráter transnacional das questões referentes aos professores, evidenciado nos estudos que se vêm debruçando sobre essa temática. Assume-se, igualmente, a perspectiva proposta por esse autor de entender os estudos comparativos na direção não de uma análise “dos fatos”, mas do “sentido histórico dos fatos” (Nóvoa, 1998). Desse ponto de vista, o programa de pesquisa que a nos estamos propondo desenvolver abrange a análise de um conjunto de fatores associados à história da profissão docente, incluindo o estudo da circulação de saberes e da apropriação de produtos culturais por esses agentes históricos; a análise das políticas oficiais dirigidas ao magistério; a observação de diferentes formas de manifestação dessa categoria profissional diante das exigências postas ao exercício de seu ofício; as representações sociais que interferiram e ainda interferem na constituição de uma identidade docente específica. Vistos do ponto de vista de uma história comparada, esses aspectos podem potencializar a análise proposta, permitindo que o seu desenvolvimento se dê em uma perspectiva mais abrangente.
Esses trabalhos constituem-se num primeiro produto desse esforço conjunto de aproximação entre as equipes brasileiras e portuguesas do projeto.
Os cenários histórico-educacionais do projeto: uma primeira aproximação
A equipe que integra o projeto assume abertamente a possibilidade de a investigação propor formas de conhecimento que conciliem, por um lado, a empiria – obrigando-se a identificar, coletar, sistematizar e interpretar novas séries documentais produzidas dentro e fora do campo educativo –, e, por outro, a conhecer como teoria a relação de troca que os dois países estabeleceram naquela unidade espaço-temporal. Como nota António Nóvoa (2000, p. 122) em Tempos da escola no espaço Portugal-Brasil-Moçambique, “a elaboração do objeto faz apelo a uma reconciliação entre a história e a comparação, o que implica importantes redefinições destas duas disciplinas”.
Proporemos aqui digressão que trate de definir as temáticas e o território histórico de referência e que irão servir de porta de entrada da investigação. Será a partir de um entendimento específico de duas grandes linhas genealógicas do devir educacional, clarificadas a partir de finais do século XVIII – (i) a criação dos sistemas nacionais de ensino, (ii) um novo modelo disciplinar ligado à luta pela secularização do governo da alma –, que a pesquisa se concretizará, permitindo dessa forma imaginar sentidos concretos da emergência e consolidação de discurso com características reformadoras sobre o conhecimento pedagógico, a escola, os alunos, os professores e os saberes disciplinares.
As duas superfícies genealógicas da educação moderna
A questão da temporalidade longa que percorre o projeto não é uma questão que, de tão evidente por si mesma, possa passar sem prévios esclarecimentos de caráter teórico-metodológico. Impõe-se mesmo que comecemos por explicitar o modo como usamos a expressão escola moderna e que entendimento fazemos dela. Ao recuar a tempos tão remotos, a idéia central que nos move é a de tentar traçar, no espaço mundo de dois planos da lusofonia, uma história das convicções atuais em matéria de educação das crianças e dos jovens. Tentaremos responder a uma pergunta essencial: de onde provêem as idéias, as formações sociais e institucionais que aceitamos como naturais na atualidade? O conceito de genealogia, desenvolvido por Foucault (1971) a partir de Nietzsche, enquadra teoricamente uma investigação que tem um entendimento particular do devir temporal. Para o genealogista não há essências fixas, leis incontornáveis ou finalidades metafísicas; o seu objetivo não é ir às origens, mas antes tentar intersectar a proveniência e a linhagem de um problema ou de uma coisa; na assunção de que os fatos não falam por si mesmos, tende a colocar a ênfase num tipo de sistematização e conceptualização que assuma continuidade interativa entre a elaboração das teorias e das hipóteses; em termos de trabalho empírico dá uma importância central às relações de poder, aos processos de mudança. Trata-se, numa palavra, de tentar traçar a história do presente a partir de um plano e em direção a um objetivo que possa desinstalar o leitor relativamente às suas próprias convicções internas. A genealogia pretende mostrar que os objetos que nos pertencem foram sendo historicamente construídos, peça por peça, compactando tradições muito diferentes e que não imaginamos de modo algum estarem associadas e ainda menos fundidas. São, pois, narrativas muito específicas, particulares, algumas delas mesmo descontínuas, todavia com implicações gerais. Aquele filósofo alemão procurou mostrar que não há um sentido – uma razão – mas todo um “lado fluido”, uma síntese global de sentidos, de fins e utilizações civilizacionais para cada conceito moral cujo conteúdo tomemos como inquestionável. Como ele mesmo gostava de afirmar: “definível é apenas aquilo que não tem história” (Nietzsche, 2000, p. 90).
É por essa perspectiva que julgamos ganha operacionalidade a hipótese de tentar inquirir e ensaiar contar uma história que exemplifique as condições de emergência da escola moderna e do aluno como ator social a serviço de jogos de poder. O leitor destas páginas por certo aceitará a bondade dessa afirmação, que pode ser de hoje, de ontem, de há 100 ou mesmo de há 200 anos: o poder político liberal sempre procurou transferir para os espaços em que decorria a socialização escolar o essencial das tarefas destinadas à efetivação das categorias modernas de pessoa e de cidadão; logo, desde os bancos da escola o homem novo seria formatado nos ideais do humanismo, das luzes, do progresso, da autonomia e da responsabilidade pessoal. Há unanimidade na historiografia em reconhecer que a própria instituição escolar apresenta uma gramática escolar estável de há muito e que, em muitos aspectos, nos aparece como impermeável, na sua lógica organizacional, às tentativas de a reformar, durante todo o século XX. A escola tem resistido a modificar as suas estruturas mais elementares: “the basic grammar of schooling, like the shape of classrooms, has remained remarkably stable over the decades; little has changed in the ways that schools divide time and space, classify students and allocate them to classrooms, splinter knowledge into ‘subjects’, and award grades and ‘credits’ as evidence of learning” (Tyack & Cuban, 1995, p. 85). António Nóvoa descreve, com um pouco mais de pormenor, esse modelo que se impôs como via única. Parece não haver possibilidade de encontrar um cenário diferente desse:
Alunos agrupados em classes graduadas, com uma composição homogénea e um número de efectivos pouco variável; professores actuando sempre a título individual, com perfil de especialistas (ensino secundário); espaços estruturados de acção escolar, induzindo uma pedagogia centrada essencialmente na sala de aula; horários escolares rigidamente estabelecidos, que põem em prática um controlo social do tempo escolar; saberes organizados em disciplinas escolares, que são as referências estruturantes do ensino e do trabalho pedagógico. [Nóvoa, 1998, p. 27].
1. A criação dos sistemas nacionais de ensino. As reformas escolares na Europa do século XVIII mostraram, inequivocamente, que o nacionalismo foi o fenômeno por excelência que permitiu criar, sob a dependência do Estado, várias instituições sociais – e, de entre elas, a escola terá sido aquela a quem passou a caber o desígnio de alimentar a identificação da população de governados com o governo – capazes de reivindicar-se, ao mesmo tempo, como garantia da perenidade das nações e forma natural de organização dos povos. O Estado-nação, à semelhança do que assinalou Benedict Anderson (2000), traduz, no fundamental, a existência de uma comunidade política imaginada. Essa idealização imaginária foi produzida no interior de certos limites – fronteiras –, uma vez que o nacionalismo viria a conhecer certa finitude que as religiões não admitiam. Foi igualmente construído um novo princípio de soberania, tendo o conceito de nação sido forjado nos tempos das Luzes e da Revolução Francesa sobre os escombros da ordem antiga: na verdade, importa sublinhar que até ao último quartel do século XVIII a cidadania não estava conceitualmente ligada à idéia de identidade nacional. Foi desde então que ela se passou a exprimir no interior de uma nação soberana, o que viria a mudar os equilíbrios, as filiações e fidelidades anteriores, desencadeando novos sistemas sociais de identificação e pertença. Concebida nesses termos a cidadania é, então, fruto de uma modernidade que procurou desde então redefinir as ligações entre as populações e o Estado sobre a base de uma normatividade que se reclamou racional e científica (Habermas, 1992; Dahrendorf, 1974; Nóvoa, 1998).
Nacionalidade-soberania-cidadania passaram a constituir a tríade de referência de um projeto sociopolítico que transferia legitimamente para a esfera estatal o monopólio da violência simbólica. Ora, é sabido como a escola viria a desempenhar um papel absolutamente central na dinâmica de transformação da massa de governados em nações produtivas e disciplinadas, através de um arbitrário cultural que passou a ter a aparência das coisas naturais (Habermas, 1992). O movimento que varreu toda a Europa do século XVIII – e cuja cartografia já foi reconstruída pelos historiadores Roger Chartier e Dominique Julia (1989) – deve ser interpretado nesses parâmetros, ou seja, como um dos lugares sociais portadores de uma nova maneira de governar, modulando os sujeitos históricos como cidadãos e, sobretudo, estabelecendo laços de comunicação direta entre cada um dos indivíduos e o Estado. O conceito de governamentalidade (Foucault, 1978) – quer dizer, a arte de governo que passou a implicar a conduta pessoal, de forma mais ou menos marcada, com o exercício do poder soberano – é da maior utilidade para explicar um projeto histórico que inscreveu a preocupação com a coisa educativa no centro do processo de modernização do Estado, como assinala Jorge Ramos do Ó (2001, 2003). A escola passou a ser, desde aí, o instrumento mais importante para forjar a solidariedade nacional, no contexto de invenção de uma cidadania que se passou a pensar ao nível do Estado-nação e que serviu de justificação a uma política de homogeneização cultural (Nóvoa, 1998).
É essa dimensão que permite historicamente relacionar o local com o global. Na verdade, um pouco por todo o lado, se os esforços dos reformadores educacionais foram marcados pelas histórias e conjunturas locais, não é menos certo que eles foram também caracterizados e animados por uma mundividência comum, de características transnacionais. A questão das origens dos sistemas nacionais de ensino tem chamado a atenção, desde o final dos anos de 1960, das novas correntes da historiografia da educação. Elas têm vindo a recusar tanto as interpretações idealistas, quanto as explicações apenas centradas na dinâmica institucional, próprias das gerações anteriores; todavia, mantêm a tese da força explicativa do Estado moderno. De fato, a historiografia contemporânea, continua a mobilizar boa parte das suas teorias para a compreensão da natureza e do processo de formação do Estado, sugerindo interpretações crescentemente sofisticadas, as quais relacionam a criação dos sistemas nacionais de ensino com a necessidade de formar pessoal especializado para (i) suprir as necessidades e as funções estatais, (ii) difundir as culturas nacionais dominantes, (iii) construir uma unidade política e cultural diferenciada (idem).
Durante todo o século XIX os sistemas nacionais de ensino foramse consolidando, no quadro de afirmação do Estado-nação. A escola passou, desde então, a procurar responder a um problema de natureza política: como homogeneizar a cultura dos cidadãos, delimitando o espaço da identidade cívica e nacional no interior do qual o Estado devia exercer a sua autoridade? A conhecida tese desenvolvida por Pierre Bourdieu (1994, p. 115) – relacionando a unificação teórica operada pelo Estado, que moldou as estruturas mentais e impôs princípios de visão e de divisão comuns, com as formas de pensamento que se designam por identidade nacional – vai inteiramente nesse sentido: “c’est surtout à travers de l’école que, avec la généralisation de l’éducation élémentaire au cours du XIXe siècle, s’exerce l’action unificatrice de l’État en matière de culture, élément fondamental de la construction de l’État-nation”.
Alguns autores falam mesmo da existência de um Estado ensinante para sublinhar as relações íntimas entre o novo Estado e o novo ensino durante o século XIX. O historiador Andy Green (1990, p. 10) caracteriza bem essa cumplicidade quando afirma que os sistemas nacionais de ensino foram utilizados para assimilar as culturas imigrantes, para promover as doutrinas religiosas estabelecidas, para difundir a norma estandardizada da língua nacional, para generalizar novos hábitos e formas racionais de pensamento, para encorajar o desenvolvimento de valores patrióticos, para inculcar disciplinas morais e, sobretudo, para endoutrinar segundo os credos político-econômicos das classes dominantes. Sem dúvida, a escola ajudou a construir as subjetividades da cidadania, justificando, ao mesmo tempo, as medidas tomadas pelo Estado ao olhar do povo e os deveres do povo em face do Estado. Este acreditou que seria possível construir cada pessoa como um sujeito universal, mas de modo inteiramente diferente consoante a classe social e o sexo. Procurou formar o cidadão responsável, o trabalhador diligente, o contribuinte ativo, o pai consciencioso, o marido fiel, o soldado patriota, o votante escrupuloso ou submisso. John Boli e Francisco Ramirez assinalam a propósito da expansão do ideal iluminista uma importante transferência de poder simbólico da Igreja para o Estado através do campo educacional:
By the nineteen century sovereignty was fully transfered from God to humanity, the individual and the State had become the central elements of society, and the pursuit of rational progress as the primary purpose of autonomous human society was winning the institutional high ground. This developments made schooling seem imperative, the best way to transform children into the new type of enhanced and capable citizen who could create this new progress-oriented society. [Boli & Ramirez, 1992, p. 29].
O desenvolvimento da escola de massas – no sentido anglófono mass schooling –, a partir da segunda metade do século XIX, constitui um outro momento do mesmo processo de apropriação pelo Estado dos assuntos escolares. Assistiu-se, desde então, não apenas a um alargamento de escala, mas, também, à confirmação de um modelo de organização escolar e de ação pedagógica desenvolvido na Europa ao longo de toda a modernidade. Foi a irradiação e universalização desse modelo que permitiu, na viragem para Novecentos, a consolidação definitiva da gramática escolar que nos atinge no presente e a que já nos referimos anteriormente. As teorias do sistema mundial (World-system approach) são para nós as mais instigantes para analisar o processo histórico de gênese e afirmação da escola de massas. John Meyer, Francisco Ramirez e Yasemin Soysal (1992, pp. 131-132) mostraram muito inequivocamente que a emergência e a expansão da escola de massas seguiram trajetórias idênticas ao nível mundial, o que põe diretamente em causa as interpretações baseadas sobre as características econômicas, políticas e sociais de cada país. Sustentam a tese segundo a qual o Estado-nação é ele mesmo um modelo cultural transnacional no interior do qual a escolarização de massas é um dos principais dispositivos em direção à criação de laços simbólicos entre os indivíduos e o Estado. De acordo com Luís Miguel Carvalho, podemos recapitular:
A escola de massas apareceu onde o modelo do Estado-nação apareceu. A consagração desta forma política no Ocidente ou, melhor dizendo, no espaço da Cristandade durante o século XIX, ocorre no quadro de uma transformação das definições da realidade dominantes acerca dos propósitos humanos, da soberania e da estrutura social. A ascensão e o triunfo da escola de massas no Ocidente explicam-se, então, pela adequação ideológica e organizacional dessa solução à estabilização de uma relação simbólica entre os indivíduos e o Estado-nação. A consagração da escola de massas é, pois, indissociável da consagração de uma ideologia educativa – pode ler-se da teoria da educação escolar – que incorpora os princípios da semântica da modernização instituída no século XIX. [Carvalho, 2000, p. 23].
Como assinala António Nóvoa (1998, pp. 91-92), importa não perder nunca de vista que o modelo escolar moderno e o seu prolongamento pela escola de massas são fenômenos que tiveram “a sua origem na Europa: a sua difusão ao nível mundial produziu-se a partir daquele espaço cultural e político”. Assim é possível defender-se que a questão colonial está também ela inscrita no coração da produção da realidade do Estado-nação e do papel que a escola jogou no “dispositivo de articulação da nacionalidade, da cidadania e da soberania. A Europa construiu as colônias, da mesma maneira que as colônias foram essenciais à produção do pensamento ocidental com os seus respectivos modelos de educação”. Uma racionalidade discursiva sobre os conceitos de Europa e mundo ocidental foi-se espalhando no campo intelectual e científico:
Dans un monde où l’idéologie de progrès est synonyme d’occidentalisation, le discours philosophique de la modernité est par définition “eurocentrique”. La culture européenne et le colonialisme sont profondément liées, puisque l’Europe fonctionne comme référent silencieux, au niveaux mondial, du travail intellectuel et de la connaissance historique. C’est pourquoi il faut bien saisir le rôle de l’Europe dans la production et diffusion d’une rationalité scolaire qui sert à relocaliser les subjectivités individuelles en fonction de leur intégration dans le projet historique de l’État-nation. Nul le doute l’importance de la dimension “éducation” pour entériner une vision du monde d’après laquelle seulement l’Europe est théoriquement connaissable, toutes les autres histoires étant considérés comme des questions empiriques qui se limitent à remplir le squelette théorique qui est l’Europe. [Nóvoa, 1998, p. 92].
Numa palavra, o projeto assume o desígnio de que é fundamental tentar compreender as relações entre o modelo de Estado-nação concretizado a partir de finais do século XVIII e o modelo da escola de massas. A ontologia da modernidade construiu-se sobre o ideal de que era preciso revolver profundamente a escola tradicional, reformando-a do topo à base para que ela realizasse um trabalho laborioso de unificação cultural e nacional. Para compreender essas dinâmicas históricas, a nossa equipe estrutura a sua investigação em torno do princípio segundo o qual tal transformação da relação aos fins da educação foi inteiramente sustentada por uma ideologia do progresso e, fundamentalmente, por uma nova racionalidade reelaborada no interior do campo científico.
2. Um novo modelo disciplinar ligado à luta pela secularização do governo da alma. Intentaremos, a partir de agora, estabelecer uma outra linhagem que possa relacionar a mundividência do Estado-nação com estruturas a ele preexistentes. Trataremos de filiar as suas práticas em dinâmicas de poder que, embora com a aparência da novidade e com a promessa de renovar a escola pública, eram já realidades socializadoras, quando da sua constituição. É, assim, que defenderemos que foi pela adaptação das práticas próprias de uma supervisão e direção religiosa de tipo pastoral, ou seja, da tentativa de auto-identificação com um ser de qualidade superior – objetivando-se, pela primeira vez e de forma sistemática, esse transfer da disciplina espiritual para as rotinas do cotidiano –, que a escola pública conseguiu inscrever o princípio da realização pessoal bem no âmago do objetivo disciplinar dos Estados liberais. Explica-nos Ian Hunter:
States may wish to transform their populations for reasons of state, but this does not mean that they can simply whistle the means of moral training into existence. In Western Europe, the administrative State borrowed these means from the Christian pastorate. Indeed, under the banners of the Reformation and the counter-Reformation, the churches had begun to develop their own school systems independently of the State, as instruments of massive campaigns to Christianize and ‘confessionalize “the daily life of the laity”. [Hunter, 1996, p. 149].
Analisados a partir desse ângulo, o sistema escolar público e a difusão da escolarização massiva não corresponderam, portanto, à expressão de princípios puramente educacionais. A sua emergência decorreu, antes, de exigências colocadas às novas administrações estatais e teve como suporte as tecnologias de governo das almas cristãs e a elas preexistentes. Na mesma linha de pensamento, seremos levados a admitir que a educação popular traduziu um propósito geral – construído embora e em grande medida a partir da interface pedagógica – de encerrar as populações em ordem a obter massas de cidadãos que evidenciassem formas de conduta muito marcadas pela auto-inspeção. Falar de escola é, desde sempre, falar de uma política da consciência, e exatamente da invenção “of a form of secular political pastorate which couples individualization and totalization” (Gordon, 1991, p. 9). Ora, mesmo essa matriz muito remota já pouco tinha que ver com o cultivo de práticas repressivas, do medo e da obediência passiva. Tentaremos mostrar que um grande número de jogos identitários apontava para formas positivas de identificação e para um trabalho moral realizado internamente.
A escola moderna, mais do que cultivar práticas repressivas com o propósito de inculcar o medo e a obediência passiva, procurou – e, seguramente, a partir daquela remota matriz cristã do poder pastoral – formar a personalidade do aluno por meio de formas de identificação positivas e de um trabalho interior. Se o gesto educativo supõe que se aceite o princípio da transformação completa do educando – marcando, como nota Nóvoa, “le passage d’un état à un autre ou l’inscription d’une nature autre que la nature originelle” (2002) –, esse mecanismo identitário parecia alimentar-se do sentimento de emulação da figura do professor. Tais práticas, que podemos situar como estando na origem das formas de controle de tipo introspectivo, pareceram as mais produtivas no sentido da incorporação plena dos valores da responsabilidade, da virtude e da honestidade. A instituição escolar não mais deixou de lado o desígnio de sobrepor, em cada aluno, a força do hábito à força da vontade – cada um deveria ser capaz de clivar, a partir de si próprio, todo o tipo de impulsos e estímulos, associando-os sempre ao bem e ao mal, ao normal e ao anormal.
Podemos dizer que se alicerça aqui o princípio político ativo, tão próprio da nossa civilização, que preceitua que a auto-observação leva diretamente à auto-regulação, que o treino disciplinar desenvolvido no interior das paredes da sala de aula continua vida adulta adentro. Nas suas circunstâncias próprias e nos seus sucessivos degraus, a instituição escolar passou a equipar os indivíduos com formas cada vez mais especializadas de reflexão ética, apresentando-as como atributos da cidadania, e dessa forma contribuiu largamente para universalizar o modelo da pessoa reflexiva. Continuou o trabalho de subjetivação desenvolvido pelas autoridades cristãs – e estas por seu turno ampliam e vulgarizam princípios já estabelecidos na época clássica – quando se determinaram em pressionar o indivíduo a ultrapassar para sempre o limiar da interrogação. A autoproblematização tornava-se o projeto de toda uma vida e seria suportada por um repertório ascético em que o crente poderia praticar por si mesmo, impondo-se autonomamente os limites espirituais tendo em vista a salvação da sua alma. Foi desse modo que o autoexame se combinou com as disciplinas místicas e estas com a austeridade sexual ou quaisquer outros jejuns corporais. Na discussão que estabelece em torno da afirmação da ética protestante ao longo dos séculos XVI e XVII, Max Weber (1990) dá conta do desenvolvimento massivo desse tipo de exercícios espirituais. A questão fundamental que trata é a do Menschentum, termo este que associa ao princípio de variabilidade de atributos da humanidade e, mais precisamente, a uma caracteriologia dos modos por intermédio dos quais os seres humanos tornaram historicamente possíveis certas formas de governo racional, tanto de si como dos outros. A esse sociólogo, interessa-lhe compreender os temas da conduta metódica da vida (o racional Lebensführung) característicos do ascetismo protestante. Essa confissão cristã é vista por Weber como tendo tentado, na época pré-moderna, espiritualizar a Igreja e também toda a sociedade pela disciplina ética. O seu propósito era, portanto, o da disseminação profunda, quer dizer, individualizada, da mensagem cristã. Membros ordinários de um rebanho, à sua maneira cada um dos fiéis das várias seitas protestantes foi-se deixando dominar inteiramente por um ethos com motivações puramente religiosas. Teremos de registrar a emergência histórica de uma máxima, nota o autor de Economia e sociedade, “indubitavelmente nova: [a de] considerar o cumprimento do dever no quadro da atividade temporal como a ação moral mais elevada”. Estava-se no pólo oposto ao da tradição católica, que aceitava como únicas formas de agradar a Deus ou os mandamentos morais, enquanto programa único de vínculo universal, ou a ascese monástica, uma forma existencial retirada do mundo. De fato, o conceito de Beruf, criado por Lutero, para traduzir as tarefas impostas por Deus, não reconhecia outras formas de superação moral que não as que remetessem “exclusivamente” para “o cumprimento no mundo dos deveres que decorrem do lugar do indivíduo na vida social e que se tornam assim a sua ‘vocação’” (Weber, 1990, p. 56). A salvação da alma é um eixo em torno do qual o protestantismo fez girar a vida e as ações humanas.
A gênese do modelo da escola de massas esteve, também, indissociavelmente ligada aos figurinos de tecnologia moral desenvolvida pelas dinâmicas da Reforma e Contra-Reforma. Desde logo, a passagem fez-se de forma institucional direta. É sabido que as primeiras escolas populares européias foram criadas pela Igreja, logo nos séculos XVI e XVII, enquanto instrumentos de intensificação e aprofundamento da direção pastoral das consciências. David Hamilton (1989, p. 25 e p. 47) afirma que elas foram concebidas já como uma máquina de auto-regulação social. Na sua arquitetura organizacional, as diferentes escolas cristãs adotaram formas sistemáticas – racionalizadas, poderemos agora afirmar – de contínua conexão entre o princípio da ordem, da eficiência e do aprofundamento moral. Trabalhavam sempre no sentido de desinstalar os alunos dos seus hábitos anteriores, levando-os na direção de uma perfeição natural, como era dito na linguagem do tempo. A verdadeira “explosão da vontade de aprender” – primeiro nas “zonas protestantes” como a Prússia e a Áustria, depois “nas regiões católicas” –, que levaria “à emergência de um universo cultural dominado pela escrita” e instaurou “uma civilização de base escolar”, ocorreu efetivamente sob a “tutela da Igreja” e das “congregações religiosas” até pelo menos meados do século XVIII, sublinha Nóvoa (1994, p. 167). O mesmo se terá passado em Portugal – ainda que sem a influência direta do protestantismo –, onde as autoridades católicas vinham sendo, mas já desde a época medieval, o único elemento aglutinador de todo o tecido escolar. O modelo escolar que se impôs nessa época revela grandes rupturas com o passado. As “modalidades escolares” tenderam para certa “uniformização”.
Numa palavra, a moderna escola de massas, em processo de consolidação progressivo desde a segunda metade do século XIX, será assim vista como uma – e exatamente como mais uma outra – expressão prática das tecnologias do governo da alma. Faz sentido recordar a esse propósito uma afirmação de António Nóvoa: “a educação é mais totalizada do que totalizadora” (1994, p. 186). Efetivamente, o nosso modelo escolar está intimamente associado, por um lado, aos programas de uma administração política e disciplinar do tecido social e, por outro, às dinâmicas que, pela formação de cidadãos amantes dos valores da liberdade e do progresso, continuam o projeto das Luzes. Não obstante, e ainda que algumas interpretações historiográficas possam apontar para conclusões noutro sentido, a imagem-ideal que socialmente tem prevalecido da instituição escolar é a que decorre diretamente da última: desejamos e esperamos que ela promova a diferença, as aptidões e capacidades em direção à realização plena do indivíduo. Tudo se tem passado como se o primeiro aspecto ficasse obnubilado pelas intenções humanistas e as promessas redentoras contidas no segundo. E se ainda tomarmos em linha de conta que esse modelo se vem derrogando de forma isomórfica no conjunto dos projetos educativos ao longo de toda a centúria de Novecentos – não importa a origem política ou geográfica –, então mais estranha parecerá uma descrição genealógica da instituição escolar que comece por associar o seu desenvolvimento aos programas tecnológicos, disciplinares e disciplinadores, desenvolvidos no interior dos estados liberais.
Nota
1. O dossiê origina-se da comunicação coordenada de mesmo título, que foi apresentada no VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, realizado em Uberlândia, de 17 a 20 de abril de 2006. Acrescentou-se o trabalho de Ana Maria Magaldi, também integrante da equipe de pesquisadores.
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——– . La raison et la responsabilité: une science du “gouvernement des âmes”. In: HOFSTETTER, Rita; SCHNEUWLY, Bernard (dir.). Science(s) de l’éducation 19e -20e siècle champ professionnel et champ disciplinaire. Bern: Peter Lang, 2002. p. 243-263.
Ó, Jorge Ramos do. O governo dos escolares: uma aproximação teórica às perspectivas de Michel Foucault. Lisboa: Educa/Prestige, 2001.
——– O governo de si mesmo: modernidade pedagógica e encenações disciplinares do aluno liceal (último quartel do século XIX-meados do século XX). Lisboa: Educa, 2003.
TYACK, David; CUBAN, Larry. Tinkering Toward Utopia: a century of public school reform. Cambridge: Harvard University Press, 1995.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Lisboa: Editorial Presença, 1990 [1905. 1. ed. em alemão].
Ana Waleska Pollo Mendonça – Professora de história da educação dos cursos de graduação e pós-graduação do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Doutora em educação brasileira pela PUC-Rio. Fez o pós-doutoramento na Universidade de Lisboa. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Jorge M. Nunes Ramos do Ó – Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.
MENDONÇA, Ana Waleska Pollo; Ó, Jorge M. Nunes Ramos do. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá-PR, v.7, n.3, set/dez, 2007. Acessar publicação original [DR]
Arquivos Escolares: desafios à prática e à pesquisa em história da educação / Revista Brasileira de História da Educação / 2005
Os arquivos escolares têm emergido nos últimos dez anos como temática recorrente no campo da história da educação. Relatos de experiências de organização de acervos institucionais, narrativas sobre as potencialidades da documentação escolar para a percepção da cultura escolar pretérita (e presente), publicação de inventários e guias de arquivo, elaboração de manuais e reprodução de documentos (digitados ou digitalizados) vêm mobilizando investigadores da área, renovando as práticas da pesquisa e suscitando o uso de um novo arsenal teórico-metodológico.
O interesse pela singularidade no tratamento das diversas fontes para a produção historiográfica, manifesto em décadas precedentes, já tinha forjado um deslizamento em direção à história, à teoria da linguagem e à antropologia, dentre outras disciplinas, impelindo à busca de documentação sobre o passado educacional em arquivos públicos, institucionais e particulares, e mesmo à elaboração de documentos pelo recurso à história oral. O esforço de sistematização das informações e sua disponibilização, então iniciado, pela própria magnitude do projeto, demandaram a constituição de grupos de pesquisa, cujo funcionamento regular propiciou a extensão do mapeamento das fontes documentais.
A esse movimento tem-se entretecido, mais recentemente, a preocupação com a preservação de acervos e a atenção aos primados da arquivística e da museologia, enredando os historiadores da educação na discussão sobre a cultura material, o exercício do arquivamento e do descarte e as técnicas específicas de conservação de cada suporte ou objeto. Tais interlocuções têm ampliado ainda mais o horizonte do trabalho em história da educação, ao mesmo tempo provocando fissuras no que se considera a seara do historiador e questionando fronteiras disciplinares.
Ao lidar com os arquivos mortos de escolas, os investigadores têm sido instados a mobilizar a comunidade escolar e atentar para seus anseios. A literatura vem demonstrando a importância em associar alunos, professores e funcionários à organização e manutenção dos acervos escolares, na certeza de que a perenidade dessas iniciativas repousa no seu acolhimento pelo efetivo da escola. Despontam, assim, argumentos em defesa da necessidade de integrar o funcionamento da secretaria à prática do arquivo permanente, gerando instrumentos de trabalho próprios ao universo documental da escola; e sobre a relevância em tornar o arquivo vivo, seja pela participação de alunos e professores na atividade de organização e guarda do acervo, seja pelo uso de alguns documentos escolares em sala de aula.
Em contrapartida, a percepção de que os objetos e móveis localizados nas instalações escolares estão intrinsecamente ligados à constituição das práticas escolares atuais e antigas, tecendo com os documentos textuais e fotográficos múltiplas histórias da escola e da educação, tem levado pesquisadores a problematizar as balizas que tradicionalmente distinguem documentos arquivísticos e museológicos e a advogar o não desmembramento dos acervos escolares.
Os artigos aqui reunidos exploram a interdisciplinaridade dessas iniciativas, trazendo matizes das discussões recentes, nas quais o entrelaçamento das atividades de campo à reflexão teórico-metodológica confere densidade à análise. São várias as abordagens. Ora, a ênfase recai sobre a tarefa metódica e minuciosa da organização do acervo, detalhando as ações realizadas e os obstáculos superados. Ora, o interesse volta-se para problematizar as relações entre arquivos, história e história da educação. Os autores são, todos, pesquisadores em história da educação, embora tenham distintas formações (história, pedagogia e matemática) e diversas inserções institucionais (professores e arquivistas). E participaram do I Encontro de Arquivos Escolares e Museus Escolares, realizado pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação (NIEPHE), na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), entre 26 e 28 de julho de 2005.
Com o objetivo de contribuir para a consolidação dos trabalhos sobre a temática, sistematizando e socializando o debate, o encontro congregou pesquisadores portugueses e brasileiros das várias regiões, na expectativa de propiciar intercâmbios e estimular ações conjuntas. A proposição do presente dossiê reitera esse convite, reconhecendo que os desafios à prática e à pesquisa em história da educação que o convívio com os arquivos escolares suscita vêm sendo enfrentados de maneiras variadas pelos investigadores da área.
Diana Gonçalves Vidal
VIDAL, Diana Gonçalves. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.5, n.2, jul. / dez., 2005. Acessar publicação original [DR]
Tempos sociais, tempos escolares / Revista Brasileira de História da Educação / 2004
Os textos aqui reunidos tratam de períodos históricos diferenciados (contemplando desde o século XVII ao século XX), contextos diversos (Brasil e México) e abordam temáticas diferentes (as excursões e ritos escolares, a organização curricular, a produção da idade escolar), trazendo em comum a centralidade da categoria tempo no estudo dos fenômenos educativos investigados. Busca-se, a partir de pesquisas empíricas diversas, demonstrar como a produção e ordenação de tempos escolares constituíram elemento central no processo de escolarização do social, articulado à modernidade.
A partir desse eixo, os autores analisam como a aquisição de uma determinada concepção do tempo, ordenada no interior da escola, foi fundamental para a introjeção de um conjunto de habitus, identificado com a modernidade. Modernidade essa que assumiu significados singulares, tendo em vista as especificidades de cada momento histórico, das instituições e atores sociais postos em cena.
Assim é que Lucía Moctezuma aborda, no diálogo com os estudos sobre as inovações pedagógicas introduzidas no cotidiano escolar do ensino elementar do final do século XIX e início do XX, um tema ainda pouco investigado: as excursões escolares. Essas buscam introduzir uma nova ordenação do tempo, na organização do cotidiano das salas de aula.
É a ordenação dos tempos escolares no interior dos espaços pedagógicos que constitui o tema desenvolvido por Anne Staples. Em seu artigo, a autora contempla os rituais institucionais, bem como a definição do calendário escolar no início do século XIX, no bojo da introdução do método simultâneo.
Já tendo como foco de estudo, não a escola elementar, mas a destinada à formação da juventude, ao final do século XVIII, Eduardo Flores Clai, em seu texto, contempla a análise da vida acadêmica, no interior do Real Seminário de Mineria. Tal instituição, voltada para difusão de conhecimentos científicos relacionados à exploração mineral, buscou irradiar uma representação coletiva do tempo, através da produção de um ritmo da vida escolar no cotidiano dos sujeitos ali inseridos.
Também centrando-se na formação da juventude, Antonio Padilla Arroyo aborda a relação entre tempos escolares e tempos sociais. Seu estudo contempla a análise dos processos disciplinares conformadores de regulações e controles, a serem introjetados pelo indivíduo, identificados com o projeto civilizador.
Por fim, o artigo de Maria Cristina Gouveia tem como foco, não o contexto mexicano, mas o estudo da produção histórica de uma idade escolar na província brasileira de Minas Gerais ao longo do século XIX. Idade compreendida como período de vida do indivíduo (a meninice), em que esse deveria obrigatoriamente estar inserido na escola elementar, para ali adquirir saberes para sua formação para a vida adulta.
Maria Cristina Gouveia
GOUVEIA, Maria Cristina. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.4, n. 2, jul. / dez., 2004. Acessar publicação original [DR]
Memória do Ensino de História da Educação / Revista Brasileira de História da Educação / 2003
A Revista Brasileira de História da Educação conclui seu terceiro ano de atividades com o lançamento do sexto número. A manutenção de sua periodicidade representa a adesão da comunidade de historiadores da educação brasileira ao projeto de uma publicação de caráter nacional, aglutinando as investigações no campo. A revista confirma assim seu lugar de difusão dos trabalhos produzidos em história da educação no Brasil.
A política de proposição de dossiês amplia o espectro de atuação da Revista Brasileira de História da Educação, consagrando-a também como um território plural de debates. É com este espírito que ora publicamos o dossiê Memória do Ensino de História da Educação. Sua edição, como de resto dos demais dossiês, almeja estimular a discussão entre pares e suscitar a atenção para temas importantes e ainda pouco explorados no campo. A Comissão Editorial reitera o convite aos historiadores brasileiros da educação para propor novos dossiês.
Mantendo o interesse em republicar textos fundamentais à memória da educação brasileira e à historiografia educacional, a Revista Brasileira de História da Educação traz, ainda, em suas páginas, o artigo “Educação e desenvolvimento nacional”, de autoria de Geraldo Bastos Silva. Objeto de estudo no III Curso de Treinamento de Pessoal em Planejamento Educacional, oferecido pela Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério, do Centro Regional de Pesquisas Educacionais “Prof. Queiroz Filho”, em 1965, o texto captura um momento da educação nacional, interrogando-se sobre o problema da “eficiente operação da escola dentro da multidão de fatores em interação contínua na realidade sociocultural”. A resposta vem associada à consideração dos aspectos culturais da instituição escolar no contexto de subdesenvolvimento econômico do país. Dado o caráter documental do artigo, alguns problemas de revisão não puderam ser solucionados.
Completam o conjunto da RBHE os artigos aprovados, as resenhas e a nota de leitura. Contando com o apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação e com o renovado prestígio dos pesquisadores do campo, a revista reafirma seu desejo de congregar os historiadores brasileiros da educação e servir como espaço editorial e acadêmico a esta área de investigação.
Comissão Editorial
Comissão Editorial. Editorial. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.3, n.1, jul. / dez., 2003. Acessar publicação original [DR]
O Público e o Privado na Educação Brasileira / Revista Brasileira de História da Educação / 2003
A idéia de reunir artigos que tomam como objeto de investigação o público e o privado na educação brasileira justifica-se com base em dois argumentos principais. Em primeiro lugar, busca somar esforços de toda uma tradição de estudos que abordam essa temática, geralmente produzindo análises conjunturais em momentos de redefinição política e legislativa [1]. Em segundo lugar, pretende convidar o leitor a dar um mergulho na história com vistas a buscar, em diferentes temporalidades, elementos que permitam ampliar a compreensão de questões que afetam a educação brasileira no tempo presente. Em certa medida, o conjunto de textos aqui reunidos expressa a forma pela qual pesquisadores de diferentes instituições sediadas na cidade do Rio de Janeiro [2] desenvolveram suas análises sobre determinados aspectos da relação entre o público e o privado no âmbito da educação brasileira.
Acreditamos que o conhecimento da questão em uma perspectiva de longo prazo nos permitirá perceber com maior nitidez o fluxo estrutural de nossa história [3] , permitindo-nos articular as inflexões ocorridas no próprio processo de constituição das noções de público e privado em articulação com o movimento dinâmico que envolveu o debate de idéias em torno da educação das crianças e do povo brasileiro de uma maneira geral, assim como das disputas e dos consensos que acompanharam a estruturação e generalização das instituições escolares no Brasil.
Nessa perspectiva, o primeiro artigo, intitulado “A construção da escola pública no Rio de Janeiro imperial”, recompõe aspectos relevantes da trajetória de construção do sistema público de ensino brasileiro, abordando a sua gênese no Rio de Janeiro imperial, quando foram implantadas ao Aulas Régias ou Aulas Públicas, como eram chamadas. Segundo a autora, mesmo na fase final do Império, as instâncias do público e do privado confundiam-se ora em projetos comuns e em alianças, ora disputando interesses diferentes, observando-se, todavia, sua relação com as propostas que eram discutidas tanto no âmbito do governo imperial quanto no âmbito da sociedade, como, por exemplo, a obrigatoriedade do ensino primário, o desenvolvimento do ensino profissional e a alfabetização de adultos em cursos noturnos, entre outras.
O segundo artigo intitulado “A quem cabe educar? Notas sobre as relações entre a esfera pública e a privada nos debates educacionais dos anos de 1920-1930” aborda a preocupação com a (re)construção na nação, no sentido já clássico de republicanização da república, que marcou o ambiente cultural brasileiro do início do século XX. A autora demonstra que a cruzada pela educação em curso na época, ao mesmo tempo em que mobilizou esforços em prol da expansão da escola pública a segmentos amplos da sociedade, também produziu um conjunto de ações educativas destinadas às famílias, sendo tais ações educativas entendidas como de responsabilidade do Estado, da escola ou da Igreja. Como se poderá verificar com a leitura do texto, se a preeminência da escola e do Estado diante da família aparece como um dos eixos norteadores do pensamento renovador, no pensamento católico a família ocupa lugar primordial como instituição educativa, atuando ao lado do Estado e da Igreja, porém, na visão do padre Leonel Franca, gozando de primazia ante essas duas instituições.
O artigo intitulado “Oscilações do público e do privado na história da educação brasileira”, apresenta uma interpretação acerca dos limites, da interação e dos conflitos estabelecidos entre o público e o privado, ao longo do processo de institucionalização da educação em nosso país. Se a perspectiva de longo prazo não permite um aprofundamento das questões ali esboçados, ela propicia, em contrapartida, uma visão global do tema.
O quarto e último artigo, intitulado “O público e o privado na educação brasileira: inovações e tendências a partir dos anos 1980”, inserese no debate sociológico sobre o papel do Estado e do setor privado na educação brasileira, buscando esclarecer o sentido que vem tomando a restruturação das relações entre essas instâncias. Ao levantar os problemas básicos presentes na tensão entre o público e o privado, a autora identifica alguns pontos-chave no redesenho operado nessas relações a partir dos anos 1980, recorrendo a exemplos selecionados entre as iniciativas educacionais recentes. Assim, apresenta uma visão geral dos mecanismos responsáveis pela definição de um novo padrão de política educacional, diferente daquele que se consolidou entre os anos de 1930 e 1970. Medidas associadas à descentralização político-administrativa e financeira dos sistemas educacionais, assim como a tendência à redução do volume, da capacidade e da qualidade dos serviços produzidos pelo Estado no âmbito da educação compõem o repertório da análise desenvolvida no referido estudo.
A soma desses artigos mescla abordagens características dos estudos históricos e dos estudos de caráter sociológico, entendendo que a interação entre essas duas áreas disciplinares permite a fertilização da reflexão em torno da relação presente e passado, assim como potencializa a interseção entre teoria e empiria, entre interpretação e descrição. Os quatro estudos procuraram compor, cada um com seu recorte específico, um conjunto no qual se buscou abordar a relação público e privado na educação brasileira, inventariando as suas formas históricas de manifestação, observando as imbricações, as aproximações e os afastamentos operados entre essas duas dimensões e procurando identificar os termos da oposição que marcou o conflito entre publicistas e privatistas no âmbito do debate e da participação nos rumos da política educacional. Fez parte de nossas preocupações verificar a emergência de novas formas de relacionamento entre o Estado, a sociedade e os setores privados no que tange à questão educacional, reafirmando, assim, a centralidade desse tema na educação brasileira contemporânea.
Notas
1. Em um levantamento preliminar, destacam-se os seguintes estudos: Buffa (1979), Ideologias em conflito: escola pública e escola privada, São Paulo, Cortez; Cunha (1981), “Escola particular x escola pública”, Revista ANDE, 1 (2); Cury (1988), Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais, e Cury (1992), “O público e o privado na educação brasileira: posições e tendências”, Cadernos de Pesquisa, 81 (maio); Pinheiro (1996), “O público e o privado na educação: um conflito fora de moda, em Fávero (org.), A educação nas constituintes brasileiras, Campinas, Autores Associados; Vieira (1998), “O público e o privado nas tramas da LDB,” em Brzezinski (org.), LDB reinterpretada: diversos olhares se cruzam, São Paulo, Cortez.
2. A saber, UFRJ, CEFET-RJ, UERJ e PUC-Rio.
3. O termo foi tomado por empréstimo de Novais (1997) no Prefácio à obra História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa, São Paulo, Companhia das Letras.
Libânia Nacif Xavier
XAVIER, Libânia Nacif. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.3, n.1, jan. / jun., 2003. Acessar publicação original [DR]
Negros e a Educação / Revista Brasileira de História da Educação / 2002
O número quatro da Revista Brasileira de História da Educação tem um significado especial para sua Comissão Editorial.
Inicialmente vale notar que este número vem a público logo após o II Congresso Brasileiro de História da Educação, ou seja, esta publicação confirma a importância de ocupar seu espaço editorial e acadêmico no mesmo momento em que a Sociedade Brasileira de História da Educação se consolida. Esse processo legitima a Sociedade e a Revista ao mesmo tempo. Ambas conseguem congregar um expressivo número de investigadores responsáveis pelo amadurecimento desse campo do conhecimento, no Brasil.
Este número também representa uma outra conquista. Foi possível planejar e levar a efeito a demarcação de um “território plural de debates” no corpo de nossa publicação semestral. Isso diz respeito à concretização do projeto de publicação de dossiês como uma “marca registrada” que se quer imprimir à Revista. Neste número apresentamos o primeiro dossiê de uma série que terá continuidade número após número.
O dossiê Negros e a Educação dá início, com contribuições inovadoras, ao processo através do qual a Sociedade proporcionará a organização de debates específicos entre pares habitualmente distantes em razão das demandas do trabalho universitário mas que, a contar deste número, estarão próximos nas páginas da RBHE. Outros dossiês já estão em andamento e a recepção de artigos para avaliação cresce continuamente.
As traduções, os artigos aprovados, as eventuais republicações de textos fundamentais relacionados tanto à memória da educação quanto à historiografia da educação brasileira, somadas às resenhas e às notas de leitura, compõem um perfil que, doravante, buscará obter as indexações internacionais necessárias para que a rica produção brasileira chegue aos interlocutores de outros países.
Comissão Editorial
Comissão Editorial. Editorial. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá- PR, v.2, n.2, jul. / dez., 2002. Acessar publicação original [DR]
História da Educação | SBHE | 2001
A Revista Brasileira de História da Educação – RBHE (Maringá, 2001-) é a publicação oficial da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE).
O periódico adota a publicação contínua de artigos inéditos resultantes de pesquisas, que abordem temas associados à história e à historiografia da educação.
A RBHE tem como objetivos a ampla circulação do conhecimento e a promoção da discussão em torno dos diferentes problemas que permeiam o campo de pesquisa e ensino da história da educação, a partir de uma perspectiva interdisciplinar e plural em termos teóricos e metodológicos.
O periódico publica, também, dossiês, resenhas e entrevistas com personalidades de destaque nacional e internacional.
Periodicidade contínua.
Acesso livre.
ISSN 2238-0094 (Online)
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