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A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente – YOUNG (SY)
YOUNG, Jock. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, 3ª reimpressão, 2015. Resenha de: CORDAZZO, Karine; PREUSSLE, Gustavo. Synesis, Petrópolis, v.9, n.2, p.112-124, ago./dez., 2017.
Jock Young, sociólogo e criminologista, aborda na obra “Sociedade excludente: Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente”, primordialmente os aspectos fundantes da transição da sociedade inclusiva para a sociedade excludente.
A sociedade inclusiva remonta ao período dos “anos dourados” na Europa, e na América do Norte do pós-guerra. Tratava-se de um mundo de pleno emprego, incorporação gradual da classe trabalhadora, entrada mais plena das mulheres na vida pública e no mercado de trabalho, bem como à tentativa dos Estados Unidos em criar uma igualdade para os afro-americanos.
Nesta sociedade inclusiva, o trabalho e a família eram os pilares centrais, encaixando-se como num sonho funcionalista. Em parte alguma desenvolveu-se uma sociedade tão inclusiva, cingindo o cidadão do berço ao túmulo, insistindo na cidadania social plena. (YOUNG, 2002, p. 21)
No tocante à criminalização, a sociedade inclusiva não excluía o “outro”, não o catalogava como um inimigo, mas o enxergava como alguém que devesse ser reabilitado, socializado, curado até ficar como “nós” (YONG, 2002, p. 21). Em verdade, na visão modernista, o outro aquele a quem faltava os atributos do observador.
Entretanto, o sonho de uma sociedade inclusiva e tradicional da família e da comunidade começou a desmoronar. Ao longo dos anos 1980 e 1990, no bojo daquela sociedade utópica, figurou um período de extremo declínio, culminando em um processo de exclusão social. Notadamente, trata-se da transição da modernidade para a modernidade recente, ou seja, a transição de uma sociedade inclusiva para uma sociedade excludente.
Segundo Young, alguns fatores contribuíram para que esta exclusão fosse implementada, como por exemplo, a economia de mercado, que trouxe um salto qualitativo nos níveis de exclusão. O downsizing da economia acarretou a redução do mercado de trabalho primário, expansão do mercado de trabalho secundário e a criação de uma subclasse de desempregados estruturais. (YOUNG, 2002, p. 24)
O trabalho seguro e qualificado foi reduzido, dando lugar à força de trabalho terceirizada, mediante contratos curtos, sem qualquer estabilidade ou vínculo empregatício. O grande efeito deste processo de exclusão, foi, inevitavelmente, gerar um sentimento de precariedade em todos os trabalhadores.
Essas frustrações, afirma o autor, conscientemente são expressas sob forma de privação relativa. Trata-se da frustração daqueles a quem a igualdade no mercado de trabalho foi recusada face àqueles com mérito e dedicação iguais. Eis aqui o paradoxo do novo individualismo para Young. A insatisfação face à situação social pode dar lugar a uma variedade de respostas políticas, religiosas e culturais e, frequentemente, fechar e restringir as possibilidades criando respostas criminais. (YOUNG, p. 30)
Nesse contexto, o aumento da criminalidade é evidenciado, afinal a criminalidade emerge da inflamável combinação de privação relativa e individualismo. Ocorre que este aumento rápido da taxa de criminalidade refletiu nas transformações dos comportamentos e atitudes públicos no desenvolvimento do aparato de controle do crime e da criminologia, alimentou o medo público do crime e gerou padrões elaborados de comportamento de evitação. E, consequentemente, resultou num aumento da população encarcerada.
Young expõe alguns dados. Nos Estados Unidos, por exemplo, os presos constituem uma população excluída significativa, cerca de 1,6 milhões de pessoas estão presas – uma cidade do tamanho de Filadélfia, se fossem todas reunidas no mesmo lugar –. Além disso, 5,1 milhões de pessoas estão em regime de supervisão correcional (prisão, condicional ou sursis), um em cada 37 adultos da população adulta residente. Young compara dramaticamente a situação prisional norte americana com o gulag1, em que este gulag americano seria agora do mesmo tamanho do gulag russo, e ambos contrastariam com a situação da Europa Ocidental, em que a população carcerária total seria de 200 mil pessoas.
Após estas reflexões iniciais, Young indaga aos seus leitores a respeito da existência de uma possível distopia de exclusão, onde as divisões e desigualdades ocorreriam não apenas entre nações, mas no interior das próprias nações.
A modernidade recente, ou sociedade excludente, pode ser identificada através de um núcleo, de um cordão sanitário e pelas pessoas que estão de fora.
O núcleo corresponde aos que pertencem ao mercado de trabalho primário, aqueles que trabalham em tempo integral, com estruturas de carreiras seguras e sólidas. Aqui é o reino da meritocracia. No entanto, trata-se de um núcleo que encolhe sem parar. A parte que mais cresce do mercado de trabalho é a do mercado secundário, em que a segurança no emprego é muito menor, em que as estruturas de carreira estão ausentes e a vida é experimentada como precária. (YOUNG, 2002, p. 40)
Também é possível visualizar o chamado cordão sanitário, uma fronteira criada entre o grupo nuclear e os que estão fora deste grupo, através de uma série de medidas, pelo planejamento urbano e, principalmente, pelo dinheiro. Já os que estão fora, são grupos que viram bodes expiatórios para os problemas da sociedade mais ampla. Eles são a subclasse, onde todos os problemas da sociedade lhes são imputados.
Neste contexto, é destacado pelo autor a dualidade do Sonho Americano e do Sonho Europeu. Para Young, é evidente a natureza excludente do Sonho Americano, onde a noção de cidadania enfatiza fortemente a ideia de igualdade legal e política, e muito menos a de igualdade social. Em verdade, o foco está sobre os bens sucedidos. Por outro lado, no sonho Europeu há uma menção à igualdade social, aos direitos de inclusão.
Em que pese a suposta utopia de alcançar o Sonho Americano ou o Sonho Europeu, Young demonstra que o cordão sanitário, que busca diferenciar, afastar e excluir os segmentos mais vulneráveis da população, tem conseguido cada vez menos proteger separar o cidadão “honesto” contra o crime e a desordem em ambas visões. Afinal, a noção de que o criminoso é um inimigo externo está fundamentalmente equivocada. Privação relativa e individualismo ocorrem através de toda a estrutura social e em todos os lugares, a existência de crimes de colarinho branco disseminados e de crimes entre membros “respeitáveis” das classes trabalhadoras mal nos permitem separar os criminosos dos não criminosos. (YOUNG, 2002, p. 45-46)
Para o autor, há relação inequívoca entre as mudanças na criminalidade e desordem com as mudanças na base material. A solução estaria na criação e implementação de políticas que partam da margem e vão tão longe quanto seja aceitável em vez de políticas que partam do centro e vão tão longe quanto seja caridoso.
Encerrando o primeiro capítulo, Young é enfático, a nostalgia social-democrata do mundo inclusivo dos anos 1950, com pleno emprego masculino, família nuclear e comunidade orgânica, é um sonho impossível. (YOUNG, 2002, p. 50)
No segundo capítulo, Young explicita como ocorreu a transformação nos últimos vinte anos no âmbito do crime, do controle da criminalidade e da própria criminologia. Para o autor, existe uma relação linear entre a crise da criminologia com a crise da modernidade. As velhas certezas sobre a natureza óbvia do crime e o papel central do sistema de justiça criminal em seu controle já não são tão obvias assim.
Young aborda cinco fatores, que em sua visão, contribuíram para que a modernidade fosse repensada.
O primeiro fator refere-se ao rápido crescimento das taxas de criminalidade, sustentado no positivismo social de que o crime seria causado por más condições sociais e que foi claramente contradito, afinal, a criminalidade aumentou à medida que o Ocidente enriqueceu.
O segundo fator remonta à existência de uma cifra oculta de crimes não notificados. Com efeito, a taxa de criminalidade seria pelo menos três vezes maior do que os números oficiais apresentam. Esta distinção entre crimes visíveis e crimes invisíveis quase vira de cabeça para baixo o paradigma modernista. Pois sugere que a imagem da criminalidade apresentada nas cifras oficiais seja fundamentalmente defeituosa (YOUNG, 2002, p. 66).
Sob a ótica da problematização do crime – terceiro fator –, Young demonstra como é construída a noção de crime. Em verdade, a quantidade de crime, o tipo de pessoa e de infração selecionados para serem criminalizados, e as categorias usadas para descrever e explicar o desviante são construções sociais, que podem variar de acordo com o tempo e espaço, ou seja, emergem da pura discricionariedade e conveniência do homem em um dado momento histórico. (YOUNG, 2002, p. 67)
Quanto ao quarto fator – que notadamente culminou na desintegração da modernidade –, diz respeito à universalidade do crime e a seletividade da justiça. Tradicionalmente a criminologia vê a criminalidade como se estivesse concentrada na parte mais baixa da estrutura de classes e como se fosse maior entre adolescentes do sexo masculino. No entanto, os crimes de colarinho branco desiquilibraram esta ortodoxia. A seletividade da justiça criminal, por seu turno, ocasiona toda uma série de ações espetaculares de discriminação e preconceito gerando um descontentamento público disseminado quanto à imparcialidade do sistema de justiça criminal.
Isso nos leva à problematização da punição e da culpabilidade – quinto e último fator –. À medida que aumentam os crimes, problemas por trás do processo de criminalização devem ser analisados, como por exemplo, como operar um sistema punitivo com recursos limitados em termos de detecção e isolamento. A reação à isto, como em qualquer outra burocracia, é tentar pegar atalhos. Consequentemente, a polícia deixou de suspeitar de indivíduos e passou a suspeitar de categorias sociais. (YOUNG, 2002, p. 74)
Corrupção, transação penal e seletividade sobre o infrator refletem na problematização da justiça. A justiça que o suposto infrator recebe torna-se resultado, não de uma culpa individual e uma punição proporcional, mas de um processo negociado, resultante de pressões políticas ou burocráticas, e não de obediência a padrões absolutos. (YOUNG, 2002, p. 75)
A partir destas análises Young volta à noção de privação relativa, que surge do fato das pessoas compararem-se umas às outras. Para o autor, quando os diferenciais se aproximam, as diferenças se tornam ainda mais evidentes. A privação relativa não desapareceu com o crescimento da riqueza, não melhorou com o avanço disseminado da cidadania – ao contrário, foi exacerbada. Mas a privação relativa não explica sozinha o aumento da criminalidade e da desordem a partir dos anos 1960. Ela origina um mal-estar que pode se manifestar de muitas maneiras, e o crime é somente uma delas. (YOUNG, 2002, p. 80)
Há um pensamento predominante, compartilhado pela esquerda e pela direita do espectro político, de que o último terço do século XX foi um período de declínio. No entanto, este declínio nada mais é do que o reflexo do triunfo do mercado.
Young alerta que a sociedade de mercado engendra uma cultura de individualismo que mina as relações e os valores necessários a uma ordem social estável, fazendo aumentar, consequentemente a criminalidade e desordem.
O sistema capitalista exige ordem política e estabilidade econômica, mas a criminalidade não representa grande ameaça, para o autor, sem dúvida alguma, a criminalidade representa uma consequência inevitável de um sistema de mercado livre bem-sucedido.
Superado o segundo capítulo, o autor traz à tona as categorias de inclusão e exclusão elaboradas por Claude Lévi-Strauss. Para Lévi-Strauss, as sociedades primitivas engolem os desviantes e adquirem sua força de trabalho – são antropofágicos –, ao passo que as sociedades modernas – antropoêmicas –, lidam com desviantes vomitando-os, conservando-os fora da sociedade ou inserindo-os em espaços determinados, mantendo-os sob constante supervisão.
Neste contexto, surgem dois termos muito utilizados por Young em toda obra, a dificuldade e a diferença. A combinação do aumento da dificuldade (crime, desordem e incivilidades) com o aumento da diferença (diversidade) resulta em uma mudança qualitativa na sociedade, como também numa mudança no sistema de controle, particularmente pelo crescimento de um sistema atuarial de justiça.
Destarte, haveria um declínio a longo prazo na tolerância, afinal, as sociedades modernas recentes consomem diversidade, elas não recuam diante da diferença, elas reciclam e a vendem no supermercado, o que estão menos inclinadas a suportar é a dificuldade (crime).
Em sentido diametralmente oposto, na modernidade, a ênfase era antropofágica. Criminosos eram reabilitados, viciados em drogas eram tratados, imigrantes assimilados, adolescentes eram ajustados e famílias disfuncionais recebiam aconselhamento para voltarem à normalidade. A modernidade não tinha medo do indivíduo difícil, não era a dificuldade que ameaçava a modernidade, era a diversidade. Sua tarefa foi transformar a diversidade em desvio (YOUNG, 2002, p. 98), ou seja, transformar o diferente em criminoso.
O mundo excludente da modernidade recente começa a mudar tudo isto. A diferença adquire valor supremo, a diferença é livremente reconhecida, aceita e, muitas vezes, certamente exagerada, é a dificuldade que é mais problemática. (YOUNG, 2002, p. 102)
O atuarialismo emerge desse contexto, como o motivo principal do controle social na sociedade moderna recente. A postura atuarial reflete o fato da criminalidade ter se tornado uma parte normalizada da vida cotidiana, onde tanto os crimes como as pequenas incivilidades geram um sentimento de desconforto e insegurança.
Com relação à esta insegurança, Young traz à tona o termo Umwelt, que representa uma proteção que os indivíduos e grupos criam e cercam a si mesmos. Pensemos, exemplificativamente, em uma bolha, e dentro desta bolha estaria inserido o homem, que evitaria ao máximo o contato com o mundo externo. Desta forma, o Umwelt teria duas dimensões, a área em que o indivíduo se sente seguro e confortável e a área em que ele está em guarda, a área de apreensão.
A natureza do Umwelt varia segundo a categoria social, é fortemente baseada no gênero, é marcada pela questão racial e pelas classes. A título de exemplo, o Umwelt representaria como a cultura dominante vê as culturas minoritárias como sinônimo de perigo, criando uma espécie de proteção ou barreira entre elas. Com efeito, o que é visto na modernidade recente, é nada mais que uma diminuição da área de segurança dos indivíduos ao passo que a área de apreensão se expande sem precedentes.
O autor aborda também a existência de uma linha de pensadores que identificam o “medo” do crime como um problema autônomo em relação à criminalidade. (YOUNG, 2002, p. 115). Contudo, o crime é parte e faz um continuum com outras formas de comportamento antissocial. (YOUNG, 2002, p. 116)
Neste contexto, Young acredita que o processo de inclusão e exclusão é que seriam as verdadeiras causas da criminalidade. Com efeito, o crime ocorre quando há inclusão social e exclusão estrutural.
Ao inverter a máxima do positivismo individual, percebe-se que o crime não é resultado de uma falta de cultura, mas da adesão a uma cultura de sucesso e individualismo. Consequentemente, ao recontextualizar o positivismo social, demonstra-se que não é a privação material, nem a falta de oportunidade que dá lugar ao crime, mas a privação no contexto da cultura do “Sonho Americano”, em que se exorta a meritocracia aberta a todos. (YOUNG, 2002, p. 125)
Tudo isso leva de volta a Lévi-Strauss e suas metáforas do antropofágico e do antropoêmico, as sociedades canibais e as sociedades que vomitam os desviantes. Como paradigma de sociedade descontente é a que faça as duas coisas, devora pessoas vorazmente e depois invariavelmente as expele. A ordem social do mundo industrial avançado é uma ordem que engole seus membros. Ela consome e assimila culturalmente massas de pessoas através da educação, da mídia e da participação no mercado. (YOUNG, 2002, p. 125)
No entanto, a crise da modernidade recente não é apenas um reflexo de uma simples exclusão. Em verdade, há um verdadeiro processo bulímico de inclusão e exclusão, onde determinados grupos sociais são incentivados à participarem do sistema capitalista, da sociedade de consumo, dos tênis de marcas, dos carros de luxos, mas, diante da impossibilidade de adentrarem neste círculo de consumo, são excluídos, estigmatizados. Consequentemente, a subclasse reage a essa superidentificação pelo crime, pela criação de gangues e de subculturas criminais. (YOUNG, 2002, p.132)
Sob esta perspectiva, o autor destaca que as diferenças culturais estão diminuindo e não aumentando. Pelo bem ou pelo mal, só uma cultura viceja, a cultura do negócio, do trabalho e do consumo. (YOUNG, 2002, p. 134)
Encerrando o terceiro capítulo, Young afirma que é um erro que a sociedade multicultural seja vista como portadora de uma série de culturas independentes umas das outras. Estes argumentos encontram-se intimamente ligados ao processo de globalização, de que está ocorrendo um processo de imperialismo cultural.
No quarto capítulo, Young aborda o problema da diferença, ou seja, como o indivíduo e a sociedade como um todo lidam com os problemas gerados por uma ordem social mais diversificada.
Segundo Young, o multiculturalismo possibilitaria a diversidade, permitiria que as pessoas fossem elas mesmas e ao mesmo tempo tolerassem o desvio.
No entanto, a retórica progressista que enfatiza a igualdade entre os diversos grupos multiculturais, por exemplo, se transformou na noção de que as pessoas são essencialmente diferentes, de que a diferença deve ser reconhecida e respeitada sob forma de igualdade de tratamento. No entanto, isto se combinou com uma forma de essencialismo, tais diferenças baseavam-se em essências aparentemente fixas e atemporais. (YOUNG, 2002, p. 154)
Para o autor, o essencialismo nada mais é do que uma forma extremada de exclusão, afinal, separa grupos humanos com base na sua cultura ou na sua natureza. (YOUNG, 2002, p.156)
Eis, portanto, a crítica do essencialismo por Young. A noção de que cultura não envolve essências atemporais. As culturas podem mudar rapidamente no tempo se as circunstâncias mudarem. Para o autor, esta hibridação torna-se cada vez mais evidente no período atual de globalização. Portanto, se rejeitarmos esse essencialismo, decorre que teremos que descartar a noção de multiculturalismo que propõe um mosaico de essências fixas, coladas ao seu passado histórico. (YOUNG, 2002, p. 161) Brilhantemente, Young demonstra como a exclusão baseada no essencialismo é requisito necessário para a demonização de parte da sociedade. Notadamente porque permite que os problemas da sociedade sejam colocados nos ombros dos “outros”, em geral percebidos como situados na “margem” da sociedade. Assim, o crime é a moeda forte desta demonização. (YOUNG, 2002, p. 165)
Sendo assim, na modernidade recente, delinquentes escolhem voluntariamente a criminalidade, sem qualquer influência de circunstancias sociais, ou seja, são vistos como a causa de todos os problemas da sociedade, quando na verdade os seus problemas é que são causados pela própria sociedade, que desampara, criminaliza e estigmatiza grupos vulneráveis.
No próximo capítulo, Young adentra na seara da exclusão social proveniente do sistema de justiça criminal, que na modernidade recente, em razão do aumento da criminalidade e da desordem, demandam a criação de soluções rápidas. Neste contexto, Young expõe algumas falácias sobre a diminuição da criminalidade na cidade de Nova Iorque que teria ocorrido entre os anos de 1993 e 1996.
De fato, entre 1993 e 1996, a taxa de criminalidade em 12 de 17 países industriais avançados caiu e várias agências de controle da criminalidade começaram a reivindicá-la para si. Em nenhum lugar tanto quanto na cidade de Nova Iorque a taxa da criminalidade desabou em 36% em três anos.
Um dos motivos atribuídos a este sucesso, seria pela aplicação da política da tolerância zero. No âmbito do policiamento, trata-se de sinalizar intolerância para com incivilidades, de varrer os desvios e a desordem das ruas, lidar com pedintes agressivos, lavadores de para-brisas de sinal, vadios, bêbados e prostitutas. (YOUNG, 2002, p. 182)
Young então desmarcara as afirmações falaciosas acerca da tolerância zero e do sucesso da Polícia de Nova Iorque para com a redução da criminalidade, afinal, afirmava-se que a tolerância zero se baseava na filosofia de “janelas quebradas”, testada em Nova Iorque e que teria levado a uma redução da criminalidade.
Em suma, a única parte verdadeira da equação é redução da criminalidade em Nova Iorque no período de 1993 a 1996. No entanto, Young esclarece que a redução não ocorreu em virtude da implementação de práticas policiais inovadoras do Departamento de Polícia de Nova Iorque, pois, o declínio da criminalidade ocorreu em cidades industrializadas de todo o mundo, muito antes de a expressão tolerância zero tornar-se um chavão internacional. Ademais, o próprio comissário do Departamento de Polícia de Nova Iorque negou explicitamente a implantação de uma política de tolerância zero. Em verdade, a grande mudança foi alterar o foco, de modo a dar mais recursos de polícia a crimes de desordem.
Esta realocação da polícia de um papel central a um mais periférico no controle da criminalidade, produziu uma concordância imediata entre criminólogos de todas as tendências teóricas. Os autores, Wilson e Kelling – da obra “Teoria das janelas quebradas” – perceberam que o controle de pequenos infratores e de comportamentos desordeiros não criminosos era tão importante para a comunidade quanto o controle da criminalidade e que este era, como efeito, o papel original da polícia. Em verdade, o controle das incivilidades seria, por assim dizer, uma partida rápida no sentido da superação da desesperança e da desintegração da comunidade. (YOUNG, 2002, p. 188)
Posteriormente, Young adentra na ideia da falácia cosmética, que concebe a criminalidade como um problema superficial da sociedade, que pode ser tratado, e não como uma doença crônica da sociedade como um todo. A ideia é de que a criminalidade causaria problemas para a sociedade, quando na verdade é a sociedade que causaria o problema da criminalidade.
Young afirma categoricamente que não se pode mais conceber a ideia de manchas cosméticas isoladas, a criminalidade já se espalhou por todo o tecido social, devendo ser abandonada a noção modernista do criminoso distinto, pois, a obviedade quanto ao infrator, como da própria infração, já não se sustentam mais na modernidade recente.
Em verdade, são os problemas estruturais do sistema que produzem as taxas de criminalidade. É necessário não apenas punir os infratores por quebrarem janelas, mas na verdade consertar as janelas. Isto é, empreender um programa de reconstrução social abrangente nas nossas cidades. Tolerância zero à criminalidade deve ser tolerância zero à desigualdade. (YOUNG, 2002, p. 205)
Neste contexto a experiência prisional norte-americana permite evidenciar outro pilar da criminologia da tolerância zero, qual seja, o aumento do uso do encarceramento. Young afirma que se a solução da criminalidade fosse o encarceramento, seria difícil imaginar o tamanho que a população carcerária teria que atingir para realizar o sonho de baixar a taxa Norte-americana a níveis Europeus. (YOUNG, 2002, p. 211)
A única lição a ser aprendida, afirma o autor, é desviar desta linha de punição desvairada, é compreender que se for necessário um gulag para manter a sociedade do vencedor leva tudo, então é a sociedade que precisa ser mudada, e não as prisões expandidas. (YOUNG, 2002, p. 214)
No sexto capítulo, Young demonstra que tanto a sociedade inclusiva dos anos 1960 quanto o mundo excludente dos anos recentes fracassaram. Com efeito, o autor acredita na superação destes modelos através de um novo inclusivismo, ou seja, um mundo que reúna as pessoas, distribuindo a riqueza de maneira justa e nivelada, garantindo, ao mesmo tempo, liberdade e diversidade. O sistema de justiça criminal isolado não consegue manter a coesão social. É para a sociedade civil que temos que nos voltar se quisermos localizar as fontes tanto da coesão como da ruptura na vida social. (YOUNG, 2002, p. 217)
Construir uma sociedade nova, justa e inclusiva demanda duas coisas: distribuição meritocrática das recompensas e uma sociedade que veja a si própria como uma unidade, respeitando ao mesmo tempo a diversidade. (YOUNG, 2002, p. 218)
A partir destas reflexões, Young adentra no sétimo capítulo, destacando como a cidade pode ser um lugar de possibilidades e estímulos intermináveis, mas também um lugar onde as pessoas se preocupam tão pouco umas com as outras que não há por que proibir a diversidade. (YOUNG, 2002, p. 246-247)
A cidade facilita uma variedade de subculturas, pois possibilita a coexistência de diferenças sociais sem exclusão. No entanto, essa diversidade só é possível diante deste cenário de impessoalidade e anonimidade.
A imagem de um mosaico de pequenos mundos que se tocam mas não se interpenetram não corresponde ao mundo moderno recente comum de transposição, globalização, hibridação, em que fronteiras se diluem e transformações ocorrem em todas as direções. (YOUNG, 2002, p. 264)
Nesse ponto, Young volta à noção de privação relativa. Porém, enfatiza o autor, que as pessoas não se sentem relativamente privadas às pessoas do mais alto escalão, mas sim com o homem da porta ao lado. Há uma comparação da posição material do indivíduo com a de outros que, espera-se, deveriam ganhar salários parecidos e ter estilos de vida semelhantes. (YOUNG, 2002, p. 270-271)
Destarte, Young defende a ideia de propagar uma política de meritocracia radical, através da qual, com a abertura do mercado de trabalho para todos, da distribuição equitativa da riqueza refletida no mérito, iniciar-se-ia, finalmente, uma efetiva transformação da sociedade.
No oitavo e último capítulo, Young caminha para o desfecho de sua obra destacando a contradição existente na modernidade recente.
Inicialmente, o autor compara o grande gulag penal construído nos Estados Unidos ao gulag russo. Segundo o autor, não só a violência é moeda corrente na cultura americana, mas também o sistema de justiça criminal, em forma de prisão, condicional e sursis. Com efeito, o gulag prisional americano representa a crise da modernidade recente na mesma medida em que o gulag russo representou um sinal para o mundo da crise da modernidade soviética.
Evidentemente, por trás de toda a frustação fomentada pelo individualismo está o motor do mercado. A globalização contribui com esse sentimento, pois, estimula diuturnamente os indivíduos à compararem uns aos outros, tornando suas vidas uma eterna disputa. De outro lado, há uma demanda de autoexpressão individual, onde o desejo de realização pessoal é obstruído pela real natureza do trabalho e das possibilidades de realização.
Para o autor, a luta por uma nova sociedade inclusiva, pautada em um novo contrato social parece ser a medida mais razoável. Este novo contrato social da modernidade recente não deve apenas prover empregos, mas insistir na meritocracia, deve buscar não apenas prover facilidades de lazer, mas voltar sua atenção para trabalho e lazer significantes, que deem à pessoa um sentido de propósito e identidade. (YOUNG, 2002, p. 288)
Sendo assim, criminalidade e intolerância ocorrem justamente quando a cidadania é anulada. A causa primeira da criminalidade reside na injustiça, e seu efeito inevitável é produzir mais injustiça e violação da cidadania. A solução deve ser encontrada não na ressureição de estabilidades passadas, mas numa nova cidadania, uma modernidade reflexiva capaz de manejar os problemas da justiça e da comunidade, da recompensa e do individualismo. (YOUNG, 2002, p. 290)
Notas
1 Gulag era um sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos, presos políticos e qualquer cidadão em geral que se opusesse ao regime na União Soviética.
Referência
YOUNG, Jock. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002. (Pensamento criminológico; 7), 3ª reimpressão, 2015.
Karine Cordazzo – Universidade Federal de Grande Dourados, Brasil. Mestranda da Universidade Federal de Grande Dourados, Brasil. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8385110584658796. E-mail: karine.cordazzo@hotmail.com
Gustavo Preussle– Universidade Federal de Grande Dourados, Brasil. Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/7966792380099410. E-mail: gustavopreussler@ufgd.edu.br
[DR]
Brasil, Argentina e Estados Unidos: conflito e integração na América do Sul (Da Tríplice Aliança ao Mercosul, 1870-2003) | Luiz Alberto Moniz Bandeira
Moniz Bandeira, mais uma vez, surpreende. Sua nova obra, fruto de trabalho intelectual iniciado há 27 anos, consolida e desdobra suas reflexões acerca da inserção internacional do Brasil, já presentes, em grande parte, em outros trabalhos de igual fôlego como O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do Prata (1980); Estado nacional e política internacional na América Latina: o continente através das relações Argentina-Brasil, 1930-1992 (1995); e Relações Brasil-EUA no contexto da globalização: rivalidade emergente (1999).
A referência aos seus trabalhos anteriores não exclui a originalidade do novo texto, que consubstancia um conhecimento resultante de três décadas de pesquisa. Ademais, Moniz Bandeira analisa a inserção internacional do Brasil no período mais recente da história das relações internacionais da mudança da conjuntura mundial em 1989-1991 aos dias atuais e comenta, sucintamente, os marcos teóricos que orientam sua reflexão, elemento praticamente ausente nos trabalhos anteriores. Leia Mais
The Paraguayan War (1864-1870) | Leslie Bethell || História do Cone Sul | Amado Luiz Cervo e Mário Raport || A guerra contra o Paraguai | Júlio J. Chiavenato || A espada de Dâmocles: O exército/ a guerra do Paraguai e a crise do Império | Wilma Peres Costa || A Guerra do Paraguai | Francisco Doratioto || Guerra do Paraguai: como construímos o conflito | Alfredo da Mota Menezes
Até onde as relações entre os Estados processam-se em virtude do confronto dos interesses independentes de cada um deles? Em que medida a História de um povo ou de um conflito pode ser pensada como um contexto autônomo frente ao contato com outras nações? As respostas para estas perguntas são múltiplas, mas, divergentes ou não, há algo que as torna semelhantes: a cada forma de contar a História das relações internacionais corresponde um projeto – pessoal ou mais comumente coletivo , de manter ou de transformar a situação atual da convivência entre os povos. Em outras palavras, o conhecimento produzido sobre o mundo não costuma estar desvinculado de um conjunto específico de interesses.
O tema da Guerra do Paraguai é perfeito para explicitar essas questões. Realmente, diversas pesquisas têm sido realizadas recentemente sobre o assunto e isso não é por acaso, já que aquele conflito representa um divisor de águas na história do Cone Sul. Numa época em que a globalização e o Mercosul dão o tom dos debates políticos e acadêmicos envolvendo o relacionamento dos países sul-americanos, discutir as origens da guerra e o real peso de influências externas ao sub-continente nas mesmas torna-se um exercício fundamental. Leia Mais
História do Cone Sul | Amado Luiz Cervo e Mario Rapoport
Este livro que acaba de ser trazido a público, História do Cone Sul, vem cumprir importante missão. Trata-se de obra coletiva, realizada por professores e pesquisadores da Universidade de Brasília e da Universidad de Buenos Aires, que pretende expor “uma nova visão do assunto”, à luz dos avanços mais recentes do conhecimento histórico e da própria realidade política regional. Do ponto de vista da criação e propagação de ideologias, a história das relações internacionais na América do Sul padecia de males de origem, que por força da repetição irrefletida de certas visões e conceitos, não acompanhava a evolução intrínseca verificada na sub-região desde o final da década de 1980. Assim, entre os objetivos dos autores estava também “redigir um texto didático para servir ao ensino de História nas universidades e nas escolas”, o que, além de necessário e urgente, preenche incômoda lacuna que insistia em nos acompanhar.
A propósito do título do livro, um dos autores assinala que o nome Cone Sul é “objetável”, pois, além de associar uma forma geométrica a um ponto cardeal, sem aludir a qualquer categoria histórica, política, econômica ou cultural, a denominação corresponde a “concepções estereotipadas do espaço”, em geral relativas a “elucubrações geopolíticas clássicas”. A questão do nome, ainda segundo o próprio livro, permanece “como uma matéria pendente” e, quer me parecer, não invalida nem põe em risco o conteúdo da obra, muito mais importante e relevante do que qualquer debate estéril sobre um conceito que, se não é consensual, ao menos identifica e remete o leitor, pela via do senso comum, ao objeto de estudo a que se refere, conforme uma rápida passagem pelo sumário pode provar. Leia Mais